Nicolau Santos

03-11-2011
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Pág. 1 de 5 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | ... » Ver 10, 20, 50 resultados por pág. TGV, défice, dívida: as opções Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 31 de dezembro de 2009 Dizia-me esta semana o presidente português do ramo de uma grande multinacional instalada em Portugal: o TGV entre Lisboa e Madrid vai ser mais um argumento para as grandes empresas transnacionais se instalarem em Madrid e gerirem os mercados espanhol e português a partir daquela capital. Ora aqui está um argumento que certamente não entrou nas cogitações do Governo e de José Sócrates, que insistem nos grandes investimentos públicos, em particular do TGV (cujo concurso para o primeiro troço Caia-Poceirão já foi aliás adjudicado), como forma de relançar a economia. Mesmo descontando o facto de com a ligação a Lisboa, Madrid se tornar o indiscutível centro da Península Ibérica - o que, obviamente, e sob qualquer ponto de vista, não será benéfico para os interesses nacionais - não deixa de ser surpreendente como o Governo insiste na construção do TGV contra todas as evidências. Em primeiro lugar, muito mais que uma ligação para passageiros, o país precisa desesperadamente é de boas ligações rodoviárias de mercadorias a Espanha e ao resto da Europa, que potenciem os nossos portos, em particular Sines. Em segundo, o país precisa desesperadamente de investimento estruturante (e o TGV até pode sê-lo), mas que tenha uma forte componente nacional, que crie empregos duradouros e qualificados e que alavanque as nossas exportações. O TGV não faz nada disto. Assim como não contribui para a redução do nosso desequilíbrio externo. Pelo contrário, vai agravá-lo. Finalmente, o TGV passará a ser no futuro um encargo para as novas gerações, porque como já se percebeu (e todos os estudos previsionais apontam nesse sentido) a maior parte das ligações previstas será deficitária, à semelhança do que acontece com a actividade da CP, Refer ou Carris. Ora quer o Governo e José Sócrates queiram ou não, Portugal será fortemente pressionado em 2010 pela Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e agências de notação para tomar medidas que corrijam o défice orçamental, a dívida pública e o endividamento externo. E isso quer dizer que o Estado, os bancos e as empresas terão dificuldades acrescidas para captar financiamentos internacionais e que eles terão condições cada vez mais gravosas. A Moody's desceu esta semana a notação para a dívida da Grécia. Outras agências não tardarão em segui-la. E infelizmente os mercados anglo-saxónicos fazem a ligação da situação grega com a de Portugal, a que juntam também Irlanda e Espanha, países a que pejorativamente apelidam de PIGS, as iniciais dos quatro Estados-membros. Não há, pois, volta a dar. Temos de demonstrar, como aqui se escreveu a semana passada, que não somos a Grécia. Como? Tomando medidas concretas no Orçamento do Estado para 2010, mas também em relação a projectos que estão em carteira, como o TGV. Temos, aliás, a cobertura do presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, para adiar esse investimento - e contaremos com o bom senso de Bruxelas quando dissermos que postergamos o projecto para voltar rapidamente a um défice abaixo dos 3% e a uma dívida inferior a 60% do PIB. O artigo da semana passada de Daniel Bessa no Expresso era arrasador. Vamos ter de reduzir em dez mil milhões de euros por ano o défice orçamental para chegar a 3% do PIB em 2012. Dava várias alternativas, entre as quais subir o IVA para 35%, ou o IRS para 87%; ou reduzir em 47% os salários da função pública; ou privatizar 35% dos serviços públicos. Depois, claro, há várias combinações destas opções extremas. Mas o recado é evidente. O país não entra nos eixos sem grandes sacrifícios e opções muito difíceis. E não tenhamos dúvidas. Se não formos nós a tomarmos essas opções, alguém nos obrigará a fazê-lo. Como a UBS ajoelhou

Os Bastidores de Um Escândalo" é um livro que explica como um dos mais sólidos bancos suíços esteve à beira de implodir em 2008. Myret Zaki, a autora, não tem dúvidas: no cerne do problema está o fracasso do UBS AG de Zurique em exercer uma autoridade hierárquica sobre as suas equipas do UBS Investment Bank em Nova Iorque e em Stanford. Marcel Ospel, o então presidente do UBS, contratou especialistas norte-americanos, com perfil de corretores ou de dealmakers, que ganhavam milhões, apostando em actividades especulativas. A integração desses resultados permitia aos altos gestores do UBS maximizar os próprios salários. E assim estes não se mostravam demasiado esquisitos em relação aos riscos que aqueles faziam o banco correr - e que se traduziram numa exposição a activos tóxicos da ordem dos 50 mil milhões de dólares. O resultado sabe-se: a 16 de Outubro de 2008, a Confederação Suíça e o Banco Nacional da Suíça vieram em ajuda do UBS com um pacote de 60 mil milhões de dólares, Ospel demitiu-se e o banco regressou às suas áreas tradicionais: gestão de fortunas; banca de retalho; e banca comercial. Pelo meio, fica a política de Alan Greenspan à frente da FED, que potenciou o desastre. O frio e o aquecimento

Está um frio de rachar e em Copenhaga os dirigentes mundiais discutiram imenso o aquecimento do clima. Está um frio de rachar e não se percebe porque é que, se o aquecimento global é tão evidente, foi necessário apresentar um filme a abrir a conferência em que uma menina vive sucessivos pesadelos climáticos. Está um frio de rachar, mas Phil Jones, o responsável pelo banco de dados do Climate Research Unit, teve de se demitir, depois de hackers terem entrado no seu computador e divulgado e-mails em que se prova que manipulou dados por forma a que se registasse em 2000 uma subida inusitada e repentina de calor. Está um frio de rachar mas os EUA só vão reduzir em 3% as suas emissões de CO2 até 2020. Está um frio de rachar e em Copenhaga a União Europeia fez o papel da tia pateta na festa, ao prometer cortar as emissões em 20% ou mesmo 30%...Está um frio de rachar. Olha quem investe!

Investimento Directo Estrangeiro, IDE. Nos anos 80 tivemos a Renault. Nos anos 90, a Ford/ Volkswagen. Foram investimentos estruturantes para a economia portuguesa, que permitiram a criação de uma indústria nacional de componentes para automóveis. É esse tipo de investimentos que precisamos como de pão para a boca: com uma alta componente exportadora, que criem postos de trabalho qualificados e que integrem uma forte componente nacional. Nem todos cumprem estes requisitos. Como aqui se referiu a semana passada, a fábrica de baterias de iões de lítio da Renault-Nissan, que vai arrancar em Cacia, terá uma componente nacional reduzidíssima, quase todos os seus elementos serão importados e a produção das células será exclusivamente feita no Japão. Para lá destes aspectos, emerge agora um outro. O investimento estrangeiro a sério que o país tem conseguido atrair nos últimos anos vem, na quase totalidade, de fora da Europa e dos Estados Unidos - e, dentro destes, dos que falam português: Angola, sobretudo, e Brasil. Esta semana tivemos mais dois exemplos: a OPA da Companhia Nacional Siderúrgica do Brasil sobre a Cimpor, a maior cimenteira portuguesa, e a tomada de 10% da ZON pela empresária angolana Isabel dos Santos. A conclusão admissível é que Portugal pode estar a emergir como um primeiro passo do processo da internacionalização de empresas desses países, um trunfo que pode e deve ser potenciado. Há, no entanto, diferenças que convém não ignorar. E uma delas é que, enquanto o investimento brasileiro tem também apostado na criação de estruturas de raiz (a plataforma logística, a fábrica da Embraer), o investimento angolano concentra-se unicamente até agora na tomada de participações financeiras em bancos (BCP, BPI), empresas petrolíferas (Galp) ou de telecomunicações (ZON) - e não é nada de esperar que altere este padrão de comportamento. Por isso, faz sentido utilizar esta abertura de Portugal ao investimento angolano, para obter certas vantagens para o investimento e as exportações portuguesas para Angola. E quem melhor que Isabel dos Santos ou Manuel Vicente, presidente da Sonangol, para sensibilizar o poder político angolano para estas questões? Uma coisa é certa: continuamos a atrair investimento estrangeiro. O futuro dirá se é este que nos interessa. Nicolau Santos Texto publicado na edição do Expresso de 24 de Dezembro de 2009 Amarrados à tragédia grega Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:01 Quinta feira, 24 de dezembro de 2009 Governo e oposição não estão a ver bem o filme no qual vamos ser um dos principais protagonistas em 2010. E assim entretém-se a aprovar o casamento dos homossexuais e a discutir a regionalização, entre outras matérias de grande importância para a Pátria. Tudo isto, contudo, não esconde a realidade, como o demonstra, de forma nua e crua, Daniel Bessa na crónica que escreve na primeira página deste Caderno. Vamos ter de reduzir o défice do Estado em dez mil milhões de euros ao ano para chegar aos 3% em 2012. E conter a dívida pública que cresce dois milhões a cada hora que passa. É com estes temas que os políticos deviam estar preocupados. E deviam porque estamos a caminhar em cima de um arame, que começa a estar demasiado escorregadio. Na verdade, já não bastava que as agências internacionais de rating nos tivessem descido a notação da República e da dívida pública nos últimos meses. Esta semana, a Moody's deu um passo em frente e num relatório sobre os dez temas que irão dominar a análise de risco em 2010 dedicam um deles, em exclusivo, à Grécia... e a Portugal. Bem tenho clamado contra a soberba das agências de rating, que falharam em toda a linha nesta crise e ainda não pediram desculpa; ou contra o seu enviesamento anglo-saxónico. Pouco adianta. São elas que continuam a marcar o modo como financiadores e investidores olham para a capacidade dos Estados solverem os seus compromissos. E, perante essas análises, os investidores ou compram dívida ou se desfazem dela. Agora, a Moody's deu um passo em frente e liga a nossa situação à tragédia grega. É injusto? É. Mas vamos ter de lidar com isso. E quanto mais cedo apresentarmos medidas que nos diferenciem da tragédia grega, melhor. Lá, o primeiro-ministro Papandreu anunciou um pacote de medidas que incluem uma redução de 10% nas despesas, o congelamento dos salários de base acima dos 2000 euros e um travão de novas contratações em 2010. E o que aconteceu? Os mercados consideraram as medidas insuficientes, desataram a livrar-se de títulos de dívida grega e as taxas de juro das obrigações de tesouro helénicas passaram o diferencial de 250 pontos face às congéneres alemãs (as taxas para as obrigações portuguesas apresentavam um diferencial de 71 pontos na terça-feira). Pois apesar da diferença das situações, a Moody's (e as outras agências de rating) insistem em olhar para nós como um irmão da Grécia - o que quer dizer que, se eles entrarem pelo cano, pedindo uma moratória para pagamento dos seus compromissos internacionais, a seguir os óculos estarão todos focados neste rectângulo. Não temos, por isso, grandes hipóteses de assobiar para o lado e dizer que não somos descendentes de Sócrates (do filósofo, não do nosso primeiro-ministro). Ou damos provas que não é assim ou então ninguém acredita. E as provas têm de estar todas no Orçamento do Estado para 2010, o que quer dizer que será erradíssimo pensar que o Governo pode elaborar um orçamento laxista, com o argumento de que ainda estamos a viver em crise. É verdade que estamos. Mas tudo será ainda mais agravado se a Grécia implodir. Por isso, temos de nos distinguir liminarmente da situação grega, através de um orçamento draconiano. Há várias soluções. Uma é 'à la irlandesa': corte de 20% do salário do primeiro-ministro e de 10% dos funcionários públicos. Outra é a solução Eduardo Catroga: congelamento da despesa pública total em valor absoluto por dois a três anos. A terceira passa pelo aumento de impostos, nomeadamente do IVA e do IRS. A quarta é uma mistura destas várias medidas. E, claro, teremos de suspender ou adiar investimentos públicos, que apenas potenciam o aumento das importações e que não estimulam a produção interna. Uma coisa é certa: temos de dar sinais inequívocos de que não somos gregos nem participamos na tragédia que eles estão a viver. E isso implica decisões duras e grandes sacrifícios já em 2010 - mesmo que a agitação social cresça fortemente. Porque assim teremos agitação social mas uma solução a prazo. E se hesitarmos teremos à mesma agitação social - e nenhuma solução para sair do buraco. Uma história de sucesso Nos últimos anos, o sector português de calçado protagoniza uma relativamente desconhecida história de grande sucesso. A revolução aconteceu quando a indústria se viu confrontada com a saída massiva das grandes empresas internacionais de calçado como resultado das profundas alterações do mercado mundial, nomeadamente a queda das últimas barreiras ao comércio e a afirmação de grandes países produtores como a China. Ao contrário do que poderia ter acontecido, os produtores nacionais de calçado reagiram. Reequiparam tecnologicamente as suas empresas, orientaram-se para segmentos de mercado de maior valor acrescentado (Portugal apresenta uma forte especialização no segmento do calçado de couro e, dentro deste, no calçado para senhora, segmentos tendencialmente de maior valor acrescentado) e, em vez de aceitarem ser meros replicadores de modelos concebidos por quem os subcontratava, muitos deles criaram as suas próprias marcas. Outros indicadores significativos: o valor bruto da produção por trabalhador ultrapassou pela primeira vez em 2008 os 37 mil euros; do total da produção, 96% são exportados; e também pela primeira vez no ano passado, o preço médio por par de calçado exportado atingiu a casa dos 20 euros, o que situa Portugal entre os exportadores que conseguem cobrar preços mais elevados a nível mundial. Além disso, o sector apresenta a mais alta taxa de cobertura das importações pelas exportações de toda a indústria nacional. Como se chegou aqui? Pois, pasme-se, através do Plano Estratégico da Indústria do Calçado 2007/13, um documento que teve contributos da APICCAPS, do tecido empresarial e de agentes privados e públicos. Que foi levado à prática e resultou. Não é espantoso e exemplar que tal tenha sido possível? Dar ao BPP uma hipótese No caso Banco Privado Português, a intervenção do Estado tem sido pior do que se tivesse deixado a gestão e os accionistas resolverem o problema quando ele se colocou. Mas o ministro das Finanças deu o dito ("o BPP não tem risco sistémico") por não dito quando se descobriu que entre os clientes havia instituições de misericórdias, caixas de crédito agrícola e bancos estrangeiros. Desde aí, tudo tem sido trágico: há clientes com as poupanças congeladas há mais de um ano, enquanto outros receberam o seu dinheiro; houve discriminação entre os clientes do retorno absoluto do BPP e do BPN; a administração, nomeada pelo Banco de Portugal, apresentou três planos de recuperação do BPP, todos chumbados pelas Finanças, e está demissionária desde Agosto; e o plano apresentado por Vasco d'Orey foi liminarmente rejeitado. Ora como o Estado meteu a mão por baixo, o mínimo que agora pode fazer é encontrar a solução que melhor defenda os contribuintes e os clientes. Nesse sentido, parece razoável dar uma oportunidade à solução proposta por Vasco d'Orey, bem estruturada e que, mesmo que corra mal, parece ser melhor para os cofres do Estado do que aquela para a qual se está a avançar. O frio e o aquecimento Está um frio de rachar e em Copenhaga discutem-se medidas para travar o aquecimento do clima. Está um frio de rachar e eu não percebo porque é que, se o aquecimento global é tão evidente, se torna necessário apresentar um filme a abrir a conferência em que uma menina vive sucessivos pesadelos climáticos. Está um frio de rachar, mas Phil Jones, o responsável pelo banco de dados do Climate Research Unit, teve de se demitir, depois de hackers terem entrado no seu computador e no de outros membros da sua equipa e divulgado e-mails em que se prova que manipularam dados por forma a que se registasse em 2000 uma subida inusitada e repentina de calor. Está um frio de rachar e eu tenho a certeza de que há alterações climáticas, mas estou confuso quanto à responsabilidade do homem no aumento do CO2 que produz o aquecimento global. Está um frio de rachar... "A mim, o brilho fascina-me.

E as pessoas

estão a perder o brilho.

A desilusão é tão grande

que as pessoas

perdem pouco a pouco

o brilho, a luz.

Não há luz

nos olhos das pessoas.

O circo, de certa forma,

devolve às pessoas

o brilho perdido". Teresa Ricou, em "Tété - Estória da Pré-História do Chapitô 1946/1987" Nicolau Santos Texto publicado na edição do Expresso de 19 de Dezembro de 2009 Os melhores pessimistas Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:01 Quinta feira, 17 de dezembro de 2009 Portugal está na cauda da Europa em muitos indicadores económicos e sociais, mas há um onde estamos seguramente entre os primeiros: na qualidade dos nossos pessimistas. Na verdade, todos temos de reconhecer que os nossos pessimistas são do melhor que há no mundo. Um pessimista português é uma autoridade: quando fala sobre o país não fica pedra sobre pedra. Não há passado que nos salve, presente que se veja e futuro que nos acalente. É claro que os nossos pessimistas nos poderiam dar sugestões de como sairmos desta apagada e vil tristeza. Mas nessa não caem eles. Pessimista que se preza demonstra que isto está péssimo - mas acrescenta que não há salvação. Vem isto a propósito da recente entrevista de António Barreto ao "i", cujo título é desde logo arrasador: "Portugal está à beira da irrelevância, talvez do desaparecimento". A entrevista não é, contudo, tão negativa. Mas o recado está dado. Ora eu não cometo a injustiça de equiparar as críticas de António Barreto às de Medina Carreira ou de Vasco Pulido Valente, cujas profecias, se se cumprissem, deveriam ter conduzido já há muito à extinção de Portugal e dos portugueses. Com efeito, há três anos assisti a uma conferência onde Barreto traçou a evolução da sociedade portuguesa desde 1974, onde começou logo por afirmar que "o sentido de mudança dos primeiros 20/30 anos deste período foi sempre de progresso e no sentido positivo". Ora quais foram, segundo Barreto, as mais notáveis mudanças na sociedade portuguesa neste período? Elencou vinte pontos. 1) População: Portugal conheceu um fenómeno de miscigenação e de pluralidade étnica, religiosa e de costumes (saíram 2,5 milhões de pessoas mas vieram 1,5 milhões); 2) A esperança de vida registou "um aumento incrível" (nos homens passou de 60 para 64 anos, nas mulheres de 65 para 80); 3) o ritmo de envelhecimento foi o mais rápido da Europa (tínhamos o maior número de jovens e o menor número de idosos; hoje é o contrário); 4) A mortalidade infantil e materna "desceram inacreditavelmente" (tínhamos 80 mortos por mil nascimento; hoje temos quatro por mil, a quarta mortalidade infantil do mundo e terceira da Europa); 5) Portugal tinha as mais altas taxas de natalidade e fecundidade - hoje são das mais baixas da Europa; 6) houve uma fortíssima alteração das estruturas familiares (divórcios, segundos casamentos, uniões de facto, famílias unipessoais); 7) há 30 anos havia 15% de mulheres na vida activa; hoje são 50%; 8) as mulheres não podiam ter passaporte ou alugar casa sem autorização do marido; hoje têm direitos iguais; 9) fortíssimo e muito rápido declínio do sector primário (de 30% para 5% da população activa na agricultura); explosão do sector dos serviços e estagnação do sector secundário; 10) litoralização do país; 11) despovoamento de grande parte do interior; 12) universalização dos cuidados de saúde pública; 13) universalização da educação e o fim do analfabetismo ("nos anos 60/70, Portugal tinha a taxa de analfabetismo da Inglaterra do séc. XIX"; 14) universalização da segurança social ("800 mil pessoas, rurais e empregadas domésticas, entraram na Segurança Social no tempo de Marcelo Caetano"; 16) décadas de melhoria constante dos padrões de consumo, de rendimento e de bem-estar das famílias; 17) estabelecimento dos valores e regras de cidadania ("nos últimos 30 anos existe um real consenso à volta do regime democrático"; 18) Portugal, que era uma sociedade muito homogénea, tornou-se plural, a nível das raças, religiões e ética; 19) Portugal tornou-se uma sociedade mais igual que há 30 anos; "todas as classes sociais viram aumentar os seus níveis de conforto", embora ao mesmo tempo nos tenhamos tornado o país mais desigual da União Europeia; 20) Portugal tornou-se um país como os outros - uma sociedade europeia sem analfabetismo, ditadura, trabalho infantil, etc. Depois de ouvir tudo isto, ficamos com a certeza absoluta de que o país progrediu extraordinariamente nos últimos 30 anos, embora tenha havido apostas que correram bem e outras mal, como na justiça e educação. Mas o balanço global é francamente positivo - António Barreto dixit. Baterias: os sins e os mas A fábrica de baterias de iões de lítio da Renault-Nissan para carros eléctricos vai ficar em Cacia. É sempre de saudar um investimento estrangeiro, para mais nesta altura, que vai criar 200 empregos qualificados e cuja produção se destina à exportação. Cumpre, no entanto, fazer algumas ressalvas. A primeira é a de que terá de ser importada a quase totalidade dos produtos necessários para produzir as baterias, em particular as células de iões de lítio, que serão exclusivamente fabricadas no Japão - o que quer dizer que o valor acrescentado nacional será muito pequeno. A segunda é que a fábrica de Cacia será monofornecedor e monocliente, o que a torna extremamente vulnerável a flutuações de mercado. E a terceira é que a fábrica vai ficar instalada numa unidade já existente, o que pode querer dizer que pelo menos parte dos postos de trabalho criados pode ser apenas reconversão dos já existentes. Contudo, é sempre melhor ter este investimento que não o ter, até porque nos coloca com um pé numa das indústrias do futuro. Em qualquer caso, um grande projecto nacional seria a reconversão dos nossos 7 milhões de veículos convencionais para veículos eléctricos, uma ideia de Pedro Sena da Silva. Aí sim, quem saía a ganhar era a inovação indústria nacional, o que faria toda a diferença. A Aerosoles e os sapatos do defunto Depois da ascensão, a queda. A Aerosoles, que já foi uma marca internacional de sucesso de uma empresa portuguesa (ainda a semana passada vi uma loja em Milão), vai desaparecer. As razões do insucesso terão sido uma estratégia comercial sobredimensionada. Mas não é isso que se pede às empresas portuguesas? Que criem marcas próprias e que as vendam por canais autónomos no exterior? Parece que não. Para salvar a Investvar, que produzia aquela marca, foi delineado por parte do Estado e dos principais credores uma estratégia que passa por deixar cair a marca Aerosoles, meter no congelador a marca Move On, que a ia substituir, pela alienação da área comercial e por apostar na subcontratação. Ou seja, sem marca própria, sem as 115 lojas que detém em 12 países, incluindo Portugal, e apostando apenas na área industrial, o grupo espera sobreviver melhor do que até agora, contrariando tudo o que qualquer guru de pacotilha recomendaria a uma empresa de calçado. No final, hão-de sobrar os sapatos do defunto. Arquitectura e Liberdade Em 2008, a polémica em torno da demolição do mercado de Kinanxixe, o mais emblemático da capital angolana, desenhado pelo arquitecto Vasco Vieira da Costa em 1950, veio mostrar a necessidade de uma reflexão sobre o valor do património construído em África pelos portugueses. Ao contrário das razões anticoloniais dos que foram a favor da demolição, o Kinaxixe e outros edifícios constituem expressões de liberdade criativa de um leque significativo de jovens arquitectos portugueses, formados nas Escolas de Belas Artes de Lisboa e Porto no final da década de 40 e início da década de 50, que afirmaram nas ex-colónias portuguesas uma modernidade que não era possível em Portugal continental, onde a ortodoxia dos modelos arquitectónicos oficiais veiculados pelo Estado Novo era esmagadoramente imperiosa. É a história de 12 obras emblemáticas construídas em quatro cidades africanas (Luanda, Lobito, Maputo e Beira) que são retratadas em "Moderno Tropical - Arquitectura em Angola e Moçambique 1948-1975", livro da autoria de Ana Magalhães (texto) e Inês Gonçalves (responsável pelas magníficas fotografias), das Edições Tinta da China. Para quem gosta de África, arquitectura e liberdade, um livro a não perder e que a memória de todos os que passaram por África agradece. A Cosec ou outro recuo Governo lá segue de recuo em recuo. Depois dos recuos na avaliação dos professores, nas taxas moderadoras, no subsídio de desemprego e nos chips nas matrículas, eis que surge o ministro da Economia a afirmar que a nacionalização da Cosec já não é indispensável. Recorde-se que a 13 de Maio, não na Cova da Iria mas no Parlamento, o primeiro-ministro anunciou a renacionalização da seguradora "para garantir às empresas exportadoras nacionais um acesso ao seguro de crédito". Não se percebeu a decisão, porque o negócio da Cosec é fazer seguros de crédito. Vieira da Silva diz agora que "o indispensável é que os empresários e exportadores tenham acesso a mecanismos de seguro das suas exportações, que estão a ser dificultados pela conjuntura" - uma verdade tão actual hoje como há sete meses, quando o Governo anunciou a renacionalização da Cosec. Um olhar furtivo

por certo sabiamente encaixotado procura-te por toda a parte

e é África que responde por ti

lá do ponto mais perigoso do labirinto

onde nem o Minotauro vem

aquecer com o seu bafo

o teu tiritar convulsivo(...) (...)Nas extensas praias da foz

cada bago de areia era uma palavra

a que não sabíamos responder. Artur do Cruzeiro Seixas Nicolau Santos Texto publicado na edição do Expresso de 12 de Dezembro de 2009 O FMI não muda. Nem nós Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:01 Quinta feira, 10 de dezembro de 2009 Nos anos 80, país em dificuldades de solver os seus compromissos externos que fosse obrigado a recorrer ao apoio do Fundo Monetário Internacional, já conhecia de cor a receita, mesmo antes de os homens sem rosto desembarcarem no aeroporto da capital: desvalorização da moeda, subida dos impostos e das taxas de juro, cortes salariais, liberalização dos despedimentos. Claro que a estes programas draconianos aplicados por Governos que não tinham outra instituição internacional a que recorrer para obter empréstimos seguia-se uma prolongada agitação social, com greves, manifestações, fortalecimento dos partidos extremistas e, em certos casos, a emergência mesmo de movimentos de guerrilha. Passaram os anos, mudaram as realidades, com a implosão do bloco soviético e o nascimento da União Europeia, mas no fundo, no fundo, o Fundo continua agarrado à sua cartilha. É claro que, sobretudo na Europa, já não há moedas nacionais e a política monetária também é decidida em Bruxelas, estando os Estados-membros abrigados debaixo do grande guarda-chuva europeu e, por essa via, salvos das receitas do Fundo. Mas este, se não pode actuar, insiste em dizer o que se deve fazer. E assim eis-nos confrontados por estes dias com a forma como o FMI nos obrigaria a resolver os nossos problemas, se por acaso lhe tivéssemos de pedir dinheiro - e aceitar os conselhos. Primeira parte do plano: aumentar a receita, através da redução das deduções fiscais e da subida do IVA. Segunda parte: reduzir a despesa corrente primária, actuando sobre a factura dos salários dos funcionários públicos e controlar as despesas com a saúde e com as reformas. Trocando em miúdos, o que o FMI propõe é que os aumentos dos funcionários públicos em 2010 sejam muito reduzidos ou nulos, tendo em conta "o aumento real significativo em 2009 e a necessidade de dar um sinal de restrição ao sector privado". O que o Fundo não diz é que o tal aumento real significativo dos funcionários públicos em 2009 seguiu-se a três anos de congelamento salarial, o mesmo acontecendo nas promoções e na progressão nas carreiras. Mais hilariante, se não desse vontade de chorar, é o facto de o Fundo sublinhar que "os grandes aumentos planeados para o salário mínimo parecem agora ainda mais desajustados em relação aos fundamentos económicos, devendo ser reconsiderados". O FMI considera, portanto, que um salário mínimo de 450 euros em 2009, de 465 euros em 2010 e de 500 euros em 2011 é um exagero - embora não explique o que leva uma empresa que queira operar no mercado a não conseguir pagar a um trabalhador o que se paga a uma empregada doméstica. Quanto às pensões, o aumento decidido para 2010 visando evitar que a aplicação da fórmula de cálculo levasse à redução do seu valor devido à inflação negativa em 2009, é considerado problemático pelos rapazes do Fundo, que avisam ser "muito importante que se trate de uma medida pontual, cujos efeitos futuros devem ser compensados". Eis, pois, o FMI em todo o seu esplendor: o reequilíbrio do país deve ser pago pelos trabalhadores, pelos reformados e pelos doentes. O que quer dizer que, passem as anos que passarem, mudem os presidentes que mudarem, o Fundo há-de ser sempre o Minotauro que, no seu labirinto, guarda a mais pura ortodoxia financeira do mundo, contra qualquer Teseu que o queira desafiar. Ou seja, o FMI não muda nem aprende. Mas em boa verdade, e para sermos justos, também devemos dizer o mesmo de nós: não mudamos nem aprendemos em matéria de boa gestão das contas públicas e dos equilíbrios macroeconómicos do país. E sempre que nos metemos no labirinto, nunca levamos o fio de Ariadne que nos há-de salvar. Por isso, com regularidade, lá temos de ouvir a receita que o Fundo nos aplicaria se lhe fôssemos pedir dinheiro. Felizmente, a União Europeia evita-nos essa humilhação. Mas há muita gente que lê o que o Fundo escreve. E no fundo, no fundo, vão obrigar-nos a aplicar a receita do Fundo. Não esquecer o Dubai Eis uma boa e uma má notícia. A boa é que, depois de tudo o que se passou com inúmeros bancos que colapsaram durante a recente crise, os reguladores de diversos países, sob os auspícios do Financial Stability Board, resolveram colocar trancas nas portas. E assim elaboraram a lista dos grupos financeiros que apresentam risco sistémico, o tal que pode colocar em causa não só o sistema financeiro de um país como lançar caos nos mercados internacionais. Estas instituições serão alvo de uma supervisão cruzada. Aí vai a listinha: Bank of America Merrill Lynch, Citigroup, Goldman Sachs, JPMorgan Chase, Morgan Stanley, Royal Bank of Canada, Barclays, HSBC, Royal Bank of Scotland, Standard Chartered, Crédit Suisse, UBS, BNP Paribas, Société Générale, BBVA, Santander, Mitsubishi UFJ, Mizuho, Nomura, Sumitomo Mitsui, Banca Intesa, UniCredit, Deutsche Bank, ING, além das seguradoras, Aegon, Allianz, Aviva, Axa, Swiss Re, Zurich. Esta é a boa notícia. A má é que mesmo os matulões podem entrar em falência. No ar fica apenas uma perguntinha: e não valia a pena incluir algumas instituições de países produtores de petróleo? É que a decisão da Dubai World, o maior conglomerado empresarial daquele emirado, de suspender pagamentos, também deixou o mundo em estado de pânico. As razões de Oliveira Martins Guilherme d'Oliveira Martins, presidente do Tribunal de Contas (TC), é um homem que cumpre escrupulosamente a lei. Na semana passada, critiquei o facto de o TC ter demorado dez meses a dar o visto prévio à construção da auto-estrada do Douro Interior, quando dispõe de 30 dias úteis para o fazer. Mas aqui estou a dar a mão à palmatória. Com efeito, os prazos são interrompidos cada vez que o processo sai para um pedido de esclarecimentos. No caso em apreço, o dossiê esteve dois dias no TC e saiu logo. A Estradas de Portugal (EP) pediu a prorrogação dos prazos por duas vezes e a Mota Engil demorou algum tempo a responder às questões que lhe foram colocadas. Tudo somado, acabamos nos dez meses. Mas as obras não pararam, porque a EP recorreu. E o parecer negativo pode ser ultrapassado pela apresentação de novo contrato, que tenha em conta os reparos do TC. O legislador, coitado, é que nunca deve ter pensado que um prazo de 30 dias se pudesse transformar em dez meses quando a obra vai a caminho do fim... Às turras por causa do BPP Quando, subitamente, em Novembro de 2008, João Rendeiro, então presidente do BPP, disse que o banco precisava de 750 milhões de euros, as autoridades de supervisão deveriam ter anunciado de imediato: 1) que o banco não tinha risco sistémico; 2) que se não conseguisse aquele montante, seria declarado insolvente. O ministro das Finanças disse, a quente, que não existia risco sistémico. Mas depois descobriu-se que entre os depositantes havia caixas agrícolas, instituições de misericórdia e bancos estrangeiros, Teixeira dos Santos deu o dito por não dito, o Banco de Portugal nomeou uma administração e ano e meio depois está tudo mais negro: o banco não tem salvação, porque perdeu credibilidade; a actual administração desde o Verão de 2009 que pede para sair; os clientes foram tratados de forma diferente e os que não receberam as suas aplicações estão pior do que se o banco tivesse encerrado; o ministro quer manter as contra-garantias, avaliadas em 670 milhões de euros, para salvaguardar o aval do Estado ao empréstimo de 450 milhões de euros que seis bancos concederam ao BPP; entre o Banco de Portugal e a CMVM houve um indisfarçável mal-estar devido à forma como deveriam ser tratados os clientes do retorno absoluto. E enquanto este jogo de elefantes se arrasta, há um ano que centenas de pessoas não podem aceder às suas poupanças. A moral da história é mais que conhecida: quando o mar bate na rocha... Mau, mau, Maria Pimeiro, Armando Vara teria recebido no seu gabinete 10 mil euros, entregues por Manuel Godinho, o principal arguido no Sucatagate, visando facilitar-lhe a vida em concursos de empresas públicas. O vice-presidente do BCP subiu na vida à sombra do primeiro-ministro, já esteve envolvido noutro caso polémico... Parecia admissível, embora o suborno fosse quatro vezes inferior ao que Vara recebe no BCP. Depois de ouvido pelo juiz: 1) em vez de dois crimes, sai acusado só de um; 2) a caução de vinte e cinco mil euros é pequena para quem está supostamente envolvido na tal complexa rede tentacular de corrupção; 3) no crime que se mantém, o que existe são indícios de indícios de indícios (Vara dixit). Onde é que já vimos este filme, que começa com uma montanha e acaba por parir um rato? E se sair rato, o que pensar de quem passou as informações à imprensa? Linchamento político? Não. Linchamento pessoal. Deixa-me sentar numa nuvem

A mais alta

E dar pontapés na lua

Que era como devia ter vivido

A vida toda

Dar pontapés

Até sentir um tal cansaço nas pernas

Que elas pudessem voar

Mas não é possível

Que tenho tonturas e quando

Olho para baixo

Vejo sempre planícies muito brancas

Intermináveis

Povoadas por uma enorme

quantidade de sombras(...) Mário-Henrique Leiria

"Deixa-me sentar numa nuvem" Nicolau Santos Texto publicado na edição do Expresso de 5 de Dezembro de 2009 O sucesso de Gago e da Cotec Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:01 Quinta feira, 3 de dezembro de 2009 Renato Correia. O nome não lhe diz nada. No entanto, fez algo de que o país precisa desesperadamente: inovar. Com o projecto Solução de Rotulagem em Braille para Deficientes Visuais ganhou o prémio Chairman's Award, que distingue um projecto inovador dentro do Grupo Sonae, onde Renato trabalha - prémio que lhe foi entregue por Belmiro de Azevedo. Aliás, o FINOV, Fórum de Inovação da Sonae é realizado anualmente e aí são apresentados e premiados projectos inovadores realizados nas várias empresas do grupo. Felizmente, a boa notícia nesta área não se restringe ao Grupo Sonae. Na verdade, constata-se um acréscimo contínuo do número de empresas portuguesas com actividades de Investigação e Desenvolvimento (I&D), que passou de 940 em 2005 para mais de 1700 em 2008. O investimento das empresas quase que triplica entre 2005 e 2008 e cresce 22% entre 2007 e 2008, alcançando €1,2 mil milhões. A despesa das empresas em I&D representa agora 0,76% do PIB (0,62% em 2007), significando cerca de metade da despesa nacional total nesta área. Em consequência, a despesa total do país em investigação atingiu 1,51% do PIB em 2008, um total de €2,5 mil milhões, valor que supera os níveis de despesa em I&D registados em Espanha (1,27%) e Irlanda (1,31%) em 2007. Como foi possível este milagre, num país avesso ao risco e à inovação? Em primeiro lugar, com uma medida de bom senso: a reintrodução no Verão de 2005 do sistema de incentivos fiscais à I&D nas empresas, SIFIDE, que foi actualizado e aperfeiçoado em 2008. O sistema possibilita uma dedução fiscal que pode atingir 82,5% do investimento em I&D e é um dos mais competitivos da Europa. Resultado: desde 2005 mais do que duplicou o número de empresas que a ele recorreram relativamente ao período 1997-2003. Em segundo, com a manutenção da política de apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico que vem sendo seguida por este Governo desde 2005 - e, o que não é menos importante, com a manutenção de Mariano Gago como ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior desde aquele ano, garantindo a coerência dessa política e a persistência nos objectivos. Esta é, aliás, a prova, mais uma, de que para obter resultados é necessário manter o rumo e é preciso tempo. E, em terceiro, a estes resultados não é indiferente o trabalho notável desenvolvido pela COTEC, no sentido de promover o esforço das empresas em I&D e Inovação, não esquecendo a alteração que conseguiu em Bruxelas sob a forma como em pequenas e médias empresas de países como Portugal, Espanha e Itália deve ser contabilizado o esforço em I&D. Os resultados estão aí: o número de patentes portuguesas registadas no Gabinete Europeu de Patentes, mais do que triplicou face a 2004; foram registados 1500 novos doutoramentos em 2008, mais 50% que em 2003, 51% dos quais realizados por mulheres; concretizaram-se 4,5 novos doutoramentos nas áreas de ciência e engenharia em cada dez mil habitantes entre os 25 e os 34 anos, alcançando-se a média europeia neste indicador; o número total de publicações científicas referenciadas internacionalmente quase que duplicou desde 2004; e o número de investigadores na população activa ascendeu a 7,2% em 2008, ultrapassando os níveis relativos de 2007 do Reino Unido, Alemanha e Holanda, assim como a média europeia de 5,8 investigadores por cada mil activos. Mas mais do que os resultados, é a tendência que conta. E a tendência vai no sentido excelente. Esperemos que a crise não a interrompa - porque é por esta via que sairemos da crise. Vamos ao pote de mel? Caro leitor, imagine que as suas dívidas aos bancos no fim de cada mês são quatro ou cinco vezes o seu salário; que as despesas com os miúdos, alimentação, carro, empregada, etc., fazem com que sobre sempre mês (e cada vez mais...) ao ordenado. E que se tiver aumento este ano é de 1,5% e olha lá! Você arrepela os cabelos, puxa pelas meninges e conclui que desta vez é que tem de ser. Vai ter mesmo de vender aquela caixa debruada a ouro e com brilhantes que a sua avó lhe deixou em herança - e esperar que entretanto as coisas melhorem. Pois agora, transfira este cenário para o país. Aumentar impostos? A gritaria será enorme. Cortar despesa? Dá um trabalhão e gritaria. Que fazer então? Você começa a olhar para o pote de mel, que lhe resolve metade do défice. Vai dar uma enorme polémica. Mas parece mesmo a solução ideal... O pior é se depois o défice e a dívida voltam a descarrilar e não há mais caixas para vender. Mas nessa altura só o povo será o mesmo. O Governo já será outro. Porque António Mota tem razão Mal ou bem, as empresas de obras públicas estão associadas às sucessivas derrapagens orçamentais dos projectos que executam. Centro Cultural de Belém, Casa da Música, ponte Vasco da Gama, metro do Porto são alguns dos exemplos do descontrolo a que se chegou e que o cidadão nunca consegue perceber se são da responsabilidade das construtoras ou do Estado, que coloca a concurso um projecto, a que depois soma sucessivas alterações. Contudo, na recente decisão do Tribunal de Contas de recusar o visto a dois troços de auto-estrada, quem tem toda a razão é o presidente da Mota-Engil. Com efeito, é inadmissível que obras que começaram há um ano sejam agora suspensas por uma decisão do TC, que contraria o acordo livremente assinado entre a entidade contratante (Estradas de Portugal) e a entidade construtora. E depois as parcerias público-privadas, como bem lembrou António Mota, foram aprovadas no Parlamento. Se o Estado entende que elas são lesivas do seu interesse, só tem de queixar-se de si próprio e dos seus representantes porque aprovaram uma mau diploma. Não pode é servir-se disso para colocar tudo em causa - até porque, no fim do dia, quem acaba sempre por pagar a factura é o contribuinte. Inov Contacto ou algo a correr bem! Sabe que todos os anos 550 jovens portugueses conseguem estágios profissionais no estrangeiro? E que esses estágios são solicitados metade por empresas portuguesas e metade por empresas estrangeiras? E que o referido programa foi distinguido como best practice na área do Management Development Programmes e sub-área Graduate Programmes por peritos internacionais? E que é considerado um case-study e faz parte de uma publicação de boas práticas da Entreprise and Industry Directorate-General da Comissão Europeia que visa apurar como as políticas públicas podem apoiar as PME no seu esforço de crescimento internacional? Pois é. Chama-se INOV Contacto - Estágios Internacionais para Jovens Quadros - e é promovido pelo Ministério da Economia, apoiado pela União Europeia e gerido pela AICEP. Funciona há vários anos e, devido ao seu sucesso, o Governo decidiu em Fevereiro de 2008 aumentar o número de estágios de pouco mais de 100 para 550. Nem tudo vai mal no reino de Portugal. Tété, alegria de lisboa Se o Chapitô é hoje um ex-líbris de Lisboa, uma espécie de Gulbenkian para as artes circenses, o jazz e outras, ponto de referência para inúmeros estrangeiros que visitam a capital portuguesa, deve-o sem dúvida a Teresa Ricou. Colam-lhe o rótulo de primeira mulher-palhaço do burgo. Foi-o e com inegável talento. Mas é muito mais do que isso - é a alma e o corpo de um espaço único de convívio multicultural (agora que acabou o B.Leza...) com uma vista deslumbrante sobre Lisboa. É a história dessa saga e o registo biográfico de Teresa Ricou que está plasmada em "Teté - A Estória da Pré-História do Chapitô", da autoria de Paula Moura Pinheiro (registo biográfico) e Maria João Brilhante (coordenação da pesquisa histórica), com concepção e design gráfico de Henrique Cayatte, um livro lançado ontem à noite no Chapitô. Seguir-se-ão "Chapitô - A História de um Projecto" e outro sobre História do Circo Contemporâneo em Portugal. Até lá e sempre, viva a Teresa Ricou! Aristóteles, visita da casa de minha avó,

não acharia esquisita esta forma de estar só

esta maneira de ser

contra a maneira do tempo

esta maneira de ver

o que o tempo tem por dentro (...) José Carlos Ary dos Santos - Arte Peripoética Nicolau Santos

Texto publicado na edição do Expresso de 28 de Novembro de 2009 Pessoas em que se pode confiar Nicolau Santos (www.expresso.pt) 8:00 Segunda feira, 23 de novembro de 2009 Com tanto escândalo jurídico-mediático, somos cada vez mais levados a pensar que não há indivíduo neste país que não seja corrupto ou corruptor. E como a esmagadora maioria dos processos se arrasta eternamente, acabando vários deles por prescrever, fica apenas o manto de suspeição - e nenhuma certeza se os arguidos são mesmo culpados ou se estão inocentes. Vai daí, têm toda a razão aqueles que dizem que a justiça hoje se faz mais por julgamentos populares através da comunicação social, a quem é passada informação seleccionada, do que nos tribunais. E provavelmente também têm razão aqueles que dizem que essa quebra sistemática do segredo de justiça serve aos próprios agentes judiciais para ocultarem as fragilidades da investigação - e obterem na praça pública aquilo que dificilmente conseguirão perante os juízes. Ora por muita razão que a Justiça tenha, não é possível manter sob suspeição durante anos todas as empresas e bancos envolvidos na 'Operação Furacão' ou na 'Operação Face Oculta'. Mas também é verdade que há instituições que aparecem sempre nestas embrulhadas - e outras que nunca integram estes pacotes. E daí se podem tirar muitas e frutuosas conclusões. O exercício que me propus fazer é elaborar uma lista de banqueiros, empresários e gestores que não tenham estado até agora envolvidos em nenhum processo deste tipo - e sobre os quais não nos passa pela cabeça que possam vir a estar. Se conseguirmos uma lista suficientemente grande e representativa, podemos alegrar-nos: a esmagadora maioria do país não é corrupta - nem estamos condenado a ser uma nova Sicília. Eis a minha lista (com exclusão de empresas controladas ou participadas pelo Estado ou onde existe uma 'golden share') - que, como todas as listas, terá falhas e omissões. Ossos do ofício. Alexandre Soares dos Santos e Luís Palha (Grupo Jerónimo Martins), Artur Santos Silva, Fernando Ulrich, António Domingues, Maria Celeste Hagatong e José Amaral (BPI), Carlos da Câmara Pestana (Grupo Itaú), Vítor Bento (SIBS). Nuno Amado (Santander Totta), Paulo Macedo (BCP), Paulo Pereira da Silva (Renova), José Manuel Fernandes (Frezite), Alexandre Relvas e Filipe de Botton (Logoplaste), António Carrapatoso e António Coimbra (Vodafone), Belmiro de Azevedo e Paulo Azevedo (Sonae), Rodrigo Costa (Zon), António Câmara (YDreams), José Dionísio e Jorge Baptista (Primavera), Vera Pires Coelho (Edifer), Ana Maria Caetano (Salvador Caetano), Jorge Armindo (Amorim Turismo), António Amorim Martins (Conduril), Carlos Rodrigues (Banco BIG) Carlos Moreira da Silva (BA Vidro), Estela Barbot (AGA), Pedro Queirós Pereira (Soporcel), Esmeralda Dourado (SAG), José Joaquim Oliveira (IBM), João Paulo Girbal (Aerolazer), António Lopes Seabra (Continental Mabor), António Murta (Enabler), António Ramalho (Unicre), Armindo Monteiro (Compta), António Costa Silva (Partex), Nuno Ribeiro da Silva (Endesa), Aníbal Fernandes (Enercon), Vasco de Mello (Brisa), Maria Cândida Rocha e Silva (Banco Carregosa), Isabel Ferreira (Banco Best), João Miranda (Frulact), Jorge Guimarães (Alert), Luís Portela (Bial), João Talone (Magnum Capital), João Picoito (Nokia Siemens Networks), Leitão Amaro (Nutroton), Luís Simões (Grupo Luís Simões), Rui Paiva (WeDo), Isabel Vaz (Espírito Santo Saúde), Luís Filipe Pereira (Efacec), Álvaro Portela (Sonae Sierra), Gonçalo Quadros /Critical). E, obviamente, além de muitos outros que mereciam aqui estar, Francisco Pinto Balsemão (Impresa). É uma excelente e sólida base para termos a certeza que os corruptos estão longe de ser a maioria dos empresários, gestores e banqueiros do país. Um flagelo que veio para ficar O desemprego é o maior flagelo que uma sociedade pode enfrentar. Porque é um desperdício de recursos humanos, muitos dos quais bem preparados. Porque é uma delapidação do saber acumulado. Porque mina a auto-estima de milhões de pessoas. Porque as torna mais inseguras e propensas a actos de desespero. E porque estar desempregado é uma vergonha e um anátema social.´ Os últimos números sobre o desemprego em Portugal são muito preocupantes. Certamente pelo valor que atingiu: 9,8% da população activa, atingindo mais de meio milhão de pessoas (547,7 mil). Mas se a este número se juntar 104 mil inactivos, o número trepa para 652 mil desempregados, ou seja, 11,7% da população activa. Mas estes números são mais preocupantes porque deverão continuar a crescer em 2010, devido ao desfasamento que existe entre o início da recuperação económica e a criação líquida de postos de trabalho, que só acontece quando a economia começa a crescer na casa dos 2% ao ano. Ora o crescimento previsto é de 0,3% em 2010... A questão crucial é, contudo, o que representa este aumento do desemprego. E, infelizmente, está longe de se poder afirmar que é o resultado de uma profunda reestruturação do nosso tecido produtivo. O que parece é que este desemprego é consequência da destruição de largos sectores da estrutura produtiva do país (bem como de investimentos estrangeiros), que não só não recuperarão como não serão substituídos por outros, pelo menos com a mesma capacidade de criar postos de trabalho na mesma ordem de grandeza. Com efeito, como o sector de serviços, aquele que mais postos de trabalho criou nas duas últimas décadas, foi dos mais atingidos pela crise e vai atravessar um período lento de recuperação, o que é possível esperar é que tenhamos de conviver com elevadas taxas de desemprego, acima dos dois dígitos, durante alguns anos; que, durante esse período, se acentuarão os movimentos de emigração de trabalhadores portugueses, sobretudo a fuga de cérebros (100 por mês), bem como a saída de imigrantes que tinham escolhido Portugal para viver e trabalhar; é também de esperar crescentes tensões sociais no mercado de trabalho, bem como uma pressão constante para crescimentos nulos ou mesmo quebras do poder de compra dos salários dos trabalhadores. Por isso, a concessão do subsídio de desemprego tem de ser acompanhado da exigência da formação profissional dos trabalhadores que o recebem. Pelo menos, há a esperança que com mais e melhores qualificações seja mais fácil encontrar emprego. Em Portugal - ou, se não for possível, no estrangeiro. Regular os que deviam regular O que leva o Governo a nomear para uma entidade reguladora uma pessoa que foi secretário de Estado-adjunto do primeiro-ministro? O que justifica essa nomeação se o nomeado não tem experiência que se conheça no sector que vai regular? Só há duas respostas. É um prémio; e uma maneira de o Governo passar a ter uma ponte no interior de uma entidade que por lei é, e por atitude deve ser, independente do Executivo. A pessoa em causa chama-se Filipe Baptista. O primeiro-ministro é José Sócrates. O presidente da Anacom é Amado da Silva. E só este saiu bem do processo, ao afirmar que "os estatutos da Anacom conferem tal capacidade de independência que, se um administrador quiser ser independente, é; se não quiser, não é". Mas a reflexão não se pode circunscrever a esta nomeação. É fundamental observar a tendência. E a tendência tem sido o Governo nomear para presidentes das entidades reguladoras pessoas com um perfil sistematicamente mais baixo que o dos seus antecessores (casos da AdC ou ERSE) ou invisíveis (caso do regulador da saúde). Ora, não se pode defender que o Estado deve ser cada vez mais regulador e menos interventor e depois fazer tudo para ter reguladores que importunem o poder o menos possível. Ganha a curto prazo o Governo. Perde a longo prazo o país. Cavaco devia conhecê-la Tem metro e meio, péssimo feitio, um dragão tatuado nas costas, piercings nas sobrancelhas e nas orelhas, um passado de maus tratos familiares e instituições psiquiátricas. É bissexual, sabe artes marciais e não hesita em matar os "maus". Ora, porque é que Cavaco Silva a devia conhecer? Porque, apesar de tudo isto, Lisbeth Salander é inteligentíssima, excelente investigadora e, sobretudo, uma hacker sobredotada, penetrando em sistemas informáticos da polícia ou de juízes. Mas, para descanso do PR, é apenas a personagem central da trilogia 'Millennium', do sueco Stieg Larsson, um enorme êxito em todo o mundo. Três livros que se lêem de um fôlego. O portugal futuro é um país

aonde o puro pássaro

é possível e sobre o leito

negro do asfalto da estrada

as profundas crianças

desenharão a giz

esse peixe da infância

que vem na enxurrada

e me parece

que se chama sável

Mas desenhem elas

o que desenharem

é essa a forma do meu país

e chamem elas

o que lhe chamarem

portugal será e lá serei feliz (...) Ruy Belo, 'O Portugal Futuro' Nicolau Santos Texto publicado na edição do Expresso de 21 de Novembro de 2009 Vermelhos de indignação Nicolau Santos (www.expresso.pt) 8:00 Segunda feira, 16 de novembro de 2009 Os contribuintes portugueses deveriam estar vermelhos de raiva e indignação. E deveriam porque têm sobejas razões para isso. Já todos estamos habituados às derrapagens nos custos das obras públicas, que depois são pagas através de mais impostos e todo o tipo de taxas que nos vêm buscar aos bolsos. Mas apesar de constatarmos, há muitos anos, situações deste tipo, continuamos todos à espera que as autoridades, não obstante a desfaçatez e pouca vergonha dos envolvidos, ponham um limite a estas derrapagens. Esperamos mal. Pelos vistos, estamos redondamente enganados. As últimas seis concessões de auto-estradas adjudicadas pela Estradas de Portugal apontavam para um custo total, segundo as estimativas iniciais do Governo, de €2790 milhões. A factura final, contudo, vai ficar em €3900 milhões. Ou seja, a módica derrapagem é de €1110 milhões, mais 39,7% que o inicialmente estimado! Valha-nos que o Tribunal de Contas (TC), dirigido por Guilherme de Oliveira Martins, recusou o visto a duas das concessões (Douro Interior e Transmontana), onde os custos cresceram 120 milhões e 177 milhões, respectivamente. E as outras quatro concessões (Baixo Tejo, Baixo Alentejo, Litoral Oeste e Algarve Litoral) aguardam o visto prévio do TC, pelo que podem vir a ter o mesmo destino. Contudo, a Estradas de Portugal vai recorrer. Ao fazê-lo, as obras podem continuar, embora não possa haver pagamentos. E como o tribunal vai demorar imenso tempo a decidir, quando a decisão for conhecida, mesmo que dê razão ao Tribunal de Contas, estaremos confrontados com um facto consumado: os novos troços de auto-estrada já concluídos ou quase, pelo que a sua suspensão será inviável - e, no caso contrário, o Estado terá de ressarcir os construtores pelo que já fizeram. Então, como é óbvio, mandará o bom senso que se decida que se concluam as obras, sob pena de a penalização para os contribuintes ser ainda maior: pagarem e não terem auto-estrada. E assim, mais uma vez, pagaremos o que não deveríamos pagar, não haverá responsáveis e tudo será considerado natural. Pois não é natural nem devemos conformar-nos com essa suposta naturalidade. A carga fiscal que pesa sobre todos nós é também resultado, em parte, deste tipo de situações. E estas parcerias público-privadas (PPP), sendo teoricamente uma boa ideia, têm vindo a constituir, na prática, um modelo muito desvantajoso para o Estado. As PPP realizadas, em curso ou projectadas (concessões rodoviárias e ferroviárias, construção de hospitais, aeroportos, tribunais e prisões e expansão das redes de metro de Lisboa e Porto) representam já encargos para todos os contribuintes da ordem dos 55 mil milhões, com elevada concentração temporal na próxima década (cálculos de Eduardo Catroga). Acresce que, da forma como as PPP têm funcionado, a maior parte dos benefícios fica do lado dos privados e todo ou quase todo o risco do lado dos contribuintes). E isso leva a que o sector empresarial privado e banca (nacional e estrangeira) apostem fortemente nestes projectos, de risco muito menor e ao abrigo da concorrência externa, em vez de o fazerem nos sectores dos bens e serviços transaccionáveis, ou seja, aqueles de que o país necessita como de pão para a boca para aumentar a sua competitividade externa. Está, pois, tudo errado na forma como funcionam as PPP e nos sinais que dão para os agentes económicos. E é inadmissível que não só não sirvam para melhorar a competitividade do país como contribuam para onerar a factura fiscal da actual e da próxima geração de contribuintes. PQP chega a líder europeu É um dos maiores investimentos industriais de sempre em Portugal. E torna o país líder europeu na produção de papéis finos de impressão e escrita não revestidos. Este feito é alcançado através da entrada em funcionamento da nova fábrica de papel do Grupo Portucel Soporcel, uma unidade que cria 350 novos postos de trabalho altamente qualificados e que representará 4% do total das exportações nacionais. É o tipo de investimento de que o país necessita desesperadamente, pois cria bens transaccionáveis de alto valor acrescentado e empregos de elevadas qualificações. Além do mais, a coragem de Pedro Queiroz Pereira investir €550 milhões nos tempos que correm é um enorme exemplo para todos os empresários. Não se chegou aqui por acaso. O então ministro da Economia, Augusto Mateus, apostou na integração da fileira do papel, através da fusão da Soporcel e Portucel. Contratou um gestor privado, Jorge Armindo, para a concretizar. E depois o Estado privatizou a empresa. Os resultados são a prova de que quando se sabe o que se quer, se define o objectivo e se encontram as pessoas para o concretizar, a probabilidade de êxito aumenta exponencialmente. Um exemplo para meditar. A Parque Escolar e o défice Não há economista que se preze que não defenda que o investimento público prioritário deve incidir, por exemplo, na reparação do parque escolar. E assim o Governo criou a Parque Escolar, que vai modernizar mais de 300 escolas e que, para isso, conta com financiamentos do BEI, que podem atingir mil milhões. Na primeira fase, a modernização de 26 escolas custará 330 milhões, na segunda 75 escolas importarão em 840 milhões e na terceira cem escolas exigirão um investimento de 1200 milhões. Estarão envolvidos 50 a 80 subempreiteiros e serão criados 20 a 25 mil empregos directos e indirectos. Tudo certo, portanto? Infelizmente, não. Todo este processo passa a latere do Orçamento do Estado, quer o investimento (que não é contabilizado como investimento público), quer as responsabilidades relativas ao endividamento. Mas deviam, porque na prática este projecto deve estar reflectivo no OE ou na dívida pública. Não o fazer significa desorçamentar. E maquilhar mais ainda as contas públicas. O risco moral das empresas A crise colocou sob os holofotes práticas empresariais que apareceram, em muitos casos, como injustas, imorais ou mesmo obscenas. Mas a história ensina-nos que, à onda de indignação popular que obrigou reguladores e governos a intervir, se seguirão tempos em que a lassidão de práticas voltará a ocorrer e os mesmos erros se repetirão. É sobre estes temas que João Talone reflecte num pequeno opúsculo com o título "O risco moral das organizações". Nele não se fazem acusações; escalpeliza-se o problema. Sublinha-se que existem comportamentos que não são éticos nem ilegais, mas que podem ser "justificados" pela defesa de "interesses superiores", dando origem a "riscos morais" que podem ter graves consequências para as organizações. Frisa-se que ao abrigo da Responsabilidade Social e Desenvolvimento Sustentável "têm sido praticados actos de puro nepotismo que mais não são que um 'Risco Moral' potencialmente grave". Sublinha-se que os líderes têm de adoptar uma conduta rigorosa e exigente, para poderem imprimir uma cultura de rigor ético nas organizações. Que não é a mesma coisa o carácter de independência de um administrador com um administrador independente. E muito mais. Um livrinho indispensável. 13 anos em cena é obra! Uma peça de teatro estar 13 anos em cena é obra! E se for teatro feito em Portugal por profissionais portugueses para o público português, esta longevidade é ainda mais extraordinária. A divertida peça chama-se "As Obras Completas de William Shakespeare em 97 minutos" e uma sessão especial no São Luiz, no dia 23, assinalará este aniversário, com o primeiro elenco (já teve cinco) que a representou: Simão Rubin, Manuel Mendes e João Carracedo. A estreia foi a 24 de Novembro de 1996 em Portimão. Quatro dias depois foi a vez de Lisboa. Desde aí, não mais parou. E continua em cena às terças e quartas no Teatro Estúdio Mário Viegas. Se ainda não viu, não perca. Se já viu, volte a ver. Vale a pena. Você tem-me cavalgado,

seu safado!

Você tem-me cavalgado,

mas nem por isso me pôs

a pensar como você. Que uma coisa pensa o cavalo;

outra quem está a montá-lo. Alexandre O'Neill,

A História da Moral Nicolau Santos Texto publicado na edição do Expresso de 14 de Novembro de 2009 O que vem aí é dantesco Nicolau Santos (www.expresso.pt) 8:00 Segunda feira, 9 de novembro de 2009 Os optimistas que me desculpem, mas preocupação é fundamental. Os dados divulgados esta semana sobre a economia portuguesa têm um lado positivo a curto prazo (a recessão será este ano menor que o esperado e menos má que a média europeia) mas outro muito negativo quando se olha para os próximos dois anos. Com efeito, quando se perspectivam 2010 e 2011, o cenário deixa-nos de cabelos em pé. Primeiro, confirma-se a tendência que vem de trás: vamos demorar mais tempo a sair da crise do que a União Europeia e registar crescimentos anémicos nos próximos anos. As outras duas tendências pesadas serão o disparo da dívida pública e a persistência do défice orçamental em valores muito elevados. Para se fazer ideia de quão preocupante é esta evolução, recorde-se a previsão de Bruxelas sobre a dívida pública em percentagem do PIB: 77,4% em 2009, 84,6% em 2010 e 91,1% em 2011! Em 2002, este valor era de 55,5%. Ora o Pacto de Estabilidade e Crescimento estabelece que a dívida pública não deverá ultrapassar 60% do PIB. E Bruxelas vai dar cada vez mais atenção à dívida e menos aos défices, porque os governos em dificuldades não hesitam em retirar do perímetro de consolidação orçamental tudo o que possam. O Executivo de José Sócrates não tem sido peco nesta matéria. Nestes últimos anos tem-se assistido, como bem lembra o ex-ministro das Finanças Eduardo Catroga, em artigo que publicaremos para a semana, a um emagrecimento contabilístico do universo do Sector Público Administrativo (SPA), com a transformação de órgãos das administrações públicas em empresas ou entes públicos empresariais; e suborçamentação sistemática das indemnizações compensatórias pelo serviço público prestado pelas empresas públicas de transporte e das transferências para os hospitais, diminuindo artificialmente o défice público anual. É um truque clássico que, como se disse, merecerá cada vez mais atenção de Bruxelas nos próximos anos, sobretudo em países com elevados défices orçamentais. E nós deveremos estar, segundo a Comissão Europeia, com um défice de 8% este ano e no próximo e de 8,7% em 2011. Ou, de acordo com Catroga, um défice actual já acima dos 10% e uma dívida pública total (directa e indirecta) acima de 100% do PIB. Vejamos então o cardápio de remédios que o FMI receita para voltarmos a cumprir em 2030 (!) os 60% da dívida em relação ao PIB: não renovar as medidas de combate à crise, congelar em termos reais a despesa pública per capita com saúde e pensões durante dez anos (!) e reforçar as receitas fiscais através do alargamento da base tributária, do combate à evasão e aumento dos impostos (!). Junte-se a isto o apelo por parte de vários economistas e do próprio Banco de Portugal para que se verifique uma grande moderação salarial, sob pena de aumentos salariais acima dos ganhos de produtividade de cada empresa se tornarem "fábricas de desemprego" no futuro próximo, segundo Silva Lopes. E acrescente-se a previsão de que a banca portuguesa vai ter um ano muito difícil em 2010, com o agravamento do incumprimento, sobretudo no crédito concedido às PME, que vão ser as mais afectadas pela crise económica, e que constituem mais de 95% do tecido empresarial português. Quer cenário mais dantesco? Por outras palavras, a nossa principal restrição é já e será ainda mais nos próximos anos o endividamento externo, a par de um crescimento insustentável da despesa pública. Ou travamos violentamente às quatro rodas ou alguém o fará por nós. E em nenhum dos casos o futuro será agradável. O BPN nunca foi nem será O BPN sempre foi um banco estranho no sistema financeiro. Era uma zebra no meio de cavalos. Chegava a pagar mais pelos depósitos que cobrava pelos créditos. Integrava um grupo onde coabitava com castanhas e vinhos. A gestão era unipessoal - e catastrófica. Oliveira Costa punha e dispunha a seu bel-prazer. O BPN tinha, portanto, o destino traçado. E só a crise internacional evitou que falisse como devia ter acontecido. Mas a nacionalização foi um erro colossal. Na verdade, o BPN tem um passado nebuloso, um presente instável e nenhum futuro. A CGD já lá injectou €3,5 mil milhões, um montante que dá suores frios. As insuficiências de capital ascendem a €1,8 mil milhões. A sangria de clientes e de depósitos não pára. A administração levanta processos aos trabalhadores para evitar a desmobilização. Ninguém acredita na marca BPN. Quem o comprar será pelos balcões. Só falta mesmo que a privatização atraia investidores de cariz duvidoso para o desastre ser absoluto. Já se pode investir em boas acções Já imaginou existir uma bolsa onde possa investir em projectos sociais? Uma bolsa onde não se ganhe dinheiro, onde as aplicações sejam donativos e onde o objectivo seja conseguir um lucro social? Ora desde esta semana já existe em Portugal a Bolsa de Valores Sociais (BVS), a primeira bolsa de activos sociais da Europa e a segunda no mundo. A iniciativa é da Altitude - associação brasileira fundadora da Bolsa de Valores Sociais de São Paulo - em colaboração com a Euronext Lisbon, Gulbenkian e Fundação EDP. Para já, conta com quatro projectos cotados. O primeiro visa determinar qual o impacto científico do Palhaço do Hospital (Doutor Palhaço) junto das crianças hospitalizadas. O segundo pretende produzir peças de design geneticamente alteradas, numa alusão aos portadores de Trissomia 21. O terceiro aponta para desenvolver técnicas modernas de produção de mel na Aldeia dos Chãos, na Serra dos Candeeiros, garantindo uma fonte de rendimento estável à comunidade. O quarto consiste na criação de um campus lúdico-pedagógico que promova a convivência em famílias com elementos toxicodependentes. Os melhores projectos serão os que receberem mais donativos. Mas quem ganhará seremos todos nós. Fizeram o que tinham de fazer Armando Vara demitiu-se da vice-presidência do BCP, na sequência de uma investigação da Polícia Judiciária de Aveiro sobre uma teia de tráfico de influências envolvendo um negociante de sucata e empresas públicas. Paulo Penedos cortou a avença que tinha com a PT na sequência do mesmo caso e após a PJ ter levado diverso material do local onde trabalhava na operadora telefónica. Pode debater-se se o deviam ter feito, já que a presunção de inocência deve manter-se até decisão em contrário. Mas, sobretudo no caso de Vara, a sua posição era muito desconfortável para o BCP. A decisão pode não ser alheia à minúcia do despacho do juiz de instrução, explicitando locais, datas e horas onde os factos ocorreram. Em qualquer caso, deve ser enaltecida e pode marcar um novo padrão de comportamento em responsáveis políticos e empresariais alvo de investigações judiciais. As pessoas têm direito ao seu bom nome. E isso só é possível se forem julgadas com celeridade. Ora nesta matéria é inquietante o passado da justiça (caso Portucale, Operação Furacão, etc.) ou o alerta de que o 'processo Face Oculta' se pode arrastar por sete anos. Não é admissível e sobretudo não é justo. Ao fim de sete anos, os danos para um inocente são irreparáveis. E para um culpado o castigo chega demasiado tarde. Uma "Inútil" indispensável Chamar "Inútil" a uma revista não parece boa ideia. E no entanto, nos tempos que correm, quantas pessoas não considerarão inútil uma revista que "pretende ser um terreno onde a experimentação do registo poético passe pelos ângulos, escadas, esquinas, becos e afagos da expressão artística, desconstruída pelas duplas mãos da palavra e da imagem"? É claro que não é para esses que este excelente livro-objecto se destina. E foi a pensar num mercado de nicho que terá não mais de 500 pessoas, de acordo com a tiragem, que Maria Quintans, Ana Lacerda e João Concha meteram mãos à obra. A ira é o tema do primeiro número e Olga Roriz a convidada central. €13. Esta é a ditosa pátria

minha amada. Não.

Nem é ditosa,

porque o não merece.

Nem minha amada,

porque é só madrasta.

Nem pátria minha,

porque eu não mereço

a pouca sorte

de ter nascido nela (...) Jorge de Sena - A Portugal Nicolau Santos Texto publicado na edição do Expresso de 7 de Novembro de 2009 No país dos agachadinhos Nicolau Santos (www.expresso.pt) 8:00 Segunda feira, 2 de novembro de 2009 Portugal é um país sui generis. Os primatas que por cá nascem andam de pé como o homo sapiens. Interiormente, contudo, quase todos vivem agachadinhos. Basta sentirem que alguma coisa que digam ou façam os pode prejudicar na sua vidinha e zás: do peito dos bravos lusitanos salta logo o 'homo agachadinhus' que trazem dentro deles. Mas o pior de tudo é desagradar ao padrinho. Isso é que nunca! Jamais! As consequências podem ser terríveis e muito duradouras! Os sinais da má formação congénita são os seguintes: quem devia falar, não fala; quem devia escrever, não escreve; quem devia opinar, não opina. Quem devia demitir-se, não se demite. Nem todos, contudo, sofrem do mal. Eis cinco exemplos de que assim é. Jorge Tomé, representante da Caixa no Comité de Investimentos da PT, disse e manteve que não aprovou nem ratificou o investimento de €35 milhões que a PT Prestações fez em fundos da Ongoing. Perante as afirmações do presidente das sociedades gestoras de fundos de pensões da PT, Soares Carneiro, de que a aplicação tinha sido ratificada, afirmação corroborada por Rafael Mora, vice-presidente da Ongoing, fez o que tinha a fazer: bateu com a porta. Fernando Ulrich, presidente do BPI, também não poupou nas palavras. "Não é edificante ver actas do conselho da PT nos jornais cujos donos têm interesse na questão". É impossível ser mais claro. O recado vai direitinho para os dois representantes da Ongoing no conselho de administração da PT e para o director do "Diário Económico". Se ética e responsabilidade social são isto, estamos conversados. Henrique Granadeiro, chairman da PT, deu o corpo às balas no Expresso. Sobre a publicação das actas no "DE" disse que a PT foi vítima de um "acto terrorista", que considerou "indigno e uma violação grosseira do código ético da empresa" e que está instalado um clima de desconfiança à volta da mesa do conselho de administração. Deu toda a razão a Jorge Tomé, sobre a não aprovação nem ratificação do investimento nos fundos da Ongoing. E abriu a porta à demissão de Soares Carneiro. Pedro Santos Guerreiro, director do "Jornal de Negócios", foi muito claro. O problema, como escreveu, não se resume a Jorge Tomé versus Soares Carneiro, que "deve ter a estrutura de um invertebrado, pois continua calado e alapado". O desconforto está instalado no núcleo duro accionista da PT, que envolve BES, Caixa, Ongoing, Visabeira e Controlinvest. Ou, como bem titulou, "O Pecado Mora ao Lado". Paulo Ferreira, director-adjunto do "Público", foi muito duro. O que se conhece é apenas a ponta do icebergue. "O resto, mais escondido, são práticas empresariais pouco transparentes, trocas ilegítimas de favores, teias de interesses que se vão tecendo com o objectivo de sempre: mais do que ganhar dinheiro já, o que importa é ganhar poder, porque o dinheiro virá depois". É consolador descobrir que, no país dos agachadinhos, nem todos sofrem do problema congénito da raça. P.S. - O Montepio Geral aplicou €30 milhões no Fundo Ongoing International - Class A. Trata-se de um private equity, com um perfil de risco elevado e desajustado das aplicações que uma associação mutualista deveria fazer. A administração considera o caso um epifenómeno resultante do processo eleitoral em curso para aquela instituição. Mas está enganada. A aplicação existe, é a segunda mais importante do Montepio e obviamente merece uma explicação pública e cabal por parte de Tomás Correia e da sua equipa. Não o fazer é um erro - a não ser, claro, que não haja nenhuma justificação plausível.

(...) Senhores banqueiros sois a cidade o vosso enfarte serei não há cidade sem o parque do sono que vos roubei (...) Natália Correia - A Defesa do Poeta O BCP numa camisa de onze varas Depois da guerra fratricida entre accionistas, que deixou o BCP à beira do abismo, eis que agora o ovo da serpente foi chocado no próprio conselho de administração. A acusação de que o vice-presidente Armando Vara pode estar ligado a uma rede tentacular que visava assegurar negócios com grandes empresas do Estado é devastadora para o próprio, mas também para a instituição. O BCP vive no fio da navalha. Sobre ele paira o espectro da nacionalização ou do seu desmembramento. Agora ganhou mais uma camisa de onze varas. Não é só a acusação de envolvimento na tal rede. É a de ter recebido o dinheiro do suborno nas próprias instalações do banco onde é dirigente. A suspensão imediata de funções por parte de Armando Vara, até total esclarecimento das acusações, é a única solução que pode minorar as consequências de mais um caso devastador para o banco. Tudo o resto só servirá para desmoralizar um pouco mais todos os excelentes quadros do BCP. A melhor empresa do país Conduril. Já ouviu este nome, caro leitor? Provavelmente não. E, no entanto, esta empresa de construção civil foi considerada pela revista "Exame" como a empresa do ano, tendo recebido essa distinção durante o jantar anual das 500 Maiores & Melhores. Num ano em que toda a economia sofreu com a crise, e o sector de construção civil em particular, as vendas globais da Conduril cresceram 76%, atingindo €223 milhões. Grande parte do crescimento foi suportada pela aposta em mercados externos, como Angola, Moçambique e Marrocos, além da entrada no Botswana, com a adjudicação da auto-estrada Gaborone-Tlokweng, uma obra no valor de €40 milhões. O mérito foi atribuído pelo presidente da empresa, António Amorim Martins, aos seus colaboradores, no discurso com que agradeceu o prémio. Mas disse mais. Disse que o país precisa dos empresários portugueses e que os empresários portugueses não podem desistir de investir e arriscar, mesmo quando a situação é difícil. A mensagem é certeira. Portugal tem de acarinhar os seus empresários. Mas espera igualmente que eles façam o seu papel. Como investidores, empregadores, inovadores - mas transmitindo também valores éticos para a sociedade. O poderoso lóbi dos afectos O que leva três centenas de pessoas nascidas em Angola mas há mais de três décadas a viver em Portugal a reunirem-se ao fim da tarde de uma sexta-feira? O mero lançamento de um livro? Sim, mas não só. Antes e sobretudo o facto de estarem profundamente ligadas ao país onde nasceram. Um lóbi poderosíssimo, pensará o leitor. Não, de todo. Este lóbi é apenas de afectos. Não funciona para mais nada. Mas nesse aspecto têm uma enorme capacidade de atracção. E ali estavam Alexandre Relvas, Manuel José Passarinho, Margarida Mercês de Melo, Miguel Anacoreta Correia, Luís Palha, Marta Cochat Osório, Armando Dinis da Gama, José Maria Pimentel e tantos outros que passaram pelo Liceu Salvador Correia em Luanda. É certo que até 1974 os estudantes brancos sempre foram em muito maior número do que os negros e mestiços. Mas isso não impediu que algumas das mais altas figuras do Estado angolano, como Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos, Lúcio Lara e Diógenes Boavida tenham passado pelos bancos do liceu, a par de muitos outros que hoje ocupam posições de relevo na sociedade portuguesa. "Viva a Malta do Liceu!" é um livro incontornável, cheio de história e de histórias sobre os 90 anos do mais emblemático liceu de Angola. O sorriso na economia Não é fácil tornar a economia uma ciência interessante para os leigos. E não é fácil escrever sobre ela, mantendo o rigor dos conceitos mas descodificando-a para os iniciados. Mais difícil ainda é tornar divertida a compreensão dos fenómenos económicos, através de exemplos que todos compreendemos. É tudo isto que João Duque faz no seu livro "Da Bolsa e da Vida", onde repesca uma centena de crónicas publicadas no Expresso, além de outras publicações. Em todas elas, o leitor aprende e diverte-se. Ou não será surpreendente e divertido ler sobre Bocage, Enid Blyton, Bonnie e Clyde e Tony Soprano a propósito dos fenómenos económicos? Texto publicado na edição do Expresso de 31 de Outubro de 2009 Vamos pelo mesmo caminho Nicolau Santos (www.expresso.pt) 8:00 Segunda feira, 26 de outubro de 2009 Os titulares das pastas económicas do novo Governo permitem concluir que: 1) vai haver muito mais política nestas áreas que no anterior Governo; 2) vai haver uma capacidade muito maior de dinamizar a economia; 3) vai manter-se a aposta nos grandes projectos públicos de investimento; e 4) vai haver uma maior capacidade para encontrar consensos entre os mundos sindical e patronal. Vai haver mais política porque dois dos membros do núcleo duro do Governo (Teixeira dos Santos e Vieira da Silva) passam a estar nestas áreas (Finanças e Economia), contra apenas um antes. Vai haver uma maior capacidade de dinamizar a economia, porque Vieira da Silva, à frente da pasta da Economia, passa também a ser o responsável pelo QREN, o quadro comunitário de apoio, que estava antes no Ministério do Ambiente e nas mãos de Nunes da Silva, com péssimos resultados. Esta mudança é, aliás, o reconhecimento de que foi um erro concentrar os fundos comunitários naquele ministério. Vai manter-se a aposta nos grandes projectos públicos de investimento, porque o novo ministro das Obras Públicas, António Mendonça, é o primeiro subscritor do manifesto "Portugal necessita de investimento público estratégico. Parar é sacrificar o futuro", onde se critica violentamente outros economistas que defenderam uma pausa para repensar estes investimentos e se sustenta a aposta na ligação Lisboa-Madrid por TGV e no novo aeroporto internacional de Lisboa, em Alcochete. Finalmente, tendo em conta o mais que previsível agudizar da situação no mercado de trabalho, com o crescente aumento do desemprego, que pode vir a atingir 700 mil pessoas, era necessário uma pessoa com grande experiência e capacidade negocial, que possa encontrar consensos entre patronato e sindicatos - um perfil que encaixa como uma luva em Maria Helena André, responsável em Bruxelas há mais de uma década pelo Diálogo Social Europeu e Política Social Europeia, no âmbito das suas funções como secretária-geral-adjunta da Confederação Europeia de Sindicatos. Chega isto para garantir o sucesso económico do novo Governo? Não, de todo, até porque as mais recentes indicações mostram que o Executivo começou a fazer uma gestão política da área económica. A prova está não no Orçamento do Estado para 2010 que ainda não foi apresentado mas que, ao que tudo indica, será expansionista, uma orientação justificada pelas próprias recomendações que vêm dos organismos internacionais, como a Comissão Europeia e a OCDE. O problema está sim na base de que partimos, um défice orçamental de 5,9% no final deste ano, segundo assegura o ministro das Finanças. Teixeira dos Santos tem sido um excelente e credível ministro das Finanças, mas sabe muito melhor que nós que este é um défice virtual. Estamos muito acima disso. E estamos porque, com a aquiescência das Finanças, o Governo começou a fazer o que outros já puseram em prática em épocas anteriores e sempre com maus resultados: uma forte desorçamentação. O ministro sabe, por exemplo, que o passivo da Estradas de Portugal (EP) ultrapassou no final de Junho passado €15,2 mil milhões, o equivalente a quase 10% do PIB, segundo a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, o que equivale a um aumento de 1.391% relativamente ao final de 2007. Assim, em ano e meio, o passivo da empresa liderada por Almerindo Marques passou de 1.024 milhões de euros para mais de 15 mil milhões - como resultado de um conjunto de responsabilidades que estavam na órbita orçamental e passaram para as gavetas da Estradas de Portugal.

É um caminho perigoso este de esconder responsabilidades do Estado debaixo do tapete de empresas públicas e a prova de que estamos a entrar numa fase de gestão política da economia, o que acaba sempre mal. Este país não é para novos licenciados António Guterres declarou a sua paixão pela educação. Outros primeiros-ministros manifestaram também o seu acrisolado amor por esta área. E, no entanto, muitos dos licenciados que o país forma não encontram um emprego compatível com as suas habilitações e não têm outra opção se não emigrar. O país tornou-se assim uma enorme contradição. Portugal, que tanto precisa de elevar o nível geral de qualificação dos seus recursos humanos, vê muitos desses quadros serem empurrados para trabalhar no estrangeiro - e aí aplicar os conhecimentos que adquiriram nas universidades portuguesas, financiados pelos contribuintes nacionais. Os dados são aterradores. No início da década, 146 mil licenciados portugueses tinham emigrado, de acordo com o Banco Mundial. Dos 30 países da OCDE, Portugal é o terceiro mais afectado pela fuga de cérebros, a seguir à Irlanda e Nova Zelândia, um tema que foi muito discutido em relação aos países africanos. Quase 15% da nossa população qualificada vive no estrangeiro. Por outras palavras, cem licenciados deixam por mês o país para procurar emprego no estrangeiro. São 1200 por ano, mas o número está abaixo do real, já que leva apenas em conta os inscritos nos centros de emprego e que comunicaram a sua decisão de partir. E a hemorragia vai continuar, porque existem mais 44.700 licenciados que, no início deste ano, estavam a desempenhar trabalhos de baixa qualificação ou não qualificados, como operadores de centros de atendimento ou empregados de comércio e restauração - alguns dos quais se fartarão um dia e seguirão o mesmo caminho dos que já partiram. A extrema pobreza do país levou a que mais de um milhão de portugueses partissem em busca de uma vida melhor nas décadas de 50 e 60, primeiro em direcção ao Brasil, depois para França e Alemanha. Na década de 90, pelo contrário, tornámo-nos um país que acolheu milhares de emigrantes de outros países, sobretudo do Leste, mas também do Brasil e Cabo Verde, como resultado do nosso bom desempenho económico. Na década perdida de 2000 que agora se aproxima do fim voltámos a ser um país de emigração. Mas desta vez já não exportamos mão-de-obra desqualificada, mas sim quadros médios e superiores a quem Portugal não consegue oferecer condições de vida compatíveis com os seus conhecimentos e a sua formação. Não é a desertificação ambiental que mais nos afecta. É a desertificação intelectual que nos está a condenar a sermos um país pobre e sem expectativas para o futuro. Neste momento, este país não é para jovens licenciados. Esperemos que ainda seja possível inverter esta situação. A insidiosa maneira de enriquecer O leitor quer ficar rico sem ter de ler todos os livros que lhe permitem amealhar o seu primeiro milhão? Então, nada como olhar atentamente para a ascensão meteórica de alguns capitalistas da nossa praça para saber o que fazer. Primeiro, convém ter algum património, por exemplo uma casa que vale 500 mil euros. Pede um financiamento que representa dez vezes o dito património, uma alavancagem que os bancos consideram aceitável, desde que venha embrulhado num project finance. Mas para que quer €5 milhões, pergunta-lhe o banqueiro. Aí você diz-lhe que tem um projecto magnífico, a construção de um centro comercial no fundo do mar. Se o banqueiro olhar para si desconfiado, descanse-o. Diga-lhe que antes vai comprar acções de algumas das melhores empresas do PSI-20. E que vai pagar o financiamento com os dividendos que receberá dessas aplicações. E que dará como garantia as referidas acções. Ah, se as acções desvalorizarem, então o banco vende-as quando elas caírem abaixo de um determinado patamar e assim limita os prejuízos. O mais complicado é cair nas boas graças do banqueiro e conseguir que ele lhe conceda um financiamento desta dimensão. Como se sabe, para quem pede pouco dinheiro, as regras estão escritas e são aplicados por igual a todos os clientes. Mas para quem pede muitos milhões, a decisão passa inevitavelmente pelos presidentes. São eles que escolhem quem vai ficar rico no país. A estratégia, caro leitor, pode ser aperfeiçoada, criando uma empresa de gestão de carreiras e de modelos de governação empresarial. Depois vende os seus serviços às empresas onde está a pensar tornar-se accionista. Passa a ter um conhecimento aprofundado sobre os quadros médios e superiores e a ter influência no seu futuro profissional. O seu trabalho é tão reconhecido que pode mesmo integrar o comité de remunerações ou o comité de avaliação do modelo de corporate governance, o que lhe permitirá, claro, ter alguma capacidade de persuasão junto dos principais quadros dessas empresas, aqueles que depois tomam as decisões de investimento e de compra de serviços que o podem favorecer a si, caro leitor. Convém também controlar um ou mais meios de comunicação social. Permite-lhe ter canais para justificar a sua estratégia e utilizá-los como arma de arremesso para quem não alinha consigo. Convém também usá-los para apoiar o governo de plantão. É um bom cartão de visita para negócios com empresas onde o Estado tem influência. E pronto, caro leitor. Dá muito trabalho ser rico. Mas o mais difícil é que o banqueiro acredite em si e lhe empreste cinco, 50 ou 500 milhões. Depois, você e o dinheiro fazem o resto. Nicolau Santos Texto publicado na edição do Expresso de 24 de Outubro de 2009 Pág. 1 de 5 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | ... » Ver 10, 20, 50 resultados por pág.

Pág. 1 de 5 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | ... » Ver 10, 20, 50 resultados por pág. TGV, défice, dívida: as opções Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 31 de dezembro de 2009 Dizia-me esta semana o presidente português do ramo de uma grande multinacional instalada em Portugal: o TGV entre Lisboa e Madrid vai ser mais um argumento para as grandes empresas transnacionais se instalarem em Madrid e gerirem os mercados espanhol e português a partir daquela capital. Ora aqui está um argumento que certamente não entrou nas cogitações do Governo e de José Sócrates, que insistem nos grandes investimentos públicos, em particular do TGV (cujo concurso para o primeiro troço Caia-Poceirão já foi aliás adjudicado), como forma de relançar a economia. Mesmo descontando o facto de com a ligação a Lisboa, Madrid se tornar o indiscutível centro da Península Ibérica - o que, obviamente, e sob qualquer ponto de vista, não será benéfico para os interesses nacionais - não deixa de ser surpreendente como o Governo insiste na construção do TGV contra todas as evidências. Em primeiro lugar, muito mais que uma ligação para passageiros, o país precisa desesperadamente é de boas ligações rodoviárias de mercadorias a Espanha e ao resto da Europa, que potenciem os nossos portos, em particular Sines. Em segundo, o país precisa desesperadamente de investimento estruturante (e o TGV até pode sê-lo), mas que tenha uma forte componente nacional, que crie empregos duradouros e qualificados e que alavanque as nossas exportações. O TGV não faz nada disto. Assim como não contribui para a redução do nosso desequilíbrio externo. Pelo contrário, vai agravá-lo. Finalmente, o TGV passará a ser no futuro um encargo para as novas gerações, porque como já se percebeu (e todos os estudos previsionais apontam nesse sentido) a maior parte das ligações previstas será deficitária, à semelhança do que acontece com a actividade da CP, Refer ou Carris. Ora quer o Governo e José Sócrates queiram ou não, Portugal será fortemente pressionado em 2010 pela Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e agências de notação para tomar medidas que corrijam o défice orçamental, a dívida pública e o endividamento externo. E isso quer dizer que o Estado, os bancos e as empresas terão dificuldades acrescidas para captar financiamentos internacionais e que eles terão condições cada vez mais gravosas. A Moody's desceu esta semana a notação para a dívida da Grécia. Outras agências não tardarão em segui-la. E infelizmente os mercados anglo-saxónicos fazem a ligação da situação grega com a de Portugal, a que juntam também Irlanda e Espanha, países a que pejorativamente apelidam de PIGS, as iniciais dos quatro Estados-membros. Não há, pois, volta a dar. Temos de demonstrar, como aqui se escreveu a semana passada, que não somos a Grécia. Como? Tomando medidas concretas no Orçamento do Estado para 2010, mas também em relação a projectos que estão em carteira, como o TGV. Temos, aliás, a cobertura do presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, para adiar esse investimento - e contaremos com o bom senso de Bruxelas quando dissermos que postergamos o projecto para voltar rapidamente a um défice abaixo dos 3% e a uma dívida inferior a 60% do PIB. O artigo da semana passada de Daniel Bessa no Expresso era arrasador. Vamos ter de reduzir em dez mil milhões de euros por ano o défice orçamental para chegar a 3% do PIB em 2012. Dava várias alternativas, entre as quais subir o IVA para 35%, ou o IRS para 87%; ou reduzir em 47% os salários da função pública; ou privatizar 35% dos serviços públicos. Depois, claro, há várias combinações destas opções extremas. Mas o recado é evidente. O país não entra nos eixos sem grandes sacrifícios e opções muito difíceis. E não tenhamos dúvidas. Se não formos nós a tomarmos essas opções, alguém nos obrigará a fazê-lo. Como a UBS ajoelhou

Os Bastidores de Um Escândalo" é um livro que explica como um dos mais sólidos bancos suíços esteve à beira de implodir em 2008. Myret Zaki, a autora, não tem dúvidas: no cerne do problema está o fracasso do UBS AG de Zurique em exercer uma autoridade hierárquica sobre as suas equipas do UBS Investment Bank em Nova Iorque e em Stanford. Marcel Ospel, o então presidente do UBS, contratou especialistas norte-americanos, com perfil de corretores ou de dealmakers, que ganhavam milhões, apostando em actividades especulativas. A integração desses resultados permitia aos altos gestores do UBS maximizar os próprios salários. E assim estes não se mostravam demasiado esquisitos em relação aos riscos que aqueles faziam o banco correr - e que se traduziram numa exposição a activos tóxicos da ordem dos 50 mil milhões de dólares. O resultado sabe-se: a 16 de Outubro de 2008, a Confederação Suíça e o Banco Nacional da Suíça vieram em ajuda do UBS com um pacote de 60 mil milhões de dólares, Ospel demitiu-se e o banco regressou às suas áreas tradicionais: gestão de fortunas; banca de retalho; e banca comercial. Pelo meio, fica a política de Alan Greenspan à frente da FED, que potenciou o desastre. O frio e o aquecimento

Está um frio de rachar e em Copenhaga os dirigentes mundiais discutiram imenso o aquecimento do clima. Está um frio de rachar e não se percebe porque é que, se o aquecimento global é tão evidente, foi necessário apresentar um filme a abrir a conferência em que uma menina vive sucessivos pesadelos climáticos. Está um frio de rachar, mas Phil Jones, o responsável pelo banco de dados do Climate Research Unit, teve de se demitir, depois de hackers terem entrado no seu computador e divulgado e-mails em que se prova que manipulou dados por forma a que se registasse em 2000 uma subida inusitada e repentina de calor. Está um frio de rachar mas os EUA só vão reduzir em 3% as suas emissões de CO2 até 2020. Está um frio de rachar e em Copenhaga a União Europeia fez o papel da tia pateta na festa, ao prometer cortar as emissões em 20% ou mesmo 30%...Está um frio de rachar. Olha quem investe!

Investimento Directo Estrangeiro, IDE. Nos anos 80 tivemos a Renault. Nos anos 90, a Ford/ Volkswagen. Foram investimentos estruturantes para a economia portuguesa, que permitiram a criação de uma indústria nacional de componentes para automóveis. É esse tipo de investimentos que precisamos como de pão para a boca: com uma alta componente exportadora, que criem postos de trabalho qualificados e que integrem uma forte componente nacional. Nem todos cumprem estes requisitos. Como aqui se referiu a semana passada, a fábrica de baterias de iões de lítio da Renault-Nissan, que vai arrancar em Cacia, terá uma componente nacional reduzidíssima, quase todos os seus elementos serão importados e a produção das células será exclusivamente feita no Japão. Para lá destes aspectos, emerge agora um outro. O investimento estrangeiro a sério que o país tem conseguido atrair nos últimos anos vem, na quase totalidade, de fora da Europa e dos Estados Unidos - e, dentro destes, dos que falam português: Angola, sobretudo, e Brasil. Esta semana tivemos mais dois exemplos: a OPA da Companhia Nacional Siderúrgica do Brasil sobre a Cimpor, a maior cimenteira portuguesa, e a tomada de 10% da ZON pela empresária angolana Isabel dos Santos. A conclusão admissível é que Portugal pode estar a emergir como um primeiro passo do processo da internacionalização de empresas desses países, um trunfo que pode e deve ser potenciado. Há, no entanto, diferenças que convém não ignorar. E uma delas é que, enquanto o investimento brasileiro tem também apostado na criação de estruturas de raiz (a plataforma logística, a fábrica da Embraer), o investimento angolano concentra-se unicamente até agora na tomada de participações financeiras em bancos (BCP, BPI), empresas petrolíferas (Galp) ou de telecomunicações (ZON) - e não é nada de esperar que altere este padrão de comportamento. Por isso, faz sentido utilizar esta abertura de Portugal ao investimento angolano, para obter certas vantagens para o investimento e as exportações portuguesas para Angola. E quem melhor que Isabel dos Santos ou Manuel Vicente, presidente da Sonangol, para sensibilizar o poder político angolano para estas questões? Uma coisa é certa: continuamos a atrair investimento estrangeiro. O futuro dirá se é este que nos interessa. Nicolau Santos Texto publicado na edição do Expresso de 24 de Dezembro de 2009 Amarrados à tragédia grega Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:01 Quinta feira, 24 de dezembro de 2009 Governo e oposição não estão a ver bem o filme no qual vamos ser um dos principais protagonistas em 2010. E assim entretém-se a aprovar o casamento dos homossexuais e a discutir a regionalização, entre outras matérias de grande importância para a Pátria. Tudo isto, contudo, não esconde a realidade, como o demonstra, de forma nua e crua, Daniel Bessa na crónica que escreve na primeira página deste Caderno. Vamos ter de reduzir o défice do Estado em dez mil milhões de euros ao ano para chegar aos 3% em 2012. E conter a dívida pública que cresce dois milhões a cada hora que passa. É com estes temas que os políticos deviam estar preocupados. E deviam porque estamos a caminhar em cima de um arame, que começa a estar demasiado escorregadio. Na verdade, já não bastava que as agências internacionais de rating nos tivessem descido a notação da República e da dívida pública nos últimos meses. Esta semana, a Moody's deu um passo em frente e num relatório sobre os dez temas que irão dominar a análise de risco em 2010 dedicam um deles, em exclusivo, à Grécia... e a Portugal. Bem tenho clamado contra a soberba das agências de rating, que falharam em toda a linha nesta crise e ainda não pediram desculpa; ou contra o seu enviesamento anglo-saxónico. Pouco adianta. São elas que continuam a marcar o modo como financiadores e investidores olham para a capacidade dos Estados solverem os seus compromissos. E, perante essas análises, os investidores ou compram dívida ou se desfazem dela. Agora, a Moody's deu um passo em frente e liga a nossa situação à tragédia grega. É injusto? É. Mas vamos ter de lidar com isso. E quanto mais cedo apresentarmos medidas que nos diferenciem da tragédia grega, melhor. Lá, o primeiro-ministro Papandreu anunciou um pacote de medidas que incluem uma redução de 10% nas despesas, o congelamento dos salários de base acima dos 2000 euros e um travão de novas contratações em 2010. E o que aconteceu? Os mercados consideraram as medidas insuficientes, desataram a livrar-se de títulos de dívida grega e as taxas de juro das obrigações de tesouro helénicas passaram o diferencial de 250 pontos face às congéneres alemãs (as taxas para as obrigações portuguesas apresentavam um diferencial de 71 pontos na terça-feira). Pois apesar da diferença das situações, a Moody's (e as outras agências de rating) insistem em olhar para nós como um irmão da Grécia - o que quer dizer que, se eles entrarem pelo cano, pedindo uma moratória para pagamento dos seus compromissos internacionais, a seguir os óculos estarão todos focados neste rectângulo. Não temos, por isso, grandes hipóteses de assobiar para o lado e dizer que não somos descendentes de Sócrates (do filósofo, não do nosso primeiro-ministro). Ou damos provas que não é assim ou então ninguém acredita. E as provas têm de estar todas no Orçamento do Estado para 2010, o que quer dizer que será erradíssimo pensar que o Governo pode elaborar um orçamento laxista, com o argumento de que ainda estamos a viver em crise. É verdade que estamos. Mas tudo será ainda mais agravado se a Grécia implodir. Por isso, temos de nos distinguir liminarmente da situação grega, através de um orçamento draconiano. Há várias soluções. Uma é 'à la irlandesa': corte de 20% do salário do primeiro-ministro e de 10% dos funcionários públicos. Outra é a solução Eduardo Catroga: congelamento da despesa pública total em valor absoluto por dois a três anos. A terceira passa pelo aumento de impostos, nomeadamente do IVA e do IRS. A quarta é uma mistura destas várias medidas. E, claro, teremos de suspender ou adiar investimentos públicos, que apenas potenciam o aumento das importações e que não estimulam a produção interna. Uma coisa é certa: temos de dar sinais inequívocos de que não somos gregos nem participamos na tragédia que eles estão a viver. E isso implica decisões duras e grandes sacrifícios já em 2010 - mesmo que a agitação social cresça fortemente. Porque assim teremos agitação social mas uma solução a prazo. E se hesitarmos teremos à mesma agitação social - e nenhuma solução para sair do buraco. Uma história de sucesso Nos últimos anos, o sector português de calçado protagoniza uma relativamente desconhecida história de grande sucesso. A revolução aconteceu quando a indústria se viu confrontada com a saída massiva das grandes empresas internacionais de calçado como resultado das profundas alterações do mercado mundial, nomeadamente a queda das últimas barreiras ao comércio e a afirmação de grandes países produtores como a China. Ao contrário do que poderia ter acontecido, os produtores nacionais de calçado reagiram. Reequiparam tecnologicamente as suas empresas, orientaram-se para segmentos de mercado de maior valor acrescentado (Portugal apresenta uma forte especialização no segmento do calçado de couro e, dentro deste, no calçado para senhora, segmentos tendencialmente de maior valor acrescentado) e, em vez de aceitarem ser meros replicadores de modelos concebidos por quem os subcontratava, muitos deles criaram as suas próprias marcas. Outros indicadores significativos: o valor bruto da produção por trabalhador ultrapassou pela primeira vez em 2008 os 37 mil euros; do total da produção, 96% são exportados; e também pela primeira vez no ano passado, o preço médio por par de calçado exportado atingiu a casa dos 20 euros, o que situa Portugal entre os exportadores que conseguem cobrar preços mais elevados a nível mundial. Além disso, o sector apresenta a mais alta taxa de cobertura das importações pelas exportações de toda a indústria nacional. Como se chegou aqui? Pois, pasme-se, através do Plano Estratégico da Indústria do Calçado 2007/13, um documento que teve contributos da APICCAPS, do tecido empresarial e de agentes privados e públicos. Que foi levado à prática e resultou. Não é espantoso e exemplar que tal tenha sido possível? Dar ao BPP uma hipótese No caso Banco Privado Português, a intervenção do Estado tem sido pior do que se tivesse deixado a gestão e os accionistas resolverem o problema quando ele se colocou. Mas o ministro das Finanças deu o dito ("o BPP não tem risco sistémico") por não dito quando se descobriu que entre os clientes havia instituições de misericórdias, caixas de crédito agrícola e bancos estrangeiros. Desde aí, tudo tem sido trágico: há clientes com as poupanças congeladas há mais de um ano, enquanto outros receberam o seu dinheiro; houve discriminação entre os clientes do retorno absoluto do BPP e do BPN; a administração, nomeada pelo Banco de Portugal, apresentou três planos de recuperação do BPP, todos chumbados pelas Finanças, e está demissionária desde Agosto; e o plano apresentado por Vasco d'Orey foi liminarmente rejeitado. Ora como o Estado meteu a mão por baixo, o mínimo que agora pode fazer é encontrar a solução que melhor defenda os contribuintes e os clientes. Nesse sentido, parece razoável dar uma oportunidade à solução proposta por Vasco d'Orey, bem estruturada e que, mesmo que corra mal, parece ser melhor para os cofres do Estado do que aquela para a qual se está a avançar. O frio e o aquecimento Está um frio de rachar e em Copenhaga discutem-se medidas para travar o aquecimento do clima. Está um frio de rachar e eu não percebo porque é que, se o aquecimento global é tão evidente, se torna necessário apresentar um filme a abrir a conferência em que uma menina vive sucessivos pesadelos climáticos. Está um frio de rachar, mas Phil Jones, o responsável pelo banco de dados do Climate Research Unit, teve de se demitir, depois de hackers terem entrado no seu computador e no de outros membros da sua equipa e divulgado e-mails em que se prova que manipularam dados por forma a que se registasse em 2000 uma subida inusitada e repentina de calor. Está um frio de rachar e eu tenho a certeza de que há alterações climáticas, mas estou confuso quanto à responsabilidade do homem no aumento do CO2 que produz o aquecimento global. Está um frio de rachar... "A mim, o brilho fascina-me.

E as pessoas

estão a perder o brilho.

A desilusão é tão grande

que as pessoas

perdem pouco a pouco

o brilho, a luz.

Não há luz

nos olhos das pessoas.

O circo, de certa forma,

devolve às pessoas

o brilho perdido". Teresa Ricou, em "Tété - Estória da Pré-História do Chapitô 1946/1987" Nicolau Santos Texto publicado na edição do Expresso de 19 de Dezembro de 2009 Os melhores pessimistas Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:01 Quinta feira, 17 de dezembro de 2009 Portugal está na cauda da Europa em muitos indicadores económicos e sociais, mas há um onde estamos seguramente entre os primeiros: na qualidade dos nossos pessimistas. Na verdade, todos temos de reconhecer que os nossos pessimistas são do melhor que há no mundo. Um pessimista português é uma autoridade: quando fala sobre o país não fica pedra sobre pedra. Não há passado que nos salve, presente que se veja e futuro que nos acalente. É claro que os nossos pessimistas nos poderiam dar sugestões de como sairmos desta apagada e vil tristeza. Mas nessa não caem eles. Pessimista que se preza demonstra que isto está péssimo - mas acrescenta que não há salvação. Vem isto a propósito da recente entrevista de António Barreto ao "i", cujo título é desde logo arrasador: "Portugal está à beira da irrelevância, talvez do desaparecimento". A entrevista não é, contudo, tão negativa. Mas o recado está dado. Ora eu não cometo a injustiça de equiparar as críticas de António Barreto às de Medina Carreira ou de Vasco Pulido Valente, cujas profecias, se se cumprissem, deveriam ter conduzido já há muito à extinção de Portugal e dos portugueses. Com efeito, há três anos assisti a uma conferência onde Barreto traçou a evolução da sociedade portuguesa desde 1974, onde começou logo por afirmar que "o sentido de mudança dos primeiros 20/30 anos deste período foi sempre de progresso e no sentido positivo". Ora quais foram, segundo Barreto, as mais notáveis mudanças na sociedade portuguesa neste período? Elencou vinte pontos. 1) População: Portugal conheceu um fenómeno de miscigenação e de pluralidade étnica, religiosa e de costumes (saíram 2,5 milhões de pessoas mas vieram 1,5 milhões); 2) A esperança de vida registou "um aumento incrível" (nos homens passou de 60 para 64 anos, nas mulheres de 65 para 80); 3) o ritmo de envelhecimento foi o mais rápido da Europa (tínhamos o maior número de jovens e o menor número de idosos; hoje é o contrário); 4) A mortalidade infantil e materna "desceram inacreditavelmente" (tínhamos 80 mortos por mil nascimento; hoje temos quatro por mil, a quarta mortalidade infantil do mundo e terceira da Europa); 5) Portugal tinha as mais altas taxas de natalidade e fecundidade - hoje são das mais baixas da Europa; 6) houve uma fortíssima alteração das estruturas familiares (divórcios, segundos casamentos, uniões de facto, famílias unipessoais); 7) há 30 anos havia 15% de mulheres na vida activa; hoje são 50%; 8) as mulheres não podiam ter passaporte ou alugar casa sem autorização do marido; hoje têm direitos iguais; 9) fortíssimo e muito rápido declínio do sector primário (de 30% para 5% da população activa na agricultura); explosão do sector dos serviços e estagnação do sector secundário; 10) litoralização do país; 11) despovoamento de grande parte do interior; 12) universalização dos cuidados de saúde pública; 13) universalização da educação e o fim do analfabetismo ("nos anos 60/70, Portugal tinha a taxa de analfabetismo da Inglaterra do séc. XIX"; 14) universalização da segurança social ("800 mil pessoas, rurais e empregadas domésticas, entraram na Segurança Social no tempo de Marcelo Caetano"; 16) décadas de melhoria constante dos padrões de consumo, de rendimento e de bem-estar das famílias; 17) estabelecimento dos valores e regras de cidadania ("nos últimos 30 anos existe um real consenso à volta do regime democrático"; 18) Portugal, que era uma sociedade muito homogénea, tornou-se plural, a nível das raças, religiões e ética; 19) Portugal tornou-se uma sociedade mais igual que há 30 anos; "todas as classes sociais viram aumentar os seus níveis de conforto", embora ao mesmo tempo nos tenhamos tornado o país mais desigual da União Europeia; 20) Portugal tornou-se um país como os outros - uma sociedade europeia sem analfabetismo, ditadura, trabalho infantil, etc. Depois de ouvir tudo isto, ficamos com a certeza absoluta de que o país progrediu extraordinariamente nos últimos 30 anos, embora tenha havido apostas que correram bem e outras mal, como na justiça e educação. Mas o balanço global é francamente positivo - António Barreto dixit. Baterias: os sins e os mas A fábrica de baterias de iões de lítio da Renault-Nissan para carros eléctricos vai ficar em Cacia. É sempre de saudar um investimento estrangeiro, para mais nesta altura, que vai criar 200 empregos qualificados e cuja produção se destina à exportação. Cumpre, no entanto, fazer algumas ressalvas. A primeira é a de que terá de ser importada a quase totalidade dos produtos necessários para produzir as baterias, em particular as células de iões de lítio, que serão exclusivamente fabricadas no Japão - o que quer dizer que o valor acrescentado nacional será muito pequeno. A segunda é que a fábrica de Cacia será monofornecedor e monocliente, o que a torna extremamente vulnerável a flutuações de mercado. E a terceira é que a fábrica vai ficar instalada numa unidade já existente, o que pode querer dizer que pelo menos parte dos postos de trabalho criados pode ser apenas reconversão dos já existentes. Contudo, é sempre melhor ter este investimento que não o ter, até porque nos coloca com um pé numa das indústrias do futuro. Em qualquer caso, um grande projecto nacional seria a reconversão dos nossos 7 milhões de veículos convencionais para veículos eléctricos, uma ideia de Pedro Sena da Silva. Aí sim, quem saía a ganhar era a inovação indústria nacional, o que faria toda a diferença. A Aerosoles e os sapatos do defunto Depois da ascensão, a queda. A Aerosoles, que já foi uma marca internacional de sucesso de uma empresa portuguesa (ainda a semana passada vi uma loja em Milão), vai desaparecer. As razões do insucesso terão sido uma estratégia comercial sobredimensionada. Mas não é isso que se pede às empresas portuguesas? Que criem marcas próprias e que as vendam por canais autónomos no exterior? Parece que não. Para salvar a Investvar, que produzia aquela marca, foi delineado por parte do Estado e dos principais credores uma estratégia que passa por deixar cair a marca Aerosoles, meter no congelador a marca Move On, que a ia substituir, pela alienação da área comercial e por apostar na subcontratação. Ou seja, sem marca própria, sem as 115 lojas que detém em 12 países, incluindo Portugal, e apostando apenas na área industrial, o grupo espera sobreviver melhor do que até agora, contrariando tudo o que qualquer guru de pacotilha recomendaria a uma empresa de calçado. No final, hão-de sobrar os sapatos do defunto. Arquitectura e Liberdade Em 2008, a polémica em torno da demolição do mercado de Kinanxixe, o mais emblemático da capital angolana, desenhado pelo arquitecto Vasco Vieira da Costa em 1950, veio mostrar a necessidade de uma reflexão sobre o valor do património construído em África pelos portugueses. Ao contrário das razões anticoloniais dos que foram a favor da demolição, o Kinaxixe e outros edifícios constituem expressões de liberdade criativa de um leque significativo de jovens arquitectos portugueses, formados nas Escolas de Belas Artes de Lisboa e Porto no final da década de 40 e início da década de 50, que afirmaram nas ex-colónias portuguesas uma modernidade que não era possível em Portugal continental, onde a ortodoxia dos modelos arquitectónicos oficiais veiculados pelo Estado Novo era esmagadoramente imperiosa. É a história de 12 obras emblemáticas construídas em quatro cidades africanas (Luanda, Lobito, Maputo e Beira) que são retratadas em "Moderno Tropical - Arquitectura em Angola e Moçambique 1948-1975", livro da autoria de Ana Magalhães (texto) e Inês Gonçalves (responsável pelas magníficas fotografias), das Edições Tinta da China. Para quem gosta de África, arquitectura e liberdade, um livro a não perder e que a memória de todos os que passaram por África agradece. A Cosec ou outro recuo Governo lá segue de recuo em recuo. Depois dos recuos na avaliação dos professores, nas taxas moderadoras, no subsídio de desemprego e nos chips nas matrículas, eis que surge o ministro da Economia a afirmar que a nacionalização da Cosec já não é indispensável. Recorde-se que a 13 de Maio, não na Cova da Iria mas no Parlamento, o primeiro-ministro anunciou a renacionalização da seguradora "para garantir às empresas exportadoras nacionais um acesso ao seguro de crédito". Não se percebeu a decisão, porque o negócio da Cosec é fazer seguros de crédito. Vieira da Silva diz agora que "o indispensável é que os empresários e exportadores tenham acesso a mecanismos de seguro das suas exportações, que estão a ser dificultados pela conjuntura" - uma verdade tão actual hoje como há sete meses, quando o Governo anunciou a renacionalização da Cosec. Um olhar furtivo

por certo sabiamente encaixotado procura-te por toda a parte

e é África que responde por ti

lá do ponto mais perigoso do labirinto

onde nem o Minotauro vem

aquecer com o seu bafo

o teu tiritar convulsivo(...) (...)Nas extensas praias da foz

cada bago de areia era uma palavra

a que não sabíamos responder. Artur do Cruzeiro Seixas Nicolau Santos Texto publicado na edição do Expresso de 12 de Dezembro de 2009 O FMI não muda. Nem nós Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:01 Quinta feira, 10 de dezembro de 2009 Nos anos 80, país em dificuldades de solver os seus compromissos externos que fosse obrigado a recorrer ao apoio do Fundo Monetário Internacional, já conhecia de cor a receita, mesmo antes de os homens sem rosto desembarcarem no aeroporto da capital: desvalorização da moeda, subida dos impostos e das taxas de juro, cortes salariais, liberalização dos despedimentos. Claro que a estes programas draconianos aplicados por Governos que não tinham outra instituição internacional a que recorrer para obter empréstimos seguia-se uma prolongada agitação social, com greves, manifestações, fortalecimento dos partidos extremistas e, em certos casos, a emergência mesmo de movimentos de guerrilha. Passaram os anos, mudaram as realidades, com a implosão do bloco soviético e o nascimento da União Europeia, mas no fundo, no fundo, o Fundo continua agarrado à sua cartilha. É claro que, sobretudo na Europa, já não há moedas nacionais e a política monetária também é decidida em Bruxelas, estando os Estados-membros abrigados debaixo do grande guarda-chuva europeu e, por essa via, salvos das receitas do Fundo. Mas este, se não pode actuar, insiste em dizer o que se deve fazer. E assim eis-nos confrontados por estes dias com a forma como o FMI nos obrigaria a resolver os nossos problemas, se por acaso lhe tivéssemos de pedir dinheiro - e aceitar os conselhos. Primeira parte do plano: aumentar a receita, através da redução das deduções fiscais e da subida do IVA. Segunda parte: reduzir a despesa corrente primária, actuando sobre a factura dos salários dos funcionários públicos e controlar as despesas com a saúde e com as reformas. Trocando em miúdos, o que o FMI propõe é que os aumentos dos funcionários públicos em 2010 sejam muito reduzidos ou nulos, tendo em conta "o aumento real significativo em 2009 e a necessidade de dar um sinal de restrição ao sector privado". O que o Fundo não diz é que o tal aumento real significativo dos funcionários públicos em 2009 seguiu-se a três anos de congelamento salarial, o mesmo acontecendo nas promoções e na progressão nas carreiras. Mais hilariante, se não desse vontade de chorar, é o facto de o Fundo sublinhar que "os grandes aumentos planeados para o salário mínimo parecem agora ainda mais desajustados em relação aos fundamentos económicos, devendo ser reconsiderados". O FMI considera, portanto, que um salário mínimo de 450 euros em 2009, de 465 euros em 2010 e de 500 euros em 2011 é um exagero - embora não explique o que leva uma empresa que queira operar no mercado a não conseguir pagar a um trabalhador o que se paga a uma empregada doméstica. Quanto às pensões, o aumento decidido para 2010 visando evitar que a aplicação da fórmula de cálculo levasse à redução do seu valor devido à inflação negativa em 2009, é considerado problemático pelos rapazes do Fundo, que avisam ser "muito importante que se trate de uma medida pontual, cujos efeitos futuros devem ser compensados". Eis, pois, o FMI em todo o seu esplendor: o reequilíbrio do país deve ser pago pelos trabalhadores, pelos reformados e pelos doentes. O que quer dizer que, passem as anos que passarem, mudem os presidentes que mudarem, o Fundo há-de ser sempre o Minotauro que, no seu labirinto, guarda a mais pura ortodoxia financeira do mundo, contra qualquer Teseu que o queira desafiar. Ou seja, o FMI não muda nem aprende. Mas em boa verdade, e para sermos justos, também devemos dizer o mesmo de nós: não mudamos nem aprendemos em matéria de boa gestão das contas públicas e dos equilíbrios macroeconómicos do país. E sempre que nos metemos no labirinto, nunca levamos o fio de Ariadne que nos há-de salvar. Por isso, com regularidade, lá temos de ouvir a receita que o Fundo nos aplicaria se lhe fôssemos pedir dinheiro. Felizmente, a União Europeia evita-nos essa humilhação. Mas há muita gente que lê o que o Fundo escreve. E no fundo, no fundo, vão obrigar-nos a aplicar a receita do Fundo. Não esquecer o Dubai Eis uma boa e uma má notícia. A boa é que, depois de tudo o que se passou com inúmeros bancos que colapsaram durante a recente crise, os reguladores de diversos países, sob os auspícios do Financial Stability Board, resolveram colocar trancas nas portas. E assim elaboraram a lista dos grupos financeiros que apresentam risco sistémico, o tal que pode colocar em causa não só o sistema financeiro de um país como lançar caos nos mercados internacionais. Estas instituições serão alvo de uma supervisão cruzada. Aí vai a listinha: Bank of America Merrill Lynch, Citigroup, Goldman Sachs, JPMorgan Chase, Morgan Stanley, Royal Bank of Canada, Barclays, HSBC, Royal Bank of Scotland, Standard Chartered, Crédit Suisse, UBS, BNP Paribas, Société Générale, BBVA, Santander, Mitsubishi UFJ, Mizuho, Nomura, Sumitomo Mitsui, Banca Intesa, UniCredit, Deutsche Bank, ING, além das seguradoras, Aegon, Allianz, Aviva, Axa, Swiss Re, Zurich. Esta é a boa notícia. A má é que mesmo os matulões podem entrar em falência. No ar fica apenas uma perguntinha: e não valia a pena incluir algumas instituições de países produtores de petróleo? É que a decisão da Dubai World, o maior conglomerado empresarial daquele emirado, de suspender pagamentos, também deixou o mundo em estado de pânico. As razões de Oliveira Martins Guilherme d'Oliveira Martins, presidente do Tribunal de Contas (TC), é um homem que cumpre escrupulosamente a lei. Na semana passada, critiquei o facto de o TC ter demorado dez meses a dar o visto prévio à construção da auto-estrada do Douro Interior, quando dispõe de 30 dias úteis para o fazer. Mas aqui estou a dar a mão à palmatória. Com efeito, os prazos são interrompidos cada vez que o processo sai para um pedido de esclarecimentos. No caso em apreço, o dossiê esteve dois dias no TC e saiu logo. A Estradas de Portugal (EP) pediu a prorrogação dos prazos por duas vezes e a Mota Engil demorou algum tempo a responder às questões que lhe foram colocadas. Tudo somado, acabamos nos dez meses. Mas as obras não pararam, porque a EP recorreu. E o parecer negativo pode ser ultrapassado pela apresentação de novo contrato, que tenha em conta os reparos do TC. O legislador, coitado, é que nunca deve ter pensado que um prazo de 30 dias se pudesse transformar em dez meses quando a obra vai a caminho do fim... Às turras por causa do BPP Quando, subitamente, em Novembro de 2008, João Rendeiro, então presidente do BPP, disse que o banco precisava de 750 milhões de euros, as autoridades de supervisão deveriam ter anunciado de imediato: 1) que o banco não tinha risco sistémico; 2) que se não conseguisse aquele montante, seria declarado insolvente. O ministro das Finanças disse, a quente, que não existia risco sistémico. Mas depois descobriu-se que entre os depositantes havia caixas agrícolas, instituições de misericórdia e bancos estrangeiros, Teixeira dos Santos deu o dito por não dito, o Banco de Portugal nomeou uma administração e ano e meio depois está tudo mais negro: o banco não tem salvação, porque perdeu credibilidade; a actual administração desde o Verão de 2009 que pede para sair; os clientes foram tratados de forma diferente e os que não receberam as suas aplicações estão pior do que se o banco tivesse encerrado; o ministro quer manter as contra-garantias, avaliadas em 670 milhões de euros, para salvaguardar o aval do Estado ao empréstimo de 450 milhões de euros que seis bancos concederam ao BPP; entre o Banco de Portugal e a CMVM houve um indisfarçável mal-estar devido à forma como deveriam ser tratados os clientes do retorno absoluto. E enquanto este jogo de elefantes se arrasta, há um ano que centenas de pessoas não podem aceder às suas poupanças. A moral da história é mais que conhecida: quando o mar bate na rocha... Mau, mau, Maria Pimeiro, Armando Vara teria recebido no seu gabinete 10 mil euros, entregues por Manuel Godinho, o principal arguido no Sucatagate, visando facilitar-lhe a vida em concursos de empresas públicas. O vice-presidente do BCP subiu na vida à sombra do primeiro-ministro, já esteve envolvido noutro caso polémico... Parecia admissível, embora o suborno fosse quatro vezes inferior ao que Vara recebe no BCP. Depois de ouvido pelo juiz: 1) em vez de dois crimes, sai acusado só de um; 2) a caução de vinte e cinco mil euros é pequena para quem está supostamente envolvido na tal complexa rede tentacular de corrupção; 3) no crime que se mantém, o que existe são indícios de indícios de indícios (Vara dixit). Onde é que já vimos este filme, que começa com uma montanha e acaba por parir um rato? E se sair rato, o que pensar de quem passou as informações à imprensa? Linchamento político? Não. Linchamento pessoal. Deixa-me sentar numa nuvem

A mais alta

E dar pontapés na lua

Que era como devia ter vivido

A vida toda

Dar pontapés

Até sentir um tal cansaço nas pernas

Que elas pudessem voar

Mas não é possível

Que tenho tonturas e quando

Olho para baixo

Vejo sempre planícies muito brancas

Intermináveis

Povoadas por uma enorme

quantidade de sombras(...) Mário-Henrique Leiria

"Deixa-me sentar numa nuvem" Nicolau Santos Texto publicado na edição do Expresso de 5 de Dezembro de 2009 O sucesso de Gago e da Cotec Nicolau Santos (www.expresso.pt) 0:01 Quinta feira, 3 de dezembro de 2009 Renato Correia. O nome não lhe diz nada. No entanto, fez algo de que o país precisa desesperadamente: inovar. Com o projecto Solução de Rotulagem em Braille para Deficientes Visuais ganhou o prémio Chairman's Award, que distingue um projecto inovador dentro do Grupo Sonae, onde Renato trabalha - prémio que lhe foi entregue por Belmiro de Azevedo. Aliás, o FINOV, Fórum de Inovação da Sonae é realizado anualmente e aí são apresentados e premiados projectos inovadores realizados nas várias empresas do grupo. Felizmente, a boa notícia nesta área não se restringe ao Grupo Sonae. Na verdade, constata-se um acréscimo contínuo do número de empresas portuguesas com actividades de Investigação e Desenvolvimento (I&D), que passou de 940 em 2005 para mais de 1700 em 2008. O investimento das empresas quase que triplica entre 2005 e 2008 e cresce 22% entre 2007 e 2008, alcançando €1,2 mil milhões. A despesa das empresas em I&D representa agora 0,76% do PIB (0,62% em 2007), significando cerca de metade da despesa nacional total nesta área. Em consequência, a despesa total do país em investigação atingiu 1,51% do PIB em 2008, um total de €2,5 mil milhões, valor que supera os níveis de despesa em I&D registados em Espanha (1,27%) e Irlanda (1,31%) em 2007. Como foi possível este milagre, num país avesso ao risco e à inovação? Em primeiro lugar, com uma medida de bom senso: a reintrodução no Verão de 2005 do sistema de incentivos fiscais à I&D nas empresas, SIFIDE, que foi actualizado e aperfeiçoado em 2008. O sistema possibilita uma dedução fiscal que pode atingir 82,5% do investimento em I&D e é um dos mais competitivos da Europa. Resultado: desde 2005 mais do que duplicou o número de empresas que a ele recorreram relativamente ao período 1997-2003. Em segundo, com a manutenção da política de apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico que vem sendo seguida por este Governo desde 2005 - e, o que não é menos importante, com a manutenção de Mariano Gago como ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior desde aquele ano, garantindo a coerência dessa política e a persistência nos objectivos. Esta é, aliás, a prova, mais uma, de que para obter resultados é necessário manter o rumo e é preciso tempo. E, em terceiro, a estes resultados não é indiferente o trabalho notável desenvolvido pela COTEC, no sentido de promover o esforço das empresas em I&D e Inovação, não esquecendo a alteração que conseguiu em Bruxelas sob a forma como em pequenas e médias empresas de países como Portugal, Espanha e Itália deve ser contabilizado o esforço em I&D. Os resultados estão aí: o número de patentes portuguesas registadas no Gabinete Europeu de Patentes, mais do que triplicou face a 2004; foram registados 1500 novos doutoramentos em 2008, mais 50% que em 2003, 51% dos quais realizados por mulheres; concretizaram-se 4,5 novos doutoramentos nas áreas de ciência e engenharia em cada dez mil habitantes entre os 25 e os 34 anos, alcançando-se a média europeia neste indicador; o número total de publicações científicas referenciadas internacionalmente quase que duplicou desde 2004; e o número de investigadores na população activa ascendeu a 7,2% em 2008, ultrapassando os níveis relativos de 2007 do Reino Unido, Alemanha e Holanda, assim como a média europeia de 5,8 investigadores por cada mil activos. Mas mais do que os resultados, é a tendência que conta. E a tendência vai no sentido excelente. Esperemos que a crise não a interrompa - porque é por esta via que sairemos da crise. Vamos ao pote de mel? Caro leitor, imagine que as suas dívidas aos bancos no fim de cada mês são quatro ou cinco vezes o seu salário; que as despesas com os miúdos, alimentação, carro, empregada, etc., fazem com que sobre sempre mês (e cada vez mais...) ao ordenado. E que se tiver aumento este ano é de 1,5% e olha lá! Você arrepela os cabelos, puxa pelas meninges e conclui que desta vez é que tem de ser. Vai ter mesmo de vender aquela caixa debruada a ouro e com brilhantes que a sua avó lhe deixou em herança - e esperar que entretanto as coisas melhorem. Pois agora, transfira este cenário para o país. Aumentar impostos? A gritaria será enorme. Cortar despesa? Dá um trabalhão e gritaria. Que fazer então? Você começa a olhar para o pote de mel, que lhe resolve metade do défice. Vai dar uma enorme polémica. Mas parece mesmo a solução ideal... O pior é se depois o défice e a dívida voltam a descarrilar e não há mais caixas para vender. Mas nessa altura só o povo será o mesmo. O Governo já será outro. Porque António Mota tem razão Mal ou bem, as empresas de obras públicas estão associadas às sucessivas derrapagens orçamentais dos projectos que executam. Centro Cultural de Belém, Casa da Música, ponte Vasco da Gama, metro do Porto são alguns dos exemplos do descontrolo a que se chegou e que o cidadão nunca consegue perceber se são da responsabilidade das construtoras ou do Estado, que coloca a concurso um projecto, a que depois soma sucessivas alterações. Contudo, na recente decisão do Tribunal de Contas de recusar o visto a dois troços de auto-estrada, quem tem toda a razão é o presidente da Mota-Engil. Com efeito, é inadmissível que obras que começaram há um ano sejam agora suspensas por uma decisão do TC, que contraria o acordo livremente assinado entre a entidade contratante (Estradas de Portugal) e a entidade construtora. E depois as parcerias público-privadas, como bem lembrou António Mota, foram aprovadas no Parlamento. Se o Estado entende que elas são lesivas do seu interesse, só tem de queixar-se de si próprio e dos seus representantes porque aprovaram uma mau diploma. Não pode é servir-se disso para colocar tudo em causa - até porque, no fim do dia, quem acaba sempre por pagar a factura é o contribuinte. Inov Contacto ou algo a correr bem! Sabe que todos os anos 550 jovens portugueses conseguem estágios profissionais no estrangeiro? E que esses estágios são solicitados metade por empresas portuguesas e metade por empresas estrangeiras? E que o referido programa foi distinguido como best practice na área do Management Development Programmes e sub-área Graduate Programmes por peritos internacionais? E que é considerado um case-study e faz parte de uma publicação de boas práticas da Entreprise and Industry Directorate-General da Comissão Europeia que visa apurar como as políticas públicas podem apoiar as PME no seu esforço de crescimento internacional? Pois é. Chama-se INOV Contacto - Estágios Internacionais para Jovens Quadros - e é promovido pelo Ministério da Economia, apoiado pela União Europeia e gerido pela AICEP. Funciona há vários anos e, devido ao seu sucesso, o Governo decidiu em Fevereiro de 2008 aumentar o número de estágios de pouco mais de 100 para 550. Nem tudo vai mal no reino de Portugal. Tété, alegria de lisboa Se o Chapitô é hoje um ex-líbris de Lisboa, uma espécie de Gulbenkian para as artes circenses, o jazz e outras, ponto de referência para inúmeros estrangeiros que visitam a capital portuguesa, deve-o sem dúvida a Teresa Ricou. Colam-lhe o rótulo de primeira mulher-palhaço do burgo. Foi-o e com inegável talento. Mas é muito mais do que isso - é a alma e o corpo de um espaço único de convívio multicultural (agora que acabou o B.Leza...) com uma vista deslumbrante sobre Lisboa. É a história dessa saga e o registo biográfico de Teresa Ricou que está plasmada em "Teté - A Estória da Pré-História do Chapitô", da autoria de Paula Moura Pinheiro (registo biográfico) e Maria João Brilhante (coordenação da pesquisa histórica), com concepção e design gráfico de Henrique Cayatte, um livro lançado ontem à noite no Chapitô. Seguir-se-ão "Chapitô - A História de um Projecto" e outro sobre História do Circo Contemporâneo em Portugal. Até lá e sempre, viva a Teresa Ricou! Aristóteles, visita da casa de minha avó,

não acharia esquisita esta forma de estar só

esta maneira de ser

contra a maneira do tempo

esta maneira de ver

o que o tempo tem por dentro (...) José Carlos Ary dos Santos - Arte Peripoética Nicolau Santos

Texto publicado na edição do Expresso de 28 de Novembro de 2009 Pessoas em que se pode confiar Nicolau Santos (www.expresso.pt) 8:00 Segunda feira, 23 de novembro de 2009 Com tanto escândalo jurídico-mediático, somos cada vez mais levados a pensar que não há indivíduo neste país que não seja corrupto ou corruptor. E como a esmagadora maioria dos processos se arrasta eternamente, acabando vários deles por prescrever, fica apenas o manto de suspeição - e nenhuma certeza se os arguidos são mesmo culpados ou se estão inocentes. Vai daí, têm toda a razão aqueles que dizem que a justiça hoje se faz mais por julgamentos populares através da comunicação social, a quem é passada informação seleccionada, do que nos tribunais. E provavelmente também têm razão aqueles que dizem que essa quebra sistemática do segredo de justiça serve aos próprios agentes judiciais para ocultarem as fragilidades da investigação - e obterem na praça pública aquilo que dificilmente conseguirão perante os juízes. Ora por muita razão que a Justiça tenha, não é possível manter sob suspeição durante anos todas as empresas e bancos envolvidos na 'Operação Furacão' ou na 'Operação Face Oculta'. Mas também é verdade que há instituições que aparecem sempre nestas embrulhadas - e outras que nunca integram estes pacotes. E daí se podem tirar muitas e frutuosas conclusões. O exercício que me propus fazer é elaborar uma lista de banqueiros, empresários e gestores que não tenham estado até agora envolvidos em nenhum processo deste tipo - e sobre os quais não nos passa pela cabeça que possam vir a estar. Se conseguirmos uma lista suficientemente grande e representativa, podemos alegrar-nos: a esmagadora maioria do país não é corrupta - nem estamos condenado a ser uma nova Sicília. Eis a minha lista (com exclusão de empresas controladas ou participadas pelo Estado ou onde existe uma 'golden share') - que, como todas as listas, terá falhas e omissões. Ossos do ofício. Alexandre Soares dos Santos e Luís Palha (Grupo Jerónimo Martins), Artur Santos Silva, Fernando Ulrich, António Domingues, Maria Celeste Hagatong e José Amaral (BPI), Carlos da Câmara Pestana (Grupo Itaú), Vítor Bento (SIBS). Nuno Amado (Santander Totta), Paulo Macedo (BCP), Paulo Pereira da Silva (Renova), José Manuel Fernandes (Frezite), Alexandre Relvas e Filipe de Botton (Logoplaste), António Carrapatoso e António Coimbra (Vodafone), Belmiro de Azevedo e Paulo Azevedo (Sonae), Rodrigo Costa (Zon), António Câmara (YDreams), José Dionísio e Jorge Baptista (Primavera), Vera Pires Coelho (Edifer), Ana Maria Caetano (Salvador Caetano), Jorge Armindo (Amorim Turismo), António Amorim Martins (Conduril), Carlos Rodrigues (Banco BIG) Carlos Moreira da Silva (BA Vidro), Estela Barbot (AGA), Pedro Queirós Pereira (Soporcel), Esmeralda Dourado (SAG), José Joaquim Oliveira (IBM), João Paulo Girbal (Aerolazer), António Lopes Seabra (Continental Mabor), António Murta (Enabler), António Ramalho (Unicre), Armindo Monteiro (Compta), António Costa Silva (Partex), Nuno Ribeiro da Silva (Endesa), Aníbal Fernandes (Enercon), Vasco de Mello (Brisa), Maria Cândida Rocha e Silva (Banco Carregosa), Isabel Ferreira (Banco Best), João Miranda (Frulact), Jorge Guimarães (Alert), Luís Portela (Bial), João Talone (Magnum Capital), João Picoito (Nokia Siemens Networks), Leitão Amaro (Nutroton), Luís Simões (Grupo Luís Simões), Rui Paiva (WeDo), Isabel Vaz (Espírito Santo Saúde), Luís Filipe Pereira (Efacec), Álvaro Portela (Sonae Sierra), Gonçalo Quadros /Critical). E, obviamente, além de muitos outros que mereciam aqui estar, Francisco Pinto Balsemão (Impresa). É uma excelente e sólida base para termos a certeza que os corruptos estão longe de ser a maioria dos empresários, gestores e banqueiros do país. Um flagelo que veio para ficar O desemprego é o maior flagelo que uma sociedade pode enfrentar. Porque é um desperdício de recursos humanos, muitos dos quais bem preparados. Porque é uma delapidação do saber acumulado. Porque mina a auto-estima de milhões de pessoas. Porque as torna mais inseguras e propensas a actos de desespero. E porque estar desempregado é uma vergonha e um anátema social.´ Os últimos números sobre o desemprego em Portugal são muito preocupantes. Certamente pelo valor que atingiu: 9,8% da população activa, atingindo mais de meio milhão de pessoas (547,7 mil). Mas se a este número se juntar 104 mil inactivos, o número trepa para 652 mil desempregados, ou seja, 11,7% da população activa. Mas estes números são mais preocupantes porque deverão continuar a crescer em 2010, devido ao desfasamento que existe entre o início da recuperação económica e a criação líquida de postos de trabalho, que só acontece quando a economia começa a crescer na casa dos 2% ao ano. Ora o crescimento previsto é de 0,3% em 2010... A questão crucial é, contudo, o que representa este aumento do desemprego. E, infelizmente, está longe de se poder afirmar que é o resultado de uma profunda reestruturação do nosso tecido produtivo. O que parece é que este desemprego é consequência da destruição de largos sectores da estrutura produtiva do país (bem como de investimentos estrangeiros), que não só não recuperarão como não serão substituídos por outros, pelo menos com a mesma capacidade de criar postos de trabalho na mesma ordem de grandeza. Com efeito, como o sector de serviços, aquele que mais postos de trabalho criou nas duas últimas décadas, foi dos mais atingidos pela crise e vai atravessar um período lento de recuperação, o que é possível esperar é que tenhamos de conviver com elevadas taxas de desemprego, acima dos dois dígitos, durante alguns anos; que, durante esse período, se acentuarão os movimentos de emigração de trabalhadores portugueses, sobretudo a fuga de cérebros (100 por mês), bem como a saída de imigrantes que tinham escolhido Portugal para viver e trabalhar; é também de esperar crescentes tensões sociais no mercado de trabalho, bem como uma pressão constante para crescimentos nulos ou mesmo quebras do poder de compra dos salários dos trabalhadores. Por isso, a concessão do subsídio de desemprego tem de ser acompanhado da exigência da formação profissional dos trabalhadores que o recebem. Pelo menos, há a esperança que com mais e melhores qualificações seja mais fácil encontrar emprego. Em Portugal - ou, se não for possível, no estrangeiro. Regular os que deviam regular O que leva o Governo a nomear para uma entidade reguladora uma pessoa que foi secretário de Estado-adjunto do primeiro-ministro? O que justifica essa nomeação se o nomeado não tem experiência que se conheça no sector que vai regular? Só há duas respostas. É um prémio; e uma maneira de o Governo passar a ter uma ponte no interior de uma entidade que por lei é, e por atitude deve ser, independente do Executivo. A pessoa em causa chama-se Filipe Baptista. O primeiro-ministro é José Sócrates. O presidente da Anacom é Amado da Silva. E só este saiu bem do processo, ao afirmar que "os estatutos da Anacom conferem tal capacidade de independência que, se um administrador quiser ser independente, é; se não quiser, não é". Mas a reflexão não se pode circunscrever a esta nomeação. É fundamental observar a tendência. E a tendência tem sido o Governo nomear para presidentes das entidades reguladoras pessoas com um perfil sistematicamente mais baixo que o dos seus antecessores (casos da AdC ou ERSE) ou invisíveis (caso do regulador da saúde). Ora, não se pode defender que o Estado deve ser cada vez mais regulador e menos interventor e depois fazer tudo para ter reguladores que importunem o poder o menos possível. Ganha a curto prazo o Governo. Perde a longo prazo o país. Cavaco devia conhecê-la Tem metro e meio, péssimo feitio, um dragão tatuado nas costas, piercings nas sobrancelhas e nas orelhas, um passado de maus tratos familiares e instituições psiquiátricas. É bissexual, sabe artes marciais e não hesita em matar os "maus". Ora, porque é que Cavaco Silva a devia conhecer? Porque, apesar de tudo isto, Lisbeth Salander é inteligentíssima, excelente investigadora e, sobretudo, uma hacker sobredotada, penetrando em sistemas informáticos da polícia ou de juízes. Mas, para descanso do PR, é apenas a personagem central da trilogia 'Millennium', do sueco Stieg Larsson, um enorme êxito em todo o mundo. Três livros que se lêem de um fôlego. O portugal futuro é um país

aonde o puro pássaro

é possível e sobre o leito

negro do asfalto da estrada

as profundas crianças

desenharão a giz

esse peixe da infância

que vem na enxurrada

e me parece

que se chama sável

Mas desenhem elas

o que desenharem

é essa a forma do meu país

e chamem elas

o que lhe chamarem

portugal será e lá serei feliz (...) Ruy Belo, 'O Portugal Futuro' Nicolau Santos Texto publicado na edição do Expresso de 21 de Novembro de 2009 Vermelhos de indignação Nicolau Santos (www.expresso.pt) 8:00 Segunda feira, 16 de novembro de 2009 Os contribuintes portugueses deveriam estar vermelhos de raiva e indignação. E deveriam porque têm sobejas razões para isso. Já todos estamos habituados às derrapagens nos custos das obras públicas, que depois são pagas através de mais impostos e todo o tipo de taxas que nos vêm buscar aos bolsos. Mas apesar de constatarmos, há muitos anos, situações deste tipo, continuamos todos à espera que as autoridades, não obstante a desfaçatez e pouca vergonha dos envolvidos, ponham um limite a estas derrapagens. Esperamos mal. Pelos vistos, estamos redondamente enganados. As últimas seis concessões de auto-estradas adjudicadas pela Estradas de Portugal apontavam para um custo total, segundo as estimativas iniciais do Governo, de €2790 milhões. A factura final, contudo, vai ficar em €3900 milhões. Ou seja, a módica derrapagem é de €1110 milhões, mais 39,7% que o inicialmente estimado! Valha-nos que o Tribunal de Contas (TC), dirigido por Guilherme de Oliveira Martins, recusou o visto a duas das concessões (Douro Interior e Transmontana), onde os custos cresceram 120 milhões e 177 milhões, respectivamente. E as outras quatro concessões (Baixo Tejo, Baixo Alentejo, Litoral Oeste e Algarve Litoral) aguardam o visto prévio do TC, pelo que podem vir a ter o mesmo destino. Contudo, a Estradas de Portugal vai recorrer. Ao fazê-lo, as obras podem continuar, embora não possa haver pagamentos. E como o tribunal vai demorar imenso tempo a decidir, quando a decisão for conhecida, mesmo que dê razão ao Tribunal de Contas, estaremos confrontados com um facto consumado: os novos troços de auto-estrada já concluídos ou quase, pelo que a sua suspensão será inviável - e, no caso contrário, o Estado terá de ressarcir os construtores pelo que já fizeram. Então, como é óbvio, mandará o bom senso que se decida que se concluam as obras, sob pena de a penalização para os contribuintes ser ainda maior: pagarem e não terem auto-estrada. E assim, mais uma vez, pagaremos o que não deveríamos pagar, não haverá responsáveis e tudo será considerado natural. Pois não é natural nem devemos conformar-nos com essa suposta naturalidade. A carga fiscal que pesa sobre todos nós é também resultado, em parte, deste tipo de situações. E estas parcerias público-privadas (PPP), sendo teoricamente uma boa ideia, têm vindo a constituir, na prática, um modelo muito desvantajoso para o Estado. As PPP realizadas, em curso ou projectadas (concessões rodoviárias e ferroviárias, construção de hospitais, aeroportos, tribunais e prisões e expansão das redes de metro de Lisboa e Porto) representam já encargos para todos os contribuintes da ordem dos 55 mil milhões, com elevada concentração temporal na próxima década (cálculos de Eduardo Catroga). Acresce que, da forma como as PPP têm funcionado, a maior parte dos benefícios fica do lado dos privados e todo ou quase todo o risco do lado dos contribuintes). E isso leva a que o sector empresarial privado e banca (nacional e estrangeira) apostem fortemente nestes projectos, de risco muito menor e ao abrigo da concorrência externa, em vez de o fazerem nos sectores dos bens e serviços transaccionáveis, ou seja, aqueles de que o país necessita como de pão para a boca para aumentar a sua competitividade externa. Está, pois, tudo errado na forma como funcionam as PPP e nos sinais que dão para os agentes económicos. E é inadmissível que não só não sirvam para melhorar a competitividade do país como contribuam para onerar a factura fiscal da actual e da próxima geração de contribuintes. PQP chega a líder europeu É um dos maiores investimentos industriais de sempre em Portugal. E torna o país líder europeu na produção de papéis finos de impressão e escrita não revestidos. Este feito é alcançado através da entrada em funcionamento da nova fábrica de papel do Grupo Portucel Soporcel, uma unidade que cria 350 novos postos de trabalho altamente qualificados e que representará 4% do total das exportações nacionais. É o tipo de investimento de que o país necessita desesperadamente, pois cria bens transaccionáveis de alto valor acrescentado e empregos de elevadas qualificações. Além do mais, a coragem de Pedro Queiroz Pereira investir €550 milhões nos tempos que correm é um enorme exemplo para todos os empresários. Não se chegou aqui por acaso. O então ministro da Economia, Augusto Mateus, apostou na integração da fileira do papel, através da fusão da Soporcel e Portucel. Contratou um gestor privado, Jorge Armindo, para a concretizar. E depois o Estado privatizou a empresa. Os resultados são a prova de que quando se sabe o que se quer, se define o objectivo e se encontram as pessoas para o concretizar, a probabilidade de êxito aumenta exponencialmente. Um exemplo para meditar. A Parque Escolar e o défice Não há economista que se preze que não defenda que o investimento público prioritário deve incidir, por exemplo, na reparação do parque escolar. E assim o Governo criou a Parque Escolar, que vai modernizar mais de 300 escolas e que, para isso, conta com financiamentos do BEI, que podem atingir mil milhões. Na primeira fase, a modernização de 26 escolas custará 330 milhões, na segunda 75 escolas importarão em 840 milhões e na terceira cem escolas exigirão um investimento de 1200 milhões. Estarão envolvidos 50 a 80 subempreiteiros e serão criados 20 a 25 mil empregos directos e indirectos. Tudo certo, portanto? Infelizmente, não. Todo este processo passa a latere do Orçamento do Estado, quer o investimento (que não é contabilizado como investimento público), quer as responsabilidades relativas ao endividamento. Mas deviam, porque na prática este projecto deve estar reflectivo no OE ou na dívida pública. Não o fazer significa desorçamentar. E maquilhar mais ainda as contas públicas. O risco moral das empresas A crise colocou sob os holofotes práticas empresariais que apareceram, em muitos casos, como injustas, imorais ou mesmo obscenas. Mas a história ensina-nos que, à onda de indignação popular que obrigou reguladores e governos a intervir, se seguirão tempos em que a lassidão de práticas voltará a ocorrer e os mesmos erros se repetirão. É sobre estes temas que João Talone reflecte num pequeno opúsculo com o título "O risco moral das organizações". Nele não se fazem acusações; escalpeliza-se o problema. Sublinha-se que existem comportamentos que não são éticos nem ilegais, mas que podem ser "justificados" pela defesa de "interesses superiores", dando origem a "riscos morais" que podem ter graves consequências para as organizações. Frisa-se que ao abrigo da Responsabilidade Social e Desenvolvimento Sustentável "têm sido praticados actos de puro nepotismo que mais não são que um 'Risco Moral' potencialmente grave". Sublinha-se que os líderes têm de adoptar uma conduta rigorosa e exigente, para poderem imprimir uma cultura de rigor ético nas organizações. Que não é a mesma coisa o carácter de independência de um administrador com um administrador independente. E muito mais. Um livrinho indispensável. 13 anos em cena é obra! Uma peça de teatro estar 13 anos em cena é obra! E se for teatro feito em Portugal por profissionais portugueses para o público português, esta longevidade é ainda mais extraordinária. A divertida peça chama-se "As Obras Completas de William Shakespeare em 97 minutos" e uma sessão especial no São Luiz, no dia 23, assinalará este aniversário, com o primeiro elenco (já teve cinco) que a representou: Simão Rubin, Manuel Mendes e João Carracedo. A estreia foi a 24 de Novembro de 1996 em Portimão. Quatro dias depois foi a vez de Lisboa. Desde aí, não mais parou. E continua em cena às terças e quartas no Teatro Estúdio Mário Viegas. Se ainda não viu, não perca. Se já viu, volte a ver. Vale a pena. Você tem-me cavalgado,

seu safado!

Você tem-me cavalgado,

mas nem por isso me pôs

a pensar como você. Que uma coisa pensa o cavalo;

outra quem está a montá-lo. Alexandre O'Neill,

A História da Moral Nicolau Santos Texto publicado na edição do Expresso de 14 de Novembro de 2009 O que vem aí é dantesco Nicolau Santos (www.expresso.pt) 8:00 Segunda feira, 9 de novembro de 2009 Os optimistas que me desculpem, mas preocupação é fundamental. Os dados divulgados esta semana sobre a economia portuguesa têm um lado positivo a curto prazo (a recessão será este ano menor que o esperado e menos má que a média europeia) mas outro muito negativo quando se olha para os próximos dois anos. Com efeito, quando se perspectivam 2010 e 2011, o cenário deixa-nos de cabelos em pé. Primeiro, confirma-se a tendência que vem de trás: vamos demorar mais tempo a sair da crise do que a União Europeia e registar crescimentos anémicos nos próximos anos. As outras duas tendências pesadas serão o disparo da dívida pública e a persistência do défice orçamental em valores muito elevados. Para se fazer ideia de quão preocupante é esta evolução, recorde-se a previsão de Bruxelas sobre a dívida pública em percentagem do PIB: 77,4% em 2009, 84,6% em 2010 e 91,1% em 2011! Em 2002, este valor era de 55,5%. Ora o Pacto de Estabilidade e Crescimento estabelece que a dívida pública não deverá ultrapassar 60% do PIB. E Bruxelas vai dar cada vez mais atenção à dívida e menos aos défices, porque os governos em dificuldades não hesitam em retirar do perímetro de consolidação orçamental tudo o que possam. O Executivo de José Sócrates não tem sido peco nesta matéria. Nestes últimos anos tem-se assistido, como bem lembra o ex-ministro das Finanças Eduardo Catroga, em artigo que publicaremos para a semana, a um emagrecimento contabilístico do universo do Sector Público Administrativo (SPA), com a transformação de órgãos das administrações públicas em empresas ou entes públicos empresariais; e suborçamentação sistemática das indemnizações compensatórias pelo serviço público prestado pelas empresas públicas de transporte e das transferências para os hospitais, diminuindo artificialmente o défice público anual. É um truque clássico que, como se disse, merecerá cada vez mais atenção de Bruxelas nos próximos anos, sobretudo em países com elevados défices orçamentais. E nós deveremos estar, segundo a Comissão Europeia, com um défice de 8% este ano e no próximo e de 8,7% em 2011. Ou, de acordo com Catroga, um défice actual já acima dos 10% e uma dívida pública total (directa e indirecta) acima de 100% do PIB. Vejamos então o cardápio de remédios que o FMI receita para voltarmos a cumprir em 2030 (!) os 60% da dívida em relação ao PIB: não renovar as medidas de combate à crise, congelar em termos reais a despesa pública per capita com saúde e pensões durante dez anos (!) e reforçar as receitas fiscais através do alargamento da base tributária, do combate à evasão e aumento dos impostos (!). Junte-se a isto o apelo por parte de vários economistas e do próprio Banco de Portugal para que se verifique uma grande moderação salarial, sob pena de aumentos salariais acima dos ganhos de produtividade de cada empresa se tornarem "fábricas de desemprego" no futuro próximo, segundo Silva Lopes. E acrescente-se a previsão de que a banca portuguesa vai ter um ano muito difícil em 2010, com o agravamento do incumprimento, sobretudo no crédito concedido às PME, que vão ser as mais afectadas pela crise económica, e que constituem mais de 95% do tecido empresarial português. Quer cenário mais dantesco? Por outras palavras, a nossa principal restrição é já e será ainda mais nos próximos anos o endividamento externo, a par de um crescimento insustentável da despesa pública. Ou travamos violentamente às quatro rodas ou alguém o fará por nós. E em nenhum dos casos o futuro será agradável. O BPN nunca foi nem será O BPN sempre foi um banco estranho no sistema financeiro. Era uma zebra no meio de cavalos. Chegava a pagar mais pelos depósitos que cobrava pelos créditos. Integrava um grupo onde coabitava com castanhas e vinhos. A gestão era unipessoal - e catastrófica. Oliveira Costa punha e dispunha a seu bel-prazer. O BPN tinha, portanto, o destino traçado. E só a crise internacional evitou que falisse como devia ter acontecido. Mas a nacionalização foi um erro colossal. Na verdade, o BPN tem um passado nebuloso, um presente instável e nenhum futuro. A CGD já lá injectou €3,5 mil milhões, um montante que dá suores frios. As insuficiências de capital ascendem a €1,8 mil milhões. A sangria de clientes e de depósitos não pára. A administração levanta processos aos trabalhadores para evitar a desmobilização. Ninguém acredita na marca BPN. Quem o comprar será pelos balcões. Só falta mesmo que a privatização atraia investidores de cariz duvidoso para o desastre ser absoluto. Já se pode investir em boas acções Já imaginou existir uma bolsa onde possa investir em projectos sociais? Uma bolsa onde não se ganhe dinheiro, onde as aplicações sejam donativos e onde o objectivo seja conseguir um lucro social? Ora desde esta semana já existe em Portugal a Bolsa de Valores Sociais (BVS), a primeira bolsa de activos sociais da Europa e a segunda no mundo. A iniciativa é da Altitude - associação brasileira fundadora da Bolsa de Valores Sociais de São Paulo - em colaboração com a Euronext Lisbon, Gulbenkian e Fundação EDP. Para já, conta com quatro projectos cotados. O primeiro visa determinar qual o impacto científico do Palhaço do Hospital (Doutor Palhaço) junto das crianças hospitalizadas. O segundo pretende produzir peças de design geneticamente alteradas, numa alusão aos portadores de Trissomia 21. O terceiro aponta para desenvolver técnicas modernas de produção de mel na Aldeia dos Chãos, na Serra dos Candeeiros, garantindo uma fonte de rendimento estável à comunidade. O quarto consiste na criação de um campus lúdico-pedagógico que promova a convivência em famílias com elementos toxicodependentes. Os melhores projectos serão os que receberem mais donativos. Mas quem ganhará seremos todos nós. Fizeram o que tinham de fazer Armando Vara demitiu-se da vice-presidência do BCP, na sequência de uma investigação da Polícia Judiciária de Aveiro sobre uma teia de tráfico de influências envolvendo um negociante de sucata e empresas públicas. Paulo Penedos cortou a avença que tinha com a PT na sequência do mesmo caso e após a PJ ter levado diverso material do local onde trabalhava na operadora telefónica. Pode debater-se se o deviam ter feito, já que a presunção de inocência deve manter-se até decisão em contrário. Mas, sobretudo no caso de Vara, a sua posição era muito desconfortável para o BCP. A decisão pode não ser alheia à minúcia do despacho do juiz de instrução, explicitando locais, datas e horas onde os factos ocorreram. Em qualquer caso, deve ser enaltecida e pode marcar um novo padrão de comportamento em responsáveis políticos e empresariais alvo de investigações judiciais. As pessoas têm direito ao seu bom nome. E isso só é possível se forem julgadas com celeridade. Ora nesta matéria é inquietante o passado da justiça (caso Portucale, Operação Furacão, etc.) ou o alerta de que o 'processo Face Oculta' se pode arrastar por sete anos. Não é admissível e sobretudo não é justo. Ao fim de sete anos, os danos para um inocente são irreparáveis. E para um culpado o castigo chega demasiado tarde. Uma "Inútil" indispensável Chamar "Inútil" a uma revista não parece boa ideia. E no entanto, nos tempos que correm, quantas pessoas não considerarão inútil uma revista que "pretende ser um terreno onde a experimentação do registo poético passe pelos ângulos, escadas, esquinas, becos e afagos da expressão artística, desconstruída pelas duplas mãos da palavra e da imagem"? É claro que não é para esses que este excelente livro-objecto se destina. E foi a pensar num mercado de nicho que terá não mais de 500 pessoas, de acordo com a tiragem, que Maria Quintans, Ana Lacerda e João Concha meteram mãos à obra. A ira é o tema do primeiro número e Olga Roriz a convidada central. €13. Esta é a ditosa pátria

minha amada. Não.

Nem é ditosa,

porque o não merece.

Nem minha amada,

porque é só madrasta.

Nem pátria minha,

porque eu não mereço

a pouca sorte

de ter nascido nela (...) Jorge de Sena - A Portugal Nicolau Santos Texto publicado na edição do Expresso de 7 de Novembro de 2009 No país dos agachadinhos Nicolau Santos (www.expresso.pt) 8:00 Segunda feira, 2 de novembro de 2009 Portugal é um país sui generis. Os primatas que por cá nascem andam de pé como o homo sapiens. Interiormente, contudo, quase todos vivem agachadinhos. Basta sentirem que alguma coisa que digam ou façam os pode prejudicar na sua vidinha e zás: do peito dos bravos lusitanos salta logo o 'homo agachadinhus' que trazem dentro deles. Mas o pior de tudo é desagradar ao padrinho. Isso é que nunca! Jamais! As consequências podem ser terríveis e muito duradouras! Os sinais da má formação congénita são os seguintes: quem devia falar, não fala; quem devia escrever, não escreve; quem devia opinar, não opina. Quem devia demitir-se, não se demite. Nem todos, contudo, sofrem do mal. Eis cinco exemplos de que assim é. Jorge Tomé, representante da Caixa no Comité de Investimentos da PT, disse e manteve que não aprovou nem ratificou o investimento de €35 milhões que a PT Prestações fez em fundos da Ongoing. Perante as afirmações do presidente das sociedades gestoras de fundos de pensões da PT, Soares Carneiro, de que a aplicação tinha sido ratificada, afirmação corroborada por Rafael Mora, vice-presidente da Ongoing, fez o que tinha a fazer: bateu com a porta. Fernando Ulrich, presidente do BPI, também não poupou nas palavras. "Não é edificante ver actas do conselho da PT nos jornais cujos donos têm interesse na questão". É impossível ser mais claro. O recado vai direitinho para os dois representantes da Ongoing no conselho de administração da PT e para o director do "Diário Económico". Se ética e responsabilidade social são isto, estamos conversados. Henrique Granadeiro, chairman da PT, deu o corpo às balas no Expresso. Sobre a publicação das actas no "DE" disse que a PT foi vítima de um "acto terrorista", que considerou "indigno e uma violação grosseira do código ético da empresa" e que está instalado um clima de desconfiança à volta da mesa do conselho de administração. Deu toda a razão a Jorge Tomé, sobre a não aprovação nem ratificação do investimento nos fundos da Ongoing. E abriu a porta à demissão de Soares Carneiro. Pedro Santos Guerreiro, director do "Jornal de Negócios", foi muito claro. O problema, como escreveu, não se resume a Jorge Tomé versus Soares Carneiro, que "deve ter a estrutura de um invertebrado, pois continua calado e alapado". O desconforto está instalado no núcleo duro accionista da PT, que envolve BES, Caixa, Ongoing, Visabeira e Controlinvest. Ou, como bem titulou, "O Pecado Mora ao Lado". Paulo Ferreira, director-adjunto do "Público", foi muito duro. O que se conhece é apenas a ponta do icebergue. "O resto, mais escondido, são práticas empresariais pouco transparentes, trocas ilegítimas de favores, teias de interesses que se vão tecendo com o objectivo de sempre: mais do que ganhar dinheiro já, o que importa é ganhar poder, porque o dinheiro virá depois". É consolador descobrir que, no país dos agachadinhos, nem todos sofrem do problema congénito da raça. P.S. - O Montepio Geral aplicou €30 milhões no Fundo Ongoing International - Class A. Trata-se de um private equity, com um perfil de risco elevado e desajustado das aplicações que uma associação mutualista deveria fazer. A administração considera o caso um epifenómeno resultante do processo eleitoral em curso para aquela instituição. Mas está enganada. A aplicação existe, é a segunda mais importante do Montepio e obviamente merece uma explicação pública e cabal por parte de Tomás Correia e da sua equipa. Não o fazer é um erro - a não ser, claro, que não haja nenhuma justificação plausível.

(...) Senhores banqueiros sois a cidade o vosso enfarte serei não há cidade sem o parque do sono que vos roubei (...) Natália Correia - A Defesa do Poeta O BCP numa camisa de onze varas Depois da guerra fratricida entre accionistas, que deixou o BCP à beira do abismo, eis que agora o ovo da serpente foi chocado no próprio conselho de administração. A acusação de que o vice-presidente Armando Vara pode estar ligado a uma rede tentacular que visava assegurar negócios com grandes empresas do Estado é devastadora para o próprio, mas também para a instituição. O BCP vive no fio da navalha. Sobre ele paira o espectro da nacionalização ou do seu desmembramento. Agora ganhou mais uma camisa de onze varas. Não é só a acusação de envolvimento na tal rede. É a de ter recebido o dinheiro do suborno nas próprias instalações do banco onde é dirigente. A suspensão imediata de funções por parte de Armando Vara, até total esclarecimento das acusações, é a única solução que pode minorar as consequências de mais um caso devastador para o banco. Tudo o resto só servirá para desmoralizar um pouco mais todos os excelentes quadros do BCP. A melhor empresa do país Conduril. Já ouviu este nome, caro leitor? Provavelmente não. E, no entanto, esta empresa de construção civil foi considerada pela revista "Exame" como a empresa do ano, tendo recebido essa distinção durante o jantar anual das 500 Maiores & Melhores. Num ano em que toda a economia sofreu com a crise, e o sector de construção civil em particular, as vendas globais da Conduril cresceram 76%, atingindo €223 milhões. Grande parte do crescimento foi suportada pela aposta em mercados externos, como Angola, Moçambique e Marrocos, além da entrada no Botswana, com a adjudicação da auto-estrada Gaborone-Tlokweng, uma obra no valor de €40 milhões. O mérito foi atribuído pelo presidente da empresa, António Amorim Martins, aos seus colaboradores, no discurso com que agradeceu o prémio. Mas disse mais. Disse que o país precisa dos empresários portugueses e que os empresários portugueses não podem desistir de investir e arriscar, mesmo quando a situação é difícil. A mensagem é certeira. Portugal tem de acarinhar os seus empresários. Mas espera igualmente que eles façam o seu papel. Como investidores, empregadores, inovadores - mas transmitindo também valores éticos para a sociedade. O poderoso lóbi dos afectos O que leva três centenas de pessoas nascidas em Angola mas há mais de três décadas a viver em Portugal a reunirem-se ao fim da tarde de uma sexta-feira? O mero lançamento de um livro? Sim, mas não só. Antes e sobretudo o facto de estarem profundamente ligadas ao país onde nasceram. Um lóbi poderosíssimo, pensará o leitor. Não, de todo. Este lóbi é apenas de afectos. Não funciona para mais nada. Mas nesse aspecto têm uma enorme capacidade de atracção. E ali estavam Alexandre Relvas, Manuel José Passarinho, Margarida Mercês de Melo, Miguel Anacoreta Correia, Luís Palha, Marta Cochat Osório, Armando Dinis da Gama, José Maria Pimentel e tantos outros que passaram pelo Liceu Salvador Correia em Luanda. É certo que até 1974 os estudantes brancos sempre foram em muito maior número do que os negros e mestiços. Mas isso não impediu que algumas das mais altas figuras do Estado angolano, como Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos, Lúcio Lara e Diógenes Boavida tenham passado pelos bancos do liceu, a par de muitos outros que hoje ocupam posições de relevo na sociedade portuguesa. "Viva a Malta do Liceu!" é um livro incontornável, cheio de história e de histórias sobre os 90 anos do mais emblemático liceu de Angola. O sorriso na economia Não é fácil tornar a economia uma ciência interessante para os leigos. E não é fácil escrever sobre ela, mantendo o rigor dos conceitos mas descodificando-a para os iniciados. Mais difícil ainda é tornar divertida a compreensão dos fenómenos económicos, através de exemplos que todos compreendemos. É tudo isto que João Duque faz no seu livro "Da Bolsa e da Vida", onde repesca uma centena de crónicas publicadas no Expresso, além de outras publicações. Em todas elas, o leitor aprende e diverte-se. Ou não será surpreendente e divertido ler sobre Bocage, Enid Blyton, Bonnie e Clyde e Tony Soprano a propósito dos fenómenos económicos? Texto publicado na edição do Expresso de 31 de Outubro de 2009 Vamos pelo mesmo caminho Nicolau Santos (www.expresso.pt) 8:00 Segunda feira, 26 de outubro de 2009 Os titulares das pastas económicas do novo Governo permitem concluir que: 1) vai haver muito mais política nestas áreas que no anterior Governo; 2) vai haver uma capacidade muito maior de dinamizar a economia; 3) vai manter-se a aposta nos grandes projectos públicos de investimento; e 4) vai haver uma maior capacidade para encontrar consensos entre os mundos sindical e patronal. Vai haver mais política porque dois dos membros do núcleo duro do Governo (Teixeira dos Santos e Vieira da Silva) passam a estar nestas áreas (Finanças e Economia), contra apenas um antes. Vai haver uma maior capacidade de dinamizar a economia, porque Vieira da Silva, à frente da pasta da Economia, passa também a ser o responsável pelo QREN, o quadro comunitário de apoio, que estava antes no Ministério do Ambiente e nas mãos de Nunes da Silva, com péssimos resultados. Esta mudança é, aliás, o reconhecimento de que foi um erro concentrar os fundos comunitários naquele ministério. Vai manter-se a aposta nos grandes projectos públicos de investimento, porque o novo ministro das Obras Públicas, António Mendonça, é o primeiro subscritor do manifesto "Portugal necessita de investimento público estratégico. Parar é sacrificar o futuro", onde se critica violentamente outros economistas que defenderam uma pausa para repensar estes investimentos e se sustenta a aposta na ligação Lisboa-Madrid por TGV e no novo aeroporto internacional de Lisboa, em Alcochete. Finalmente, tendo em conta o mais que previsível agudizar da situação no mercado de trabalho, com o crescente aumento do desemprego, que pode vir a atingir 700 mil pessoas, era necessário uma pessoa com grande experiência e capacidade negocial, que possa encontrar consensos entre patronato e sindicatos - um perfil que encaixa como uma luva em Maria Helena André, responsável em Bruxelas há mais de uma década pelo Diálogo Social Europeu e Política Social Europeia, no âmbito das suas funções como secretária-geral-adjunta da Confederação Europeia de Sindicatos. Chega isto para garantir o sucesso económico do novo Governo? Não, de todo, até porque as mais recentes indicações mostram que o Executivo começou a fazer uma gestão política da área económica. A prova está não no Orçamento do Estado para 2010 que ainda não foi apresentado mas que, ao que tudo indica, será expansionista, uma orientação justificada pelas próprias recomendações que vêm dos organismos internacionais, como a Comissão Europeia e a OCDE. O problema está sim na base de que partimos, um défice orçamental de 5,9% no final deste ano, segundo assegura o ministro das Finanças. Teixeira dos Santos tem sido um excelente e credível ministro das Finanças, mas sabe muito melhor que nós que este é um défice virtual. Estamos muito acima disso. E estamos porque, com a aquiescência das Finanças, o Governo começou a fazer o que outros já puseram em prática em épocas anteriores e sempre com maus resultados: uma forte desorçamentação. O ministro sabe, por exemplo, que o passivo da Estradas de Portugal (EP) ultrapassou no final de Junho passado €15,2 mil milhões, o equivalente a quase 10% do PIB, segundo a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, o que equivale a um aumento de 1.391% relativamente ao final de 2007. Assim, em ano e meio, o passivo da empresa liderada por Almerindo Marques passou de 1.024 milhões de euros para mais de 15 mil milhões - como resultado de um conjunto de responsabilidades que estavam na órbita orçamental e passaram para as gavetas da Estradas de Portugal.

É um caminho perigoso este de esconder responsabilidades do Estado debaixo do tapete de empresas públicas e a prova de que estamos a entrar numa fase de gestão política da economia, o que acaba sempre mal. Este país não é para novos licenciados António Guterres declarou a sua paixão pela educação. Outros primeiros-ministros manifestaram também o seu acrisolado amor por esta área. E, no entanto, muitos dos licenciados que o país forma não encontram um emprego compatível com as suas habilitações e não têm outra opção se não emigrar. O país tornou-se assim uma enorme contradição. Portugal, que tanto precisa de elevar o nível geral de qualificação dos seus recursos humanos, vê muitos desses quadros serem empurrados para trabalhar no estrangeiro - e aí aplicar os conhecimentos que adquiriram nas universidades portuguesas, financiados pelos contribuintes nacionais. Os dados são aterradores. No início da década, 146 mil licenciados portugueses tinham emigrado, de acordo com o Banco Mundial. Dos 30 países da OCDE, Portugal é o terceiro mais afectado pela fuga de cérebros, a seguir à Irlanda e Nova Zelândia, um tema que foi muito discutido em relação aos países africanos. Quase 15% da nossa população qualificada vive no estrangeiro. Por outras palavras, cem licenciados deixam por mês o país para procurar emprego no estrangeiro. São 1200 por ano, mas o número está abaixo do real, já que leva apenas em conta os inscritos nos centros de emprego e que comunicaram a sua decisão de partir. E a hemorragia vai continuar, porque existem mais 44.700 licenciados que, no início deste ano, estavam a desempenhar trabalhos de baixa qualificação ou não qualificados, como operadores de centros de atendimento ou empregados de comércio e restauração - alguns dos quais se fartarão um dia e seguirão o mesmo caminho dos que já partiram. A extrema pobreza do país levou a que mais de um milhão de portugueses partissem em busca de uma vida melhor nas décadas de 50 e 60, primeiro em direcção ao Brasil, depois para França e Alemanha. Na década de 90, pelo contrário, tornámo-nos um país que acolheu milhares de emigrantes de outros países, sobretudo do Leste, mas também do Brasil e Cabo Verde, como resultado do nosso bom desempenho económico. Na década perdida de 2000 que agora se aproxima do fim voltámos a ser um país de emigração. Mas desta vez já não exportamos mão-de-obra desqualificada, mas sim quadros médios e superiores a quem Portugal não consegue oferecer condições de vida compatíveis com os seus conhecimentos e a sua formação. Não é a desertificação ambiental que mais nos afecta. É a desertificação intelectual que nos está a condenar a sermos um país pobre e sem expectativas para o futuro. Neste momento, este país não é para jovens licenciados. Esperemos que ainda seja possível inverter esta situação. A insidiosa maneira de enriquecer O leitor quer ficar rico sem ter de ler todos os livros que lhe permitem amealhar o seu primeiro milhão? Então, nada como olhar atentamente para a ascensão meteórica de alguns capitalistas da nossa praça para saber o que fazer. Primeiro, convém ter algum património, por exemplo uma casa que vale 500 mil euros. Pede um financiamento que representa dez vezes o dito património, uma alavancagem que os bancos consideram aceitável, desde que venha embrulhado num project finance. Mas para que quer €5 milhões, pergunta-lhe o banqueiro. Aí você diz-lhe que tem um projecto magnífico, a construção de um centro comercial no fundo do mar. Se o banqueiro olhar para si desconfiado, descanse-o. Diga-lhe que antes vai comprar acções de algumas das melhores empresas do PSI-20. E que vai pagar o financiamento com os dividendos que receberá dessas aplicações. E que dará como garantia as referidas acções. Ah, se as acções desvalorizarem, então o banco vende-as quando elas caírem abaixo de um determinado patamar e assim limita os prejuízos. O mais complicado é cair nas boas graças do banqueiro e conseguir que ele lhe conceda um financiamento desta dimensão. Como se sabe, para quem pede pouco dinheiro, as regras estão escritas e são aplicados por igual a todos os clientes. Mas para quem pede muitos milhões, a decisão passa inevitavelmente pelos presidentes. São eles que escolhem quem vai ficar rico no país. A estratégia, caro leitor, pode ser aperfeiçoada, criando uma empresa de gestão de carreiras e de modelos de governação empresarial. Depois vende os seus serviços às empresas onde está a pensar tornar-se accionista. Passa a ter um conhecimento aprofundado sobre os quadros médios e superiores e a ter influência no seu futuro profissional. O seu trabalho é tão reconhecido que pode mesmo integrar o comité de remunerações ou o comité de avaliação do modelo de corporate governance, o que lhe permitirá, claro, ter alguma capacidade de persuasão junto dos principais quadros dessas empresas, aqueles que depois tomam as decisões de investimento e de compra de serviços que o podem favorecer a si, caro leitor. Convém também controlar um ou mais meios de comunicação social. Permite-lhe ter canais para justificar a sua estratégia e utilizá-los como arma de arremesso para quem não alinha consigo. Convém também usá-los para apoiar o governo de plantão. É um bom cartão de visita para negócios com empresas onde o Estado tem influência. E pronto, caro leitor. Dá muito trabalho ser rico. Mas o mais difícil é que o banqueiro acredite em si e lhe empreste cinco, 50 ou 500 milhões. Depois, você e o dinheiro fazem o resto. Nicolau Santos Texto publicado na edição do Expresso de 24 de Outubro de 2009 Pág. 1 de 5 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | ... » Ver 10, 20, 50 resultados por pág.

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