O Cachimbo de Magritte: A menoridade das ideologias face à realidade política concreta

27-01-2012
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João Cardoso Rosas publicou um primeiro artigo na semana passada. Paulo Tunhas respondeu ontem. JCR respondeu hoje a PT. Pelo meio, uma ou outra pessoa também escreveu sobre o assunto. A discussão tem sido interessante e parece-me evidente que de um e de outro lado são apresentados argumentos razoáveis. Mas parece-me também evidente que a discussão está condenada ao fracasso se não tiver em consideração duas ou três coisas. Por um lado, o liberalismo, como qualquer outra ideologia, não é um dado da natureza, uma coisa substancial, passível de ser enclausurada numa definição capaz de resistir à mudança do tempo. O significado do liberalismo não pode deixar de ser posto à prova em confronto com a realidade concreta em que se inscreve. Por outro lado, a discussão fica sujeita a complicações adicionais quando os termos incluídos na definição proposta são, também eles, construções ideológicas de significado relativo, como acontece com a esquerda e a direita. Mais uma vez, a análise não dispensa o confronto com a realidade concreta. Finalmente, é preciso ainda ter em consideração que as dimensões do homem são de tal modo diversas que dificilmente uma pessoa pode ter uma disposição ideológica única face a todas as situações concretas da vida política. O fervor ideológico pode ser de tal modo irracional, que não é raro uma pessoa violar aquilo que a sua própria inteligência lhe diz apenas porque quer ser fiel ao enquadramento ideológico que julga ser o seu. De qualquer modo, é possível que eu esteja a ser demasiado exigente. A honestidade de JCR faz com que ele apresente a sua tese, não como uma tentativa de analisar a realidade política, mas antes como uma tentativa de fazer com que a arma retórica liberal mude das mãos da direita para as mãos da esquerda. Por um lado, JCR pretende esvaziar o argumento segundo o qual foi graças ao liberalismo de direita que o totalitarismo de esquerda foi anulado. Sinceramente, não me parece que este desiderato possa ser bem sucedido no confronto com a história recente do século XX, pelo menos enquanto a memória de Ronald Reagan permanecer viva. Por outro lado, JCR esforça-se por denunciar a possibilidade do liberalismo de direita não ser outra coisa senão uma máscara politicamente útil para ocultar o seu conservadorismo essencial. Este argumento já me parece ser mais razoável. Mas apenas parcialmente. O facto de liberais e conservadores poderem caminhar lado a lado, numa frente comum, não significa que o façam pela mesma ordem de razões. Por outro lado, e é neste ponto que eu penso que a tese de JCR está condenada ao insucesso, não vejo como pode a esquerda reivindicar o exclusivo do liberalismo, quando a realidade concreta revela precisamente o seu contrário. Pense-se, por exemplo, no domínio da educação, onde não me choca nada que haja um casamento de conveniência entre o liberalismo e o conservadorismo. As políticas públicas de educação como a escolha da escola pelas famílias, a autonomia da escola face ao Estado, as parcerias público-privadas, entre outras, são medidas reformistas caracteristicamente liberais que servem muito bem os propósitos políticos conservadores. Mas longe de se tratar de um fenómeno novo, este casamento é apenas mais um episódio em que liberais e conservadores fazem a aliança perfeita contra os excessos igualitários da esquerda. E se quisermos ser mesmo honestos, não é muito difícil chegarmos à conclusão que apenas o estado absolutamente decadente a que chegou a educação no nosso País obriga alguma esquerda moderada a incluir nos seus programas de política educativa algumas reformas de índole liberal e contrárias a uma disposição estatista e massificadora da educação. Não é a primeira vez nem será a última que o confronto com a realidade concreta obriga a uma revisão dos nossos pressupostos ideológicos.


João Cardoso Rosas publicou um primeiro artigo na semana passada. Paulo Tunhas respondeu ontem. JCR respondeu hoje a PT. Pelo meio, uma ou outra pessoa também escreveu sobre o assunto. A discussão tem sido interessante e parece-me evidente que de um e de outro lado são apresentados argumentos razoáveis. Mas parece-me também evidente que a discussão está condenada ao fracasso se não tiver em consideração duas ou três coisas. Por um lado, o liberalismo, como qualquer outra ideologia, não é um dado da natureza, uma coisa substancial, passível de ser enclausurada numa definição capaz de resistir à mudança do tempo. O significado do liberalismo não pode deixar de ser posto à prova em confronto com a realidade concreta em que se inscreve. Por outro lado, a discussão fica sujeita a complicações adicionais quando os termos incluídos na definição proposta são, também eles, construções ideológicas de significado relativo, como acontece com a esquerda e a direita. Mais uma vez, a análise não dispensa o confronto com a realidade concreta. Finalmente, é preciso ainda ter em consideração que as dimensões do homem são de tal modo diversas que dificilmente uma pessoa pode ter uma disposição ideológica única face a todas as situações concretas da vida política. O fervor ideológico pode ser de tal modo irracional, que não é raro uma pessoa violar aquilo que a sua própria inteligência lhe diz apenas porque quer ser fiel ao enquadramento ideológico que julga ser o seu. De qualquer modo, é possível que eu esteja a ser demasiado exigente. A honestidade de JCR faz com que ele apresente a sua tese, não como uma tentativa de analisar a realidade política, mas antes como uma tentativa de fazer com que a arma retórica liberal mude das mãos da direita para as mãos da esquerda. Por um lado, JCR pretende esvaziar o argumento segundo o qual foi graças ao liberalismo de direita que o totalitarismo de esquerda foi anulado. Sinceramente, não me parece que este desiderato possa ser bem sucedido no confronto com a história recente do século XX, pelo menos enquanto a memória de Ronald Reagan permanecer viva. Por outro lado, JCR esforça-se por denunciar a possibilidade do liberalismo de direita não ser outra coisa senão uma máscara politicamente útil para ocultar o seu conservadorismo essencial. Este argumento já me parece ser mais razoável. Mas apenas parcialmente. O facto de liberais e conservadores poderem caminhar lado a lado, numa frente comum, não significa que o façam pela mesma ordem de razões. Por outro lado, e é neste ponto que eu penso que a tese de JCR está condenada ao insucesso, não vejo como pode a esquerda reivindicar o exclusivo do liberalismo, quando a realidade concreta revela precisamente o seu contrário. Pense-se, por exemplo, no domínio da educação, onde não me choca nada que haja um casamento de conveniência entre o liberalismo e o conservadorismo. As políticas públicas de educação como a escolha da escola pelas famílias, a autonomia da escola face ao Estado, as parcerias público-privadas, entre outras, são medidas reformistas caracteristicamente liberais que servem muito bem os propósitos políticos conservadores. Mas longe de se tratar de um fenómeno novo, este casamento é apenas mais um episódio em que liberais e conservadores fazem a aliança perfeita contra os excessos igualitários da esquerda. E se quisermos ser mesmo honestos, não é muito difícil chegarmos à conclusão que apenas o estado absolutamente decadente a que chegou a educação no nosso País obriga alguma esquerda moderada a incluir nos seus programas de política educativa algumas reformas de índole liberal e contrárias a uma disposição estatista e massificadora da educação. Não é a primeira vez nem será a última que o confronto com a realidade concreta obriga a uma revisão dos nossos pressupostos ideológicos.

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