Há algo que, em abono da verdade, deve ser dito a propósito desta campanha eleitoral. Independentemente das candidaturas de energúmenos e dos eventos deploráveis que tiveram lugar no Porto, esta campanha foi aquela em que mais e melhor se discutiu a questão da corrupção nas autarquias. Honra seja feita, o Governo iniciou a discussão ao propor a limitação dos mandatos nas autarquias; e o surgimento das candidaturas independentes em Felgueiras, Amarante, Gondomar e Oeiras levaram a que o fenómeno da corrupção nas autarquias se tornasse visível, exposto que ficou a uma luz intensíssima e crua.Este debate é positivo. Permitiu que olhássemos para o fenómeno da corrupção autárquica com mais clareza, e revelou a extensão e a natureza dessa mesma corrupção (um terço das câmaras municipais estão a ser investigadas); os partidos, por seu turno, deram passos importantes para que alguma ética se instalasse na política autárquica, e os esforços de Marques Mendes para excluir gente como Valentim Loureiro e Isaltino de Morais merecem aplauso – tal como a exclusão de Narciso Miranda e de Manuel Seabra, no PS. Todos estes são sinais positivos.Mas depois há os sinais negativos. Vemos que o poder judicial é impotente para travar autarcas corruptos, e que a popularidade destes – a hipótese de Valentim, Isaltino, F. Felgueiras e F. Torres ganharem é fortemente plausível – constitui uma mostra de afronta e descrédito dos tribunais. Fica também patente que o caciquismo ainda está longe de estar extinto, e que há ainda muita gente que considera que todos os crimes dos autarcas podem ser perdoados, desde que mostrem «obra feita».Em todo o caso, há uma mudança de mentalidade que merece ser assinalada. O facto de o debate político ter hoje a corrupção como objecto é extremamente positivo, e pode contribuir para que a população se torne mais sensível aos valores da ética política e aprenda que a construção de uma rotunda não pode servir para encobrir «negociatas» com construtores civis e clubes de futebol. Talvez um dia a própria ideia de ter um presidente de câmara corrupto se torne intolerável para os munícipes, e acabem os espectáculos lamentáveis que são o acolhimento extático dos autarcas arguidos em processos penais pela população iludida por promessas e por «obra feita». Pelo menos é isto que eu espero – mas se calhar estou a ser demasiado optimista!
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Há algo que, em abono da verdade, deve ser dito a propósito desta campanha eleitoral. Independentemente das candidaturas de energúmenos e dos eventos deploráveis que tiveram lugar no Porto, esta campanha foi aquela em que mais e melhor se discutiu a questão da corrupção nas autarquias. Honra seja feita, o Governo iniciou a discussão ao propor a limitação dos mandatos nas autarquias; e o surgimento das candidaturas independentes em Felgueiras, Amarante, Gondomar e Oeiras levaram a que o fenómeno da corrupção nas autarquias se tornasse visível, exposto que ficou a uma luz intensíssima e crua.Este debate é positivo. Permitiu que olhássemos para o fenómeno da corrupção autárquica com mais clareza, e revelou a extensão e a natureza dessa mesma corrupção (um terço das câmaras municipais estão a ser investigadas); os partidos, por seu turno, deram passos importantes para que alguma ética se instalasse na política autárquica, e os esforços de Marques Mendes para excluir gente como Valentim Loureiro e Isaltino de Morais merecem aplauso – tal como a exclusão de Narciso Miranda e de Manuel Seabra, no PS. Todos estes são sinais positivos.Mas depois há os sinais negativos. Vemos que o poder judicial é impotente para travar autarcas corruptos, e que a popularidade destes – a hipótese de Valentim, Isaltino, F. Felgueiras e F. Torres ganharem é fortemente plausível – constitui uma mostra de afronta e descrédito dos tribunais. Fica também patente que o caciquismo ainda está longe de estar extinto, e que há ainda muita gente que considera que todos os crimes dos autarcas podem ser perdoados, desde que mostrem «obra feita».Em todo o caso, há uma mudança de mentalidade que merece ser assinalada. O facto de o debate político ter hoje a corrupção como objecto é extremamente positivo, e pode contribuir para que a população se torne mais sensível aos valores da ética política e aprenda que a construção de uma rotunda não pode servir para encobrir «negociatas» com construtores civis e clubes de futebol. Talvez um dia a própria ideia de ter um presidente de câmara corrupto se torne intolerável para os munícipes, e acabem os espectáculos lamentáveis que são o acolhimento extático dos autarcas arguidos em processos penais pela população iludida por promessas e por «obra feita». Pelo menos é isto que eu espero – mas se calhar estou a ser demasiado optimista!