Opinião

15-08-2014
marcar artigo

Alterar tamanho de letra Editorial Os ziguezagues do Governo Até 2012, os funcionários das empresas públicas de transportes tinham direito a viajar gratuitamente. Em 2013, o Governo indignou-se com essa regalia, que supostamente ajudaria a pôr em causa a sobrevivência financeira do Estado, e acabou com ela, permitindo apenas que os trabalhadores viajassem de borla entre casa e o trabalho e tivessem descontos de 25% nas restantes deslocações. Em 2014, esses descontos vão passar para 75%.

Com os familiares dos funcionários das empresas públicas de transportes, aconteceu uma coisa parecida. Até 2012, tinham direito a viajar gratuitamente. Em 2013, o Governo indignou--se com essa regalia, que supostamente ajudaria a pôr em causa a sobrevivência financeira do Estado, e acabou com ela. Em 2014, esses familiares vão passar a ter descontos de 50%.

Estes ziguezages foram anunciados, com cara séria, pelo ministro da Economia, no Parlamento. Tirando o “milagre económico” que só António Pires de Lima consegue ver, o que é que aconteceu ao longo do ano 2013 para que um corte se transformasse numa regalia e um privilégio inaceitável se transformasse num direito inalienável?

Aparentemente, nada. Mas o ministro da Economia não se deixou demover por isso. Durante um debate com os deputados, Pires de Lima deu o argumento definitivo: “É uma questão de equidade que continua a ser dada noutros regimes de estatuto público.” Onde é que já ouvimos a palavra “equidade” ser usada antes para fazer recuar cortes na função pública? Sim, exacto: Pires de Lima parece um juiz do Tribunal Constitucional a falar.

Esta foi uma semana de ideias fervilhantes para o ministro da Economia. No mesmo dia em que anunciou o regresso dos descontos nas empresas públicas de transportes, António Pires de Lima partilhou com os deputados outra proposta revolucionária do Governo: instituir o “empreendedorismo” como uma disciplina do ensino obrigatório. De acordo com o ministro, “os jovens devem ser sensibilizados para a iniciativa desde muito cedo”.

Não se trata apenas de uma ideia. É mais do que isso – é quase uma decisão. Afinal, a pesada máquina do Estado já começou a tratar do assunto. De acordo com Pires de Lima, o tema já foi falado com o Ministério da Educação, o que faz com que se comece a tornar uma iniciativa imparável.

Como se sabe, os alunos têm problemas com a Matemática, com o Português e com várias outras disciplinas básicas. Mas, em vez de se concentrar em melhorar as prestações nessas áreas, o Governo prefere uma outra ambição. As crianças podem não saber somar “2+2”, mas livrem-se de deixar a escola sem muita “iniciativa”, sem muita ambição, sem muita capacidade para alcançar o sucesso. É muito difícil o Estado resistir à tentação de tentar mudar a cabeça do seu povo.

Em Dezembro de 2006, o PS-no-Governo assinou um acordo de concertação social em que se comprometia a subir o salário mínimo para 500 euros em 2011. Em Dezembro de 2010, o PS-no-Governo recuou e adiou esse compromisso para Maio e Setembro de 2011, altura em que o salário mínimo atingiria então os 500 euros. Em Maio de 2011, o PS-no-Governo falhou esse compromisso e não mexeu no salário mínimo. E no dia 17 de Maio de 2011, o PS-no-Governo assinou um pedido de ajuda externa em que se comprometia a, durante o programa de ajustamento, só subir o salário mínimo se “justificado pela evolução económica e do mercado de trabalho, e após acordo [da troika] no quadro da revisão do programa”.

Traduzindo, para o PS-no-Governo a sua promessa de subir o salário mínimo para os 500 euros estava morta e enterrada. Até esta semana. Saído de uma máquina do tempo, o socialista Miguel Laranjeiro veio exigir que o acordo de concertação social que o PS-no-Governo assinou em 2006 e que o mesmo PS-no-Governo enterrou em 2011 fosse respeitado. Diz o PS-na-oposição: “É absolutamente inaceitável que não esteja a ser cumprido o acordo de concertação social que previa o aumento do salário mínimo nacional.” Miguel Laranjeiro ainda não teve tempo de ler o memorando que o seu partido assinou com a troika?

A Direcção

Publicado na edição nº 498 de 14 de Novembro de 2013

FECHAR Mais histórias

Alterar tamanho de letra Editorial Os ziguezagues do Governo Até 2012, os funcionários das empresas públicas de transportes tinham direito a viajar gratuitamente. Em 2013, o Governo indignou-se com essa regalia, que supostamente ajudaria a pôr em causa a sobrevivência financeira do Estado, e acabou com ela, permitindo apenas que os trabalhadores viajassem de borla entre casa e o trabalho e tivessem descontos de 25% nas restantes deslocações. Em 2014, esses descontos vão passar para 75%.

Com os familiares dos funcionários das empresas públicas de transportes, aconteceu uma coisa parecida. Até 2012, tinham direito a viajar gratuitamente. Em 2013, o Governo indignou--se com essa regalia, que supostamente ajudaria a pôr em causa a sobrevivência financeira do Estado, e acabou com ela. Em 2014, esses familiares vão passar a ter descontos de 50%.

Estes ziguezages foram anunciados, com cara séria, pelo ministro da Economia, no Parlamento. Tirando o “milagre económico” que só António Pires de Lima consegue ver, o que é que aconteceu ao longo do ano 2013 para que um corte se transformasse numa regalia e um privilégio inaceitável se transformasse num direito inalienável?

Aparentemente, nada. Mas o ministro da Economia não se deixou demover por isso. Durante um debate com os deputados, Pires de Lima deu o argumento definitivo: “É uma questão de equidade que continua a ser dada noutros regimes de estatuto público.” Onde é que já ouvimos a palavra “equidade” ser usada antes para fazer recuar cortes na função pública? Sim, exacto: Pires de Lima parece um juiz do Tribunal Constitucional a falar.

Esta foi uma semana de ideias fervilhantes para o ministro da Economia. No mesmo dia em que anunciou o regresso dos descontos nas empresas públicas de transportes, António Pires de Lima partilhou com os deputados outra proposta revolucionária do Governo: instituir o “empreendedorismo” como uma disciplina do ensino obrigatório. De acordo com o ministro, “os jovens devem ser sensibilizados para a iniciativa desde muito cedo”.

Não se trata apenas de uma ideia. É mais do que isso – é quase uma decisão. Afinal, a pesada máquina do Estado já começou a tratar do assunto. De acordo com Pires de Lima, o tema já foi falado com o Ministério da Educação, o que faz com que se comece a tornar uma iniciativa imparável.

Como se sabe, os alunos têm problemas com a Matemática, com o Português e com várias outras disciplinas básicas. Mas, em vez de se concentrar em melhorar as prestações nessas áreas, o Governo prefere uma outra ambição. As crianças podem não saber somar “2+2”, mas livrem-se de deixar a escola sem muita “iniciativa”, sem muita ambição, sem muita capacidade para alcançar o sucesso. É muito difícil o Estado resistir à tentação de tentar mudar a cabeça do seu povo.

Em Dezembro de 2006, o PS-no-Governo assinou um acordo de concertação social em que se comprometia a subir o salário mínimo para 500 euros em 2011. Em Dezembro de 2010, o PS-no-Governo recuou e adiou esse compromisso para Maio e Setembro de 2011, altura em que o salário mínimo atingiria então os 500 euros. Em Maio de 2011, o PS-no-Governo falhou esse compromisso e não mexeu no salário mínimo. E no dia 17 de Maio de 2011, o PS-no-Governo assinou um pedido de ajuda externa em que se comprometia a, durante o programa de ajustamento, só subir o salário mínimo se “justificado pela evolução económica e do mercado de trabalho, e após acordo [da troika] no quadro da revisão do programa”.

Traduzindo, para o PS-no-Governo a sua promessa de subir o salário mínimo para os 500 euros estava morta e enterrada. Até esta semana. Saído de uma máquina do tempo, o socialista Miguel Laranjeiro veio exigir que o acordo de concertação social que o PS-no-Governo assinou em 2006 e que o mesmo PS-no-Governo enterrou em 2011 fosse respeitado. Diz o PS-na-oposição: “É absolutamente inaceitável que não esteja a ser cumprido o acordo de concertação social que previa o aumento do salário mínimo nacional.” Miguel Laranjeiro ainda não teve tempo de ler o memorando que o seu partido assinou com a troika?

A Direcção

Publicado na edição nº 498 de 14 de Novembro de 2013

FECHAR Mais histórias

marcar artigo