Crónica de Rodrigo Guedes de Carvalho: Embaraços

03-05-2014
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1. Para não utilizar outra expressão, achei curiosa a reacção de Miguel Relvas no confronto com o embaraço de protestos cantados. Bem sei que a inovação nem sempre tem resposta pronta, e não será fácil encontrar forma de enfrentar algo que é ao mesmo tempo um protesto claro mas soa a embalo de festa. Como não é fácil de reagir a protesto não-violento: em caso de agressão ou insulto óbvio e perigoso, Relvas sairia sempre como a vítima indefesa. Perante uma manifestação mais ou menos pacífica, a coisa torna-se mais difícil de gerir. E que fez o ministro perante os manifestantes-cantores? Sorriu, acabrunhado, com a expressão óbvia de quem não sabe o que fazer e tem de pensar depressa, e tentou acompanhar a cantilena. É um momento estranho, porque Miguel Relvas consegue, ao mesmo tempo, demonstrar que não faz a mínima ideia da letra de uma canção que a sua geração assobia de cor, como a sua atitude pode facilmente ser encarada como um escárnio pelo protesto. Mas pronto, como diria o outro, a coisa passou-se, e Relvas tem sempre a argumentação de ter sido apanhado de surpresa, e poder encarar quem o possa criticar com a simples pergunta: e tu, o que farias no meu lugar? Já o que se passou no dia seguinte é completamente diferente. Em apenas 24 horas, o ministro ficou sem memória e sem capacidade de antecipação, características que protegem os políticos de muitas situações de potencial embaraço. Porque, pelos vistos, não contava com nova cantilena numa universidade, depois de as imagens do que se passou no Clube dos Pensadores serem amplamente difundidas, repetidas e comentadas nas televisões e nas redes sociais. É extraordinário que, depois dos sorrisos nervosos do dia anterior, o ministro e os seus seguranças fiquem espantados quando o fenómeno se repete... numa plateia repleta de estudantes universitários. Extraordinário também o aparato da sua saída da sala, uma confusão tensa que nos faz pensar que o ministro estaria em maus lençóis, se em vez de cantigas os estudantes levassem na ideia atitudes mais radicais. Seguiram-se depois, e sem surpresa, mais protestos com a mesma cantiga, uns devidamente organizados e calendarizados, outros, nítidos e pequenos fenómenos de imitação do que se vai vendo na televisão. Chegados a este ponto, importará que governantes e manifestantes façam um balanço, uns para se prepararem devidamente, outros para discutirem, e analisarem bem, se estas recepções cantadas terão algum efeito prático que não seja aparecer mais uma vez nos telejornais.

2. Embaraço já será palavra pouca para descrever o que atravessa, por esta altura, D. Carlos Azevedo. O bispo português, que chegou a Roma, é acusado de assédio sexual. Como se calcula, não me caberão juízos de valor sobre alegados actos, e muito menos concluir que as acusações são verdadeiras ou falsas. Fico-me, apenas por duas ideias. A primeira é que me custa aceitar a teoria conspirativa. Que as acusações ao bispo português teriam como finalidade fragilizar as possibilidades de eleição como novo Papa do cardeal com quem directamente trabalha. Parece-me demasiado rebuscado, e de eficácia incerta que se atinja alguém manchando o nome de um subordinado. A segunda ideia que me fica é, confesso, de algum positivo espanto pelo desassombro e frontalidade de alguns membros da Igreja portuguesa sobre o caso. Sem entrarem (pelo que ouvi) em acusações directas sobre o caso dos assédios em questão, escutámos, sem rodeios, opiniões que devem levar a Igreja a reflectir. Vimos e ouvimos mais do que teólogo ou padre afirmar, sem subtilezas, que a homossexualidade de D. Carlos Azevedo era conhecida. E mais: que isto deveria servir para que se dissuadisse, de uma vez por todas, os homossexuais de abraçarem a vocação. Parece bruto e sobretudo politicamente incorrecto, mas é sensato e completamente de acordo com o que a doutrina defende (ou repudia). Dito de outra forma, e comparando com exemplos mais mundanos, é como se se alertasse os potenciais candidatos a um clube ou associação a lerem muito bem os regulamentos antes de avançarem. De realçar que se trata de suspeita, muitíssimo diferente dos escândalos de pedofilia. Neste caso, o que se tenha ou não passado terá sido sempre entre dois adultos, donos da sua consciência. Mas, pelo que acabei de lembrar, não é um pequeno pormenor que seja um membro da Igreja. E seja qual for a sua defesa, D. Carlos Azevedo saberá isso, e não poderá minimizar as suspeitas.

1. Para não utilizar outra expressão, achei curiosa a reacção de Miguel Relvas no confronto com o embaraço de protestos cantados. Bem sei que a inovação nem sempre tem resposta pronta, e não será fácil encontrar forma de enfrentar algo que é ao mesmo tempo um protesto claro mas soa a embalo de festa. Como não é fácil de reagir a protesto não-violento: em caso de agressão ou insulto óbvio e perigoso, Relvas sairia sempre como a vítima indefesa. Perante uma manifestação mais ou menos pacífica, a coisa torna-se mais difícil de gerir. E que fez o ministro perante os manifestantes-cantores? Sorriu, acabrunhado, com a expressão óbvia de quem não sabe o que fazer e tem de pensar depressa, e tentou acompanhar a cantilena. É um momento estranho, porque Miguel Relvas consegue, ao mesmo tempo, demonstrar que não faz a mínima ideia da letra de uma canção que a sua geração assobia de cor, como a sua atitude pode facilmente ser encarada como um escárnio pelo protesto. Mas pronto, como diria o outro, a coisa passou-se, e Relvas tem sempre a argumentação de ter sido apanhado de surpresa, e poder encarar quem o possa criticar com a simples pergunta: e tu, o que farias no meu lugar? Já o que se passou no dia seguinte é completamente diferente. Em apenas 24 horas, o ministro ficou sem memória e sem capacidade de antecipação, características que protegem os políticos de muitas situações de potencial embaraço. Porque, pelos vistos, não contava com nova cantilena numa universidade, depois de as imagens do que se passou no Clube dos Pensadores serem amplamente difundidas, repetidas e comentadas nas televisões e nas redes sociais. É extraordinário que, depois dos sorrisos nervosos do dia anterior, o ministro e os seus seguranças fiquem espantados quando o fenómeno se repete... numa plateia repleta de estudantes universitários. Extraordinário também o aparato da sua saída da sala, uma confusão tensa que nos faz pensar que o ministro estaria em maus lençóis, se em vez de cantigas os estudantes levassem na ideia atitudes mais radicais. Seguiram-se depois, e sem surpresa, mais protestos com a mesma cantiga, uns devidamente organizados e calendarizados, outros, nítidos e pequenos fenómenos de imitação do que se vai vendo na televisão. Chegados a este ponto, importará que governantes e manifestantes façam um balanço, uns para se prepararem devidamente, outros para discutirem, e analisarem bem, se estas recepções cantadas terão algum efeito prático que não seja aparecer mais uma vez nos telejornais.

2. Embaraço já será palavra pouca para descrever o que atravessa, por esta altura, D. Carlos Azevedo. O bispo português, que chegou a Roma, é acusado de assédio sexual. Como se calcula, não me caberão juízos de valor sobre alegados actos, e muito menos concluir que as acusações são verdadeiras ou falsas. Fico-me, apenas por duas ideias. A primeira é que me custa aceitar a teoria conspirativa. Que as acusações ao bispo português teriam como finalidade fragilizar as possibilidades de eleição como novo Papa do cardeal com quem directamente trabalha. Parece-me demasiado rebuscado, e de eficácia incerta que se atinja alguém manchando o nome de um subordinado. A segunda ideia que me fica é, confesso, de algum positivo espanto pelo desassombro e frontalidade de alguns membros da Igreja portuguesa sobre o caso. Sem entrarem (pelo que ouvi) em acusações directas sobre o caso dos assédios em questão, escutámos, sem rodeios, opiniões que devem levar a Igreja a reflectir. Vimos e ouvimos mais do que teólogo ou padre afirmar, sem subtilezas, que a homossexualidade de D. Carlos Azevedo era conhecida. E mais: que isto deveria servir para que se dissuadisse, de uma vez por todas, os homossexuais de abraçarem a vocação. Parece bruto e sobretudo politicamente incorrecto, mas é sensato e completamente de acordo com o que a doutrina defende (ou repudia). Dito de outra forma, e comparando com exemplos mais mundanos, é como se se alertasse os potenciais candidatos a um clube ou associação a lerem muito bem os regulamentos antes de avançarem. De realçar que se trata de suspeita, muitíssimo diferente dos escândalos de pedofilia. Neste caso, o que se tenha ou não passado terá sido sempre entre dois adultos, donos da sua consciência. Mas, pelo que acabei de lembrar, não é um pequeno pormenor que seja um membro da Igreja. E seja qual for a sua defesa, D. Carlos Azevedo saberá isso, e não poderá minimizar as suspeitas.

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