“Não fizemos alterações legislativas suficientes para evitar novos casos na banca”

30-12-2014
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“Não fizemos alterações legislativas suficientes para evitar novos casos na banca”

Tiago Freire

Ontem 00:05

Deputada bloquista salienta algumas conclusões já possíveis da comissão que analisa o BES, desde a actuação dos supervisores e do Governo à alteração do modelo de regulação.

Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, é uma das mais jovens deputadas do Parlamento, e tem ganho protagonismo pela sua prestação na comissão de inquérito ao caso BES. Em entrevista ao Económico, fala de supervisão bancária, do caso BES e de como a raiz dos problemas pode estar no modelo, e não necessariamente nos banqueiros.

Depois de vários escândalos na banca e de várias comissões de inquérito que levaram a mudanças na lei, como foi possível que tudo se repetisse?

Não me parece que tenhamos feito as alterações legislativas suficientes para evitar que acontecesse um novo BPN ou BCP, Olhamos para trás e temos seis anos, seis crises bancárias. Por motivos diferentes, há BPN, BPP, BCP, BES, mas têm coisas em comum: ‘offshores', fraudes, uso abusivo de instrumentos financeiros, engenharia financeira, fugas ao Fisco. Há vários elementos centrais. Distinguiria dois ou três. ‘Offshores': enquanto houver possibilidade de usar paraísos fiscais, sítios que legalmente são feitos para não terem lei, é impossível ter algum rasto daquilo que se passa. A segunda questão é - e acho que no BES isso é muito patente - falta de vontade política e até de força para enfrentar grandes poderes financeiros. O Banco de Portugal, de facto, teve alguma subserviência a estes grandes poderes económicos e é preciso enfrentá-los com mais vontade política, mais coragem e com uma noção que os mercados financeiros e a economia devem servir a democracia e não o contrário.

E em último lugar?

Há outra lição a tirar em termos de supervisão - e isto no BPN foi claríssimo e swaps também: vamos ter com o Banco de Portugal e diz: "Só queremos saber de banca. Não olhámos para seguros, não olhamos para mercados financeiros". Vamos ter com a CMVM: "Só olhamos para mercados financeiros, não queremos saber de seguros, nem de banca". E seguros dizem a mesma coisa. Não há uma interligação suficiente.

Mas entre a CMVM e o Banco de Portugal já ficou claro que as coisas não correram bem?

Ficou claro. A CMVM teve um papel diferente do Banco de Portugal. Mas naqueles dois dias em que o Banco de Portugal já sabia que ia haver uma intervenção e se esqueceu de avisar a CMVM e, por causa disso, houve um ataque especulativo às acções que permitiu que pessoas tivessem vendido acções... Com grandes prejuízos para muita gente, menos para quem vendeu. Isso mostra uma clara falha na informação. Ambos os reguladores tiveram atitudes diferentes. Nota-se que ambos já sabiam de algumas coisas que se estava a passar. Houve alguma comunicação entre eles, mas não o suficiente.

Como classifica a gestão da crise, antes da resolução do banco, e a responsabilidade única da medida atribuída ao Banco de Portugal?

Até Junho ou Julho sabemos que Ricardo Salgado teve reuniões com o Ministério das Finanças a procurar apoio para o grupo, que lhe foi recusado e acho que bem. Obviamente que ninguém tinha que ir salvar o Grupo Espírito Santo. Não acredito é que tendo o maior grupo privado português a falir, em que toda a gente sabia que estava em situação gravíssima, havendo contactos directos com Durão Barroso, Carlos Moedas e Governo, que este venha dizer, quando o banco é intervencionado, "nós não sabíamos de nada, não tomámos decisão nenhuma, foi tomada pelo Banco de Portugal". Se isto for verdade é uma irresponsabilidade. Um Governo que vê o maior grupo privado que opera na sua economia a falir e quer convencer que não viu nada, não fez nada e tudo foi decidido pelo Banco de Portugal, quer convencer que o Banco de Portugal tem poder de usar 3900 milhões de dinheiro público para intervencionar um banco...

Sozinho...

...sozinho. Ou não é verdade ou é verdade e é uma irresponsabilidade. Mas estou mais inclinada para a versão de que não é verdade.

Mas tudo isto não se resolve com uma supervisão e uma regulação a sério?

Parece-me que a regulação foi uma coisa que os neoliberais inventaram para convencer melhor as pessoas que a propriedade privada era a melhor forma de gestão. Privatizamos e depois temos uma regulação a sério. Combustíveis, existe uma regulação a sério? Electricidade, existe uma regulação a sério? Bancos, existe? Não existe, porque é impossível. Não depende só dos meios.

Depende de quê?

Depende da relação de poder entre banca e supervisão. A supervisão tem o dever de manter a banca dentro dos seus limites e de proteger a estabilidade financeira de um país ou de um sistema. O governador do BdP sabia que ao retirar Salgado colocava em causa a estabilidade do sistema financeiro, porque Ricardo Salgado era a figura do BES e se alguém o visse a sair, o banco vinha por aí abaixo. O supervisor está permanentemente refém de tomar medidas que sabe serem importantes, mas que têm um risco de estabilidade. E este é o paradigma da banca privada, porque a banca tem o poder de gerar crises. E não me parece que uma democracia, um Estado soberano, possa dar esse poder a uma entidade privada. O BdP depende das informações que lhe são dadas. Este é um dos problemas - o modelo depende da informação que é dada.

“Não fizemos alterações legislativas suficientes para evitar novos casos na banca”

Tiago Freire

Ontem 00:05

Deputada bloquista salienta algumas conclusões já possíveis da comissão que analisa o BES, desde a actuação dos supervisores e do Governo à alteração do modelo de regulação.

Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, é uma das mais jovens deputadas do Parlamento, e tem ganho protagonismo pela sua prestação na comissão de inquérito ao caso BES. Em entrevista ao Económico, fala de supervisão bancária, do caso BES e de como a raiz dos problemas pode estar no modelo, e não necessariamente nos banqueiros.

Depois de vários escândalos na banca e de várias comissões de inquérito que levaram a mudanças na lei, como foi possível que tudo se repetisse?

Não me parece que tenhamos feito as alterações legislativas suficientes para evitar que acontecesse um novo BPN ou BCP, Olhamos para trás e temos seis anos, seis crises bancárias. Por motivos diferentes, há BPN, BPP, BCP, BES, mas têm coisas em comum: ‘offshores', fraudes, uso abusivo de instrumentos financeiros, engenharia financeira, fugas ao Fisco. Há vários elementos centrais. Distinguiria dois ou três. ‘Offshores': enquanto houver possibilidade de usar paraísos fiscais, sítios que legalmente são feitos para não terem lei, é impossível ter algum rasto daquilo que se passa. A segunda questão é - e acho que no BES isso é muito patente - falta de vontade política e até de força para enfrentar grandes poderes financeiros. O Banco de Portugal, de facto, teve alguma subserviência a estes grandes poderes económicos e é preciso enfrentá-los com mais vontade política, mais coragem e com uma noção que os mercados financeiros e a economia devem servir a democracia e não o contrário.

E em último lugar?

Há outra lição a tirar em termos de supervisão - e isto no BPN foi claríssimo e swaps também: vamos ter com o Banco de Portugal e diz: "Só queremos saber de banca. Não olhámos para seguros, não olhamos para mercados financeiros". Vamos ter com a CMVM: "Só olhamos para mercados financeiros, não queremos saber de seguros, nem de banca". E seguros dizem a mesma coisa. Não há uma interligação suficiente.

Mas entre a CMVM e o Banco de Portugal já ficou claro que as coisas não correram bem?

Ficou claro. A CMVM teve um papel diferente do Banco de Portugal. Mas naqueles dois dias em que o Banco de Portugal já sabia que ia haver uma intervenção e se esqueceu de avisar a CMVM e, por causa disso, houve um ataque especulativo às acções que permitiu que pessoas tivessem vendido acções... Com grandes prejuízos para muita gente, menos para quem vendeu. Isso mostra uma clara falha na informação. Ambos os reguladores tiveram atitudes diferentes. Nota-se que ambos já sabiam de algumas coisas que se estava a passar. Houve alguma comunicação entre eles, mas não o suficiente.

Como classifica a gestão da crise, antes da resolução do banco, e a responsabilidade única da medida atribuída ao Banco de Portugal?

Até Junho ou Julho sabemos que Ricardo Salgado teve reuniões com o Ministério das Finanças a procurar apoio para o grupo, que lhe foi recusado e acho que bem. Obviamente que ninguém tinha que ir salvar o Grupo Espírito Santo. Não acredito é que tendo o maior grupo privado português a falir, em que toda a gente sabia que estava em situação gravíssima, havendo contactos directos com Durão Barroso, Carlos Moedas e Governo, que este venha dizer, quando o banco é intervencionado, "nós não sabíamos de nada, não tomámos decisão nenhuma, foi tomada pelo Banco de Portugal". Se isto for verdade é uma irresponsabilidade. Um Governo que vê o maior grupo privado que opera na sua economia a falir e quer convencer que não viu nada, não fez nada e tudo foi decidido pelo Banco de Portugal, quer convencer que o Banco de Portugal tem poder de usar 3900 milhões de dinheiro público para intervencionar um banco...

Sozinho...

...sozinho. Ou não é verdade ou é verdade e é uma irresponsabilidade. Mas estou mais inclinada para a versão de que não é verdade.

Mas tudo isto não se resolve com uma supervisão e uma regulação a sério?

Parece-me que a regulação foi uma coisa que os neoliberais inventaram para convencer melhor as pessoas que a propriedade privada era a melhor forma de gestão. Privatizamos e depois temos uma regulação a sério. Combustíveis, existe uma regulação a sério? Electricidade, existe uma regulação a sério? Bancos, existe? Não existe, porque é impossível. Não depende só dos meios.

Depende de quê?

Depende da relação de poder entre banca e supervisão. A supervisão tem o dever de manter a banca dentro dos seus limites e de proteger a estabilidade financeira de um país ou de um sistema. O governador do BdP sabia que ao retirar Salgado colocava em causa a estabilidade do sistema financeiro, porque Ricardo Salgado era a figura do BES e se alguém o visse a sair, o banco vinha por aí abaixo. O supervisor está permanentemente refém de tomar medidas que sabe serem importantes, mas que têm um risco de estabilidade. E este é o paradigma da banca privada, porque a banca tem o poder de gerar crises. E não me parece que uma democracia, um Estado soberano, possa dar esse poder a uma entidade privada. O BdP depende das informações que lhe são dadas. Este é um dos problemas - o modelo depende da informação que é dada.

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