"64% dos gastos do sistema não contributivo não estão sujeitos a condição de recursos"

19-09-2015
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Onde vai poupar mil milhões de euros em prestações sociais na próxima legislatura? A questão lançada por Passos Coelho a António Costa no frente-a-frente das rádios - e a que o líder do PS não respondeu - trouxe para a campanha o tema dos apoios sociais. Miguel Coelho, antigo vice-presidente do Instituto de Segurança Social e autor do livro "Segurança Social-Situação actual e perspectivas de reforma" respondeu às perguntas do Económico, onde explica que há espaço para conseguir poupar até mais do que o PS prevê, mas defende que é preciso olhar para as prestações sociais não contributivas mas também para as transferências para as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS).

Que retrato faz das prestações sociais não contributivas em Portugal?

Para responder a esta questão importa antes de mais analisar a arquitectura do Sistema de Segurança Social em Portugal. Na realidade o sistema desdobra-se em 3 grandes componentes: Sistema de Protecção Social de Cidadania; Sistema Previdencial; e Sistema Complementar. Quando falamos em prestações sociais não contributivas estamos a falar de prestações pagas no âmbito do Sistema de Protecção Social de Cidadania, sistema este que assenta no princípio de solidariedade de base nacional e que visa "garantir direitos básicos dos cidadãos, a igualdade de oportunidades, bem como promover o bem-estar e a coesão sociais". Trata-se de prestações e transferências que procuram obviar as situações de carência e pobreza, ou seja, são dirigidas aqueles que mais necessitam. Para além das prestações sociais não contributivas (isto é, pensão social de velhice, rendimento social de inserção, complemento social para idosos, subsídio social de desemprego), existem outras despesas realizadas no âmbito do Sistema de Protecção Social de Cidadania de entre as quais se destacam as transferências para as IPSS ao abrigo dos denominados acordos de cooperação.

O PS defende que existem ineficiências e que procura com aquelas poupanças um sistema mais justo. Concorda que existem ineficiências na atribuição de prestações sociais não contributivas?

As despesas do Sistema de Protecção Social de Cidadania ascendem a valores próximos dos 6.850 milhões de euros/ano (dados de 2012), dos quais cerca de 4.350 milhões de euros/ano (cerca de 63,5%) não estão sujeitas à aplicação da condição de recursos (isto é, conjunto de condições que o individuo ou agregado familiar deve reunir para poder ter acesso às prestações no âmbito do Sistema de Protecção Social de Cidadania). Refira-se, por outro lado, que os 2.500 milhões de euros/ano de despesas sujeitas a condição de recursos, não estão sujeitas apenas a uma única condição de recursos, existindo três enquadramentos legais distintos, aplicados consoante a natureza da prestação (o que significa que um beneficiário pode ser "rico" para uma prestação e "pobre" para outra). No que respeita às despesas não sujeitas à aplicação da condição de recursos (4.350 milhões de euros/ano), destacam-se dois grandes grupos: "complemento social" e acordos de cooperação. O "complemento social" é atribuído aos pensionistas de pensões de velhice, sobrevivência e invalidez do Sistema Previdencial (ou seja, contributivo) cujo valor da pensão, calculado com base nas contribuições efectivamente realizadas (pensão estatutária), se situa abaixo dos valores de pensão mínima. Correspondendo a uma despesa de cerca de 2.000 milhões de euros/ano, sem a aplicação da condição de recursos, não fica assegurado que a atribuição deste complemento só beneficia quem mais precisa. Refira-se que existem pensionistas do Sistema Previdencial que beneficiam do "complemento social", pago pelo Sistema de Protecção Social de Cidadania, auferindo, simultaneamente, pensões superiores a 5.000 euros provenientes de outros sistemas de pensões. No que respeita aos acordos de cooperação, e sem colocar em causa o extraordinário papel das IPSS na prossecução dos objectivos de Segurança Social, o certo é que o atual modelo de financiamento não garante que apenas os que mais precisam são beneficiados. Com efeito, para a quase totalidade das transferências, o Estado não assegura que as instituições dirigem o financiamento apenas para as actividades que beneficiam os mais desfavorecidos. Por exemplo, existem situações em que o Estado financia "vagas" em lares residenciais, as quais são ocupadas por utentes com elevados rendimentos.

Em que prestações não contributivas devem incidir as alterações?

Todas as despesas no âmbito do Sistema de Protecção Social de Cidadania só se poderão realizar se existirem mecanismos que assegurem que "só os que verdadeiramente precisam são beneficiados". Para tal importaria, em primeiro lugar, criar uma única condição de recursos (em substituição das actuais três) aplicável às diferentes prestações "não contributivas". Em segundo lugar, aplicar para os novos pensionistas do Sistema Previdencial a condição de recursos na atribuição do "complemento social", garantindo, desta forma, que só os pensionistas verdadeiramente "desfavorecidos" do regime contributivo têm direito a esse complemento. Por fim, importaria reformular o modelo de financiamento do Estado às IPSS, transitando-se progressivamente, ainda que parcialmente, para um modelo de financiamento directo às famílias desfavorecidas através, por exemplo, da atribuição de um cheque (sujeito a condição de recursos) que serviria (exclusivamente) para pagar às IPSS os serviços prestados por estas instituições (por exemplo, a estadia num lar residencial ou o acesso a uma creche). Desta forma garantia-se a liberdade de escolha do individuo e uma adequada afectação de recursos.

O PS compromete-se a poupar 1000 milhões na legislatura (cerca de 250 milhões de euros por ano. Este objectivo é viável? É muito ou pouco face ao quadro actual de despesas?

A aplicação da condição de recursos e a adopção de outros mecanismos que permitam assegurar que as despesas no âmbito do Sistema de Protecção Social de Cidadania são dirigidas apenas "àqueles que mais necessitam" permitiria obter, no horizonte de uma legislatura, valores acumulados superiores a 1.000 milhões de euros. Na realidade, admitindo uma aplicação progressiva desses mecanismos às despesas não sujeitas actualmente a condição de recursos (cerca de 4.350 milhões de euros), e considerando que ao fim de quatro anos se atingia um nível de eficácia de 20%, teríamos uma poupança estimada, só nesse ano, de cerca de 870 milhões de euros, ou seja, de cerca de 3,6% do total da despesa do sistema de Segurança Social (24.000 milhões de euros). Importa, no entanto, referir que a reforma da Segurança Social tem de ser muito mais do que isto. Em primeiro lugar, importa simplificar o quadro legal, nomeadamente através da unificação da condição de recurso ou da criação de uma prestação familiar única no âmbito do Sistema de Protecção Social de Cidadania. Importa também, alterar o modelo de governação, bem como reorganizar e modernizar a estrutura de suporte da Segurança Social através da fusão e extinção de institutos públicos e planeamento integrado das actividades e reengenharia de processos assente numa estrutura informática robusta. Um terceiro aspecto, prende-se com o reforço dos mecanismos de controlo e no combate sério à fraude e corrupção. Importa também melhorar a melhorar a comunicação com o cidadão, torando-a mais transparente e fidedigna (por exemplo, desenvolvendo um sistema profissional de gestão da informação e de estatísticas), reforçando ainda a educação cívica no âmbito das matérias relativas à protecção social e ao funcionamento do sistema. Por fim, terá de ser desenvolvido um trabalho profundo no que respeita ao reforço da equidade e sustentabilidade do sistema, sujeitando, tal como já foi referido, a condição de recursos todos os benefícios que não resultam do esforço contributivo ou alinhando os benefícios atribuídos no âmbito do Sistema Previdencial com o esforço contributivo realizado, sem prejuízo de uma diversificação das fontes de financiamento de forma a assegurar, simultaneamente, a dinamização do mercado de trabalho.

Onde vai poupar mil milhões de euros em prestações sociais na próxima legislatura? A questão lançada por Passos Coelho a António Costa no frente-a-frente das rádios - e a que o líder do PS não respondeu - trouxe para a campanha o tema dos apoios sociais. Miguel Coelho, antigo vice-presidente do Instituto de Segurança Social e autor do livro "Segurança Social-Situação actual e perspectivas de reforma" respondeu às perguntas do Económico, onde explica que há espaço para conseguir poupar até mais do que o PS prevê, mas defende que é preciso olhar para as prestações sociais não contributivas mas também para as transferências para as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS).

Que retrato faz das prestações sociais não contributivas em Portugal?

Para responder a esta questão importa antes de mais analisar a arquitectura do Sistema de Segurança Social em Portugal. Na realidade o sistema desdobra-se em 3 grandes componentes: Sistema de Protecção Social de Cidadania; Sistema Previdencial; e Sistema Complementar. Quando falamos em prestações sociais não contributivas estamos a falar de prestações pagas no âmbito do Sistema de Protecção Social de Cidadania, sistema este que assenta no princípio de solidariedade de base nacional e que visa "garantir direitos básicos dos cidadãos, a igualdade de oportunidades, bem como promover o bem-estar e a coesão sociais". Trata-se de prestações e transferências que procuram obviar as situações de carência e pobreza, ou seja, são dirigidas aqueles que mais necessitam. Para além das prestações sociais não contributivas (isto é, pensão social de velhice, rendimento social de inserção, complemento social para idosos, subsídio social de desemprego), existem outras despesas realizadas no âmbito do Sistema de Protecção Social de Cidadania de entre as quais se destacam as transferências para as IPSS ao abrigo dos denominados acordos de cooperação.

O PS defende que existem ineficiências e que procura com aquelas poupanças um sistema mais justo. Concorda que existem ineficiências na atribuição de prestações sociais não contributivas?

As despesas do Sistema de Protecção Social de Cidadania ascendem a valores próximos dos 6.850 milhões de euros/ano (dados de 2012), dos quais cerca de 4.350 milhões de euros/ano (cerca de 63,5%) não estão sujeitas à aplicação da condição de recursos (isto é, conjunto de condições que o individuo ou agregado familiar deve reunir para poder ter acesso às prestações no âmbito do Sistema de Protecção Social de Cidadania). Refira-se, por outro lado, que os 2.500 milhões de euros/ano de despesas sujeitas a condição de recursos, não estão sujeitas apenas a uma única condição de recursos, existindo três enquadramentos legais distintos, aplicados consoante a natureza da prestação (o que significa que um beneficiário pode ser "rico" para uma prestação e "pobre" para outra). No que respeita às despesas não sujeitas à aplicação da condição de recursos (4.350 milhões de euros/ano), destacam-se dois grandes grupos: "complemento social" e acordos de cooperação. O "complemento social" é atribuído aos pensionistas de pensões de velhice, sobrevivência e invalidez do Sistema Previdencial (ou seja, contributivo) cujo valor da pensão, calculado com base nas contribuições efectivamente realizadas (pensão estatutária), se situa abaixo dos valores de pensão mínima. Correspondendo a uma despesa de cerca de 2.000 milhões de euros/ano, sem a aplicação da condição de recursos, não fica assegurado que a atribuição deste complemento só beneficia quem mais precisa. Refira-se que existem pensionistas do Sistema Previdencial que beneficiam do "complemento social", pago pelo Sistema de Protecção Social de Cidadania, auferindo, simultaneamente, pensões superiores a 5.000 euros provenientes de outros sistemas de pensões. No que respeita aos acordos de cooperação, e sem colocar em causa o extraordinário papel das IPSS na prossecução dos objectivos de Segurança Social, o certo é que o atual modelo de financiamento não garante que apenas os que mais precisam são beneficiados. Com efeito, para a quase totalidade das transferências, o Estado não assegura que as instituições dirigem o financiamento apenas para as actividades que beneficiam os mais desfavorecidos. Por exemplo, existem situações em que o Estado financia "vagas" em lares residenciais, as quais são ocupadas por utentes com elevados rendimentos.

Em que prestações não contributivas devem incidir as alterações?

Todas as despesas no âmbito do Sistema de Protecção Social de Cidadania só se poderão realizar se existirem mecanismos que assegurem que "só os que verdadeiramente precisam são beneficiados". Para tal importaria, em primeiro lugar, criar uma única condição de recursos (em substituição das actuais três) aplicável às diferentes prestações "não contributivas". Em segundo lugar, aplicar para os novos pensionistas do Sistema Previdencial a condição de recursos na atribuição do "complemento social", garantindo, desta forma, que só os pensionistas verdadeiramente "desfavorecidos" do regime contributivo têm direito a esse complemento. Por fim, importaria reformular o modelo de financiamento do Estado às IPSS, transitando-se progressivamente, ainda que parcialmente, para um modelo de financiamento directo às famílias desfavorecidas através, por exemplo, da atribuição de um cheque (sujeito a condição de recursos) que serviria (exclusivamente) para pagar às IPSS os serviços prestados por estas instituições (por exemplo, a estadia num lar residencial ou o acesso a uma creche). Desta forma garantia-se a liberdade de escolha do individuo e uma adequada afectação de recursos.

O PS compromete-se a poupar 1000 milhões na legislatura (cerca de 250 milhões de euros por ano. Este objectivo é viável? É muito ou pouco face ao quadro actual de despesas?

A aplicação da condição de recursos e a adopção de outros mecanismos que permitam assegurar que as despesas no âmbito do Sistema de Protecção Social de Cidadania são dirigidas apenas "àqueles que mais necessitam" permitiria obter, no horizonte de uma legislatura, valores acumulados superiores a 1.000 milhões de euros. Na realidade, admitindo uma aplicação progressiva desses mecanismos às despesas não sujeitas actualmente a condição de recursos (cerca de 4.350 milhões de euros), e considerando que ao fim de quatro anos se atingia um nível de eficácia de 20%, teríamos uma poupança estimada, só nesse ano, de cerca de 870 milhões de euros, ou seja, de cerca de 3,6% do total da despesa do sistema de Segurança Social (24.000 milhões de euros). Importa, no entanto, referir que a reforma da Segurança Social tem de ser muito mais do que isto. Em primeiro lugar, importa simplificar o quadro legal, nomeadamente através da unificação da condição de recurso ou da criação de uma prestação familiar única no âmbito do Sistema de Protecção Social de Cidadania. Importa também, alterar o modelo de governação, bem como reorganizar e modernizar a estrutura de suporte da Segurança Social através da fusão e extinção de institutos públicos e planeamento integrado das actividades e reengenharia de processos assente numa estrutura informática robusta. Um terceiro aspecto, prende-se com o reforço dos mecanismos de controlo e no combate sério à fraude e corrupção. Importa também melhorar a melhorar a comunicação com o cidadão, torando-a mais transparente e fidedigna (por exemplo, desenvolvendo um sistema profissional de gestão da informação e de estatísticas), reforçando ainda a educação cívica no âmbito das matérias relativas à protecção social e ao funcionamento do sistema. Por fim, terá de ser desenvolvido um trabalho profundo no que respeita ao reforço da equidade e sustentabilidade do sistema, sujeitando, tal como já foi referido, a condição de recursos todos os benefícios que não resultam do esforço contributivo ou alinhando os benefícios atribuídos no âmbito do Sistema Previdencial com o esforço contributivo realizado, sem prejuízo de uma diversificação das fontes de financiamento de forma a assegurar, simultaneamente, a dinamização do mercado de trabalho.

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