O Informador

07-09-2014
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No final de Junho estive em trabalho nos Estados Unidos. Na passagem por Provincetown, para assistir ao festival português, tive uma boa surpresa: no final da tradicional parada, o cônsul de Portugal em New Bedford, Pedro Carneiro, falou-me num grupo de humoristas luso-descendentes que estão a fazer sucesso nos EUA e no Canadá e que estavam prestes a actuar: “Chamam-se The Portuguese Kids e acho que são muito bons. Fazem humor com os estereótipos dos imigrantes portugueses. Ainda não os vi, gostava de ir assistir.” Fui com ele.

Quando chegámos, o espectáculo já tinha começado. As gargalhadas ouviam-se à distância. Numa tenda completamente lotada, o grupo apresentava uma versão reduzida dos seus espectáculos. E tinham realmente piada. No final, estiveram a vender merchandising, a dar autógrafos e a tirar fotografias. Achei logo que tinha de fazer uma história sobre eles.

Feitas as apresentações, havia uma coisa importante a tratar: o jantar. Derrick DeMelo, Brian Martins, Daniel Martins e Alberto Sardinha (Jason Casimiro não estava), foram simpáticos os suficiente para aceitarem falar comigo enquanto comiam umas ostras e bebiam umas imperiais. Nessa refeição fiquei a conhecer parte da sua história, onde se inspiravam e, mais importante, que se preparavam para vir a Portugal filmar o vídeo da sua primeira música original. Ficou logo combinado que os acompanharia em Lisboa. Foi o que aconteceu: o resultado foi publicado na Sábado, na semana passada. As fotos, são da Raquel Wise.

– Acho que é ele.

– Não acredito.

– É sim, é ele. Tenho a certeza.

Em plena loja do Sport Lisboa e Benfica, no Estádio da Luz, Chassity e Emma Pacheco vêem uma cara que lhes parece familiar. Aproximam-se para ter a certeza. Passam a poucos centímetros de um grupo de rapazes mas só param mais à frente. Depois viram-se outra vez para trás.

– Olha, estão todos.

– Pois estão.

– Ai meu Deus.

Nesta altura não aguentam mais. Correm em direcção à mãe e dizem-lhe discretamente: “estão ali os The Portuguese Kids”. A mãe, Sónia Pacheco, volta-se para trás. Enquanto as raparigas quase se escondem atrás dela, solta um espontâneo: “hi guys” [olá rapazes]. Eles respondem de volta. Estão habituados a serem abordados na rua. Perguntam como elas estão e de onde são. As explicações ficam para Sónia Pacheco: “Vivemos em Toronto. Mas estamos cá de férias. Que coincidência enorme. As raparigas adoram-vos. Estão sempre a ver as vossas coisas na internet, mas nunca conseguiram assistir a um espectáculo ao vivo. E agora encontram-vos em Lisboa.”

Eles sorriem. As raparigas não dizem uma palavra. Mas Brian Martins adivinha-lhes a vontade: “Querem tirar uma fotografia?” Claro que querem. Noah, o irmão mais novo, também. O grupo junta-se à frente de uma prateleira com camisolas do Benfica e sorriem. Tiram um retrato e despedem-se.

O grupo de cinco rapazes – Derrick DeMelo, Jason Casimiro, Brian Martins, Alberto Sardinha e Daniel Martins – estava há pouco mais de 24h em Lisboa. Salvo raras excepções, tinham passado despercebidos até então. No Estados Unidos, onde vivem, ou no Canadá isso seria difícil. Desde que, há quatro anos, formaram os The Portuguese Kids e começaram a fazer comédia com o retrato do dia a dia dos emigrantes que se tornaram num dos maiores fenómenos de popularidade da comunidade lusa na América do Norte (cerca de 350 mil nascidos em Portugal e 1.8 milhões de luso-descendentes).

Qual o local mais estranho onde já foram reconhecidos?

[Resposta em uníssono] Num strip club.

Derrick DeMelo: “Tínhamos ido fazer um espectáculo a Toronto e à noite fomos a um strip club. Estávamos lá sentados quando uma stripper se aproximou e perguntou: “hey, vocês não são os Portuguese Kids?”

Alberto – “Al” – Sardinha: “Ficámos sem palavras. Num strip club? Uau!”

Brian Martins: “Afinal era uma stripper portuguesa. Que passou a noite a fazer-nos sinais e a dizer adeus.”

Derrick DeMelo: “Dizem que em Portugal as strippers são todas brasileiras. No Canadá também há portuguesas.”

As vossas mulheres não vão ficar chateadas por contarem isto?

Derrick DeMelo: “Não, nós dissemos-lhes o que aconteceu”.

Os cinco rapazes nasceram em Fall River, uma cidade do estado do Massachusetts, em 1978. Cresceram juntos, num bairro cuja vida se centrava à volta da paróquia de Santo António de Pádua. Os pais tinham chegado aos Estados Unidos no início da década, a maioria originária dos Açores. Só os progenitores de Daniel Martins saíram de Viseu. Sempre foram dos mais divertidos da comunidade. “As pessoas achavam-nos piada”, diz Jason Casimiro.

Na faculdade produziram um espectáculo de comédia. Mas no final dos cursos, cada um arranjou um emprego numa área diferente. Derrick tornou-se bancário. Alberto, professor. Jason, técnico de informática. Brian, assistente de enfermagem. Daniel, dono de uma loja e gestor de um stand automóvel. Ainda assim, não desistiram de uma carreira como humoristas.

Inscreveram-se na escola de comédia e improviso do Improv Asylum, um teatro de Boston, onde se distinguiram dos restantes alunos. Em 2004 formaram um grupo chamado Out of the Gutter que apresentou espectáculos na região de New England. “Aos poucos fomos introduzindo coisas sobre as famílias portuguesas na América e as pessoas gostaram. A determinada altura começaram a vir ter connosco ao intervalo e a perguntar: ‘vocês vão fazer aquilo dos portugueses?’”, recorda Derrick DeMelo. Perceberam que a maioria ia ver os espectáculos por causa disso. Ou seja, descobriram um nicho de mercado. Algo que os distinguia de todos os grupos de comédia. Nasceram os The Portuguese Kids.

O conceito dos espectáculos é simples: em grupos de dois ou três, interpretam sketches com, no máximo, sete minutos, que retratam situações específicas, a maioria baseada nas suas experiências de filhos de emigrantes. Misturam palavras em português – que todos falam – com o inglês. Recorrem a poucos adereços: umas perucas, uns vestidos de mulher, chapéus masculinos e cadeiras basta para contar uma história.

Exemplos:

Brian Martins: “temos um sketch sobre um rapaz que teve um acidente e que, quando chega a casa, o pai está mais preocupado com o carro do que com ele. Isso aconteceu-me. Aos 19 anos um alce atravessou-se na estrada e eu não tive tempo de parar. Quando cheguei a casa o meu pai só perguntava: “estavas a mexer no rádio?”. E eu dizia: “eu estou bem, não te preocupes”. Ele respondia: “tu foste feito de graça, o carro custou-me cinco mil dólares.”

Derrick DeMelo: “os nossos pais eram muito pobres quando foram para os Estados Unidos. Trabalharam em fábricas, amealharam tudo o que conseguiram e quiseram preservar as coisas. Na parte de baixo das casas instalavam a sala de estar e a cozinha. No andar de cima tinham os quartos e ainda a sala e cozinha das visitas. Nunca ninguém lá entrava. Os meus pais mobilaram a sala e devem ter-se sentado umas 20 pessoas em 25 anos naqueles sofás. Nós não podíamos lá entrar.”

Albert Sardinha: “Punham também plásticos por cima das carpetes para podermos usar os sapatos. O sketch que faz mais sucesso é o do funeral, em que as mulheres choram e se atiram para cima do caixão e quando chegam cá fora dizem as piores coisas do morto, que não gostavam dele, que andava na droga, etc. E isso tudo é engraçado”.

O grupo começou a ganhar notoriedade aos poucos. Actuaram em restaurantes, associações e centros culturais. “Basicamente onde nos quisessem”, diz Derrick DeMelo. A fama começou a espalhar-se, também graças às redes sociais Facebook, My Space, Instagram e ao site de partilha de vídeos YouTube. A grande explosão deu-se no início de 2012 quando fizeram uma versão satírica da música “Sexy and I know it”, transformada em “Portuguese and I know it”. O tema foi um sucesso imediato e ultrapassou o milhão de visualizações.

Rapidamente o grupo começou a actuar fora da região de New England. E tiveram de se tornar profissionais. O primeiro a dedicar-se ao projecto a tempo inteiro foi Derrick DeMelo. Os outros seguiram-no pouco depois. Hoje, apenas Daniel Martins mantém outro emprego, por opção. Criaram a empresa Something Productions e montaram escritório em Fall River. Neste momento têm a agenda cheia até Março de 2015, com espectáculos marcados de sexta-feira a domingo. Em média têm entre 400 a 500 pessoas a assistir a cada show. Mas já actuaram perante 1200 pessoas. A cada três meses têm material novo. “Voltamos aos mesmos sítios e as pessoas querem ver coisas novas”, diz Brian Martins.

Este ano já atravessaram os Estados Unidos cinco vezes para actuar na Califórnia. São presença regular no Canadá e nas Ilhas Bermudas, onde o português é a segunda língua mais falada. E têm pedidos para actuar na África do Sul e na Austrália. “Vamos ver se vai ser possível”, diz Derrick DeMelo. Fazem cerca de 10 mil dólares por semana – e duplicam esse valor em merchandising (DVD, CD, t-shirts, etc).

Vieram a Portugal gravar o vídeo da sua primeira canção original, Portuguese Love to Party, em Lisboa, Porto e São Miguel. As localizações não foram escolhidas ao acaso: são mencionadas no tema, que é dedicado aos emigrantes que regressam a Portugal para passar férias. Esperam que se torne um hit de Verão, que estará disponível – como as outras canções e áudios dos sketches –para download no iTunes. Na capital, onde foram acompanhados pela SÁBADO, filmaram no Bairro Alto, Praça do Comércio, Alfama, Belém e Castelo de São Jorge.

À excepção de Daniel Martins, os restantes Portuguese Kids nunca tinham estado em Lisboa. As referências que tinham foram-lhes transmitidas por familiares ou vistas na televisão. À passagem pelo Chiado, o nome de Fernando Pessoa não foi imediatamente familiar. Ao contrário de “A Brasileira”. “O Anthony Bourdain esteve aqui. É dos sítios mais antigos de Lisboa. Temos de lá entrar”, diz Derrick DeMelo.

Sempre que podem, os cinco prestam atenção ao que se passa online. Qualquer paragem num café ou restaurante com wifi é serve para cada um agarrar no respectivo telemóvel.

Derrick DeMelo: “Passamos tanto tempo juntos que às tantas já nem conversamos muito. Na maior parte das vezes estou a actualizar o Facebook. O Brian trata do Twitter. E fazemos todos um bocado o Instagram”.

A viagem a Portugal é acompanhada por milhares de fãs. Em cerca de 20 minutos, cada fotografia colocada no Facebook recebe quase dois mil gostos. E muitos comentários.

Brian Martins: “Onde é o Parlamento? Alguém acabou de nos convidar para lá ir”.

[Era Maria João Ávila, deputada do PSD eleita pelo círculo de fora da Europa.]

Brian Martins: “É tudo o que precisamos de saber.”

[Estavam demasiado ocupados. Disseram que não tinham tempo para lá ir. Mas já a conheceram.]

Derrick DeMelo: “Encontrámos-nos em Nova Jersey. Ela quis tirar uma fotografia connosco. Sou amigo dela no Facebook e está sempre a colocar fotos com alguém conhecido.”

Tentam não tomar posições políticas. “Sabemos que temos fãs dos dois lados, democratas e republicanos. Claro que temos as nossas opiniões e posições, mas somos nós individualmente. Como grupo só os queremos fazer rir”, diz Derrick DeMelo. “Ainda para mais com as redes sociais, as pessoas não têm filtro. Agarram-se ao teclado e perdem a cabeça. Dizem tudo”, completa Daniel Martins.

Foi o que aconteceu durante o campeonato do mundo de futebol, com o jogo entre Portugal e os Estados Unidos. “Dissemos apenas que esperávamos que as duas equipas estivessem bem. Ainda assim começou uma guerra no nosso mural de Facebook”, conta Daniel Martins. “Se não apoiássemos Portugal não éramos portugueses. Se quiséssemos que Portugal ganhasse, éramos anti-americanos. É complicado”, continua.

Ao contrário do que aconteceu com a deputada social-democrata, aceitaram o convite-surpresa para visitar a sede da Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento, onde o membro do conselho executivo, Michael Baum, os convidou para colaborar com a instituição na promoção de um programa destinado a trazer estudantes norte-americanos para Lisboa durante um semestre. Horas depois, embarcaram para São Miguel onde visitaram familiares e as terras dos pais. Daí seguiram para um dia de filmagens no Porto. E nos primeiros dias de Agosto estarão de volta às actuações, na festa do Santíssimo Sacramento, em New Bedford, uma das maiores festas da costa leste dos Estados Unidos.

Antes, sentados numa mesa de um restaurante no Cais do Sodré, continuam a recordar as maiores experiências:

Brian Martins: “Já tive raparigas a mostrar-me as mamas e um homem a perguntar-me se não queria ter sexo com a mulher dele. Uma loucura”.

Derrick DeMelo: “Mas o Al é que é o solteiro, ele é que pode contar”

Al Sardinha: “Vá lá…”

Derrick DeMelo: “Uma vez, no Canadá, ele estava a vender o merchandising no final do espectáculo quando apareceu uma mulher. Nós já a tínhamos visto em palco, era aquela que mais aplaudia e cuja voz se ouvia sempre. Pediu para tirar uma fotografia com ele e depois puxou-o para um corredor e começou aos beijos logo ali. Às tantas ela perguntou-lhe: ‘tens namorada’. Ele disse: ‘não, e tu?’. Ela responde: ‘sou casada. Estou a ter uma noite com as amigas’. E estava toda a gente a vê-los porque o corredor dava para uma sala onde estavam 400 pessoas. Ele encolheu-se e as amigas puxaram-na dali para fora.”

Al Sardinha: “Uma loucura.”

Ainda assim, as situações que mais os marcaram são completamente diferentes. “Vem muita gente ter connosco dizer que os fizemos lembrar dos pais e dos avós que já morreram. Mas foi quando um homem se aproximou de nós e nos disse que o filho quer aprender português por nossa causa, que percebemos que estamos a marcar a diferença. E isso já aconteceu várias vezes”, conta Derrick DeMelo.

No final de Junho estive em trabalho nos Estados Unidos. Na passagem por Provincetown, para assistir ao festival português, tive uma boa surpresa: no final da tradicional parada, o cônsul de Portugal em New Bedford, Pedro Carneiro, falou-me num grupo de humoristas luso-descendentes que estão a fazer sucesso nos EUA e no Canadá e que estavam prestes a actuar: “Chamam-se The Portuguese Kids e acho que são muito bons. Fazem humor com os estereótipos dos imigrantes portugueses. Ainda não os vi, gostava de ir assistir.” Fui com ele.

Quando chegámos, o espectáculo já tinha começado. As gargalhadas ouviam-se à distância. Numa tenda completamente lotada, o grupo apresentava uma versão reduzida dos seus espectáculos. E tinham realmente piada. No final, estiveram a vender merchandising, a dar autógrafos e a tirar fotografias. Achei logo que tinha de fazer uma história sobre eles.

Feitas as apresentações, havia uma coisa importante a tratar: o jantar. Derrick DeMelo, Brian Martins, Daniel Martins e Alberto Sardinha (Jason Casimiro não estava), foram simpáticos os suficiente para aceitarem falar comigo enquanto comiam umas ostras e bebiam umas imperiais. Nessa refeição fiquei a conhecer parte da sua história, onde se inspiravam e, mais importante, que se preparavam para vir a Portugal filmar o vídeo da sua primeira música original. Ficou logo combinado que os acompanharia em Lisboa. Foi o que aconteceu: o resultado foi publicado na Sábado, na semana passada. As fotos, são da Raquel Wise.

– Acho que é ele.

– Não acredito.

– É sim, é ele. Tenho a certeza.

Em plena loja do Sport Lisboa e Benfica, no Estádio da Luz, Chassity e Emma Pacheco vêem uma cara que lhes parece familiar. Aproximam-se para ter a certeza. Passam a poucos centímetros de um grupo de rapazes mas só param mais à frente. Depois viram-se outra vez para trás.

– Olha, estão todos.

– Pois estão.

– Ai meu Deus.

Nesta altura não aguentam mais. Correm em direcção à mãe e dizem-lhe discretamente: “estão ali os The Portuguese Kids”. A mãe, Sónia Pacheco, volta-se para trás. Enquanto as raparigas quase se escondem atrás dela, solta um espontâneo: “hi guys” [olá rapazes]. Eles respondem de volta. Estão habituados a serem abordados na rua. Perguntam como elas estão e de onde são. As explicações ficam para Sónia Pacheco: “Vivemos em Toronto. Mas estamos cá de férias. Que coincidência enorme. As raparigas adoram-vos. Estão sempre a ver as vossas coisas na internet, mas nunca conseguiram assistir a um espectáculo ao vivo. E agora encontram-vos em Lisboa.”

Eles sorriem. As raparigas não dizem uma palavra. Mas Brian Martins adivinha-lhes a vontade: “Querem tirar uma fotografia?” Claro que querem. Noah, o irmão mais novo, também. O grupo junta-se à frente de uma prateleira com camisolas do Benfica e sorriem. Tiram um retrato e despedem-se.

O grupo de cinco rapazes – Derrick DeMelo, Jason Casimiro, Brian Martins, Alberto Sardinha e Daniel Martins – estava há pouco mais de 24h em Lisboa. Salvo raras excepções, tinham passado despercebidos até então. No Estados Unidos, onde vivem, ou no Canadá isso seria difícil. Desde que, há quatro anos, formaram os The Portuguese Kids e começaram a fazer comédia com o retrato do dia a dia dos emigrantes que se tornaram num dos maiores fenómenos de popularidade da comunidade lusa na América do Norte (cerca de 350 mil nascidos em Portugal e 1.8 milhões de luso-descendentes).

Qual o local mais estranho onde já foram reconhecidos?

[Resposta em uníssono] Num strip club.

Derrick DeMelo: “Tínhamos ido fazer um espectáculo a Toronto e à noite fomos a um strip club. Estávamos lá sentados quando uma stripper se aproximou e perguntou: “hey, vocês não são os Portuguese Kids?”

Alberto – “Al” – Sardinha: “Ficámos sem palavras. Num strip club? Uau!”

Brian Martins: “Afinal era uma stripper portuguesa. Que passou a noite a fazer-nos sinais e a dizer adeus.”

Derrick DeMelo: “Dizem que em Portugal as strippers são todas brasileiras. No Canadá também há portuguesas.”

As vossas mulheres não vão ficar chateadas por contarem isto?

Derrick DeMelo: “Não, nós dissemos-lhes o que aconteceu”.

Os cinco rapazes nasceram em Fall River, uma cidade do estado do Massachusetts, em 1978. Cresceram juntos, num bairro cuja vida se centrava à volta da paróquia de Santo António de Pádua. Os pais tinham chegado aos Estados Unidos no início da década, a maioria originária dos Açores. Só os progenitores de Daniel Martins saíram de Viseu. Sempre foram dos mais divertidos da comunidade. “As pessoas achavam-nos piada”, diz Jason Casimiro.

Na faculdade produziram um espectáculo de comédia. Mas no final dos cursos, cada um arranjou um emprego numa área diferente. Derrick tornou-se bancário. Alberto, professor. Jason, técnico de informática. Brian, assistente de enfermagem. Daniel, dono de uma loja e gestor de um stand automóvel. Ainda assim, não desistiram de uma carreira como humoristas.

Inscreveram-se na escola de comédia e improviso do Improv Asylum, um teatro de Boston, onde se distinguiram dos restantes alunos. Em 2004 formaram um grupo chamado Out of the Gutter que apresentou espectáculos na região de New England. “Aos poucos fomos introduzindo coisas sobre as famílias portuguesas na América e as pessoas gostaram. A determinada altura começaram a vir ter connosco ao intervalo e a perguntar: ‘vocês vão fazer aquilo dos portugueses?’”, recorda Derrick DeMelo. Perceberam que a maioria ia ver os espectáculos por causa disso. Ou seja, descobriram um nicho de mercado. Algo que os distinguia de todos os grupos de comédia. Nasceram os The Portuguese Kids.

O conceito dos espectáculos é simples: em grupos de dois ou três, interpretam sketches com, no máximo, sete minutos, que retratam situações específicas, a maioria baseada nas suas experiências de filhos de emigrantes. Misturam palavras em português – que todos falam – com o inglês. Recorrem a poucos adereços: umas perucas, uns vestidos de mulher, chapéus masculinos e cadeiras basta para contar uma história.

Exemplos:

Brian Martins: “temos um sketch sobre um rapaz que teve um acidente e que, quando chega a casa, o pai está mais preocupado com o carro do que com ele. Isso aconteceu-me. Aos 19 anos um alce atravessou-se na estrada e eu não tive tempo de parar. Quando cheguei a casa o meu pai só perguntava: “estavas a mexer no rádio?”. E eu dizia: “eu estou bem, não te preocupes”. Ele respondia: “tu foste feito de graça, o carro custou-me cinco mil dólares.”

Derrick DeMelo: “os nossos pais eram muito pobres quando foram para os Estados Unidos. Trabalharam em fábricas, amealharam tudo o que conseguiram e quiseram preservar as coisas. Na parte de baixo das casas instalavam a sala de estar e a cozinha. No andar de cima tinham os quartos e ainda a sala e cozinha das visitas. Nunca ninguém lá entrava. Os meus pais mobilaram a sala e devem ter-se sentado umas 20 pessoas em 25 anos naqueles sofás. Nós não podíamos lá entrar.”

Albert Sardinha: “Punham também plásticos por cima das carpetes para podermos usar os sapatos. O sketch que faz mais sucesso é o do funeral, em que as mulheres choram e se atiram para cima do caixão e quando chegam cá fora dizem as piores coisas do morto, que não gostavam dele, que andava na droga, etc. E isso tudo é engraçado”.

O grupo começou a ganhar notoriedade aos poucos. Actuaram em restaurantes, associações e centros culturais. “Basicamente onde nos quisessem”, diz Derrick DeMelo. A fama começou a espalhar-se, também graças às redes sociais Facebook, My Space, Instagram e ao site de partilha de vídeos YouTube. A grande explosão deu-se no início de 2012 quando fizeram uma versão satírica da música “Sexy and I know it”, transformada em “Portuguese and I know it”. O tema foi um sucesso imediato e ultrapassou o milhão de visualizações.

Rapidamente o grupo começou a actuar fora da região de New England. E tiveram de se tornar profissionais. O primeiro a dedicar-se ao projecto a tempo inteiro foi Derrick DeMelo. Os outros seguiram-no pouco depois. Hoje, apenas Daniel Martins mantém outro emprego, por opção. Criaram a empresa Something Productions e montaram escritório em Fall River. Neste momento têm a agenda cheia até Março de 2015, com espectáculos marcados de sexta-feira a domingo. Em média têm entre 400 a 500 pessoas a assistir a cada show. Mas já actuaram perante 1200 pessoas. A cada três meses têm material novo. “Voltamos aos mesmos sítios e as pessoas querem ver coisas novas”, diz Brian Martins.

Este ano já atravessaram os Estados Unidos cinco vezes para actuar na Califórnia. São presença regular no Canadá e nas Ilhas Bermudas, onde o português é a segunda língua mais falada. E têm pedidos para actuar na África do Sul e na Austrália. “Vamos ver se vai ser possível”, diz Derrick DeMelo. Fazem cerca de 10 mil dólares por semana – e duplicam esse valor em merchandising (DVD, CD, t-shirts, etc).

Vieram a Portugal gravar o vídeo da sua primeira canção original, Portuguese Love to Party, em Lisboa, Porto e São Miguel. As localizações não foram escolhidas ao acaso: são mencionadas no tema, que é dedicado aos emigrantes que regressam a Portugal para passar férias. Esperam que se torne um hit de Verão, que estará disponível – como as outras canções e áudios dos sketches –para download no iTunes. Na capital, onde foram acompanhados pela SÁBADO, filmaram no Bairro Alto, Praça do Comércio, Alfama, Belém e Castelo de São Jorge.

À excepção de Daniel Martins, os restantes Portuguese Kids nunca tinham estado em Lisboa. As referências que tinham foram-lhes transmitidas por familiares ou vistas na televisão. À passagem pelo Chiado, o nome de Fernando Pessoa não foi imediatamente familiar. Ao contrário de “A Brasileira”. “O Anthony Bourdain esteve aqui. É dos sítios mais antigos de Lisboa. Temos de lá entrar”, diz Derrick DeMelo.

Sempre que podem, os cinco prestam atenção ao que se passa online. Qualquer paragem num café ou restaurante com wifi é serve para cada um agarrar no respectivo telemóvel.

Derrick DeMelo: “Passamos tanto tempo juntos que às tantas já nem conversamos muito. Na maior parte das vezes estou a actualizar o Facebook. O Brian trata do Twitter. E fazemos todos um bocado o Instagram”.

A viagem a Portugal é acompanhada por milhares de fãs. Em cerca de 20 minutos, cada fotografia colocada no Facebook recebe quase dois mil gostos. E muitos comentários.

Brian Martins: “Onde é o Parlamento? Alguém acabou de nos convidar para lá ir”.

[Era Maria João Ávila, deputada do PSD eleita pelo círculo de fora da Europa.]

Brian Martins: “É tudo o que precisamos de saber.”

[Estavam demasiado ocupados. Disseram que não tinham tempo para lá ir. Mas já a conheceram.]

Derrick DeMelo: “Encontrámos-nos em Nova Jersey. Ela quis tirar uma fotografia connosco. Sou amigo dela no Facebook e está sempre a colocar fotos com alguém conhecido.”

Tentam não tomar posições políticas. “Sabemos que temos fãs dos dois lados, democratas e republicanos. Claro que temos as nossas opiniões e posições, mas somos nós individualmente. Como grupo só os queremos fazer rir”, diz Derrick DeMelo. “Ainda para mais com as redes sociais, as pessoas não têm filtro. Agarram-se ao teclado e perdem a cabeça. Dizem tudo”, completa Daniel Martins.

Foi o que aconteceu durante o campeonato do mundo de futebol, com o jogo entre Portugal e os Estados Unidos. “Dissemos apenas que esperávamos que as duas equipas estivessem bem. Ainda assim começou uma guerra no nosso mural de Facebook”, conta Daniel Martins. “Se não apoiássemos Portugal não éramos portugueses. Se quiséssemos que Portugal ganhasse, éramos anti-americanos. É complicado”, continua.

Ao contrário do que aconteceu com a deputada social-democrata, aceitaram o convite-surpresa para visitar a sede da Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento, onde o membro do conselho executivo, Michael Baum, os convidou para colaborar com a instituição na promoção de um programa destinado a trazer estudantes norte-americanos para Lisboa durante um semestre. Horas depois, embarcaram para São Miguel onde visitaram familiares e as terras dos pais. Daí seguiram para um dia de filmagens no Porto. E nos primeiros dias de Agosto estarão de volta às actuações, na festa do Santíssimo Sacramento, em New Bedford, uma das maiores festas da costa leste dos Estados Unidos.

Antes, sentados numa mesa de um restaurante no Cais do Sodré, continuam a recordar as maiores experiências:

Brian Martins: “Já tive raparigas a mostrar-me as mamas e um homem a perguntar-me se não queria ter sexo com a mulher dele. Uma loucura”.

Derrick DeMelo: “Mas o Al é que é o solteiro, ele é que pode contar”

Al Sardinha: “Vá lá…”

Derrick DeMelo: “Uma vez, no Canadá, ele estava a vender o merchandising no final do espectáculo quando apareceu uma mulher. Nós já a tínhamos visto em palco, era aquela que mais aplaudia e cuja voz se ouvia sempre. Pediu para tirar uma fotografia com ele e depois puxou-o para um corredor e começou aos beijos logo ali. Às tantas ela perguntou-lhe: ‘tens namorada’. Ele disse: ‘não, e tu?’. Ela responde: ‘sou casada. Estou a ter uma noite com as amigas’. E estava toda a gente a vê-los porque o corredor dava para uma sala onde estavam 400 pessoas. Ele encolheu-se e as amigas puxaram-na dali para fora.”

Al Sardinha: “Uma loucura.”

Ainda assim, as situações que mais os marcaram são completamente diferentes. “Vem muita gente ter connosco dizer que os fizemos lembrar dos pais e dos avós que já morreram. Mas foi quando um homem se aproximou de nós e nos disse que o filho quer aprender português por nossa causa, que percebemos que estamos a marcar a diferença. E isso já aconteceu várias vezes”, conta Derrick DeMelo.

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