Paiva Couceiro O paladino renascido

08-09-2011
marcar artigo

O arquivo de Paiva Couceiro está finalmente disponível para investigação. Os seus descendentes vão doá-lo à Torre do Tombo. E chega às livrarias uma obra, organizada por Filipe Ribeiro de Meneses, que reúne parte do acervo

Desde pequeno que Miguel Luiz de Noronha de Paiva Couceiro ouvia falar, em sua casa, numa torre "muito grande e muito escura" na qual estavam guardados os maiores tesouros nacionais - a Torre do Tombo. Era lá, contava o seu pai, Miguel António do Carmo de Noronha de Paiva Couceiro, que estava depositado o contrato de dote celebrado em 1431 entre o pai de Brites de Meneses e o seu futuro genro, Afonso de Noronha - foi esta a primeira aliança entre os Meneses e os Noronhas.

Cinco séculos depois, Henrique de Paiva Couceiro, avô de Miguel, teve ao seu lado, nas incursões monárquicas de 1911 e 1912, e no breve período da Monarquia do Norte, o oficial Vítor Ribeiro de Meneses, tio-avô do historiador Filipe Ribeiro de Meneses. E no ano passado, Miguel e Filipe iniciaram a terceira aliança, trabalhando em conjunto na análise e selecção do espólio pessoal de Henrique Paiva Couceiro.

A tradução dessa aliança encontra-se numa monumental obra que estará nas livrarias a partir do próximo fim-de-semana: Paiva Couceiro - Diários, Correspondência e Escritos Dispersos (D. Quixote), um livro que reúne uma parte do acervo documental do "Comandante"monárquico, desde 1902, ano de iniciação na política activa, até à sua morte, em 1944. E um dos momentos simbólicos da colaboração entre Paiva Couceiro e Meneses, suscitada pela "descoberta" do acervo pessoal de Henrique de Paiva Couceiro, acontecerá no dia 14, a partir das 18h30, na cerimónia de doação do arquivo à Torre do Tombo. A ocasião servirá também para a apresentação pública da obra.

A ideia de reunir em livro alguns dos documentos mais importantes que Paiva Couceiro (1861-1944) guardou ao longo de décadas - referentes, sobretudo, à sua actividade política durante a I República, a ditadura militar e o Estado Novo - começou a fermentar em 2009, depois de Miguel de Paiva Couceiro descobrir o que continham aquelas dezenas de caixas que, durante a sua adolescência, serviam de bancos improvisados nas festas que dava, juntamente com os três irmãos, na garagem da casa de Santo Amaro de Oeiras.

Milhares de documentos, entre panfletos, artigos de jornais, apontamentos, diários e cartas, foram então digitalizados, decifrados e transcritos, numa trabalhosa tarefa que envolveu apenas quatro pessoas: Miguel, o seu irmão mais novo, Nuno, que vive em São Paulo (Brasil), Luís Filipe Ribeiro de Meneses, primo do historiador e amigo de longa data de Miguel, e, finalmente, Filipe Ribeiro de Meneses.

O historiador, autor da biografia política de Oliveira Salazar e de obras sobre a I República, afirma que a sua leitura sobre Henrique Paiva Couceiro, um indefectível defensor da causa monárquica que lutou, desde a instauração da República, pela restauração de uma monarquia tradicionalista e antiparlamentar, sofreu alterações: "Dei-me conta que nunca parou, ao longo da sua vida, de estudar soluções possíveis para os problemas portugueses e de tentar implantar essas soluções. Ia muito para além do simples homem de acção. Lia, meditava, escrevia, sempre sobre Portugal e o seu futuro."

O melhor do Público no email Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Subscrever ×

Entre as soluções, muitas delas vertidas para artigos de jornais, livros e manifestos, estava um plebiscito entre a Monarquia e a República - uma ideia que parecia desagradar a todos, desde os membros do Governo Provisório (1910-1911) até aos próprios monárquicos, passando por D. Manuel II, exilado em Londres - e a defesa intransigente das colónias, sobretudo perante a ameaça de outras potências imperiais (já septuagenário, Paiva Couceiro vai contestar a política colonial de Salazar e o presidente do Conselho não perdoou a discussão pública, prendendo o "paladino" e condenando-o mais uma vez ao exílio). Foi "um homem que não baixou os braços" e um "lutador pela pena e pela espada", define Ribeiro de Meneses, numa referência à perseverança e obstinação demonstradas sobretudo após as derrotas das incursões monárquicas de Outubro de 1911 e Julho de 1912, quando bandos de seguidores do "D. Quixote" lusitano entraram armados pelas terras do Norte para cumprir a contra-revolução monárquica.

Mudanças na historiografia

O exílio parece nunca ter assustado Paiva Couceiro, que, em Janeiro de 1919, aproveitou o período conturbado do regime (um Governo composto por sidonistas que tentava segurar o poder perante as investidas de afonsistas e figuras maiores da República Velha) para instaurar a Monarquia do Norte e restaurar a Carta Constitucional no Porto. O reino durou menos de um mês e Paiva Couceiro viu-se obrigado, mais uma vez, a exilar-se em Espanha. Não descurou, porém, a sua intervenção política: a partir de Madrid, enviou um memorando para a Conferência de Paz, onde a delegação nacional, liderada por Afonso Costa, reivindicava indemnizações à Alemanha devido aos prejuízos causados pela intervenção na Grande Guerra, alertando para a necessidade de um plebiscito sobre o regime.

A actuação de Paiva Couceiro no período pós-Monarquia do Norte foi algo que surpreendeu Ribeiro de Meneses e que poderá, no entender do historiador, produzir alterações na historiografia nacional. "A importância de Paiva Couceiro na política monárquica após a Monarquia do Norte reflecte-se na correspondência com o próprio Rei, que se reconcilia com ele; na ida a Londres, em 1920, e nos contactos desenvolvidos por essa altura; na forma como se mantém em contacto com todas as facções, aconselhando-as sempre a evitar as questões pessoais; no aparecimento da Acção Realista Portuguesa, que se identifica com o posicionamento de Paiva Couceiro", explica, notando que todas as situaçõesestão agora sustentadas em documentos descobertos no Arquivo Paiva Couceiro e publicados em Paiva Couceiro - Diários, Correspondência e Escritos Dispersos.

O arquivo de Paiva Couceiro está finalmente disponível para investigação. Os seus descendentes vão doá-lo à Torre do Tombo. E chega às livrarias uma obra, organizada por Filipe Ribeiro de Meneses, que reúne parte do acervo

Desde pequeno que Miguel Luiz de Noronha de Paiva Couceiro ouvia falar, em sua casa, numa torre "muito grande e muito escura" na qual estavam guardados os maiores tesouros nacionais - a Torre do Tombo. Era lá, contava o seu pai, Miguel António do Carmo de Noronha de Paiva Couceiro, que estava depositado o contrato de dote celebrado em 1431 entre o pai de Brites de Meneses e o seu futuro genro, Afonso de Noronha - foi esta a primeira aliança entre os Meneses e os Noronhas.

Cinco séculos depois, Henrique de Paiva Couceiro, avô de Miguel, teve ao seu lado, nas incursões monárquicas de 1911 e 1912, e no breve período da Monarquia do Norte, o oficial Vítor Ribeiro de Meneses, tio-avô do historiador Filipe Ribeiro de Meneses. E no ano passado, Miguel e Filipe iniciaram a terceira aliança, trabalhando em conjunto na análise e selecção do espólio pessoal de Henrique Paiva Couceiro.

A tradução dessa aliança encontra-se numa monumental obra que estará nas livrarias a partir do próximo fim-de-semana: Paiva Couceiro - Diários, Correspondência e Escritos Dispersos (D. Quixote), um livro que reúne uma parte do acervo documental do "Comandante"monárquico, desde 1902, ano de iniciação na política activa, até à sua morte, em 1944. E um dos momentos simbólicos da colaboração entre Paiva Couceiro e Meneses, suscitada pela "descoberta" do acervo pessoal de Henrique de Paiva Couceiro, acontecerá no dia 14, a partir das 18h30, na cerimónia de doação do arquivo à Torre do Tombo. A ocasião servirá também para a apresentação pública da obra.

A ideia de reunir em livro alguns dos documentos mais importantes que Paiva Couceiro (1861-1944) guardou ao longo de décadas - referentes, sobretudo, à sua actividade política durante a I República, a ditadura militar e o Estado Novo - começou a fermentar em 2009, depois de Miguel de Paiva Couceiro descobrir o que continham aquelas dezenas de caixas que, durante a sua adolescência, serviam de bancos improvisados nas festas que dava, juntamente com os três irmãos, na garagem da casa de Santo Amaro de Oeiras.

Milhares de documentos, entre panfletos, artigos de jornais, apontamentos, diários e cartas, foram então digitalizados, decifrados e transcritos, numa trabalhosa tarefa que envolveu apenas quatro pessoas: Miguel, o seu irmão mais novo, Nuno, que vive em São Paulo (Brasil), Luís Filipe Ribeiro de Meneses, primo do historiador e amigo de longa data de Miguel, e, finalmente, Filipe Ribeiro de Meneses.

O historiador, autor da biografia política de Oliveira Salazar e de obras sobre a I República, afirma que a sua leitura sobre Henrique Paiva Couceiro, um indefectível defensor da causa monárquica que lutou, desde a instauração da República, pela restauração de uma monarquia tradicionalista e antiparlamentar, sofreu alterações: "Dei-me conta que nunca parou, ao longo da sua vida, de estudar soluções possíveis para os problemas portugueses e de tentar implantar essas soluções. Ia muito para além do simples homem de acção. Lia, meditava, escrevia, sempre sobre Portugal e o seu futuro."

O melhor do Público no email Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Subscrever ×

Entre as soluções, muitas delas vertidas para artigos de jornais, livros e manifestos, estava um plebiscito entre a Monarquia e a República - uma ideia que parecia desagradar a todos, desde os membros do Governo Provisório (1910-1911) até aos próprios monárquicos, passando por D. Manuel II, exilado em Londres - e a defesa intransigente das colónias, sobretudo perante a ameaça de outras potências imperiais (já septuagenário, Paiva Couceiro vai contestar a política colonial de Salazar e o presidente do Conselho não perdoou a discussão pública, prendendo o "paladino" e condenando-o mais uma vez ao exílio). Foi "um homem que não baixou os braços" e um "lutador pela pena e pela espada", define Ribeiro de Meneses, numa referência à perseverança e obstinação demonstradas sobretudo após as derrotas das incursões monárquicas de Outubro de 1911 e Julho de 1912, quando bandos de seguidores do "D. Quixote" lusitano entraram armados pelas terras do Norte para cumprir a contra-revolução monárquica.

Mudanças na historiografia

O exílio parece nunca ter assustado Paiva Couceiro, que, em Janeiro de 1919, aproveitou o período conturbado do regime (um Governo composto por sidonistas que tentava segurar o poder perante as investidas de afonsistas e figuras maiores da República Velha) para instaurar a Monarquia do Norte e restaurar a Carta Constitucional no Porto. O reino durou menos de um mês e Paiva Couceiro viu-se obrigado, mais uma vez, a exilar-se em Espanha. Não descurou, porém, a sua intervenção política: a partir de Madrid, enviou um memorando para a Conferência de Paz, onde a delegação nacional, liderada por Afonso Costa, reivindicava indemnizações à Alemanha devido aos prejuízos causados pela intervenção na Grande Guerra, alertando para a necessidade de um plebiscito sobre o regime.

A actuação de Paiva Couceiro no período pós-Monarquia do Norte foi algo que surpreendeu Ribeiro de Meneses e que poderá, no entender do historiador, produzir alterações na historiografia nacional. "A importância de Paiva Couceiro na política monárquica após a Monarquia do Norte reflecte-se na correspondência com o próprio Rei, que se reconcilia com ele; na ida a Londres, em 1920, e nos contactos desenvolvidos por essa altura; na forma como se mantém em contacto com todas as facções, aconselhando-as sempre a evitar as questões pessoais; no aparecimento da Acção Realista Portuguesa, que se identifica com o posicionamento de Paiva Couceiro", explica, notando que todas as situaçõesestão agora sustentadas em documentos descobertos no Arquivo Paiva Couceiro e publicados em Paiva Couceiro - Diários, Correspondência e Escritos Dispersos.

marcar artigo