Jornalistas, políticos e poder*

08-07-2011
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Jornalistas, políticos e poder*

Em 1934 Afonso Costa já não vivia em Portugal há largos anos mas era ainda um advogado muito influente e um político com uma enorme popularidade. Logo, para um jornal que não queria cortar as pontes com esse sector dos republicanos, era embaraçoso não publicar um texto de Afonso Costa. Mas por outro lado havia que ter em conta que Salazar não gostaria de ver publicada nas páginas de “ O Primeiro de Janeiro” uma enorme entrevista que o jornalista José Jobim fizera a Afonso Costa. Aos homens d’ O Primeiro de Janeiro não ocorreu então melhor ideia do que enviarem a dita entrevista para a censura não para que a mesma fosse aprovada ou amputada mas manifestando interesse em que a censura impedisse que a entrevista pura e simplesmente fosse publicada. Assim pensavam ficar bem perante os dois lados.

Como se calcula, a entrevista, acompanhada duma carta dos serviços de censura onde se lia “Como esclarecimento interessante, comunico a Vª Exª, que me foi pedido há dias pelo “Primeiro de Janeiro” um tratamento especial para este artigo – o de eu cortar o artigo”, não chegou apenas a Salazar mas também aos portugueses, pois tudo isto acabou por ser revelado numa nota oficiosa.

A que título se recorda este episódio em 2010? Aquando da polémica entre José Alberto Carvalho e Azeredo Lopes a propósito do afastamento de Marcelo Rebelo de Sousa da RTP calhou que ouvisse “En El Ultimo Trago” de Chavela Vargas. Quem já a ouviu sabe que o refrão ganha uma força espantosa quando Chavela Vargas, com aquela voz de quem viveu muito, diz: “Nada me han enseñado los años/ siempre caigo en los mismos errores/ otra vez a brindar con extraños/ y a llorar por los mismos dolores”. Chavela dizia isto sobre os seus amores e desamores mas na verdade também os jornalistas caem quase sempre no mesmo erro, sendo que o erro dos jornalistas é precisamente o de deixarem de falar com estranhos e passarem apenas a falar quase só com o poder e, às vezes, pelo poder. Quando tal acontece esquecem que o seu compromisso é precisamente com esses estranhos que os lêem, vêem e ouvem e o resultado é invariavelmente triste como o refrão da canção de Chavela. Como polémica entre José Alberto Carvalho e Azeredo Lopes. Ou como o caso da entrevista a Afonso Costa que O Primeiro de Janeiro quis que fosse censurada para ficar bem perante Afonso Costa e Oliveira Salazar.

*PÚBLICO

Jornalistas, políticos e poder*

Em 1934 Afonso Costa já não vivia em Portugal há largos anos mas era ainda um advogado muito influente e um político com uma enorme popularidade. Logo, para um jornal que não queria cortar as pontes com esse sector dos republicanos, era embaraçoso não publicar um texto de Afonso Costa. Mas por outro lado havia que ter em conta que Salazar não gostaria de ver publicada nas páginas de “ O Primeiro de Janeiro” uma enorme entrevista que o jornalista José Jobim fizera a Afonso Costa. Aos homens d’ O Primeiro de Janeiro não ocorreu então melhor ideia do que enviarem a dita entrevista para a censura não para que a mesma fosse aprovada ou amputada mas manifestando interesse em que a censura impedisse que a entrevista pura e simplesmente fosse publicada. Assim pensavam ficar bem perante os dois lados.

Como se calcula, a entrevista, acompanhada duma carta dos serviços de censura onde se lia “Como esclarecimento interessante, comunico a Vª Exª, que me foi pedido há dias pelo “Primeiro de Janeiro” um tratamento especial para este artigo – o de eu cortar o artigo”, não chegou apenas a Salazar mas também aos portugueses, pois tudo isto acabou por ser revelado numa nota oficiosa.

A que título se recorda este episódio em 2010? Aquando da polémica entre José Alberto Carvalho e Azeredo Lopes a propósito do afastamento de Marcelo Rebelo de Sousa da RTP calhou que ouvisse “En El Ultimo Trago” de Chavela Vargas. Quem já a ouviu sabe que o refrão ganha uma força espantosa quando Chavela Vargas, com aquela voz de quem viveu muito, diz: “Nada me han enseñado los años/ siempre caigo en los mismos errores/ otra vez a brindar con extraños/ y a llorar por los mismos dolores”. Chavela dizia isto sobre os seus amores e desamores mas na verdade também os jornalistas caem quase sempre no mesmo erro, sendo que o erro dos jornalistas é precisamente o de deixarem de falar com estranhos e passarem apenas a falar quase só com o poder e, às vezes, pelo poder. Quando tal acontece esquecem que o seu compromisso é precisamente com esses estranhos que os lêem, vêem e ouvem e o resultado é invariavelmente triste como o refrão da canção de Chavela. Como polémica entre José Alberto Carvalho e Azeredo Lopes. Ou como o caso da entrevista a Afonso Costa que O Primeiro de Janeiro quis que fosse censurada para ficar bem perante Afonso Costa e Oliveira Salazar.

*PÚBLICO

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