Escolas iniciam novo ano lectivo sob a ameaça da asfixia financeira

08-09-2011
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Cortes na Educação estão a obrigar as escolas "a recuar muitos anos", alerta porta-voz de dirigentes escolares

Menos escolas, menos professores contratados e menos dinheiro para gerir. As contas sobre o arranque do novo ano lectivo fazem-se sobretudo com subtracções. Menos 297 escolas do 1.º ciclo, menos 5000 professores contratados e menos 506,7 milhões para gerir, dos quais cerca de 279 milhões serão retirados ao básico e ao secundário e à formação de adultos.

"Estamos a andar para trás muitos anos. As escolas não vão deixar de funcionar mas estes cortes estão a provocar um recuo que põe em causa a qualidade do trabalho", alertou ao PÚBLICO Manuel Pereira, da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), acrescentando que "não se pode cortar a direito nas escolas sem ameaçar o essencial".

Os constrangimentos financeiros surgem agudizados pelo facto de as escolas ainda não terem recebido "luz verde" do Ministério da Educação e Ciência (MEC) para a contratação de psicólogos e técnicos especializados, o que, sobretudo nas escolas com uma forte componente de cursos profissionais e de educação e formação de jovens (os chamados CEF), complica o arranque do ano. "É, neste momento, o maior constrangimento", critica o dirigente da ANDE, ajudando a perceber por que razão a maioria das escolas protelou até ao limite a abertura de portas (o calendário prevê que arranquem entre 8 e 15 de Setembro mas a maioria só abrirá no último dia).

Num ano em que o país foi posto à míngua, as incertezas quanto aos valores da acção social escolar são outro dos entraves ao normal funcionamento. "É urgentíssima a publicação do despacho da acção social escolar - não se pode dizer que esteja atrasada, até porque o ano passado só foi publicado a 14 de Setembro - mas as escolas precisam de saber quais são as verbas que a acção social atribui aos diferentes escalões", invectiva, para acrescentar que "são cada vez mais os alunos que têm na escola a única refeição decente e que aparecem sem fatos de treino nem sapatilhas para a Educação Física".

Mas para que a equação relativa ao novo ano lectivo fique completa, têm que se somar também as primeiras das muitas novidades prometidas pelo novo titular da Educação, Nuno Crato. Quase todas com impacto directo na vida dos alunos. No 1.º ciclo do básico, as turmas foram alargadas de 24 para 26 alunos. É uma reacção ("transitória", segundo o ministério) à procura excepcional de matrículas. "É o caminho inverso ao que seria desejável e que esperamos que seja rapidamente interrompido porque o ideal era que as turmas diminuíssem", reage Jorge Ascensão, vice-presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap).

Quanto às razões para este aumento, não são difíceis de adivinhar: uma "fuga" do sector privado, aliada ao fecho de 297 escolas.

De novo surgem também as provas finais de ciclo do 6.º ano a Língua Portuguesa e a Matemática. Visam permitir uma avaliação externa "nesta fase crucial do percurso escolar dos alunos", Nuno Crato. "Nada contra", reage Jorge Ascensão, "mas os resultados devem servir para monitorizar o rendimento dos alunos e não para os estigmatizar e às escolas".

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Duração das aulas à escolha

O reforço do número de horas dedicadas às disciplinas de Português e Matemática no 2.º e 3.º ciclos do básico é outra das grandes novidades. É uma medida que surge a reboque dos maus resultados nos exames nacionais (médias de 8,9 e 10,6, respectivamente). Para que este acréscimo (mais 90 minutos no 2.º ciclo e mais 45 minutos no 3.º) não resulte numa sobrecarga horária, o MEC decidiu suprimir a Área de Projecto e ajustar a carga horária do Estudo Acompanhado.

A disciplina de Português vai ficar ainda marcada pela estreia do novo programa curricular nos 1.º, 5.º e 7.º anos que incorpora substanciais alterações ao estudo da gramática. Aqui, e segundo Manuel Pereira, "as escolas estão organizadas para a mudança". A questão é que o novo programa foi qualificado como "inútil, mal organizado e palavroso" pelo próprio Nuno Crato. Que já admitiu, de resto, alterações curriculares a Português mas também a Matemática em 2012/13. Neste caso, o actual presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, Miguel Abreu, sugere que Crato devia aproveitar e dar liberdade para que os professores possam banir o uso das máquinas de calcular nas salas de aula. "É desnecessário e contraproducente sobretudo no básico, mas também no secundário". Actualmente, porque as provas de aferição do 2.º ciclo e o exame nacional do 9.º ano contemplam o recurso àquele instrumento, os professores não têm como banir o seu uso nas aulas. "Sou totalmente contra o uso da máquina de calcular, mas acredito que alguns professores considerem que ela pode ser útil, portanto acho que estes deviam dispor de liberdade para decidir", enfatiza Miguel Abreu, para preconizar que essa liberdade devia estender-se a outros níveis. "O actual documento orientador dos programas tem demasiadas indicações metodológicas sobre a maneira de conseguir que os alunos atinjam determinadas metas e penso que os professores deviam ter mais liberdade para trabalhar dentro da sala de aula".

A questão da autonomia promete, aliás, ser um dos temas marcantes deste novo ano. Nuno Crato já foi adiantando que as escolas poderão escolher a duração das aulas. Dos 30 aos 90 minutos, desde que assegurem os conteúdos programáticos. A medida reuniu consenso imediato, mas fica, por enquanto, à espera do prometido "debate nacional" em torno da autonomia das escolas. O nó górdio deste problema será a gestão financeira. "O sistema de compras pela central do Estado é terrivelmente burocrático e a maior parte das escolas não tem recursos administrativos para lidar com a sua complexidade, queixa-se Manuel Pereira, segundo o qual os directores agonizam "com a perspectiva de um contrato mal feito que possa implicar a anulação de concursos ou pagamento de indemnizações".

Cortes na Educação estão a obrigar as escolas "a recuar muitos anos", alerta porta-voz de dirigentes escolares

Menos escolas, menos professores contratados e menos dinheiro para gerir. As contas sobre o arranque do novo ano lectivo fazem-se sobretudo com subtracções. Menos 297 escolas do 1.º ciclo, menos 5000 professores contratados e menos 506,7 milhões para gerir, dos quais cerca de 279 milhões serão retirados ao básico e ao secundário e à formação de adultos.

"Estamos a andar para trás muitos anos. As escolas não vão deixar de funcionar mas estes cortes estão a provocar um recuo que põe em causa a qualidade do trabalho", alertou ao PÚBLICO Manuel Pereira, da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), acrescentando que "não se pode cortar a direito nas escolas sem ameaçar o essencial".

Os constrangimentos financeiros surgem agudizados pelo facto de as escolas ainda não terem recebido "luz verde" do Ministério da Educação e Ciência (MEC) para a contratação de psicólogos e técnicos especializados, o que, sobretudo nas escolas com uma forte componente de cursos profissionais e de educação e formação de jovens (os chamados CEF), complica o arranque do ano. "É, neste momento, o maior constrangimento", critica o dirigente da ANDE, ajudando a perceber por que razão a maioria das escolas protelou até ao limite a abertura de portas (o calendário prevê que arranquem entre 8 e 15 de Setembro mas a maioria só abrirá no último dia).

Num ano em que o país foi posto à míngua, as incertezas quanto aos valores da acção social escolar são outro dos entraves ao normal funcionamento. "É urgentíssima a publicação do despacho da acção social escolar - não se pode dizer que esteja atrasada, até porque o ano passado só foi publicado a 14 de Setembro - mas as escolas precisam de saber quais são as verbas que a acção social atribui aos diferentes escalões", invectiva, para acrescentar que "são cada vez mais os alunos que têm na escola a única refeição decente e que aparecem sem fatos de treino nem sapatilhas para a Educação Física".

Mas para que a equação relativa ao novo ano lectivo fique completa, têm que se somar também as primeiras das muitas novidades prometidas pelo novo titular da Educação, Nuno Crato. Quase todas com impacto directo na vida dos alunos. No 1.º ciclo do básico, as turmas foram alargadas de 24 para 26 alunos. É uma reacção ("transitória", segundo o ministério) à procura excepcional de matrículas. "É o caminho inverso ao que seria desejável e que esperamos que seja rapidamente interrompido porque o ideal era que as turmas diminuíssem", reage Jorge Ascensão, vice-presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap).

Quanto às razões para este aumento, não são difíceis de adivinhar: uma "fuga" do sector privado, aliada ao fecho de 297 escolas.

De novo surgem também as provas finais de ciclo do 6.º ano a Língua Portuguesa e a Matemática. Visam permitir uma avaliação externa "nesta fase crucial do percurso escolar dos alunos", Nuno Crato. "Nada contra", reage Jorge Ascensão, "mas os resultados devem servir para monitorizar o rendimento dos alunos e não para os estigmatizar e às escolas".

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Duração das aulas à escolha

O reforço do número de horas dedicadas às disciplinas de Português e Matemática no 2.º e 3.º ciclos do básico é outra das grandes novidades. É uma medida que surge a reboque dos maus resultados nos exames nacionais (médias de 8,9 e 10,6, respectivamente). Para que este acréscimo (mais 90 minutos no 2.º ciclo e mais 45 minutos no 3.º) não resulte numa sobrecarga horária, o MEC decidiu suprimir a Área de Projecto e ajustar a carga horária do Estudo Acompanhado.

A disciplina de Português vai ficar ainda marcada pela estreia do novo programa curricular nos 1.º, 5.º e 7.º anos que incorpora substanciais alterações ao estudo da gramática. Aqui, e segundo Manuel Pereira, "as escolas estão organizadas para a mudança". A questão é que o novo programa foi qualificado como "inútil, mal organizado e palavroso" pelo próprio Nuno Crato. Que já admitiu, de resto, alterações curriculares a Português mas também a Matemática em 2012/13. Neste caso, o actual presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, Miguel Abreu, sugere que Crato devia aproveitar e dar liberdade para que os professores possam banir o uso das máquinas de calcular nas salas de aula. "É desnecessário e contraproducente sobretudo no básico, mas também no secundário". Actualmente, porque as provas de aferição do 2.º ciclo e o exame nacional do 9.º ano contemplam o recurso àquele instrumento, os professores não têm como banir o seu uso nas aulas. "Sou totalmente contra o uso da máquina de calcular, mas acredito que alguns professores considerem que ela pode ser útil, portanto acho que estes deviam dispor de liberdade para decidir", enfatiza Miguel Abreu, para preconizar que essa liberdade devia estender-se a outros níveis. "O actual documento orientador dos programas tem demasiadas indicações metodológicas sobre a maneira de conseguir que os alunos atinjam determinadas metas e penso que os professores deviam ter mais liberdade para trabalhar dentro da sala de aula".

A questão da autonomia promete, aliás, ser um dos temas marcantes deste novo ano. Nuno Crato já foi adiantando que as escolas poderão escolher a duração das aulas. Dos 30 aos 90 minutos, desde que assegurem os conteúdos programáticos. A medida reuniu consenso imediato, mas fica, por enquanto, à espera do prometido "debate nacional" em torno da autonomia das escolas. O nó górdio deste problema será a gestão financeira. "O sistema de compras pela central do Estado é terrivelmente burocrático e a maior parte das escolas não tem recursos administrativos para lidar com a sua complexidade, queixa-se Manuel Pereira, segundo o qual os directores agonizam "com a perspectiva de um contrato mal feito que possa implicar a anulação de concursos ou pagamento de indemnizações".

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