Dois pesos e várias medidas*

08-11-2013
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Dois pesos e várias medidas*

Sai-se de casa com o saquinho do papel mais o das embalagens e parte-se em busca de um ecoponto. Chega-se ao ecoponto e o dito está transformado numa espécie de instalação que, não fosse o mau cheiro, até se suporia fazer fazer parte de algum daqueles projectos artísticos que alegadamente formarão novos gostos e novos públicos. Mas não é o caso, embora mais ou cedo ou mais tarde seja certo que alguém há-de vender um destes equipamentos a algum museu desejoso de passar por moderninho. Voltemos porém ao ecoponto que se avista em várias das ruas deste país. Um sistema de recolha insuficiente a par dumas configurações desajustadas levam a que frequentemente se acumule lixo e mais lixo em seu redor. Enervadas com este mau aspecto algumas autarquias optaram não por aumentar o números de vezes em que os ecopontos são esvaziados, muito menos procuraram adaptá-los ao formato das embalagens que as pessoas pretendem aí despejar. Muito mais prosaicamente decidiram multar aqueles que, na impossibilidade de colocarem o lixo no ecoponto, o deixam ficar ali ao lado. Digamos que a multar-se alguém as autarquias deviam começar por multar-se a si mesmas pois não é aceitável que se apele a que os cidadãos separem os lixos, carreguem com eles até um determinado sítio e uma vez aí chegados não o possam deixar. Mas isto, que já por si é aberrante, coloca outros problemas muito mais sérios pois acontece que para passar a multa há que saber de quem é o lixo. E é aí que caímos na bizarra figura duma espécie de pides do lixo. Ou seja, umas criaturas que abrem os sacos e lá dentro procuram recibos ou qualquer papelinho que identifique o proprietário do dito lixo. Daí a passar a multa é um instante. Para não pagar a multa há que provar que ou o ecoponto estava cheio – situação que às autarquias não parece mal – ou que alguém mexeu no nosso lixo, retirando-o do ecoponto, coisa como se sabe facílima de provar pois isso apenas implicaria manter guarda dias a fio ao ecoponto e nós não temos mais nada para fazer. Tudo isto daria vontade de rir caso não estivéssemos perante a habitual complacência dos serviços públicos perante o seu mau funcionamento, a que se junta um nítido abuso de poder pois não só não se mexe assim nos papéis alheios como nada garante que aquele lixo é da pessoa a quem pertencem os recibos de multibanco ou os exames médicos que estão no saco ao lado do papelão.

Curiosamente, no mesmo país onde isto acontece e não parece chocar ninguém, a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) não autoriza os proprietários de estabelecimentos comerciais a usarem as câmaras de videovigilância para identificar os autores dos roubos efectuados nas suas lojas, roubos esses que no ano passado atingiram o valor de 177 milhões de euros.

*PÚBLICO

Dois pesos e várias medidas*

Sai-se de casa com o saquinho do papel mais o das embalagens e parte-se em busca de um ecoponto. Chega-se ao ecoponto e o dito está transformado numa espécie de instalação que, não fosse o mau cheiro, até se suporia fazer fazer parte de algum daqueles projectos artísticos que alegadamente formarão novos gostos e novos públicos. Mas não é o caso, embora mais ou cedo ou mais tarde seja certo que alguém há-de vender um destes equipamentos a algum museu desejoso de passar por moderninho. Voltemos porém ao ecoponto que se avista em várias das ruas deste país. Um sistema de recolha insuficiente a par dumas configurações desajustadas levam a que frequentemente se acumule lixo e mais lixo em seu redor. Enervadas com este mau aspecto algumas autarquias optaram não por aumentar o números de vezes em que os ecopontos são esvaziados, muito menos procuraram adaptá-los ao formato das embalagens que as pessoas pretendem aí despejar. Muito mais prosaicamente decidiram multar aqueles que, na impossibilidade de colocarem o lixo no ecoponto, o deixam ficar ali ao lado. Digamos que a multar-se alguém as autarquias deviam começar por multar-se a si mesmas pois não é aceitável que se apele a que os cidadãos separem os lixos, carreguem com eles até um determinado sítio e uma vez aí chegados não o possam deixar. Mas isto, que já por si é aberrante, coloca outros problemas muito mais sérios pois acontece que para passar a multa há que saber de quem é o lixo. E é aí que caímos na bizarra figura duma espécie de pides do lixo. Ou seja, umas criaturas que abrem os sacos e lá dentro procuram recibos ou qualquer papelinho que identifique o proprietário do dito lixo. Daí a passar a multa é um instante. Para não pagar a multa há que provar que ou o ecoponto estava cheio – situação que às autarquias não parece mal – ou que alguém mexeu no nosso lixo, retirando-o do ecoponto, coisa como se sabe facílima de provar pois isso apenas implicaria manter guarda dias a fio ao ecoponto e nós não temos mais nada para fazer. Tudo isto daria vontade de rir caso não estivéssemos perante a habitual complacência dos serviços públicos perante o seu mau funcionamento, a que se junta um nítido abuso de poder pois não só não se mexe assim nos papéis alheios como nada garante que aquele lixo é da pessoa a quem pertencem os recibos de multibanco ou os exames médicos que estão no saco ao lado do papelão.

Curiosamente, no mesmo país onde isto acontece e não parece chocar ninguém, a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) não autoriza os proprietários de estabelecimentos comerciais a usarem as câmaras de videovigilância para identificar os autores dos roubos efectuados nas suas lojas, roubos esses que no ano passado atingiram o valor de 177 milhões de euros.

*PÚBLICO

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