Câmara de Comuns

24-12-2013
marcar artigo

por António Prôa

«O Sol noticiou o caso Freeport. Os recentes actos judiciais mostraram que com razão. O assunto não tem a ver com eleições, mas com acções duma justiça independente, a britânica. Segundo a imprensa, por causa das notícias do Freeport, o Sol foi agora alvo duma acção de controle político por parte do PS, que controla o BCP, accionista do jornal. O PS de Sócrates quer calar o Sol por causa duma investigação que aparece nas notícias e comentários relacionada com Sócrates. Este PS de ditadura político-financeira já não é o mesmo de 1975, do caso República. A Controlinveste despediu 122 pessoas, incluindo dezenas de jornalistas do DN e do JN: eis o preço da subserviência editorial ao governo; os cidadãos não querem ler jornais alinhados com o poder. Os jornalistas que vivem o medo nas redacções deveriam reflectir se vale a pena calar-se perante linhas editoriais assim. Como proletários que são e como os proletários de ontem, deveriam ver se têm alguma coisa a perder em opor-se a isto. Jardim, na Madeira, aproveitou para despedir no dia seguinte 20 pessoas do “seu” jornal regional. Que esperto foi: a central de propaganda do PS e governo, sempre pronta a atacá-lo, nem tugiu nem mugiu.»

por António Prôa

Eduardo Cintra Torres descreve a preocupante situação da informação veículada pelos órgãos de comunicação social. Sobre como é elaborada a informação disponibilizada aos jornalistas e como estes são condicionados. O retrato do sufoco informativo em Portugal.

Viver "habitualmente" pela propaganda

A ideia de que as pressões sobre jornalistas, ou meras sugestões, partem apenas da central de propaganda do Governo é incorrecta. Uma boa parte desse trabalho é entregue a “agências de comunicação”.

Essas “agências” são empresas que vendem um produto: propaganda dos seus clientes. Mas algumas não se limitam a encher os computadores dos jornalistas com informações já em forma de “notícias”, explicando o unicamente suposto lado bom da acção dos seus clientes. Fazem mais que isso. Organizam festas, inaugurações e lançamentos de Magalhães com o dinheiro dos clientes – ou dos contribuintes, caso o cliente seja o Estado. Telefonam a sugerir aos jornalistas que façam perguntas incómodas em directo a políticos que considerem adversários dos seus clientes. E fornecem às redacções e aos blogues “amigos” material e background favorável aos seus clientes e desfavorável aos outros.

Inundados de informações e, se necessário, de rumores e insinuações, os jornalistas ficam apenas com um lado da questão. A enxurrada “informativa” facilmente inquina a sua possibilidade de averiguar mais completamente as questões, que entram na agenda mediática deformadas, e deformadas prosseguem até à sua substituição por outras.

Para o poder político, as “agência de comunicação” têm a vantagem de diluir o destino do dinheiro destinado à sua propaganda. Como um governo não pode “comprar” jornalistas, arranjou-se o processo de pagar a “agências”, sendo estas que usam o nosso dinheiro de formas que dificilmente viremos a conhecer.

Tudo isto é fado, tudo isto é lobbying, claro, um nome lindo para uma actividade que tantas vezes pode ser suja. Sendo as “agências de comunicação” empresas que recebem dinheiro para inclinar a informação jornalística para o lado dos seus clientes, o jornalismo nunca deveria esquecer, ao receber-se um email, um comunicado ou um telefonema de uma agência de comunicação, que tudo isso foi pago pelo cliente que quer “boa imprensa” para si e amiúde “má imprensa” para os adversários. As “agências” recebem do seu cliente quaisquer que sejam os métodos que usem (e que podem ser vedados legalmente a governantes e políticos). Não são perseguidas judicialmente nem de qualquer outra forma. Ficam sempre a ganhar, e bem. Já o jornalismo é abusado e fica sempre a perder.

Ao seguir indicações das “agências de comunicação”, um jornalista pode facilmente fazer uma informação que é mais pobre ou mesmo enviesada. E é ele quem dá a cara. Quem passa por fazer fretes. Se houver problemas, é ele que os enfrenta. Entretanto, nas agências de propaganda, arrecadam-se lucros por vezes fabulosos e teoriza-se sobre a sua “científica” actividade das “relações públicas”.

Este quadro é particularmente gravoso na actualidade, porque o Governo parece estar empenhado na acção de comunicação comprada no mercado das “agências”. Estas chegam a substituir as funções dos assessores de imprensa dos ministérios e agem em conjunto com a central de propaganda.

Não tendo a oposição ou outras partes envolvidas nas notícias acesso aos mesmos orçamentos de propaganda para pagar a “agências de comunicação” concorrentes, o fluxo de eventos, powerpoints e de teleponto, de emails, comunicados e chamadas de telefones das agências para os jornalistas cria um grande desequilíbrio. Isso depois nota-se, e muito, quando se lê os jornais, se ouve a rádio e se vê televisão – e até quando se lê blogues claramente ligados à central de propaganda. Parece que estamos na Rússia: a “informação” vem quase toda do mesmo lado. Criam-se “ondas” de opinião publicada que leva a maioria dos comentadores a criticar muitíssimo mais a oposição do que o poder executivo, o que é um padrão altamente atípico nos regimes democráticos.

À parte alguns aspectos da política da Educação, a governação pouco é criticada, quanto mais escrutinada. Não há crise nem recessão. Aliás, a crise é “favorável” ao Governo, o que, seguindo alguns comentadores, parece tornar a crise excelente para todos. A política financeira está correcta, o Financial Times é que está enviesado. É excelente que o Orçamento seja optimista em vez de realista. Na Saúde agora está tudo ok: a ministra “explica tudo muito bem”, mesmo que tenha ocultado o défice ao Parlamento. No Ambiente corre tudo bem. Na Economia também. Nos Negócios Estrangeiros também. Na Defesa também. Na Cultura também. No Trabalho também. Na Administração Interna está tudo bem outra vez. O desemprego aumenta pouco e, vistas as coisas por outro prisma, até desce. O desemprego entre os milhões que andam a recibos verdes não existe. A emigração causada pela política económica é uma invenção. A fuga do investimento estrangeiro não é importante. O Governo faz os possíveis. A oposição é toda desastrosa: a sociedade civil, os sindicatos, o PSD, o PCP, o CDS, excepto o BE, enquanto houver esperança de aliança com o PS. Como queria Salazar, tenta-se “levar os portugueses a viver habitualmente” com este sufoco informativo.

Eduardo Cintra Torres, Público, 08-12-2008

por António Prôa

«O Sol noticiou o caso Freeport. Os recentes actos judiciais mostraram que com razão. O assunto não tem a ver com eleições, mas com acções duma justiça independente, a britânica. Segundo a imprensa, por causa das notícias do Freeport, o Sol foi agora alvo duma acção de controle político por parte do PS, que controla o BCP, accionista do jornal. O PS de Sócrates quer calar o Sol por causa duma investigação que aparece nas notícias e comentários relacionada com Sócrates. Este PS de ditadura político-financeira já não é o mesmo de 1975, do caso República. A Controlinveste despediu 122 pessoas, incluindo dezenas de jornalistas do DN e do JN: eis o preço da subserviência editorial ao governo; os cidadãos não querem ler jornais alinhados com o poder. Os jornalistas que vivem o medo nas redacções deveriam reflectir se vale a pena calar-se perante linhas editoriais assim. Como proletários que são e como os proletários de ontem, deveriam ver se têm alguma coisa a perder em opor-se a isto. Jardim, na Madeira, aproveitou para despedir no dia seguinte 20 pessoas do “seu” jornal regional. Que esperto foi: a central de propaganda do PS e governo, sempre pronta a atacá-lo, nem tugiu nem mugiu.»

por António Prôa

Eduardo Cintra Torres descreve a preocupante situação da informação veículada pelos órgãos de comunicação social. Sobre como é elaborada a informação disponibilizada aos jornalistas e como estes são condicionados. O retrato do sufoco informativo em Portugal.

Viver "habitualmente" pela propaganda

A ideia de que as pressões sobre jornalistas, ou meras sugestões, partem apenas da central de propaganda do Governo é incorrecta. Uma boa parte desse trabalho é entregue a “agências de comunicação”.

Essas “agências” são empresas que vendem um produto: propaganda dos seus clientes. Mas algumas não se limitam a encher os computadores dos jornalistas com informações já em forma de “notícias”, explicando o unicamente suposto lado bom da acção dos seus clientes. Fazem mais que isso. Organizam festas, inaugurações e lançamentos de Magalhães com o dinheiro dos clientes – ou dos contribuintes, caso o cliente seja o Estado. Telefonam a sugerir aos jornalistas que façam perguntas incómodas em directo a políticos que considerem adversários dos seus clientes. E fornecem às redacções e aos blogues “amigos” material e background favorável aos seus clientes e desfavorável aos outros.

Inundados de informações e, se necessário, de rumores e insinuações, os jornalistas ficam apenas com um lado da questão. A enxurrada “informativa” facilmente inquina a sua possibilidade de averiguar mais completamente as questões, que entram na agenda mediática deformadas, e deformadas prosseguem até à sua substituição por outras.

Para o poder político, as “agência de comunicação” têm a vantagem de diluir o destino do dinheiro destinado à sua propaganda. Como um governo não pode “comprar” jornalistas, arranjou-se o processo de pagar a “agências”, sendo estas que usam o nosso dinheiro de formas que dificilmente viremos a conhecer.

Tudo isto é fado, tudo isto é lobbying, claro, um nome lindo para uma actividade que tantas vezes pode ser suja. Sendo as “agências de comunicação” empresas que recebem dinheiro para inclinar a informação jornalística para o lado dos seus clientes, o jornalismo nunca deveria esquecer, ao receber-se um email, um comunicado ou um telefonema de uma agência de comunicação, que tudo isso foi pago pelo cliente que quer “boa imprensa” para si e amiúde “má imprensa” para os adversários. As “agências” recebem do seu cliente quaisquer que sejam os métodos que usem (e que podem ser vedados legalmente a governantes e políticos). Não são perseguidas judicialmente nem de qualquer outra forma. Ficam sempre a ganhar, e bem. Já o jornalismo é abusado e fica sempre a perder.

Ao seguir indicações das “agências de comunicação”, um jornalista pode facilmente fazer uma informação que é mais pobre ou mesmo enviesada. E é ele quem dá a cara. Quem passa por fazer fretes. Se houver problemas, é ele que os enfrenta. Entretanto, nas agências de propaganda, arrecadam-se lucros por vezes fabulosos e teoriza-se sobre a sua “científica” actividade das “relações públicas”.

Este quadro é particularmente gravoso na actualidade, porque o Governo parece estar empenhado na acção de comunicação comprada no mercado das “agências”. Estas chegam a substituir as funções dos assessores de imprensa dos ministérios e agem em conjunto com a central de propaganda.

Não tendo a oposição ou outras partes envolvidas nas notícias acesso aos mesmos orçamentos de propaganda para pagar a “agências de comunicação” concorrentes, o fluxo de eventos, powerpoints e de teleponto, de emails, comunicados e chamadas de telefones das agências para os jornalistas cria um grande desequilíbrio. Isso depois nota-se, e muito, quando se lê os jornais, se ouve a rádio e se vê televisão – e até quando se lê blogues claramente ligados à central de propaganda. Parece que estamos na Rússia: a “informação” vem quase toda do mesmo lado. Criam-se “ondas” de opinião publicada que leva a maioria dos comentadores a criticar muitíssimo mais a oposição do que o poder executivo, o que é um padrão altamente atípico nos regimes democráticos.

À parte alguns aspectos da política da Educação, a governação pouco é criticada, quanto mais escrutinada. Não há crise nem recessão. Aliás, a crise é “favorável” ao Governo, o que, seguindo alguns comentadores, parece tornar a crise excelente para todos. A política financeira está correcta, o Financial Times é que está enviesado. É excelente que o Orçamento seja optimista em vez de realista. Na Saúde agora está tudo ok: a ministra “explica tudo muito bem”, mesmo que tenha ocultado o défice ao Parlamento. No Ambiente corre tudo bem. Na Economia também. Nos Negócios Estrangeiros também. Na Defesa também. Na Cultura também. No Trabalho também. Na Administração Interna está tudo bem outra vez. O desemprego aumenta pouco e, vistas as coisas por outro prisma, até desce. O desemprego entre os milhões que andam a recibos verdes não existe. A emigração causada pela política económica é uma invenção. A fuga do investimento estrangeiro não é importante. O Governo faz os possíveis. A oposição é toda desastrosa: a sociedade civil, os sindicatos, o PSD, o PCP, o CDS, excepto o BE, enquanto houver esperança de aliança com o PS. Como queria Salazar, tenta-se “levar os portugueses a viver habitualmente” com este sufoco informativo.

Eduardo Cintra Torres, Público, 08-12-2008

marcar artigo