Pior a emenda que o soneto

30-01-2012
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Contrariamente a muitos que têm vindo a público defender o mérito do conjunto de medidas avulsas de revisão constitucional que o PSD se tem ocupado a divulgar, acho que as propostas que estão em cima da mesa são más, algumas perigosas, e na generalidade contraproducentes em tornar a constituição menos ideológica e em a afastar do socialismo.

Começando por uma das mais emblemáticas (e obviamente polémicas), o fim da qualificação como tendencialmente gratuitos do SNS e da educação pública, é o cumprir de uma velha intenção social-democrata de pagamento descriminado dos cuidados de saúde em função dos rendimentos, uma espécie de cenário de substituição do cartão da “caixa” pelo cartão de contribuinte. Ora esta é uma proposta que se os socialistas (e restante esquerda) não estivessem tão ocupados em atacar o PSD, possivelmente poderiam ter subscrito e aplaudido. Senão vejamos: o SNS é um dos sectores públicos de gestão corrente mais complicada, acumulando défices monumentais e lutando para afirmar a sua própria sustentabilidade a um prazo não muito longo. Ora uma proposta como a do PSD possibilitaria, com o beneplácito da principal “oposição”, um aumento de receitas que com certeza os apologistas do SNS deveriam dar graças por receber.

O problema, como proposta supostamente de “direita” e “liberal”, é que esse pagamento diferenciado já é feito actualmente, numa das sedes em que pode (discutivelmente) ser feito: por intermédio dos escalões progressivos dos impostos. Mais, uma medida deste género teria destinatários que se prevê serem bem definidos: sendo que no nosso pais se acumula um universo substancial de agregados que não pagam qualquer IRS – e que previsivelmente teriam como consequência isenção desse pagamento de serviços -, e sendo que a este facto acresce que quem tem rendimentos substanciais por sistema não recorre ao SNS, poder-se-ia portanto concluir que o destinatário da medida seriam os desgraçados de classe média, média-alta que, não podendo furtar-se a pagar impostos (e constituindo a fatia de leão na receita destes), e tendo que recorrer ao SNS, teriam que arcar com este novo custo.

Aquilo que se diz para o SNS, poder-se-ia transpor integralmente para a escola pública.

Outra proposta em cima da mesa é, alegadamente, a questão da demissão do governo pelo presidente da república. Ora se o que se pretendia fosse uma presidencialização do regime (o que por si só não teria nada de mal e seria uma proposta absolutamente válida em cima da mesa), esse facto não poderia nunca passar pela aprovação de uma medidinha isolada, fundamentada tão somente com análises (e interesses) conjunturais. Naturalmente uma medida como essa desequilibraria os poderes presidenciais como estão actualmente concebidos (não estou a dizer que bem) quando, por via do equilíbrio temos no presente, um presidente que nem sequer pode ser “impeached”. Teria necessariamente que ser acompanhada de outras alterações que garantiriam os checks&balances adequados a essa nova realidade.

A estas propostas acrescem outras com um problema que as atravessa a todas. São propostas que consubstanciam mais medidinhas avulsas que propostas concretas com dignidade de serem inscritas na constituição. Aliás, viriam por esse meio acrescentar àquelas que já lá estão e que nunca lá deveriam ter estado, tornando a constituição no enormidade (em tudo semelhante ao restante corpo legal) que se conhece. Seria substituir a realidade do conteúdo ideológico presente por uma mixórdia de preceitos, muito provavelmente com uma metade contradizendo a outra.

Tudo isto claro, para não falar na própria natureza das propostas, como uma peregrina constitucionalização da “infiltração em sistemas informáticos pessoais quando se indicie a prática de crime punível com pena de prisão igual ou superior a cinco anos” ou do “seguimento dos movimentos de uma pessoa através da localização à distância”.

Estará tudo doido?

Alguma vez deveria estar numa constituição o que são ou não razões válidas para o despedimento?

São tiradas destas que saem das penas dos nossos constitucionalistas, ou estão somente a tentar competir com os absurdos da versão original?

Se esta proposta de revisão constitucional é uma amostra da consistência e da ponderação das propostas de Passos Coelho, começo a temer pelo (ainda) pior.

Contrariamente a muitos que têm vindo a público defender o mérito do conjunto de medidas avulsas de revisão constitucional que o PSD se tem ocupado a divulgar, acho que as propostas que estão em cima da mesa são más, algumas perigosas, e na generalidade contraproducentes em tornar a constituição menos ideológica e em a afastar do socialismo.

Começando por uma das mais emblemáticas (e obviamente polémicas), o fim da qualificação como tendencialmente gratuitos do SNS e da educação pública, é o cumprir de uma velha intenção social-democrata de pagamento descriminado dos cuidados de saúde em função dos rendimentos, uma espécie de cenário de substituição do cartão da “caixa” pelo cartão de contribuinte. Ora esta é uma proposta que se os socialistas (e restante esquerda) não estivessem tão ocupados em atacar o PSD, possivelmente poderiam ter subscrito e aplaudido. Senão vejamos: o SNS é um dos sectores públicos de gestão corrente mais complicada, acumulando défices monumentais e lutando para afirmar a sua própria sustentabilidade a um prazo não muito longo. Ora uma proposta como a do PSD possibilitaria, com o beneplácito da principal “oposição”, um aumento de receitas que com certeza os apologistas do SNS deveriam dar graças por receber.

O problema, como proposta supostamente de “direita” e “liberal”, é que esse pagamento diferenciado já é feito actualmente, numa das sedes em que pode (discutivelmente) ser feito: por intermédio dos escalões progressivos dos impostos. Mais, uma medida deste género teria destinatários que se prevê serem bem definidos: sendo que no nosso pais se acumula um universo substancial de agregados que não pagam qualquer IRS – e que previsivelmente teriam como consequência isenção desse pagamento de serviços -, e sendo que a este facto acresce que quem tem rendimentos substanciais por sistema não recorre ao SNS, poder-se-ia portanto concluir que o destinatário da medida seriam os desgraçados de classe média, média-alta que, não podendo furtar-se a pagar impostos (e constituindo a fatia de leão na receita destes), e tendo que recorrer ao SNS, teriam que arcar com este novo custo.

Aquilo que se diz para o SNS, poder-se-ia transpor integralmente para a escola pública.

Outra proposta em cima da mesa é, alegadamente, a questão da demissão do governo pelo presidente da república. Ora se o que se pretendia fosse uma presidencialização do regime (o que por si só não teria nada de mal e seria uma proposta absolutamente válida em cima da mesa), esse facto não poderia nunca passar pela aprovação de uma medidinha isolada, fundamentada tão somente com análises (e interesses) conjunturais. Naturalmente uma medida como essa desequilibraria os poderes presidenciais como estão actualmente concebidos (não estou a dizer que bem) quando, por via do equilíbrio temos no presente, um presidente que nem sequer pode ser “impeached”. Teria necessariamente que ser acompanhada de outras alterações que garantiriam os checks&balances adequados a essa nova realidade.

A estas propostas acrescem outras com um problema que as atravessa a todas. São propostas que consubstanciam mais medidinhas avulsas que propostas concretas com dignidade de serem inscritas na constituição. Aliás, viriam por esse meio acrescentar àquelas que já lá estão e que nunca lá deveriam ter estado, tornando a constituição no enormidade (em tudo semelhante ao restante corpo legal) que se conhece. Seria substituir a realidade do conteúdo ideológico presente por uma mixórdia de preceitos, muito provavelmente com uma metade contradizendo a outra.

Tudo isto claro, para não falar na própria natureza das propostas, como uma peregrina constitucionalização da “infiltração em sistemas informáticos pessoais quando se indicie a prática de crime punível com pena de prisão igual ou superior a cinco anos” ou do “seguimento dos movimentos de uma pessoa através da localização à distância”.

Estará tudo doido?

Alguma vez deveria estar numa constituição o que são ou não razões válidas para o despedimento?

São tiradas destas que saem das penas dos nossos constitucionalistas, ou estão somente a tentar competir com os absurdos da versão original?

Se esta proposta de revisão constitucional é uma amostra da consistência e da ponderação das propostas de Passos Coelho, começo a temer pelo (ainda) pior.

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