Autarcas temem "situações explosivas" face aos cortes e crise social

09-07-2011
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As câmaras e as juntas têm uma relação forte com as comunidades dr

Secretário de Estado da Administração Local escreve aos presidentes de câmara e pede abertura à mudança na véspera de um congresso marcado pela troika

A reestruturação da Administração Local imposta pela troika e a consequente redução do número de câmaras municipais vão agitar o Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), hoje em Coimbra.

A principal preocupação, no entanto, é fazer frente aos cortes nos fundos municipais que, avisa a direcção da ANMP, "vão retirar às câmaras a capacidade de apoiar as camadas mais fragilizadas da população, o que pode dar origem a situações explosivas do ponto de vista social".

Apesar do compromisso do PSD, PS e CDS/PP em relação ao cumprimento do memorando assinado com a troika, tanto o novo secretário de Estado da Administração Local, Paulo Júlio, como os candidatos à liderança do PS deixaram claro, antes do congresso de hoje, que a redução do número de municípios não é bandeira que estejam dispostos a agarrar.

Os deputados António José Seguro e Francisco Assis fizeram-no no âmbito da disputa interna pela liderança do PS. O primeiro através de uma carta dirigida aos autarcas socialistas e o segundo em declarações ao Diário Económico. Também esta semana, o secretário de Estado Paulo Júlio teve o cuidado de reforçar que a redução do número de municípios não é um eixo basilar do projecto de reforma do Governo.

Estas declarações não impedem que o assunto ganhe protagonismo, hoje, no congresso de Coimbra, que reúne mais de mil autarcas dos 308 municípios portugueses e será encerrado pelo primeiro-ministro social-democrata, Pedro Passos Coelho.

Único elo ao cidadão

"Portugal está muito longe de ter o maior número de municípios - 308, contra 342 da Finlândia ou 36 mil da França - ou o menor número de habitantes por câmara municipal", disse ontem ao PÚBLICO, o presidente do Conselho Directivo da ANMP, o social-democrata Fernando Ruas, antecipando alguns dos argumentos que apresentará aos seus colegas.

Ruas coloca sobretudo a tónica no facto de "as câmaras serem as entidades democratizadoras do apoio social e do investimento e, em muitas vezes, constituírem mesmo o único elo do cidadão com a administração".

Na reunião de hoje, espera-se que autarcas de todos os partidos sublinhem precisamente a importância desta ligação às comunidades num momento em que Portugal vive uma crise profunda.

"Mesmo em relação a competências que formalmente pertencem ao Governo, são as câmaras que dão resposta aos sectores mais carenciados da população", diz Fernando Ruas. Um argumento que serve de ponte para outro, usado, também, por autarcas de todas as cores partidárias - "O previsível aumento do número de pedidos de auxílio e a redução de meios das autarquias dará origem a situações explosivas", avisa o presidente da ANMP.

Asfixia financeira

"Sem necessidade de dramatizar uma situação que é dramática", diz Ruas, o conselho directivo da associação deverá hoje sublinhar "a asfixia financeira em que se encontram - já - as autarquias".

Além dos cortes sofridos em anos anteriores, os municípios registarão entre 2010 e 2013 reduções acumuladas de Participação dos Impostos do Estado de perto de 1200 milhões de euros. "É inaceitável, pois os municípios não contribuíram para o défice, já fizeram as reduções de despesa agora exigidas pela troika e limitam-se, hoje, a canalizar as verbas para o aproveitamento dos fundos do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) e para acções de apoio social", critica.

"Não são os autarcas os prejudicados com os cortes, mas os cidadãos", alerta Ruas. "E estes não entenderiam nem aceitariam qualquer das situações - que tivessem de deixar de receber apoio ou que as verbas do QREN retornassem a Bruxelas e não fossem usadas em seu benefício, por falta de comparticipação nacional."

Na "situação extremamente preocupante" descrita por Fernando Ruas também pesa a perspectiva de "redução cega de 2% dos funcionários das autarquias". "Para além de injusta, esta medida revela um desconhecimento completo da realidade do país: se o coveiro ou o motorista do autocarro se reformarem, não contratamos ninguém para o seu lugar? E esquecemos a segurança das crianças nas escolas e tratamos de prescindir dos funcionários que agora a asseguram?", questiona o autarca.

Do Governo, Ruas diz esperar "compreensão face à justiça dos argumentos, cooperação na procura de soluções e verdade nos compromissos assumidos". Gostaria, por exemplo, que ficasse claro que toda a receita do Imposto Municipal sobre Imóveis que venha da reavaliação de imóveis reverta para as autarquias.

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A carta de Paulo Júlio

Num sinal de abertura ao compromisso, o novo secretário da Administração Local, Paulo Júlio, escreveu esta semana a todos os presidentes de câmara manifestando "total disponibilidade para colaborar, com todos e cada um dos municípios, na procura de soluções que permitam aprofundar o Poder Local em Portugal".

Na carta, o novo secretário de Estado, que presidiu à Câmara de Penela nos últimos anos, deixa um elogio rasgado ao "esforço e dedicação de cada eleito local no prosseguimento do desenvolvimento de cada um dos 308 municípios". "Somos conhecedores dessa realidade", escreve, e convoca a seguir os autarcas a assumirem os desafios dos próximos anos com "um misto de abertura à mudança e de bom senso". O caderno de encargos é vasto e é enunciado: lei eleitoral autárquica, lei da tutela administrativa, reorganização do mapa administrativo, lei das finanças locais, reforço do intermunicipalismo, descentralização de competências do Estado para os municípios.

A isto acrescenta como "preocupação primordial" a articulação de políticas sectoriais no âmbito do ordenamento do território, cidades, educação, solidariedade social, desenvolvimento rural e QREN. E no fim, um último desejo: "Gostaríamos, senhor presidente, que visse nesta secretaria de Estado um seu interlocutor privilegiado."

As câmaras e as juntas têm uma relação forte com as comunidades dr

Secretário de Estado da Administração Local escreve aos presidentes de câmara e pede abertura à mudança na véspera de um congresso marcado pela troika

A reestruturação da Administração Local imposta pela troika e a consequente redução do número de câmaras municipais vão agitar o Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), hoje em Coimbra.

A principal preocupação, no entanto, é fazer frente aos cortes nos fundos municipais que, avisa a direcção da ANMP, "vão retirar às câmaras a capacidade de apoiar as camadas mais fragilizadas da população, o que pode dar origem a situações explosivas do ponto de vista social".

Apesar do compromisso do PSD, PS e CDS/PP em relação ao cumprimento do memorando assinado com a troika, tanto o novo secretário de Estado da Administração Local, Paulo Júlio, como os candidatos à liderança do PS deixaram claro, antes do congresso de hoje, que a redução do número de municípios não é bandeira que estejam dispostos a agarrar.

Os deputados António José Seguro e Francisco Assis fizeram-no no âmbito da disputa interna pela liderança do PS. O primeiro através de uma carta dirigida aos autarcas socialistas e o segundo em declarações ao Diário Económico. Também esta semana, o secretário de Estado Paulo Júlio teve o cuidado de reforçar que a redução do número de municípios não é um eixo basilar do projecto de reforma do Governo.

Estas declarações não impedem que o assunto ganhe protagonismo, hoje, no congresso de Coimbra, que reúne mais de mil autarcas dos 308 municípios portugueses e será encerrado pelo primeiro-ministro social-democrata, Pedro Passos Coelho.

Único elo ao cidadão

"Portugal está muito longe de ter o maior número de municípios - 308, contra 342 da Finlândia ou 36 mil da França - ou o menor número de habitantes por câmara municipal", disse ontem ao PÚBLICO, o presidente do Conselho Directivo da ANMP, o social-democrata Fernando Ruas, antecipando alguns dos argumentos que apresentará aos seus colegas.

Ruas coloca sobretudo a tónica no facto de "as câmaras serem as entidades democratizadoras do apoio social e do investimento e, em muitas vezes, constituírem mesmo o único elo do cidadão com a administração".

Na reunião de hoje, espera-se que autarcas de todos os partidos sublinhem precisamente a importância desta ligação às comunidades num momento em que Portugal vive uma crise profunda.

"Mesmo em relação a competências que formalmente pertencem ao Governo, são as câmaras que dão resposta aos sectores mais carenciados da população", diz Fernando Ruas. Um argumento que serve de ponte para outro, usado, também, por autarcas de todas as cores partidárias - "O previsível aumento do número de pedidos de auxílio e a redução de meios das autarquias dará origem a situações explosivas", avisa o presidente da ANMP.

Asfixia financeira

"Sem necessidade de dramatizar uma situação que é dramática", diz Ruas, o conselho directivo da associação deverá hoje sublinhar "a asfixia financeira em que se encontram - já - as autarquias".

Além dos cortes sofridos em anos anteriores, os municípios registarão entre 2010 e 2013 reduções acumuladas de Participação dos Impostos do Estado de perto de 1200 milhões de euros. "É inaceitável, pois os municípios não contribuíram para o défice, já fizeram as reduções de despesa agora exigidas pela troika e limitam-se, hoje, a canalizar as verbas para o aproveitamento dos fundos do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) e para acções de apoio social", critica.

"Não são os autarcas os prejudicados com os cortes, mas os cidadãos", alerta Ruas. "E estes não entenderiam nem aceitariam qualquer das situações - que tivessem de deixar de receber apoio ou que as verbas do QREN retornassem a Bruxelas e não fossem usadas em seu benefício, por falta de comparticipação nacional."

Na "situação extremamente preocupante" descrita por Fernando Ruas também pesa a perspectiva de "redução cega de 2% dos funcionários das autarquias". "Para além de injusta, esta medida revela um desconhecimento completo da realidade do país: se o coveiro ou o motorista do autocarro se reformarem, não contratamos ninguém para o seu lugar? E esquecemos a segurança das crianças nas escolas e tratamos de prescindir dos funcionários que agora a asseguram?", questiona o autarca.

Do Governo, Ruas diz esperar "compreensão face à justiça dos argumentos, cooperação na procura de soluções e verdade nos compromissos assumidos". Gostaria, por exemplo, que ficasse claro que toda a receita do Imposto Municipal sobre Imóveis que venha da reavaliação de imóveis reverta para as autarquias.

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A carta de Paulo Júlio

Num sinal de abertura ao compromisso, o novo secretário da Administração Local, Paulo Júlio, escreveu esta semana a todos os presidentes de câmara manifestando "total disponibilidade para colaborar, com todos e cada um dos municípios, na procura de soluções que permitam aprofundar o Poder Local em Portugal".

Na carta, o novo secretário de Estado, que presidiu à Câmara de Penela nos últimos anos, deixa um elogio rasgado ao "esforço e dedicação de cada eleito local no prosseguimento do desenvolvimento de cada um dos 308 municípios". "Somos conhecedores dessa realidade", escreve, e convoca a seguir os autarcas a assumirem os desafios dos próximos anos com "um misto de abertura à mudança e de bom senso". O caderno de encargos é vasto e é enunciado: lei eleitoral autárquica, lei da tutela administrativa, reorganização do mapa administrativo, lei das finanças locais, reforço do intermunicipalismo, descentralização de competências do Estado para os municípios.

A isto acrescenta como "preocupação primordial" a articulação de políticas sectoriais no âmbito do ordenamento do território, cidades, educação, solidariedade social, desenvolvimento rural e QREN. E no fim, um último desejo: "Gostaríamos, senhor presidente, que visse nesta secretaria de Estado um seu interlocutor privilegiado."

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