Realizadores recusaram "um exercício hipócrita" no Parlamento

11-11-2013
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A sessão na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, no Parlamento, nesta terça-feira, era de congratulação e os realizadores Miguel Gomes, João Salaviza e Gonçalo Tocha agradeceram-na. Mas deixaram bem vincado o paradoxo. Num momento em que uma nova geração de cineastas acumula prémios em festivais internacionais de renome, o cinema em Portugal corre o risco de desaparecer, alertaram os três.

Antes de ser recebido pela comissão, Miguel Gomes, realizador de Tabu, prémio Alfred Bauer para a inovação e prémio especial da crítica no último Festival de Berlim, dizia ao PÚBLICO não querer contribuir para "um exercício hipócrita". Concretamente: "Estarmos numa situação de calamidade no sector do cinema e estarmos a celebrar feitos e conquistas que são resultado de uma política cultural que, neste momento, está interrompida".

Quando os realizadores tomaram a palavra, rapidamente surgiu a denúncia da situação e o questionar do que o Parlamento, através de cada um dos seus grupos, planeia fazer para a alterar. "O sucesso que estamos a celebrar hoje não acontecerá nos próximos anos", avisou Salaviza. É o financiamento do Estado é condição "para que os agentes culturais criem em total liberdade". Miguel Gomes explicou que Tabu só foi possível pela existência de uma política cultural comum nos países co-produtores do filme, França, Espanha e Brasil, que retiraram um financiamento de 40% da obra aos seus orçamentos nacionais para a Cultura (em Portugal, os apoios à criação cinematográfica são recolhidos em taxas sobre a publicidade no mercado audiovisual). "Este filme existe porque existe esta política comum, que não é portuguesa", uma política que entende que "os mercados são incapazes de assegurar um cinema que não esteja sujeito do mínimo denominador comum".

Tocha, por sua vez, alertou para a necessidade de regularização da lei da intermitência no espectáculo. "Trabalho a recibos verdes desde sempre e os descontos para a Segurança Social são fixos", explicava pouco antes da sessão na comissão. Nela, alertaria: "Toda a gente fala dos artistas, mas eles não existem [oficialmente]. É preciso assumir que existem pessoas do espectáculo, e que trabalham de forma intermitente."

Factos: no último ano, Miguel Gomes foi distinguido em vários festivais e Tabu já assegurou estreia em 28 países; depois da Palma em Cannes com a curta Arena, em 2009, João Salaviza já ganhou o Urso de Ouro em Berlim com Rafa; e Gonçalo Tocha viu É Na Terra, Não É Na Lua ganhar uma menção honrosa em Locarno, um prémio em Buenos Aires, outro em São Francisco. E enquanto a nova Lei do Cinema continua à espera de Junho para publicação, o sector vive praticamente imobilizado, com o Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA) sem fundos para abrir novos concursos ou sequer para cubrir compromissos assumidos em 2010 e 2011.

Miguel Gomes afirmou perante os deputados que, se estes estiverem "realmente interessados no significado destes prémios e na saúde do cinema português", impõe-se a chamada à Comissão do secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, e do presidente do ICA, José Pedro Ribeiro. O BE requereu há dois dias uma audição urgente de Viegas para esclarecimentos sobre a política governamental para o cinema, manifestando estranheza com "cortes de 100% nos apoios" quando o financiamento não depende do orçamento de Estado. O requerimento foi chumbado pela maioria parlamentar do PSD/CDS-PP.

Um dia depois de Pedro Passos Coelho, durante a entrega do Prémio Leya ao escritor João Ricardo Pedro, ter salientado que "o valor da Cultura não se mede pelo montante da sua conta no Orçamento", a linha ideológica defendida pelo Governo e pela SEC para a Cultura, foi rebatida por Miguel Gomes e João Salaviza. Na comissão, o deputado do CDS-PP Michael Seufert afirmou as suas reservas quanto à intervenção estatal directa na atribuição de apoios, louvando a livre iniciativa. Salaviza apontou que nenhum dos filmes portugueses criados segundo o modelo industrial americano passou de Badajoz. Miguel Gomes defendeu que entregar apenas aos privados a criação cinematográfica "só funciona em dois países: Estados Unidos e Índia. Hollywood e Bollywood".

Na passada quinta-feira, agentes da indústria cinematográfica reuniram-se no Cinema São Jorge, onde apresentaram o texto Cinema Português: Ultimato ao Governo, subscrito por 21 profissionais do sector, entre os quais João Botelho, Manuel Mozos, Pedro Costa, João Canijo e Miguel Gomes, João Salaviza e Gonçalo Tocha. "Ao fim de dez meses o cinema português corre perigo de vida", assinalam os subscritores.

Hoje, o protesto continua. Às 21h30, frente às escadarias do parlamento, será projectado um filme que compactará em 1h30 um século de cinema português. "Ficamos com a sensação que as palavras já não produzem efeitos", diz Margarida Gil, presidente da Associação Portuguesa de Realizadores. "Se podemos provar alguma coisa, é através dos filmes que fizemos. Será uma prova do passado e do presente, em nome do futuro."

Miguel Gomes iniciou a sua intervenção com uma mensagem. Manoel de Oliveira pedira-lhe que a transmitisse aos deputados: "Parar é morrer. Não deixem o cinema morrer."

A sessão na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, no Parlamento, nesta terça-feira, era de congratulação e os realizadores Miguel Gomes, João Salaviza e Gonçalo Tocha agradeceram-na. Mas deixaram bem vincado o paradoxo. Num momento em que uma nova geração de cineastas acumula prémios em festivais internacionais de renome, o cinema em Portugal corre o risco de desaparecer, alertaram os três.

Antes de ser recebido pela comissão, Miguel Gomes, realizador de Tabu, prémio Alfred Bauer para a inovação e prémio especial da crítica no último Festival de Berlim, dizia ao PÚBLICO não querer contribuir para "um exercício hipócrita". Concretamente: "Estarmos numa situação de calamidade no sector do cinema e estarmos a celebrar feitos e conquistas que são resultado de uma política cultural que, neste momento, está interrompida".

Quando os realizadores tomaram a palavra, rapidamente surgiu a denúncia da situação e o questionar do que o Parlamento, através de cada um dos seus grupos, planeia fazer para a alterar. "O sucesso que estamos a celebrar hoje não acontecerá nos próximos anos", avisou Salaviza. É o financiamento do Estado é condição "para que os agentes culturais criem em total liberdade". Miguel Gomes explicou que Tabu só foi possível pela existência de uma política cultural comum nos países co-produtores do filme, França, Espanha e Brasil, que retiraram um financiamento de 40% da obra aos seus orçamentos nacionais para a Cultura (em Portugal, os apoios à criação cinematográfica são recolhidos em taxas sobre a publicidade no mercado audiovisual). "Este filme existe porque existe esta política comum, que não é portuguesa", uma política que entende que "os mercados são incapazes de assegurar um cinema que não esteja sujeito do mínimo denominador comum".

Tocha, por sua vez, alertou para a necessidade de regularização da lei da intermitência no espectáculo. "Trabalho a recibos verdes desde sempre e os descontos para a Segurança Social são fixos", explicava pouco antes da sessão na comissão. Nela, alertaria: "Toda a gente fala dos artistas, mas eles não existem [oficialmente]. É preciso assumir que existem pessoas do espectáculo, e que trabalham de forma intermitente."

Factos: no último ano, Miguel Gomes foi distinguido em vários festivais e Tabu já assegurou estreia em 28 países; depois da Palma em Cannes com a curta Arena, em 2009, João Salaviza já ganhou o Urso de Ouro em Berlim com Rafa; e Gonçalo Tocha viu É Na Terra, Não É Na Lua ganhar uma menção honrosa em Locarno, um prémio em Buenos Aires, outro em São Francisco. E enquanto a nova Lei do Cinema continua à espera de Junho para publicação, o sector vive praticamente imobilizado, com o Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA) sem fundos para abrir novos concursos ou sequer para cubrir compromissos assumidos em 2010 e 2011.

Miguel Gomes afirmou perante os deputados que, se estes estiverem "realmente interessados no significado destes prémios e na saúde do cinema português", impõe-se a chamada à Comissão do secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, e do presidente do ICA, José Pedro Ribeiro. O BE requereu há dois dias uma audição urgente de Viegas para esclarecimentos sobre a política governamental para o cinema, manifestando estranheza com "cortes de 100% nos apoios" quando o financiamento não depende do orçamento de Estado. O requerimento foi chumbado pela maioria parlamentar do PSD/CDS-PP.

Um dia depois de Pedro Passos Coelho, durante a entrega do Prémio Leya ao escritor João Ricardo Pedro, ter salientado que "o valor da Cultura não se mede pelo montante da sua conta no Orçamento", a linha ideológica defendida pelo Governo e pela SEC para a Cultura, foi rebatida por Miguel Gomes e João Salaviza. Na comissão, o deputado do CDS-PP Michael Seufert afirmou as suas reservas quanto à intervenção estatal directa na atribuição de apoios, louvando a livre iniciativa. Salaviza apontou que nenhum dos filmes portugueses criados segundo o modelo industrial americano passou de Badajoz. Miguel Gomes defendeu que entregar apenas aos privados a criação cinematográfica "só funciona em dois países: Estados Unidos e Índia. Hollywood e Bollywood".

Na passada quinta-feira, agentes da indústria cinematográfica reuniram-se no Cinema São Jorge, onde apresentaram o texto Cinema Português: Ultimato ao Governo, subscrito por 21 profissionais do sector, entre os quais João Botelho, Manuel Mozos, Pedro Costa, João Canijo e Miguel Gomes, João Salaviza e Gonçalo Tocha. "Ao fim de dez meses o cinema português corre perigo de vida", assinalam os subscritores.

Hoje, o protesto continua. Às 21h30, frente às escadarias do parlamento, será projectado um filme que compactará em 1h30 um século de cinema português. "Ficamos com a sensação que as palavras já não produzem efeitos", diz Margarida Gil, presidente da Associação Portuguesa de Realizadores. "Se podemos provar alguma coisa, é através dos filmes que fizemos. Será uma prova do passado e do presente, em nome do futuro."

Miguel Gomes iniciou a sua intervenção com uma mensagem. Manoel de Oliveira pedira-lhe que a transmitisse aos deputados: "Parar é morrer. Não deixem o cinema morrer."

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