Quando a dez dias do natal um "lobo solitário" se barricou com 17 reféns numa loja de chocolates, cedo percebemos que aquilo também era connosco. Desta vez morreriam três, o carrasco e dois reféns. Desta vez seria em Sydney e veríamos na televisão os salvados a escapar, espavoridos. Desta vez não poderia ter sido mais longe - e, no entanto, sentimos que é cada vez mais perto. Os nossos antípodas são a Jihad, geografia do terror.
Lobo solitário, mártir, mujahdin, guerra santa são termos de uma cenografia propagandística assustadoramente eficaz. É como "Estado Islâmico", que não é um estado e, podemos argumentar, nem islâmico é - é radicalismo extremista, financiado por venda ilegal de petróleo e tráfico de droga. Um assassino é um assassino, não é um utopista perseguindo um ideal de reparação da humanidade com as suas deidades.
Há já milhares de jiadistas europeus, assassinos ou terroristas. Alguns são portugueses ou lusodescendentes. Vão para a Síria. Matam. Morrem. Um deles casou-se com Ângela, que nunca vira. Atrás do niqab, Ângela, agora Umm, mostra apenas uns olhos enormes, berlindes escuros magnéticos... sob as pestanas penteadas com rímel, numa metáfora da imagem que os jiadistas querem cativante. Desta vez pela beleza numa nesga de cara. Normalmente pela lavagem ao cérebro inteiro.
"They don't like it", diz Ângela ao Expresso referindo-se à sua família, "but they accept it now because It makes me happy [and] they can't change that". Talvez sim, talvez Ângela esteja feliz na Síria e talvez não, talvez a família não possa mudar isso lá no Alentejo. A maior parte das famílias não quer falar do assunto, tem vergonha ou tem medo ou está em choque. "Ela decidiu que essa é a sua vida e eu tenho de seguir com a minha" contava no "El Mundo" a mãe de Lubna Mohamed, mais uma mulher que foi para a desdita, "pediu-me que seja feliz".
Edgar, Celso, Fábio, Patrício, Funa são cinco dos jihadistas portugueses que estão na Síria e cujos passos o Expresso seguiu meses a fio, começando no Café Cascais, em Leyton, arrabaldes de Londres - ou "londonistão", como os franceses lhe chamaram, com indisfarçável desprezo. Celso deixa-se fotografar ao lado do rapper alemão Deso Dogg, um dos ativos propagandistas do Estado Islâmico - e ao lado de Fábio, rapaz bonito da linha de Sintra, que numa fotografia está equipado para jogar à bola com cara de puto e na outra aparece de metralhadora com a mesma cara de puto. Funa, outro, já morreu.
Estes são os cinco personagens principais do documentário web que o Expresso produziu sobre os portugueses na Jihad, a que se somam outros personagens (por enquanto) secundários. Pode vê-los ao longo dos quatro capítulos deste trabalho , que começa no Café Cascais (no capítulo "Matar e Morrer"), descreve os jiadistas na segunda parte e tem na terceira parte ("Londonistão") algumas imagens que podem impressionar alguns leitores. No código não escrito que os grandes jornais internacionais usam para noticiar o terror jiadista, não se mostram decapitações, não se satisfaz a intenção sádica e propagandista de quem não só sabe usar as redes sociais como produz com a sofisticação dos vídeos da MTV, filtros de imagem, sons de estúdio, efeitos de cinema, câmaras-lenta, zooms, trailings... O mesmo código leva, no entanto, a reportagens de órgãos como a BBC a mostrar trechos curtos sem sangue mas com morte, para não esconder a brutalidade do terrorismo que nos assalta.
Já passámos a fase em que nos inquietávamos com a angariação no ocidente de radicais. O professor Anthony Richards, o investigador Jonathan Russel ou os pacifistas Joe Mulhal e Nick Lowles falam nisso ao Expresso, frisando o poder da máquina de propaganda e a dificuldade em combater o extremismo fora das mesquitas - e no espaço online. "Tens o vídeo da execução de ontem?", pergunta o "sniper e soldado de Alá desde o dia 11 de setembro de 2001". Resposta: "Ainda não. O vídeo foi adiado para hoje. Vou dar o meu melhor para tê-lo pronto".
E agora, o que fazemos? E como tratamos os que vão regressando? Como evitamos a repetição de ataques como o sequestro na Austrália? Ou os ataques anteriores no Canadá, nos Estados Unidos, em Londres ou no museu judaico de Bruxelas? É com este tema que fechamos o documentário, no capítulo final ("Campos da Morte"). Porque os que voltam trazem experiência de guerra. Porque os que voltam odiarão ainda mais se forem odiados. Porque os direitos humanos têm de ser respeitados mesmo com aqueles que os violam. Morrer e matar não é fazer um vídeo, é morrer e matar. Seja nos campos de guerra na Síria ou numa loja de chocolates na Austrália, o ocidente somos nós.
VEJA AQUI A REPORTAGEM MULTIMÉDIA
Quando a dez dias do natal um "lobo solitário" se barricou com 17 reféns numa loja de chocolates, cedo percebemos que aquilo também era connosco. Desta vez morreriam três, o carrasco e dois reféns. Desta vez seria em Sydney e veríamos na televisão os salvados a escapar, espavoridos. Desta vez não poderia ter sido mais longe - e, no entanto, sentimos que é cada vez mais perto. Os nossos antípodas são a Jihad, geografia do terror.
Lobo solitário, mártir, mujahdin, guerra santa são termos de uma cenografia propagandística assustadoramente eficaz. É como "Estado Islâmico", que não é um estado e, podemos argumentar, nem islâmico é - é radicalismo extremista, financiado por venda ilegal de petróleo e tráfico de droga. Um assassino é um assassino, não é um utopista perseguindo um ideal de reparação da humanidade com as suas deidades.
Há já milhares de jiadistas europeus, assassinos ou terroristas. Alguns são portugueses ou lusodescendentes. Vão para a Síria. Matam. Morrem. Um deles casou-se com Ângela, que nunca vira. Atrás do niqab, Ângela, agora Umm, mostra apenas uns olhos enormes, berlindes escuros magnéticos... sob as pestanas penteadas com rímel, numa metáfora da imagem que os jiadistas querem cativante. Desta vez pela beleza numa nesga de cara. Normalmente pela lavagem ao cérebro inteiro.
"They don't like it", diz Ângela ao Expresso referindo-se à sua família, "but they accept it now because It makes me happy [and] they can't change that". Talvez sim, talvez Ângela esteja feliz na Síria e talvez não, talvez a família não possa mudar isso lá no Alentejo. A maior parte das famílias não quer falar do assunto, tem vergonha ou tem medo ou está em choque. "Ela decidiu que essa é a sua vida e eu tenho de seguir com a minha" contava no "El Mundo" a mãe de Lubna Mohamed, mais uma mulher que foi para a desdita, "pediu-me que seja feliz".
Edgar, Celso, Fábio, Patrício, Funa são cinco dos jihadistas portugueses que estão na Síria e cujos passos o Expresso seguiu meses a fio, começando no Café Cascais, em Leyton, arrabaldes de Londres - ou "londonistão", como os franceses lhe chamaram, com indisfarçável desprezo. Celso deixa-se fotografar ao lado do rapper alemão Deso Dogg, um dos ativos propagandistas do Estado Islâmico - e ao lado de Fábio, rapaz bonito da linha de Sintra, que numa fotografia está equipado para jogar à bola com cara de puto e na outra aparece de metralhadora com a mesma cara de puto. Funa, outro, já morreu.
Estes são os cinco personagens principais do documentário web que o Expresso produziu sobre os portugueses na Jihad, a que se somam outros personagens (por enquanto) secundários. Pode vê-los ao longo dos quatro capítulos deste trabalho , que começa no Café Cascais (no capítulo "Matar e Morrer"), descreve os jiadistas na segunda parte e tem na terceira parte ("Londonistão") algumas imagens que podem impressionar alguns leitores. No código não escrito que os grandes jornais internacionais usam para noticiar o terror jiadista, não se mostram decapitações, não se satisfaz a intenção sádica e propagandista de quem não só sabe usar as redes sociais como produz com a sofisticação dos vídeos da MTV, filtros de imagem, sons de estúdio, efeitos de cinema, câmaras-lenta, zooms, trailings... O mesmo código leva, no entanto, a reportagens de órgãos como a BBC a mostrar trechos curtos sem sangue mas com morte, para não esconder a brutalidade do terrorismo que nos assalta.
Já passámos a fase em que nos inquietávamos com a angariação no ocidente de radicais. O professor Anthony Richards, o investigador Jonathan Russel ou os pacifistas Joe Mulhal e Nick Lowles falam nisso ao Expresso, frisando o poder da máquina de propaganda e a dificuldade em combater o extremismo fora das mesquitas - e no espaço online. "Tens o vídeo da execução de ontem?", pergunta o "sniper e soldado de Alá desde o dia 11 de setembro de 2001". Resposta: "Ainda não. O vídeo foi adiado para hoje. Vou dar o meu melhor para tê-lo pronto".
E agora, o que fazemos? E como tratamos os que vão regressando? Como evitamos a repetição de ataques como o sequestro na Austrália? Ou os ataques anteriores no Canadá, nos Estados Unidos, em Londres ou no museu judaico de Bruxelas? É com este tema que fechamos o documentário, no capítulo final ("Campos da Morte"). Porque os que voltam trazem experiência de guerra. Porque os que voltam odiarão ainda mais se forem odiados. Porque os direitos humanos têm de ser respeitados mesmo com aqueles que os violam. Morrer e matar não é fazer um vídeo, é morrer e matar. Seja nos campos de guerra na Síria ou numa loja de chocolates na Austrália, o ocidente somos nós.
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