Câmara de Comuns

30-04-2015
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por Nuno Reis

Disse um dia Ortega y Gasset que cada Homem é o Homem e a sua circunstância.

Haverá muitas definições para a palavra herói. Se pegarmos na expressão de Gasset, não se "nasce" herói. São as circunstâncias que fazem despontar os heróis onde antes "só" haveria o carácter. Casos haverá de vidas cuja heroicidade é definida num momento, outros em que a vida, num todo, é um hino à palavra herói.

Há três semanas atrás, no Japão, um tremor de terra abalou as fundações de um país de uma forma como nunca se sentira desde a segunda grande guerra. Certo, houve entretanto outros terramotos, como o de Kobe em 95. Mas nenhum como este. Nenhum que deixe uma marca com as consequências duradouras que este poderá vir a ter, dada a envolvente nuclear.

Desde o desastre em Fukushima que cerca de uma centena de homens enfrenta diariamente a chamada para uma morte antecipada. As quantidades de radiação a que têm estado expostos, e que já levaram alguns ao Hospital (os outros lá acabarão por ir parar mais tarde ou mais cedo) representam muitos milhares de vezes o que os seres humanos absorvem naturalmente durante um ano.

A história deste combate desigual entre o homem e uma força que ele próprio colocou ao seu serviço mas que não consegue dominar totalmente, não é nova. Já teve diferentes protagonistas e circunstâncias.

Alguns conhecerão a história de um submarino nuclear russo do final da década de 50, conhecido por K-19. Com vários defeitos de fabrico, é lançado ao mar de forma extemporânea, com uma tripulação que não estava tecnicamente preparada. A história prossegue com um conjunto de homens a entrarem, um a um, na câmara nuclear para tentarem, artesanalmente e sem protecções, consertar o sistema de arrefecimento e evitar a fusão de um reactor. Lá conseguem fazê-lo à custa da vida de vários e da saúde de todos. Uma história que só com o fim da cortina de ferro acabou por se tornar conhecida.

É de histórias destas que se fazem os heróis. Numa sociedade cada vez mais descartável, em que as televisões fabricam heróis de plástico, só pelo simples facto de participarem num qualquer programa em troca da sua intimidade, e que depois, com a mesma espontaneidade com que foram gerados, são esquecidos pelos mesmos que os endeusaram, importa relevar os verdadeiros heróis. Aqueles que, de facto, se libertam da mortalidade pela capacidade de se darem em vida.

É o herói que encontramos no polícia das Torres Gémeas, é o herói que encontramos no bombeiro que joga a sua vida para salvar uma outra, é o herói que parte para África como Missionário, é o trabalhador de uma central nuclear a 11 mil quilómetros de distância que troca a rotina diária pela missão suicida de tentar arrefecer um núcleo descontrolado com "baldes" de água salgada. A autoimolação de uns para tentar salvar a vida de muitos outros.

Em termos económicos, estima-se que demorará ao Japão meia dúzia de anos a recuperar do desastre. O país do sol nascente saberá levantar-se. Com a mesma devoção e cultura milenar que o leva, ainda hoje, a ser a terceira economia do mundo.

Mas em Fukushima, depois das fugas, estão agora a ser despejadas para o mar toneladas de água radioactiva... Ninguém, neste momento, conseguirá estimar com rigor quantos milhares de anos levará a que as consequências deste desastre se deixem de fazer sentir. A vida ou a saúde destes heróis é um preço elevado que pode estar a evitar uma catástrofe ainda maior, numa luta diária que está longe de terminada.

Nós por cá, também temos necessidade de heróis. De cariz diferente dos de Fukushima, obviamente, mas com traços em comum. No fim de contas, em qualquer parte do mundo, serão sempre heróis os que "por obras valerosas se vão da Lei da Morte libertando".

por Nuno Reis

Disse um dia Ortega y Gasset que cada Homem é o Homem e a sua circunstância.

Haverá muitas definições para a palavra herói. Se pegarmos na expressão de Gasset, não se "nasce" herói. São as circunstâncias que fazem despontar os heróis onde antes "só" haveria o carácter. Casos haverá de vidas cuja heroicidade é definida num momento, outros em que a vida, num todo, é um hino à palavra herói.

Há três semanas atrás, no Japão, um tremor de terra abalou as fundações de um país de uma forma como nunca se sentira desde a segunda grande guerra. Certo, houve entretanto outros terramotos, como o de Kobe em 95. Mas nenhum como este. Nenhum que deixe uma marca com as consequências duradouras que este poderá vir a ter, dada a envolvente nuclear.

Desde o desastre em Fukushima que cerca de uma centena de homens enfrenta diariamente a chamada para uma morte antecipada. As quantidades de radiação a que têm estado expostos, e que já levaram alguns ao Hospital (os outros lá acabarão por ir parar mais tarde ou mais cedo) representam muitos milhares de vezes o que os seres humanos absorvem naturalmente durante um ano.

A história deste combate desigual entre o homem e uma força que ele próprio colocou ao seu serviço mas que não consegue dominar totalmente, não é nova. Já teve diferentes protagonistas e circunstâncias.

Alguns conhecerão a história de um submarino nuclear russo do final da década de 50, conhecido por K-19. Com vários defeitos de fabrico, é lançado ao mar de forma extemporânea, com uma tripulação que não estava tecnicamente preparada. A história prossegue com um conjunto de homens a entrarem, um a um, na câmara nuclear para tentarem, artesanalmente e sem protecções, consertar o sistema de arrefecimento e evitar a fusão de um reactor. Lá conseguem fazê-lo à custa da vida de vários e da saúde de todos. Uma história que só com o fim da cortina de ferro acabou por se tornar conhecida.

É de histórias destas que se fazem os heróis. Numa sociedade cada vez mais descartável, em que as televisões fabricam heróis de plástico, só pelo simples facto de participarem num qualquer programa em troca da sua intimidade, e que depois, com a mesma espontaneidade com que foram gerados, são esquecidos pelos mesmos que os endeusaram, importa relevar os verdadeiros heróis. Aqueles que, de facto, se libertam da mortalidade pela capacidade de se darem em vida.

É o herói que encontramos no polícia das Torres Gémeas, é o herói que encontramos no bombeiro que joga a sua vida para salvar uma outra, é o herói que parte para África como Missionário, é o trabalhador de uma central nuclear a 11 mil quilómetros de distância que troca a rotina diária pela missão suicida de tentar arrefecer um núcleo descontrolado com "baldes" de água salgada. A autoimolação de uns para tentar salvar a vida de muitos outros.

Em termos económicos, estima-se que demorará ao Japão meia dúzia de anos a recuperar do desastre. O país do sol nascente saberá levantar-se. Com a mesma devoção e cultura milenar que o leva, ainda hoje, a ser a terceira economia do mundo.

Mas em Fukushima, depois das fugas, estão agora a ser despejadas para o mar toneladas de água radioactiva... Ninguém, neste momento, conseguirá estimar com rigor quantos milhares de anos levará a que as consequências deste desastre se deixem de fazer sentir. A vida ou a saúde destes heróis é um preço elevado que pode estar a evitar uma catástrofe ainda maior, numa luta diária que está longe de terminada.

Nós por cá, também temos necessidade de heróis. De cariz diferente dos de Fukushima, obviamente, mas com traços em comum. No fim de contas, em qualquer parte do mundo, serão sempre heróis os que "por obras valerosas se vão da Lei da Morte libertando".

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