A produção cultural em Portugal tem sido um dos maiores motores de renovação social nos últimos 30 anos. A confrontação com novas realidades que a linguagem artística permite acontecer obriga a uma reflexão constante da sociedade em que se insere e é vital que a ligação entre a educação e cultura se desenvolva nesse mesmo sentido. Existem no entanto motivos de preocupação crescentes para acreditar que o aparelho de ensino artístico e as instituições culturais existentes serão progressivamente postas de lado.É importante perceber o que é o aparelho cultural hoje em dia. Portugal tem neste momento um forte tecido de instituições culturais que ganham relevância a cada dia que passa: conservatórios de música que produzem eficazmente sucessivas gerações de músicos historicamente bem sucessidos internacionalmente; escolas e universidades que fornecem profissionais do espectáculo a todo o país; uma rede de cine-teatros reconstruídos que permitem o acesso à cultura em todo o interior; instituições com recursos e relevo internacional para dinamizar toda a produção cultural; e uma proliferação de pequenas iniciativas inovadoras com profundo impacto local. É por isso errado pensar na cultura com o usual fatalismo a que o português se reconhece, e é também profundamente errado um governo se apoiar nesta descrença portuguesa para atingir fatalmente todo o sector.Estão neste momento em curso três iniciativas governamentais cujas enormes consequências são inversamente proporcionais aos pequenos sussurros com que as mesmas são mencionadas nos corredores ministeriais: a reforma do ensino artístico; a proposta de lei para os intermitentes do espectáculo; e o processo de execução lenta de todas as companhias nacionais. Em conjunto estas iniciativas revelam uma espantosa coerência inter-ministerial e são uma importante pista para toda a acção deste governo.A reforma do ensino artístico tem como alvo as escolas artísticas especializadas com maior sucesso histórico:os conservatórios de música. A ministra da educação entende que não deve suportar a educação musical de todos aqueles que estudam música em paralelo com o liceu ou universidade. Estes alunos prefazem 90% dos alunos e privá-los de acesso ao ensino musical irá provocar um vácuo de profissionais em apenas uma geração. A ministra sabe e joga com demagogia para poupar uns trocos no sector da educação que menos recebe.A proposta de lei para o estatuto e contrato de trabalho dos intermitentes é um processo que estando ainda em discussão não conseguiu até agora ganhar o apoio dos intermitentes, mas as consequências da implementação desta lei preocupam sobretudo aos não intermitentes: abre-se o caminho para que as duas únicas orquestras sinfónicas nacionais sejam terminadas, e para que a única companhia nacional de bailado deixe de existir. É necessário acrescentar que foi esta a linha de acção empreendida por Santana Lopes durante o seu secretariado da cultura.A implementação destas leis irá não só terminar com a educação de músicos profissionais, como também terminar com a produção cultural de referência. É agora mais do que nunca necessário uma organização e criação de alternativas por parte de estudantes e artistas profissionais que imponha e defenda os seus direitos através de uma política cultural de longo prazo. Uma política que se comprometa a desenvolver e não a destruir periodicamente todo o trabalho realizado.Sobrevivência é cada vez mais o imperativo da criação artística, e já não há espaço para baixar os braços.
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A produção cultural em Portugal tem sido um dos maiores motores de renovação social nos últimos 30 anos. A confrontação com novas realidades que a linguagem artística permite acontecer obriga a uma reflexão constante da sociedade em que se insere e é vital que a ligação entre a educação e cultura se desenvolva nesse mesmo sentido. Existem no entanto motivos de preocupação crescentes para acreditar que o aparelho de ensino artístico e as instituições culturais existentes serão progressivamente postas de lado.É importante perceber o que é o aparelho cultural hoje em dia. Portugal tem neste momento um forte tecido de instituições culturais que ganham relevância a cada dia que passa: conservatórios de música que produzem eficazmente sucessivas gerações de músicos historicamente bem sucessidos internacionalmente; escolas e universidades que fornecem profissionais do espectáculo a todo o país; uma rede de cine-teatros reconstruídos que permitem o acesso à cultura em todo o interior; instituições com recursos e relevo internacional para dinamizar toda a produção cultural; e uma proliferação de pequenas iniciativas inovadoras com profundo impacto local. É por isso errado pensar na cultura com o usual fatalismo a que o português se reconhece, e é também profundamente errado um governo se apoiar nesta descrença portuguesa para atingir fatalmente todo o sector.Estão neste momento em curso três iniciativas governamentais cujas enormes consequências são inversamente proporcionais aos pequenos sussurros com que as mesmas são mencionadas nos corredores ministeriais: a reforma do ensino artístico; a proposta de lei para os intermitentes do espectáculo; e o processo de execução lenta de todas as companhias nacionais. Em conjunto estas iniciativas revelam uma espantosa coerência inter-ministerial e são uma importante pista para toda a acção deste governo.A reforma do ensino artístico tem como alvo as escolas artísticas especializadas com maior sucesso histórico:os conservatórios de música. A ministra da educação entende que não deve suportar a educação musical de todos aqueles que estudam música em paralelo com o liceu ou universidade. Estes alunos prefazem 90% dos alunos e privá-los de acesso ao ensino musical irá provocar um vácuo de profissionais em apenas uma geração. A ministra sabe e joga com demagogia para poupar uns trocos no sector da educação que menos recebe.A proposta de lei para o estatuto e contrato de trabalho dos intermitentes é um processo que estando ainda em discussão não conseguiu até agora ganhar o apoio dos intermitentes, mas as consequências da implementação desta lei preocupam sobretudo aos não intermitentes: abre-se o caminho para que as duas únicas orquestras sinfónicas nacionais sejam terminadas, e para que a única companhia nacional de bailado deixe de existir. É necessário acrescentar que foi esta a linha de acção empreendida por Santana Lopes durante o seu secretariado da cultura.A implementação destas leis irá não só terminar com a educação de músicos profissionais, como também terminar com a produção cultural de referência. É agora mais do que nunca necessário uma organização e criação de alternativas por parte de estudantes e artistas profissionais que imponha e defenda os seus direitos através de uma política cultural de longo prazo. Uma política que se comprometa a desenvolver e não a destruir periodicamente todo o trabalho realizado.Sobrevivência é cada vez mais o imperativo da criação artística, e já não há espaço para baixar os braços.