Intervenção de António Filipe na AR

30-09-2015
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O PCP apresentou, na Assembleia da República, um projecto-resolução que recomenda ao Governo que promova a extinção da Fundação D. Pedro IV, a reversão para o Estado de todo o seu património, e o apuramento de responsabilidades por ilegalidades cometidas em seu nome. Na discussão deste projecto, que teve lugar hoje, o deputado de PCP, António Filipe relembrou que «não basta andar por aí em vésperas de eleições a prometer mundos e fundos que são esquecidos no dia seguinte. (…) No momento em que for votado o Projecto de Resolução do PCP, ficar-se-á a saber com muita clareza quem está com as populações e defende os seus direitos e quem prefere refugiar-se na ambiguidade e permitir que a chamada Fundação D. Pedro IV possa continuar impunemente a lesar as populações e a contar com a inércia e a cumplicidade dos poderes públicos.»

Extinção da Fundação Dom Pedro IV, reversão para o Estado de todo o seu património e apuramento de responsabilidades por ilegalidades cometidas em seu nome Sr. Presidente,

Srs. Deputados: Nos bairros dos Lóios e das Amendoeiras, na zona de Chelas, vivem cerca de 1400 famílias, há mais de 30 anos, em habitações que foram propriedade do IGAPHE, até 2005. Em 1974, altura em que essas casas foram construídas, foi estabelecido entre os moradores e a Secretaria de Estado da Habitação um regime de renda fixa, tendo em atenção as finalidades sociais da construção desses bairros. Tal como tem acontecido com outros bairros propriedade do IGAPHE, o Estado não gastou um centavo no melhoramento das habitações, ao longo destas três décadas. Todas as obras de conservação foram efectuadas e integralmente suportadas pelos moradores, na medida das suas possibilidades. Acontece porém que, devido às dificuldades económicas de muitas famílias residentes nesses bairros, muitos prédios de habitação se encontram hoje em situações extremamente degradadas. É, aliás, conhecido o lamentável acidente, ocorrido há pouco tempo, com o elevador de um dos prédios do Bairro dos Lóios, que feriu gravemente um dos moradores. Sabemos, por conhecimento directo, do que estamos a falar. Por mais que uma vez, tivemos oportunidade de visitar os bairros e de verificar no local as condições de degradação habitacional que eles apresentam. Existem torres de 10 e 12 andares com elevadores avariados há sete anos e sem qualquer fiscalização das suas condições de segurança. Existem habitações onde chove e escorre água pelas paredes. Existem situações de extrema perigosidade quanto à segurança de instalações de gás e de electricidade. Existem perigos sérios de desabamento, e edifícios de grande dimensão que vão desabando aos poucos, pondo em causa a segurança das populações. Desde há vários anos que é conhecido o propósito da administração central de transferir a responsabilidade da gestão desses bairros para as câmaras municipais, geralmente em condições inaceitáveis para estas. Foi esse também o caso do município de Lisboa, que recusou assumir a gestão desses bairros nas condições que o IGAPHE pretendia impor. A Câmara Municipal de Lisboa, não tendo rejeitado, por princípio, vir a assumir a responsabilidade pelos bairros dos Lóios e das Amendoeiras, exigia o que é óbvio: que essa transferência fosse precedida das indispensáveis obras de recuperação desse património habitacional. Aconteceu entretanto que, em Fevereiro de 2005, quando o anterior Governo se encontrava já em funções de gestão, os moradores foram informados da transferência das suas casas para uma tal Fundação Dom Pedro IV, em cuja direcção pontifica, por estranha coincidência ou não, um antigo responsável pelo IGAPHE e pelo INH. Ou seja, com base num concurso, que terá sido tudo menos transparente, um Governo em funções de mera gestão, ofereceu, gratuitamente e de bandeja, à tal Fundação Dom Pedro IV, supostamente de solidariedade social, 1400 fogos pertencentes ao IGAPHE nos bairros dos Lóios e das Amendoeiras. Consumada essa transferência, as consequências não se fizeram esperar. Se alguém alimentava alguma esperança de que a transferência da responsabilidade dos bairros dos Lóios e das Amendoeiras para uma fundação se pudesse traduzir em maior sensibilidade social para com os moradores, ou que fossem feitas as obras indispensáveis para garantir condições decentes e seguras de habitabilidade das casas, depressa a perdeu. A Fundação Dom Pedro IV não gastou um único cêntimo nas indispensáveis obras de recuperação dos bairros. O que fez foi instalar-se no bairro das Amendoeiras, num bunker de janelas gradeadas e câmaras de videovigilância, em atitude provocatória e reveladora, aliás, de má consciência, e informar os moradores de que passariam a estar sujeitos ao regime de renda apoiada, o que representou para cada família um aumento de renda que variou entre os 2000% e os 4000% e que muitas delas não estão, pura e simplesmente, em condições de poder pagar. Através de simulacros de inspecções, a Fundação considerou em óptimo estado, para efeitos de aplicação de rendas máximas, casas que se apresentam em condições deploráveis de habitabilidade. Pudemos verificar isto mesmo em algumas habitações que pudemos visitar. Confrontada com o natural protesto das populações, que viram os seus direitos adquiridos há muitos anos ser completamente espezinhados e se organizaram em associações para fazer valer os seus direitos pelos meios legais ao seu alcance, a Fundação Dom Pedro IV não tem hesitado em recorrer a actos de intimidação e a ameaças sobre os moradores. Em Fevereiro de 2006, fizemos uma declaração política nesta mesma Assembleia onde considerámos que, perante uma decisão tomada de forma ilegítima por um governo de gestão, reveladora de uma tremenda insensibilidade social, que se traduziu num verdadeiro esbulho do património público e que lesou o mais elementar direito à habitação de cerca de 1400 famílias, o actual Governo não teria outra atitude digna a tomar que não fosse a de fazer reverter para a esfera pública a responsabilidade pelos bairros dos Lóios e das Amendoeiras. Aliás, foi essa a posição defendida pela Câmara Municipal de Lisboa, que aprovou, por unanimidade, uma deliberação, proposta pelos vereadores do PCP, Ruben de Carvalho e Rita Magrinho, no sentido de interceder com carácter de urgência, junto do Governo, com vista à suspensão de quaisquer actos promovidos pela Fundação Dom Pedro IV, revertendo os prédios à posse do IGAPHE/INH e acautelando os direitos e as legítimas expectativas das famílias residentes. De Fevereiro de 2005 para cá, para os moradores dos bairros dos Lóios e das Amendoeiras, os tempos têm sido de luta, de protesto contra a injusta situação que lhes foi criada, de mobilização em defesa dos seus direitos e de denúncia da real natureza da entidade que se esconde por detrás da aparência jurídica de uma fundação. Nestes dois anos, as populações dos bairros dos Lóios e das Amendoeiras têm-se organizado para resistir, dando um magnífico exemplo de mobilização cívica, através do exercício do direito de reunião e de manifestação, mas também junto de todas as entidades públicas com capacidade para por cobro às ilegalidades e às prepotências cometidas em nome da Fundação Dom Pedro IV. Tem sido uma luta difícil, mas os resultados começam a aparecer. Muito recentemente, uma decisão judicial considerou ilegal a aplicação do regime da renda apoiada que a Fundação Dom Pedro IV impôs unilateralmente, o que constituiu uma grande vitória dos moradores dos bairros dos Lóios e das Amendoeiras com que muito nos congratulamos. Entretanto, nestes dois anos, têm vindo ao de cima outras facetas da Fundação Dom Pedro IV. A Comissão Instaladora da Associação de Pais e Encarregados de Educação dos estabelecimentos de infância da Fundação tem vindo a denunciar publicamente a prática de um conjunto de irregularidades praticadas na gestão dos jardins-de-infância que têm vindo a degradar as condições de funcionamento desses estabelecimentos e a deteriorar o relacionamento com os pais e encarregados de educação das crianças que os frequentam. Conforme foi publicitado, a Administração da Fundação Dom Pedro IV decidiu unilateralmente impor uma «reestruturação» dos estabelecimentos de infância, que são frequentados por cerca de 850 crianças, que degradaram profundamente as condições de trabalho nessas instituições e as condições do serviço prestado às crianças. Perante as denúncias feitas pelos pais e encarregados de educação, a Inspecção-Geral da Segurança Social intimou a Administração da Fundação a repor a situação que foi alterada. Acontece, porém, que o Conselho de Administração da Fundação não só não cumpriu essas determinações como, perante as reclamações dos pais e encarregados de educação, instalou um clima de conflitualidade para com estes, particularmente após a realização de uma Assembleia de Pais e Encarregados de Educação que mandatou a respectiva comissão instaladora para diligenciar junto do Governo a destituição dos corpos gerentes da Fundação. Tudo o que acabo de referir já seria suficiente para que houvesse uma acção enérgica, por parte dos poderes públicos, que pusesse cobro às ilegalidades e arbitrariedades cometidas pela Fundação Dom Pedro IV e que salvaguardasse os direitos dos moradores dos seus bairros, das crianças dos seus jardins-de-infância, dos idosos que vivem nos seus lares, como o da Mansão de Marvila, cujas condições de acolhimento são também muito duvidosas e dos trabalhadores da instituição, sujeitos eles também, a um clima permanente de intimidação e de violação dos seus direitos. Acontece, entretanto, que só muito recentemente se tornou conhecido um facto da maior relevância. Um relatório elaborado pela Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho e Solidariedade, concluído em 21 de Junho de 2000, concluiu pela existência de gravíssimas irregularidades na gestão da Fundação Dom Pedro IV e recomendou inclusivamente a sua extinção nos termos da lei. Por razões que desconhecemos, mas que é indispensável apurar com rigor, esse relatório ficou numa qualquer gaveta e não teve quaisquer consequências práticas. Para que se saiba exactamente do que estou a falar, vou citar apenas alguns excertos das conclusões do referido relatório. «De tudo que foi exposto, decorre inequivocamente a prática de actos de gestão prejudiciais aos interesses da Instituição, traduzidos desde logo no sistemático desvio dos fins para que a mesma foi criada. Na verdade, indiciam os autos que a Instituição enganou os associados da sua fundadora (SCAIL) e o Estado Português, nunca tendo concretizado qualquer das actividades que se comprometeu a desenvolver e que justificaram a sua criação, não obstante ter meios (património e liquidez), para o fazer. Não foram investidas quaisquer verbas na criação de unidades orgânicas e/ou na promoção de actividades tendentes a validar os compromissos assumidos perante a Tutela e a cumprir a vontade da entidade fundadora. A Fundação Dom Pedro IV apenas desenvolve actividades na área da infância - era o que acontecia em 2000 quando o relatório foi elaborado - tal como a SCAIL (Sociedade das Casas de Apoio à Infância de Lisboa), com a agravante de praticar uma política de mensalidades elevadas, que afastam as crianças oriundas de extractos mais vulneráveis da população, cuja admissão deveria privilegiar nos termos legais e das cláusulas dos acordos de cooperação celebrados com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que subscreveu e está obrigada a cumprir. Por outro lado, a Instituição disponibilizou verbas, espaço, apoio logístico e administrativo para a criação e manutenção de pessoas colectivas de direito privado, que prosseguem objectivos que nada têm que ver com os da Instituição, embora no início, os responsáveis tenham feito crer o contrário. Estas empresas são geridas por elementos do órgão de administração que, para além de serem remunerados pelos cargos que exercem na Instituição, recebem remunerações pelos cargos desempenhados naquelas empresas. A Fundação tem vindo a contratar os serviços destas empresas, contratando deste modo indirectamente com membros dos seus corpos gerentes, em violação do disposto na lei, uma vez que não é perceptível o manifesto benefício decorrente dessa contratação, exigível pela lei para que tal seja possível. Constata-se que a Fundação tem vindo a ser gerida por pessoas que não desenvolvem actividades tendentes a concretizar os seus fins, desenvolvendo antes outras actividades que nada têm que ver com os mesmos e das quais retiram proveitos pessoais. A sede da Fundação está transformada na sede de uma holding imobiliária, dirigida pelo Presidente do Conselho de Administração, que ali desenvolve as suas múltiplas actividades no referido ramo. A actuação do Conselho de Administração é quase totalmente discricionária, nomeadamente por falta de outros órgãos susceptíveis de assegurar internamente o equilíbrio gestionário. O Conselho Consultivo e o Conselho Social não têm qualquer interferência na vida da Instituição, nunca reuniram, sendo que este último nem sequer tem competências, composição e funcionamento regulamentados, ao arrepio do disposto nos estatutos da própria Instituição. Quanto ao Conselho Fiscal, dificilmente poderá exercer as suas competências de forma eficaz, atenta, designadamente, a respectiva composição: integra um elemento da Tutela, que desconhece contabilidade e uma revisora oficial de contas, que presta serviços remunerados à Instituição e a uma das empresas ali sedeadas, encontrando-se portanto duplamente subordinada ao Presidente do Conselho de Administração, situação que não oferece garantias de imparcialidade. A modificação da forma associativa para a forma fundacional teve como efeito perverso a situação atrás descrita, originada pela impossibilidade de substituição dos corpos gerentes, que são sempre nomeados pelo órgão administrativo. E conclui o relatório que «urge pôr cobro a esta situação, que repugna num Estado de direito democrático, principalmente pelo desvirtuar de todos os princípios de solidariedade social subjacentes», termos em que se propõe que seja pedida judicialmente a destituição dos corpos gerentes. Mais se afirma, nas conclusões do Relatório, que tenho vindo a citar, que «qualquer solução que passe pela manutenção da Instituição suscita alguma apreensão», pelo que se propõe como alternativa à destituição dos corpos gerentes, ou cumulativamente, que S. Ex.ª o Ministro da tutela determine a extinção da Fundação Dom Pedro IV e que determine que os bens da Fundação sejam integrados noutra instituição ou serviço a designar pela Tutela. Acontece, porém, que, apesar da gravidade dos factos descritos e da contundência das medidas propostas, o Relatório não teve qualquer consequência, tendo mesmo sido ocultado em condições que, a bem do Estado de direito democrático, importaria esclarecer. Sr. Presidente,

Srs. Deputados: Foi depois de tudo isto e apesar de tudo isto, com um Relatório destes fechado a sete chaves numa qualquer gaveta do Ministério do Trabalho e Segurança Social, que o XVI Governo Constitucional já em funções de gestão, decidiu oferecer à intocável Fundação Dom Pedro IV todo o património habitacional dos bairros dos Lóios e das Amendoeiras para que, ao rol de ilegalidades que já vinham a ser cometidas por tal entidade, se juntassem também os desmandos cometidos contra as populações desses bairros. Sr. Presidente,

Srs. Deputados: Esta situação não pode continuar! Para que haja um mínimo de respeito pela dignidade das pessoas, um mínimo de respeito pelas regras e pelos princípios de um Estado de direito democrático, e um mínimo de respeito por valores de seriedade no funcionamento do Estado e no exercício dos poderes públicos, é preciso que todos assumam as suas responsabilidades, sem subterfúgios nem ambiguidades. O Relatório da Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho e Solidariedade foi muito claro nas suas conclusões e recomendações, assim o que o Grupo Parlamentar do PCP propõe é que essas recomendações sejam cumpridas. O que propomos (projecto de resolução n.º 210/X) é que a Assembleia da República, tendo em atenção a gravidade dos actos cometidos em nome da Fundação Dom Pedro IV, resolva recomendar ao Governo que cumpra o seu dever: que promova a extinção da Fundação Dom Pedro IV e a destituição dos seus corpos gerentes; que faça reverter para o Estado o património do IGAPHE que lhe foi ilegitimamente oferecido e que salvaguarde os direitos legítimos dos respectivos moradores; que integre os demais bens pertencentes à Fundação noutra instituição ou serviço que esteja em condições de garantir a prestação dos serviços de acção social a seu cargo e já agora, não é pedir muito, que faça as diligências necessárias para o apuramento de todas as responsabilidades pelo encobrimento de ilegalidades que tenham sido cometidas em nome da Fundação Dom Pedro IV. O Grupo Parlamentar do PCP, ao apresentar este projecto de resolução e ao decidir do seu agendamento, quer deixar uma mensagem muito clara a todas as forças políticas representadas nesta Assembleia: as boas palavras não bastam, não basta andar por aí em vésperas de eleições a prometer mundos e fundos que são esquecidos no dia seguinte. Não basta reconhecer que as populações dos bairros ou os pais das crianças dos jardins-de-infância estão cheios de razão. É preciso actuar e o momento para actuar é hoje. No momento em que for votado o projecto de resolução do PCP, ficar-se-á a saber, com muita clareza, quem está com as populações e defende os seus direitos e quem prefere refugiar-se na ambiguidade e permitir que a chamada Fundação Dom Pedro IV possa continuar impunemente a lesar as populações e a contar com a inércia e a cumplicidade dos poderes públicos. (...) Sr. Presidente,

Sr. Deputado Duarte Pacheco, Saúdo-o por ser o único Sr. Deputado a fazer-me perguntas sobre este tema e registo as suas palavras, mas também é preciso dizer que as suas palavras parecem representar um acto de contrição do PSD...! Isto porque está a criticar e a lamentar as consequências de um acto político que foi cometido por um governo do PSD, o governo de maioria PSD/CDS que então governava e que, estando já em funções de gestão, transferiu o património habitacional do IGAPHE nos bairros dos Lóios e Amendoeiras para a Fundação Dom Pedro IV. Aliás, o Ministro da Segurança Social, na altura, até era o Dr. Fernando Negrão, veja lá...! Portanto, verifico que o PSD estará arrependido e acha que, de facto, a situação que criou deveria ser revertida. Deveria, sim, senhor! Aliás, o Sr. Deputado falou da possibilidade de os moradores adquirirem as suas casas, mas saiba o Sr. Deputado que foi isso que foi contratualizado, em 1974, com os moradores, isto é, foi contratualizado que as rendas eram resolúveis e que os moradores pagariam as suas rendas durante um determinado período, findo o qual adquiriam as casas. Ora, com a transferência para a Fundação, esta fez «tábua rasa» de todos esses compromissos e tratou de aplicar de uma forma até desumana o regime da renda apoiada, que, aliás, nada tinha de ser aplicada naquela situação concreta. O Sr. Deputado perguntou-me o que é que o actual Governo fez para resolver essa situação. Bom, eu não respondo pelo Governo que não está cá para responder..., não sei se do Partido Socialista, que costuma ser prestimoso a responder pelo Governo, alguém se disporá a fazê-lo... Mas quer-me parecer que o Governo não resolveu coisíssima alguma. Era um dever indeclinável que o fizesse, porque o Governo não se pode alhear do grave problema social que foi criado pelo governo anterior. Mas obviamente que a situação vincula também o Governo actual a tomar uma atitude e a não fazer de conta que nada se passou, que nada aconteceu e que nada está a acontecer, naqueles bairros. Portanto, entendemos que o que o Governo deveria fazer era exactamente aquilo que no relatório de 2000 a Inspecção-Geral do Ministério do Emprego e Segurança Social se recomendava que o Governo fizesse. Portanto, embora tardiamente, o que o Governo devia fazer era cumprir a sua obrigação e seguir aquelas recomendações. É isso, precisamente, que o PCP hoje aqui propõe, através deste projecto de resolução. (...) Sr. Presidente,

Sr. Deputado Miguel Coelho, Aravés deste pedido de esclarecimento, começo por responder a uma questão que colocou a respeito da atitude do PCP. Diz o Sr. Deputado que se o PCP quer resolver o problema da reversão para o Estado do património da Fundação D. Pedro IV, então aceite que se vote o projecto de resolução em discussão ponto por ponto. Sr. Deputado, está arrematado: é já! Logo que terminemos o debate, estamos inteiramente disponíveis para que o nosso projecto de resolução seja votado ponto por ponto, para que o que fique aprovado seja imediatamente decidido. Se é reversão, trate-se já da reversão! O Sr. Deputado fez uma acusação que não tem o mínimo fundamento, que foi a de dizer que o PCP está interessado em arrastar o problema. Srs. Deputados, mesmo que isso fosse verdade, os senhores tinham na vossa mão a resolução deste problema: aprovavam o nosso projecto de resolução e o problema ficava já hoje resolvido! Mais: se o Governo tivesse feito o que o Sr. Deputado Miguel Coelho diz que se devia fazer, nós nem estaríamos, hoje, aqui a discutir este assunto mas outro! Só estamos a discutir este assunto porque o Governo não faz aquilo que o Sr. Deputado Miguel Coelho diz que deve fazer. O Sr. Deputado diz «Temos uma receita para resolver o problema na sua totalidade». Bom, então, uma vez que o Partido Socialista ainda dispõe de agendamento na presente Sessão Legislativa, ficamos à espera que aprove o seu projecto de resolução, uma vez que dispõe de maioria suficiente... Aliás, o Sr. Deputado nem precisa de fazer isso, porque aquilo que se exige relativamente a estes bairros são actuações administrativas, que o Governo pode fazer. Tanto assim é que o nosso projecto de resolução se dirige ao Governo, recomendando-lhe que tome uma atitude. Ora, os Srs. Deputados, que até são do partido do Governo, nem precisam de aprovar seja o que for na Assembleia da República; basta dizerem ao Governo «Bom, camaradas,...» - é assim que se tratam - «... façam aquilo que eu, na Assembleia da República, disse que era preciso fazer e que compete exclusivamente ao Governo». Portanto, Sr. Deputado Miguel Coelho, se as suas palavras não foram para «eleitor ver» mas, sim, para levar a sério, ficamos descansados porque o problema vai ser resolvido. É bom que se registe atentamente que, em nome do Partido Socialista, houve o compromisso de que este património vai reverter para o Estado. É importante que isso não seja esquecido num momento em que se fale menos destes assuntos. Quanto ao projecto de resolução, já disse, e repito: aceitamos que seja votado ponto por ponto. (...) Sr. Presidente,

Sr.as e Srs. Deputados: Na conclusão deste debate, queríamos ainda fazer duas referências a alguns aspectos que estiveram presentes em várias intervenções, sendo a primeira questão relativa à eventual transferência daquele património para a Câmara Municipal de Lisboa. Já foram aqui contadas várias versões acerca da Câmara e da Assembleia Municipais de Lisboa. Creio que, do conjunto das várias versões, resulta uma ideia clara do que se passou, mas queria deixar aqui muito claro o seguinte: do nosso ponto de vista, não é aceitável que um qualquer governo pretenda transferir para uma câmara municipal um património habitacional em elevado estado de degradação sem que essa câmara municipal exija o mínimo de contrapartidas nessa transferência. Creio, portanto, ser perfeitamente legítimo que qualquer câmara municipal responsável - sublinho, responsável - equacione uma situação dessas com todo o cuidado. E, obviamente, é um dever dos seus autarcas verificar que condições se estão a propor a uma câmara municipal para assumir uma responsabilidade dessa natureza. Não temos, pois, qualquer problema em assumir que entendemos que uma autarquia só deve aceitar uma transferência de um património público desde que tenha adequadas garantias de que estará em condições de honrar os seus compromissos para com as populações. O segundo ponto a que me quero referir tem a ver com o facto de não ser legítimo a um qualquer governo dizer o seguinte: «Nós queríamos transferir isto para uma câmara municipal, mas como não transferimos vamos transferir para uma outra entidade qualquer.» Srs. Deputados, isto não é assim! Não é legítimo usar como pretexto o facto de os bairros não terem sido transferidos para a Câmara Municipal de Lisboa para defender ou justificar a sua transferência para uma entidade como aquela que demonstrou ser a Fundação D. Pedro IV. Convém que estas questões fiquem muito claras. Para concluir, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Sr. Deputado Miguel Coelho, há pouco, saudava aquilo que afirmou ser um recuo do PCP. Sr. Deputado, se nos tivesse perguntado logo de início, ter-lho-íamos dito... Nunca houve da nossa parte nenhuma intenção de não votar a vossa proposta ponto por ponto! Portanto, Sr. Deputado, chegou tardiamente a essa conclusão, porque não perguntou antes! Mas se, antes do debate, nos tivesse perguntado se estaríamos disponíveis para aceitar votar ponto por ponto, ter-lhe-íamos dito que sim. O que nos move, neste caso, é resolver um problema das populações e um problema de idoneidade no funcionamento do Estado democrático. Essa é que é a questão! Há ilegalidades e injustiças cometidas, há situações de encobrimento de ilegalidades, há responsabilidades que devem ser apuradas! E o Estado tem a obrigação de resolver esses problemas! Como o Governo, até agora, não o fez, nós entendemos que devíamos assumir as nossas responsabilidades e propor que a Assembleia da República tomasse uma atitude e aprovasse uma resolução a recomendar ao Governo uma atitude muito concreta. Resolver o problema é o nosso único objectivo. E se, em resultado deste projecto de resolução, for aprovado algum ponto que comprometa decisivamente o Governo a resolver alguma parte deste problema, já julgamos que valeu a pena ter apresentado esta proposta e ter promovido o seu agendamento.

O PCP apresentou, na Assembleia da República, um projecto-resolução que recomenda ao Governo que promova a extinção da Fundação D. Pedro IV, a reversão para o Estado de todo o seu património, e o apuramento de responsabilidades por ilegalidades cometidas em seu nome. Na discussão deste projecto, que teve lugar hoje, o deputado de PCP, António Filipe relembrou que «não basta andar por aí em vésperas de eleições a prometer mundos e fundos que são esquecidos no dia seguinte. (…) No momento em que for votado o Projecto de Resolução do PCP, ficar-se-á a saber com muita clareza quem está com as populações e defende os seus direitos e quem prefere refugiar-se na ambiguidade e permitir que a chamada Fundação D. Pedro IV possa continuar impunemente a lesar as populações e a contar com a inércia e a cumplicidade dos poderes públicos.»

Extinção da Fundação Dom Pedro IV, reversão para o Estado de todo o seu património e apuramento de responsabilidades por ilegalidades cometidas em seu nome Sr. Presidente,

Srs. Deputados: Nos bairros dos Lóios e das Amendoeiras, na zona de Chelas, vivem cerca de 1400 famílias, há mais de 30 anos, em habitações que foram propriedade do IGAPHE, até 2005. Em 1974, altura em que essas casas foram construídas, foi estabelecido entre os moradores e a Secretaria de Estado da Habitação um regime de renda fixa, tendo em atenção as finalidades sociais da construção desses bairros. Tal como tem acontecido com outros bairros propriedade do IGAPHE, o Estado não gastou um centavo no melhoramento das habitações, ao longo destas três décadas. Todas as obras de conservação foram efectuadas e integralmente suportadas pelos moradores, na medida das suas possibilidades. Acontece porém que, devido às dificuldades económicas de muitas famílias residentes nesses bairros, muitos prédios de habitação se encontram hoje em situações extremamente degradadas. É, aliás, conhecido o lamentável acidente, ocorrido há pouco tempo, com o elevador de um dos prédios do Bairro dos Lóios, que feriu gravemente um dos moradores. Sabemos, por conhecimento directo, do que estamos a falar. Por mais que uma vez, tivemos oportunidade de visitar os bairros e de verificar no local as condições de degradação habitacional que eles apresentam. Existem torres de 10 e 12 andares com elevadores avariados há sete anos e sem qualquer fiscalização das suas condições de segurança. Existem habitações onde chove e escorre água pelas paredes. Existem situações de extrema perigosidade quanto à segurança de instalações de gás e de electricidade. Existem perigos sérios de desabamento, e edifícios de grande dimensão que vão desabando aos poucos, pondo em causa a segurança das populações. Desde há vários anos que é conhecido o propósito da administração central de transferir a responsabilidade da gestão desses bairros para as câmaras municipais, geralmente em condições inaceitáveis para estas. Foi esse também o caso do município de Lisboa, que recusou assumir a gestão desses bairros nas condições que o IGAPHE pretendia impor. A Câmara Municipal de Lisboa, não tendo rejeitado, por princípio, vir a assumir a responsabilidade pelos bairros dos Lóios e das Amendoeiras, exigia o que é óbvio: que essa transferência fosse precedida das indispensáveis obras de recuperação desse património habitacional. Aconteceu entretanto que, em Fevereiro de 2005, quando o anterior Governo se encontrava já em funções de gestão, os moradores foram informados da transferência das suas casas para uma tal Fundação Dom Pedro IV, em cuja direcção pontifica, por estranha coincidência ou não, um antigo responsável pelo IGAPHE e pelo INH. Ou seja, com base num concurso, que terá sido tudo menos transparente, um Governo em funções de mera gestão, ofereceu, gratuitamente e de bandeja, à tal Fundação Dom Pedro IV, supostamente de solidariedade social, 1400 fogos pertencentes ao IGAPHE nos bairros dos Lóios e das Amendoeiras. Consumada essa transferência, as consequências não se fizeram esperar. Se alguém alimentava alguma esperança de que a transferência da responsabilidade dos bairros dos Lóios e das Amendoeiras para uma fundação se pudesse traduzir em maior sensibilidade social para com os moradores, ou que fossem feitas as obras indispensáveis para garantir condições decentes e seguras de habitabilidade das casas, depressa a perdeu. A Fundação Dom Pedro IV não gastou um único cêntimo nas indispensáveis obras de recuperação dos bairros. O que fez foi instalar-se no bairro das Amendoeiras, num bunker de janelas gradeadas e câmaras de videovigilância, em atitude provocatória e reveladora, aliás, de má consciência, e informar os moradores de que passariam a estar sujeitos ao regime de renda apoiada, o que representou para cada família um aumento de renda que variou entre os 2000% e os 4000% e que muitas delas não estão, pura e simplesmente, em condições de poder pagar. Através de simulacros de inspecções, a Fundação considerou em óptimo estado, para efeitos de aplicação de rendas máximas, casas que se apresentam em condições deploráveis de habitabilidade. Pudemos verificar isto mesmo em algumas habitações que pudemos visitar. Confrontada com o natural protesto das populações, que viram os seus direitos adquiridos há muitos anos ser completamente espezinhados e se organizaram em associações para fazer valer os seus direitos pelos meios legais ao seu alcance, a Fundação Dom Pedro IV não tem hesitado em recorrer a actos de intimidação e a ameaças sobre os moradores. Em Fevereiro de 2006, fizemos uma declaração política nesta mesma Assembleia onde considerámos que, perante uma decisão tomada de forma ilegítima por um governo de gestão, reveladora de uma tremenda insensibilidade social, que se traduziu num verdadeiro esbulho do património público e que lesou o mais elementar direito à habitação de cerca de 1400 famílias, o actual Governo não teria outra atitude digna a tomar que não fosse a de fazer reverter para a esfera pública a responsabilidade pelos bairros dos Lóios e das Amendoeiras. Aliás, foi essa a posição defendida pela Câmara Municipal de Lisboa, que aprovou, por unanimidade, uma deliberação, proposta pelos vereadores do PCP, Ruben de Carvalho e Rita Magrinho, no sentido de interceder com carácter de urgência, junto do Governo, com vista à suspensão de quaisquer actos promovidos pela Fundação Dom Pedro IV, revertendo os prédios à posse do IGAPHE/INH e acautelando os direitos e as legítimas expectativas das famílias residentes. De Fevereiro de 2005 para cá, para os moradores dos bairros dos Lóios e das Amendoeiras, os tempos têm sido de luta, de protesto contra a injusta situação que lhes foi criada, de mobilização em defesa dos seus direitos e de denúncia da real natureza da entidade que se esconde por detrás da aparência jurídica de uma fundação. Nestes dois anos, as populações dos bairros dos Lóios e das Amendoeiras têm-se organizado para resistir, dando um magnífico exemplo de mobilização cívica, através do exercício do direito de reunião e de manifestação, mas também junto de todas as entidades públicas com capacidade para por cobro às ilegalidades e às prepotências cometidas em nome da Fundação Dom Pedro IV. Tem sido uma luta difícil, mas os resultados começam a aparecer. Muito recentemente, uma decisão judicial considerou ilegal a aplicação do regime da renda apoiada que a Fundação Dom Pedro IV impôs unilateralmente, o que constituiu uma grande vitória dos moradores dos bairros dos Lóios e das Amendoeiras com que muito nos congratulamos. Entretanto, nestes dois anos, têm vindo ao de cima outras facetas da Fundação Dom Pedro IV. A Comissão Instaladora da Associação de Pais e Encarregados de Educação dos estabelecimentos de infância da Fundação tem vindo a denunciar publicamente a prática de um conjunto de irregularidades praticadas na gestão dos jardins-de-infância que têm vindo a degradar as condições de funcionamento desses estabelecimentos e a deteriorar o relacionamento com os pais e encarregados de educação das crianças que os frequentam. Conforme foi publicitado, a Administração da Fundação Dom Pedro IV decidiu unilateralmente impor uma «reestruturação» dos estabelecimentos de infância, que são frequentados por cerca de 850 crianças, que degradaram profundamente as condições de trabalho nessas instituições e as condições do serviço prestado às crianças. Perante as denúncias feitas pelos pais e encarregados de educação, a Inspecção-Geral da Segurança Social intimou a Administração da Fundação a repor a situação que foi alterada. Acontece, porém, que o Conselho de Administração da Fundação não só não cumpriu essas determinações como, perante as reclamações dos pais e encarregados de educação, instalou um clima de conflitualidade para com estes, particularmente após a realização de uma Assembleia de Pais e Encarregados de Educação que mandatou a respectiva comissão instaladora para diligenciar junto do Governo a destituição dos corpos gerentes da Fundação. Tudo o que acabo de referir já seria suficiente para que houvesse uma acção enérgica, por parte dos poderes públicos, que pusesse cobro às ilegalidades e arbitrariedades cometidas pela Fundação Dom Pedro IV e que salvaguardasse os direitos dos moradores dos seus bairros, das crianças dos seus jardins-de-infância, dos idosos que vivem nos seus lares, como o da Mansão de Marvila, cujas condições de acolhimento são também muito duvidosas e dos trabalhadores da instituição, sujeitos eles também, a um clima permanente de intimidação e de violação dos seus direitos. Acontece, entretanto, que só muito recentemente se tornou conhecido um facto da maior relevância. Um relatório elaborado pela Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho e Solidariedade, concluído em 21 de Junho de 2000, concluiu pela existência de gravíssimas irregularidades na gestão da Fundação Dom Pedro IV e recomendou inclusivamente a sua extinção nos termos da lei. Por razões que desconhecemos, mas que é indispensável apurar com rigor, esse relatório ficou numa qualquer gaveta e não teve quaisquer consequências práticas. Para que se saiba exactamente do que estou a falar, vou citar apenas alguns excertos das conclusões do referido relatório. «De tudo que foi exposto, decorre inequivocamente a prática de actos de gestão prejudiciais aos interesses da Instituição, traduzidos desde logo no sistemático desvio dos fins para que a mesma foi criada. Na verdade, indiciam os autos que a Instituição enganou os associados da sua fundadora (SCAIL) e o Estado Português, nunca tendo concretizado qualquer das actividades que se comprometeu a desenvolver e que justificaram a sua criação, não obstante ter meios (património e liquidez), para o fazer. Não foram investidas quaisquer verbas na criação de unidades orgânicas e/ou na promoção de actividades tendentes a validar os compromissos assumidos perante a Tutela e a cumprir a vontade da entidade fundadora. A Fundação Dom Pedro IV apenas desenvolve actividades na área da infância - era o que acontecia em 2000 quando o relatório foi elaborado - tal como a SCAIL (Sociedade das Casas de Apoio à Infância de Lisboa), com a agravante de praticar uma política de mensalidades elevadas, que afastam as crianças oriundas de extractos mais vulneráveis da população, cuja admissão deveria privilegiar nos termos legais e das cláusulas dos acordos de cooperação celebrados com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que subscreveu e está obrigada a cumprir. Por outro lado, a Instituição disponibilizou verbas, espaço, apoio logístico e administrativo para a criação e manutenção de pessoas colectivas de direito privado, que prosseguem objectivos que nada têm que ver com os da Instituição, embora no início, os responsáveis tenham feito crer o contrário. Estas empresas são geridas por elementos do órgão de administração que, para além de serem remunerados pelos cargos que exercem na Instituição, recebem remunerações pelos cargos desempenhados naquelas empresas. A Fundação tem vindo a contratar os serviços destas empresas, contratando deste modo indirectamente com membros dos seus corpos gerentes, em violação do disposto na lei, uma vez que não é perceptível o manifesto benefício decorrente dessa contratação, exigível pela lei para que tal seja possível. Constata-se que a Fundação tem vindo a ser gerida por pessoas que não desenvolvem actividades tendentes a concretizar os seus fins, desenvolvendo antes outras actividades que nada têm que ver com os mesmos e das quais retiram proveitos pessoais. A sede da Fundação está transformada na sede de uma holding imobiliária, dirigida pelo Presidente do Conselho de Administração, que ali desenvolve as suas múltiplas actividades no referido ramo. A actuação do Conselho de Administração é quase totalmente discricionária, nomeadamente por falta de outros órgãos susceptíveis de assegurar internamente o equilíbrio gestionário. O Conselho Consultivo e o Conselho Social não têm qualquer interferência na vida da Instituição, nunca reuniram, sendo que este último nem sequer tem competências, composição e funcionamento regulamentados, ao arrepio do disposto nos estatutos da própria Instituição. Quanto ao Conselho Fiscal, dificilmente poderá exercer as suas competências de forma eficaz, atenta, designadamente, a respectiva composição: integra um elemento da Tutela, que desconhece contabilidade e uma revisora oficial de contas, que presta serviços remunerados à Instituição e a uma das empresas ali sedeadas, encontrando-se portanto duplamente subordinada ao Presidente do Conselho de Administração, situação que não oferece garantias de imparcialidade. A modificação da forma associativa para a forma fundacional teve como efeito perverso a situação atrás descrita, originada pela impossibilidade de substituição dos corpos gerentes, que são sempre nomeados pelo órgão administrativo. E conclui o relatório que «urge pôr cobro a esta situação, que repugna num Estado de direito democrático, principalmente pelo desvirtuar de todos os princípios de solidariedade social subjacentes», termos em que se propõe que seja pedida judicialmente a destituição dos corpos gerentes. Mais se afirma, nas conclusões do Relatório, que tenho vindo a citar, que «qualquer solução que passe pela manutenção da Instituição suscita alguma apreensão», pelo que se propõe como alternativa à destituição dos corpos gerentes, ou cumulativamente, que S. Ex.ª o Ministro da tutela determine a extinção da Fundação Dom Pedro IV e que determine que os bens da Fundação sejam integrados noutra instituição ou serviço a designar pela Tutela. Acontece, porém, que, apesar da gravidade dos factos descritos e da contundência das medidas propostas, o Relatório não teve qualquer consequência, tendo mesmo sido ocultado em condições que, a bem do Estado de direito democrático, importaria esclarecer. Sr. Presidente,

Srs. Deputados: Foi depois de tudo isto e apesar de tudo isto, com um Relatório destes fechado a sete chaves numa qualquer gaveta do Ministério do Trabalho e Segurança Social, que o XVI Governo Constitucional já em funções de gestão, decidiu oferecer à intocável Fundação Dom Pedro IV todo o património habitacional dos bairros dos Lóios e das Amendoeiras para que, ao rol de ilegalidades que já vinham a ser cometidas por tal entidade, se juntassem também os desmandos cometidos contra as populações desses bairros. Sr. Presidente,

Srs. Deputados: Esta situação não pode continuar! Para que haja um mínimo de respeito pela dignidade das pessoas, um mínimo de respeito pelas regras e pelos princípios de um Estado de direito democrático, e um mínimo de respeito por valores de seriedade no funcionamento do Estado e no exercício dos poderes públicos, é preciso que todos assumam as suas responsabilidades, sem subterfúgios nem ambiguidades. O Relatório da Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho e Solidariedade foi muito claro nas suas conclusões e recomendações, assim o que o Grupo Parlamentar do PCP propõe é que essas recomendações sejam cumpridas. O que propomos (projecto de resolução n.º 210/X) é que a Assembleia da República, tendo em atenção a gravidade dos actos cometidos em nome da Fundação Dom Pedro IV, resolva recomendar ao Governo que cumpra o seu dever: que promova a extinção da Fundação Dom Pedro IV e a destituição dos seus corpos gerentes; que faça reverter para o Estado o património do IGAPHE que lhe foi ilegitimamente oferecido e que salvaguarde os direitos legítimos dos respectivos moradores; que integre os demais bens pertencentes à Fundação noutra instituição ou serviço que esteja em condições de garantir a prestação dos serviços de acção social a seu cargo e já agora, não é pedir muito, que faça as diligências necessárias para o apuramento de todas as responsabilidades pelo encobrimento de ilegalidades que tenham sido cometidas em nome da Fundação Dom Pedro IV. O Grupo Parlamentar do PCP, ao apresentar este projecto de resolução e ao decidir do seu agendamento, quer deixar uma mensagem muito clara a todas as forças políticas representadas nesta Assembleia: as boas palavras não bastam, não basta andar por aí em vésperas de eleições a prometer mundos e fundos que são esquecidos no dia seguinte. Não basta reconhecer que as populações dos bairros ou os pais das crianças dos jardins-de-infância estão cheios de razão. É preciso actuar e o momento para actuar é hoje. No momento em que for votado o projecto de resolução do PCP, ficar-se-á a saber, com muita clareza, quem está com as populações e defende os seus direitos e quem prefere refugiar-se na ambiguidade e permitir que a chamada Fundação Dom Pedro IV possa continuar impunemente a lesar as populações e a contar com a inércia e a cumplicidade dos poderes públicos. (...) Sr. Presidente,

Sr. Deputado Duarte Pacheco, Saúdo-o por ser o único Sr. Deputado a fazer-me perguntas sobre este tema e registo as suas palavras, mas também é preciso dizer que as suas palavras parecem representar um acto de contrição do PSD...! Isto porque está a criticar e a lamentar as consequências de um acto político que foi cometido por um governo do PSD, o governo de maioria PSD/CDS que então governava e que, estando já em funções de gestão, transferiu o património habitacional do IGAPHE nos bairros dos Lóios e Amendoeiras para a Fundação Dom Pedro IV. Aliás, o Ministro da Segurança Social, na altura, até era o Dr. Fernando Negrão, veja lá...! Portanto, verifico que o PSD estará arrependido e acha que, de facto, a situação que criou deveria ser revertida. Deveria, sim, senhor! Aliás, o Sr. Deputado falou da possibilidade de os moradores adquirirem as suas casas, mas saiba o Sr. Deputado que foi isso que foi contratualizado, em 1974, com os moradores, isto é, foi contratualizado que as rendas eram resolúveis e que os moradores pagariam as suas rendas durante um determinado período, findo o qual adquiriam as casas. Ora, com a transferência para a Fundação, esta fez «tábua rasa» de todos esses compromissos e tratou de aplicar de uma forma até desumana o regime da renda apoiada, que, aliás, nada tinha de ser aplicada naquela situação concreta. O Sr. Deputado perguntou-me o que é que o actual Governo fez para resolver essa situação. Bom, eu não respondo pelo Governo que não está cá para responder..., não sei se do Partido Socialista, que costuma ser prestimoso a responder pelo Governo, alguém se disporá a fazê-lo... Mas quer-me parecer que o Governo não resolveu coisíssima alguma. Era um dever indeclinável que o fizesse, porque o Governo não se pode alhear do grave problema social que foi criado pelo governo anterior. Mas obviamente que a situação vincula também o Governo actual a tomar uma atitude e a não fazer de conta que nada se passou, que nada aconteceu e que nada está a acontecer, naqueles bairros. Portanto, entendemos que o que o Governo deveria fazer era exactamente aquilo que no relatório de 2000 a Inspecção-Geral do Ministério do Emprego e Segurança Social se recomendava que o Governo fizesse. Portanto, embora tardiamente, o que o Governo devia fazer era cumprir a sua obrigação e seguir aquelas recomendações. É isso, precisamente, que o PCP hoje aqui propõe, através deste projecto de resolução. (...) Sr. Presidente,

Sr. Deputado Miguel Coelho, Aravés deste pedido de esclarecimento, começo por responder a uma questão que colocou a respeito da atitude do PCP. Diz o Sr. Deputado que se o PCP quer resolver o problema da reversão para o Estado do património da Fundação D. Pedro IV, então aceite que se vote o projecto de resolução em discussão ponto por ponto. Sr. Deputado, está arrematado: é já! Logo que terminemos o debate, estamos inteiramente disponíveis para que o nosso projecto de resolução seja votado ponto por ponto, para que o que fique aprovado seja imediatamente decidido. Se é reversão, trate-se já da reversão! O Sr. Deputado fez uma acusação que não tem o mínimo fundamento, que foi a de dizer que o PCP está interessado em arrastar o problema. Srs. Deputados, mesmo que isso fosse verdade, os senhores tinham na vossa mão a resolução deste problema: aprovavam o nosso projecto de resolução e o problema ficava já hoje resolvido! Mais: se o Governo tivesse feito o que o Sr. Deputado Miguel Coelho diz que se devia fazer, nós nem estaríamos, hoje, aqui a discutir este assunto mas outro! Só estamos a discutir este assunto porque o Governo não faz aquilo que o Sr. Deputado Miguel Coelho diz que deve fazer. O Sr. Deputado diz «Temos uma receita para resolver o problema na sua totalidade». Bom, então, uma vez que o Partido Socialista ainda dispõe de agendamento na presente Sessão Legislativa, ficamos à espera que aprove o seu projecto de resolução, uma vez que dispõe de maioria suficiente... Aliás, o Sr. Deputado nem precisa de fazer isso, porque aquilo que se exige relativamente a estes bairros são actuações administrativas, que o Governo pode fazer. Tanto assim é que o nosso projecto de resolução se dirige ao Governo, recomendando-lhe que tome uma atitude. Ora, os Srs. Deputados, que até são do partido do Governo, nem precisam de aprovar seja o que for na Assembleia da República; basta dizerem ao Governo «Bom, camaradas,...» - é assim que se tratam - «... façam aquilo que eu, na Assembleia da República, disse que era preciso fazer e que compete exclusivamente ao Governo». Portanto, Sr. Deputado Miguel Coelho, se as suas palavras não foram para «eleitor ver» mas, sim, para levar a sério, ficamos descansados porque o problema vai ser resolvido. É bom que se registe atentamente que, em nome do Partido Socialista, houve o compromisso de que este património vai reverter para o Estado. É importante que isso não seja esquecido num momento em que se fale menos destes assuntos. Quanto ao projecto de resolução, já disse, e repito: aceitamos que seja votado ponto por ponto. (...) Sr. Presidente,

Sr.as e Srs. Deputados: Na conclusão deste debate, queríamos ainda fazer duas referências a alguns aspectos que estiveram presentes em várias intervenções, sendo a primeira questão relativa à eventual transferência daquele património para a Câmara Municipal de Lisboa. Já foram aqui contadas várias versões acerca da Câmara e da Assembleia Municipais de Lisboa. Creio que, do conjunto das várias versões, resulta uma ideia clara do que se passou, mas queria deixar aqui muito claro o seguinte: do nosso ponto de vista, não é aceitável que um qualquer governo pretenda transferir para uma câmara municipal um património habitacional em elevado estado de degradação sem que essa câmara municipal exija o mínimo de contrapartidas nessa transferência. Creio, portanto, ser perfeitamente legítimo que qualquer câmara municipal responsável - sublinho, responsável - equacione uma situação dessas com todo o cuidado. E, obviamente, é um dever dos seus autarcas verificar que condições se estão a propor a uma câmara municipal para assumir uma responsabilidade dessa natureza. Não temos, pois, qualquer problema em assumir que entendemos que uma autarquia só deve aceitar uma transferência de um património público desde que tenha adequadas garantias de que estará em condições de honrar os seus compromissos para com as populações. O segundo ponto a que me quero referir tem a ver com o facto de não ser legítimo a um qualquer governo dizer o seguinte: «Nós queríamos transferir isto para uma câmara municipal, mas como não transferimos vamos transferir para uma outra entidade qualquer.» Srs. Deputados, isto não é assim! Não é legítimo usar como pretexto o facto de os bairros não terem sido transferidos para a Câmara Municipal de Lisboa para defender ou justificar a sua transferência para uma entidade como aquela que demonstrou ser a Fundação D. Pedro IV. Convém que estas questões fiquem muito claras. Para concluir, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Sr. Deputado Miguel Coelho, há pouco, saudava aquilo que afirmou ser um recuo do PCP. Sr. Deputado, se nos tivesse perguntado logo de início, ter-lho-íamos dito... Nunca houve da nossa parte nenhuma intenção de não votar a vossa proposta ponto por ponto! Portanto, Sr. Deputado, chegou tardiamente a essa conclusão, porque não perguntou antes! Mas se, antes do debate, nos tivesse perguntado se estaríamos disponíveis para aceitar votar ponto por ponto, ter-lhe-íamos dito que sim. O que nos move, neste caso, é resolver um problema das populações e um problema de idoneidade no funcionamento do Estado democrático. Essa é que é a questão! Há ilegalidades e injustiças cometidas, há situações de encobrimento de ilegalidades, há responsabilidades que devem ser apuradas! E o Estado tem a obrigação de resolver esses problemas! Como o Governo, até agora, não o fez, nós entendemos que devíamos assumir as nossas responsabilidades e propor que a Assembleia da República tomasse uma atitude e aprovasse uma resolução a recomendar ao Governo uma atitude muito concreta. Resolver o problema é o nosso único objectivo. E se, em resultado deste projecto de resolução, for aprovado algum ponto que comprometa decisivamente o Governo a resolver alguma parte deste problema, já julgamos que valeu a pena ter apresentado esta proposta e ter promovido o seu agendamento.

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