O Cachimbo de Magritte: Dar jeito

27-01-2012
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Na 5ª feira, quando cheguei a casa, Luís Delgado e Bettencourt Resendes carpiam, com indisfarçável gozo, o passamento político de Manuel Pinho. Na veneranda casa da República, no sanctum sanctorum do regime, no local para onde os portugueses se viram quando anseiam por exemplos de civismo e elevação, o ministro da Economia atrevera-se não só a insultar um deputado da Nação mas também a entrar no ambíguo mundo da mímica. Devo dizer que, quer como insulto, quer como exercício de mímica, o gesto de Manuel Pinho é de uma enorme pusilanimidade. Para quem, horas depois, se disse “ferido” pelas palavras do deputado do PCP, aquela reacção foi mansa até dizer corno. Em vez de uma cena de pancadaria asiática, tivemos direito a um brando quase-insulto gestual. José Sócrates demitiu o ministro conhecido pela habilidade em escapar com vida às próprias gaffes. O país avançou mas logo sob a ameaça de ficar mais leve. A pianista Maria João Pires, “farta de coices e pontapés”, vai renunciar à nacionalidade portuguesa. Em entrevista ao jornal i, a filha da pianista, Joana Pires, diz que a mãe “nunca roubou nada”, o que, a meu ver, a desclassifica logo como portuguesa. Diz também que não há cultura em Portugal, uma evidência que dispensa a prova do fracasso de Belgais. Para concluir, e justificando a escolha do Brasil como local de destino da mãe, Joana diz que “as pessoas são mais respeitadoras” e que Elis Regina e Vinicius de Moraes nunca se queixaram do país. Esqueçamos o provincianismo pseudo-cosmopolita e a ignorância deste último argumento, para lembrar que a relação de um cidadão com o seu país e com os governos deste são duas coisas muito diferentes. Uma artista que chega ao top nacional de vendas com um disco de música clássica não pode dizer que é maltratada pelo país. Se, apesar disso, Maria João Pires considera que Portugal não a merece, então eu desejo-lhe boa sorte na aventura hoteleira e sublinho as palavras da filha sobre a questão da mudança de nacionalidade: “Se ela o fizer, é porque lhe dá jeito”. Mas não é tudo. A semana terminou na orgia mediática, jurídica e "democrática" que foram as eleições no Benfica. Manuel Vilarinho, com a retórica etílica que todos lhe reconhecemos, pronunciou o epitáfio da semana, do Benfica e, para os catastrofistas, do país: “Estou-me cagando”. Dá jeito.


Na 5ª feira, quando cheguei a casa, Luís Delgado e Bettencourt Resendes carpiam, com indisfarçável gozo, o passamento político de Manuel Pinho. Na veneranda casa da República, no sanctum sanctorum do regime, no local para onde os portugueses se viram quando anseiam por exemplos de civismo e elevação, o ministro da Economia atrevera-se não só a insultar um deputado da Nação mas também a entrar no ambíguo mundo da mímica. Devo dizer que, quer como insulto, quer como exercício de mímica, o gesto de Manuel Pinho é de uma enorme pusilanimidade. Para quem, horas depois, se disse “ferido” pelas palavras do deputado do PCP, aquela reacção foi mansa até dizer corno. Em vez de uma cena de pancadaria asiática, tivemos direito a um brando quase-insulto gestual. José Sócrates demitiu o ministro conhecido pela habilidade em escapar com vida às próprias gaffes. O país avançou mas logo sob a ameaça de ficar mais leve. A pianista Maria João Pires, “farta de coices e pontapés”, vai renunciar à nacionalidade portuguesa. Em entrevista ao jornal i, a filha da pianista, Joana Pires, diz que a mãe “nunca roubou nada”, o que, a meu ver, a desclassifica logo como portuguesa. Diz também que não há cultura em Portugal, uma evidência que dispensa a prova do fracasso de Belgais. Para concluir, e justificando a escolha do Brasil como local de destino da mãe, Joana diz que “as pessoas são mais respeitadoras” e que Elis Regina e Vinicius de Moraes nunca se queixaram do país. Esqueçamos o provincianismo pseudo-cosmopolita e a ignorância deste último argumento, para lembrar que a relação de um cidadão com o seu país e com os governos deste são duas coisas muito diferentes. Uma artista que chega ao top nacional de vendas com um disco de música clássica não pode dizer que é maltratada pelo país. Se, apesar disso, Maria João Pires considera que Portugal não a merece, então eu desejo-lhe boa sorte na aventura hoteleira e sublinho as palavras da filha sobre a questão da mudança de nacionalidade: “Se ela o fizer, é porque lhe dá jeito”. Mas não é tudo. A semana terminou na orgia mediática, jurídica e "democrática" que foram as eleições no Benfica. Manuel Vilarinho, com a retórica etílica que todos lhe reconhecemos, pronunciou o epitáfio da semana, do Benfica e, para os catastrofistas, do país: “Estou-me cagando”. Dá jeito.

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