o sexo dos anjos: EDUCAR É CONTRARIAR

03-07-2011
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(artigo de Maria José Nogueira Pinto, em www.dn.pt )Esta fórmula simples era usada pela minha tia e provocava-nos, a nós crianças, os piores sentimentos. Já o povo dizia que de pequenino se torce o pepino. O tempo deu-lhes razão! Toda a polémica em torno de duas questões - o ranking das escolas e o novo regime de faltas - obriga a refrescar a memória sobre quais foram, nos últimos trinta anos, os pressupostos filosóficos do modelo educativo português.O primeiro e o mais nocivo é o princípio rousseauniano da criança boa, ou boazinha, ou tendencialmente boazinha. Daqui decorre a ideia peregrina de que a escola tem de ser um sítio divertido e os professores uns amigalhaços.O segundo princípio é o da absoluta igualdade entre todas as crianças. Se a todos devem ser dadas, igualmente, oportunidades, isso não significa que todos, igualmente, as aproveitem. Ao não se querer estabelecer diferenças, optou-se por um nivelamento medíocre, em vez de dar a mão aos mais problemáticos sem tolher os melhores.Durante trinta anos, diabolizaram-se os valores da autoridade, do rigor, da exigência e da disciplina. O esforço e o mérito, factores que diferenciavam os melhores dos piores, foram tidos como uma ameaça à pureza dos dogmas da bondade natural e da igualdade.O modelo educativo, objecto de sucessivas tentativas experimentalistas, foi-se reduzindo à mais elementar expressão: uma educação sem memória, métodos simplificados, todo o esforço removido, um excesso de especialização roubando qualquer perspectiva de conjunto, noções fragmentadas sem referência a qualquer pano de fundo. O pensar, o exercício sistemático do raciocínio, o ginasticar do cérebro como única forma de o fortalecer, tudo isso era contra-indicado: aborrecia os alunos, acentuava as diferenças, revelava o potencial e o esforço de uns e o desinteresse ou incapacidade de outros, o mérito e o demérito.A título exemplificativo, imaginemos como se sairia, hoje, um aluno de dez anos de idade, se submetido a provas idênticas às que enfrentámos nos exames de admissão às Escolas Técnicas e aos Liceus. Decerto não as superaria. Por ser menos inteligente? Não. Por não ter sido capacitado para tal.O objectivo deixou de ser o de educar e ensinar. A escola tornou-se um entreposto de todos os problemas, desde os meramente burocráticos até aos eminentemente sociais. Sobre o emaranhado legislativo, as instalações sem condições e a falta de orçamento, caíram as circunstâncias dos próprios alunos: a fragilidade das redes familiares, a solidão, os comportamentos aditivos, a pre-delinquência, o abandono.Politicamente, não foi relevante saber se se estava a produzir iletrados ou se muitos dos alunos faziam da escola um mero local de passagem. Politicamente, o mais importante eram as estatísticas e os indicadores. Para cumprir estes desideratos impunha-se que todas as crianças estivessem inscritas numa escola. Mesmo que a frequentassem pouco e mal.Comparar o ensino privado e o ensino público, hoje, é comparar o incomparável. O ensino público português formou gerações e gerações com excelente qualidade. Eu frequentei o ensino público, os meus filhos frequentaram o ensino público. Mas, actualmente, as circunstâncias específicas das escolas públicas, que não podem fechar-se à massificação, não podem selecionar os seus alunos, se desgastam a resolver problemas a jusante e a montante, não têm autonomia organizativa e reflectem as ameaças da sua envolvência externa, impedem-nas de disputar rankings.Tudo isto é óbvio. Desperdiçámos muito do nosso capital humano ao mergulhá-lo num caldo de cultura laxista, bacocamente tolerante e permissiva, que infantilizou as crianças e os jovens. Mudar é quase um acto revolucionário, é ontológico e do domínio da filosofia dos princípios. Não vale a pena culpar a ministra. Melhor será perceber que a educação não é um problema governamental. É, certamente, um problema nacional com culpas partilhadas. E de díficil solução.

(artigo de Maria José Nogueira Pinto, em www.dn.pt )Esta fórmula simples era usada pela minha tia e provocava-nos, a nós crianças, os piores sentimentos. Já o povo dizia que de pequenino se torce o pepino. O tempo deu-lhes razão! Toda a polémica em torno de duas questões - o ranking das escolas e o novo regime de faltas - obriga a refrescar a memória sobre quais foram, nos últimos trinta anos, os pressupostos filosóficos do modelo educativo português.O primeiro e o mais nocivo é o princípio rousseauniano da criança boa, ou boazinha, ou tendencialmente boazinha. Daqui decorre a ideia peregrina de que a escola tem de ser um sítio divertido e os professores uns amigalhaços.O segundo princípio é o da absoluta igualdade entre todas as crianças. Se a todos devem ser dadas, igualmente, oportunidades, isso não significa que todos, igualmente, as aproveitem. Ao não se querer estabelecer diferenças, optou-se por um nivelamento medíocre, em vez de dar a mão aos mais problemáticos sem tolher os melhores.Durante trinta anos, diabolizaram-se os valores da autoridade, do rigor, da exigência e da disciplina. O esforço e o mérito, factores que diferenciavam os melhores dos piores, foram tidos como uma ameaça à pureza dos dogmas da bondade natural e da igualdade.O modelo educativo, objecto de sucessivas tentativas experimentalistas, foi-se reduzindo à mais elementar expressão: uma educação sem memória, métodos simplificados, todo o esforço removido, um excesso de especialização roubando qualquer perspectiva de conjunto, noções fragmentadas sem referência a qualquer pano de fundo. O pensar, o exercício sistemático do raciocínio, o ginasticar do cérebro como única forma de o fortalecer, tudo isso era contra-indicado: aborrecia os alunos, acentuava as diferenças, revelava o potencial e o esforço de uns e o desinteresse ou incapacidade de outros, o mérito e o demérito.A título exemplificativo, imaginemos como se sairia, hoje, um aluno de dez anos de idade, se submetido a provas idênticas às que enfrentámos nos exames de admissão às Escolas Técnicas e aos Liceus. Decerto não as superaria. Por ser menos inteligente? Não. Por não ter sido capacitado para tal.O objectivo deixou de ser o de educar e ensinar. A escola tornou-se um entreposto de todos os problemas, desde os meramente burocráticos até aos eminentemente sociais. Sobre o emaranhado legislativo, as instalações sem condições e a falta de orçamento, caíram as circunstâncias dos próprios alunos: a fragilidade das redes familiares, a solidão, os comportamentos aditivos, a pre-delinquência, o abandono.Politicamente, não foi relevante saber se se estava a produzir iletrados ou se muitos dos alunos faziam da escola um mero local de passagem. Politicamente, o mais importante eram as estatísticas e os indicadores. Para cumprir estes desideratos impunha-se que todas as crianças estivessem inscritas numa escola. Mesmo que a frequentassem pouco e mal.Comparar o ensino privado e o ensino público, hoje, é comparar o incomparável. O ensino público português formou gerações e gerações com excelente qualidade. Eu frequentei o ensino público, os meus filhos frequentaram o ensino público. Mas, actualmente, as circunstâncias específicas das escolas públicas, que não podem fechar-se à massificação, não podem selecionar os seus alunos, se desgastam a resolver problemas a jusante e a montante, não têm autonomia organizativa e reflectem as ameaças da sua envolvência externa, impedem-nas de disputar rankings.Tudo isto é óbvio. Desperdiçámos muito do nosso capital humano ao mergulhá-lo num caldo de cultura laxista, bacocamente tolerante e permissiva, que infantilizou as crianças e os jovens. Mudar é quase um acto revolucionário, é ontológico e do domínio da filosofia dos princípios. Não vale a pena culpar a ministra. Melhor será perceber que a educação não é um problema governamental. É, certamente, um problema nacional com culpas partilhadas. E de díficil solução.

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