O assunto da Birmânia não é novo. Temos bem presente o episódio, prolongado desde 1989, de Aung San Suu Kyi, presa domiciliariamente devido ao facto de liderar a oposição ao regime e Nobel da Paz em 1991. E temos também na memória dos protestos, das detenções e das mortes de 1988. Conhecendo a brutalidade em que assenta esta ditadura militar, que tem as suas milícias, a sua polícia política, os seus torturadores e os seus torturados como todas as ditaduras, o mundo estava de olhos postos na coisa, de olhos postos à espera do descalabro.Lembra um bocado outras devastações às quais a comunidade internacional foi assistindo, e vai assistindo, sem piar, ou melhor, fingindo que pia, e em relação às quais só toma uma atitude quando já é tarde demais.Desta vez lá ouvimos falar de uma tentativa de pôr cobro à situação. Via Nações Unidas, como de costume. Não que não se trate de uma tentativa de resolver a crise, que de facto se trata. Mas uma tentativa infrutífera porque não se conseguiu sequer passar uma clara mensagem de condenação por parte do Conselho de Segurança. Bem se sabe que o Conselho de Segurança, noutras vidas, era de um outro prestígio, mas mesmo assim, se ainda lhe resta alguma categoria, bem podia utilizá-la para qualquer coisa de útil. Como por exemplo procurar ser agente de mediação na resolução do conflito interno birmanês.Mas nada disso, chegou a mandar-se o enviado especial Gambari, meio que de passeio, é verdade, mas não mais do que isso porque os papões dos olhos em bico falaram mais alto e silenciaram os meninos Bush, Brown e Sarkozy. Dito de outra forma, a Rússia e a China ameaçaram puxar do seu direito de veto se se pensasse em avançar com quaisquer sanções ao governo de Naypidaw. Diz-nos a Lusa que Pequim defendeu a substituição do termo “condenar” por “deplorar fortemente” e retirar referências a “novos passos” contra a junta militar birmanesa. Pois. Não foi, naturalmente, por acaso. E na verdade não nos surpreende assim tanto.Está dinheiro em jogo. A posição da China, que de comunista já quase ninguém diz que tem nada, é aquela de um jogador que opta pela posição mais confortável e mais vantajosa antes de driblar e dar o chuto na bola.Está em causa a projectada construção de dois pipelines, um para o transporte de petróleo desde o Médio Oriente até à China, outro para a condução de gás natural birmanês até à China. E diz-nos a Human Wrights Watch que são duas empresas chinesas, a Sinopec e a China National Petroleum Corporation, quem se prepara para deitar mão ao negócio. Não esquecendo que, a par de países como a Índia, a Coreia do Sul, a Tailândia e, aí está, a Rússia, a China é um dos principais parceiros da Birmânia no comércio de gás.Sabendo que em 2006 a principal exportação do país foi precisamente a do gás natural talvez não tivesse sido assim tão irreal que se tivessem procurado criar condições, via diplomacia do lucro, para um agendamento de abertura e democraticidade na sociedade birmanesa.Também sabemos que liberdades e direitos e garantias não são o prato do dia nem na China nem Birmânia. Mas ninguém quer enfrentar a China, por isso vai-se tentando não pegar pelos cornos a Birmânia. Nós vamos vendo, a violência vai continuando. E as Nações Unidas vão, de triciclo, dando voltas dentro do dentro do círculo.
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O assunto da Birmânia não é novo. Temos bem presente o episódio, prolongado desde 1989, de Aung San Suu Kyi, presa domiciliariamente devido ao facto de liderar a oposição ao regime e Nobel da Paz em 1991. E temos também na memória dos protestos, das detenções e das mortes de 1988. Conhecendo a brutalidade em que assenta esta ditadura militar, que tem as suas milícias, a sua polícia política, os seus torturadores e os seus torturados como todas as ditaduras, o mundo estava de olhos postos na coisa, de olhos postos à espera do descalabro.Lembra um bocado outras devastações às quais a comunidade internacional foi assistindo, e vai assistindo, sem piar, ou melhor, fingindo que pia, e em relação às quais só toma uma atitude quando já é tarde demais.Desta vez lá ouvimos falar de uma tentativa de pôr cobro à situação. Via Nações Unidas, como de costume. Não que não se trate de uma tentativa de resolver a crise, que de facto se trata. Mas uma tentativa infrutífera porque não se conseguiu sequer passar uma clara mensagem de condenação por parte do Conselho de Segurança. Bem se sabe que o Conselho de Segurança, noutras vidas, era de um outro prestígio, mas mesmo assim, se ainda lhe resta alguma categoria, bem podia utilizá-la para qualquer coisa de útil. Como por exemplo procurar ser agente de mediação na resolução do conflito interno birmanês.Mas nada disso, chegou a mandar-se o enviado especial Gambari, meio que de passeio, é verdade, mas não mais do que isso porque os papões dos olhos em bico falaram mais alto e silenciaram os meninos Bush, Brown e Sarkozy. Dito de outra forma, a Rússia e a China ameaçaram puxar do seu direito de veto se se pensasse em avançar com quaisquer sanções ao governo de Naypidaw. Diz-nos a Lusa que Pequim defendeu a substituição do termo “condenar” por “deplorar fortemente” e retirar referências a “novos passos” contra a junta militar birmanesa. Pois. Não foi, naturalmente, por acaso. E na verdade não nos surpreende assim tanto.Está dinheiro em jogo. A posição da China, que de comunista já quase ninguém diz que tem nada, é aquela de um jogador que opta pela posição mais confortável e mais vantajosa antes de driblar e dar o chuto na bola.Está em causa a projectada construção de dois pipelines, um para o transporte de petróleo desde o Médio Oriente até à China, outro para a condução de gás natural birmanês até à China. E diz-nos a Human Wrights Watch que são duas empresas chinesas, a Sinopec e a China National Petroleum Corporation, quem se prepara para deitar mão ao negócio. Não esquecendo que, a par de países como a Índia, a Coreia do Sul, a Tailândia e, aí está, a Rússia, a China é um dos principais parceiros da Birmânia no comércio de gás.Sabendo que em 2006 a principal exportação do país foi precisamente a do gás natural talvez não tivesse sido assim tão irreal que se tivessem procurado criar condições, via diplomacia do lucro, para um agendamento de abertura e democraticidade na sociedade birmanesa.Também sabemos que liberdades e direitos e garantias não são o prato do dia nem na China nem Birmânia. Mas ninguém quer enfrentar a China, por isso vai-se tentando não pegar pelos cornos a Birmânia. Nós vamos vendo, a violência vai continuando. E as Nações Unidas vão, de triciclo, dando voltas dentro do dentro do círculo.