A ver o mundo

18-11-2014
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No colóquio sobre PMA na Fundação Calouste Gulbenkian, os representantes de todos os grupos parlamentares mostraram abertura à aprovação da maternidade de substituição, em casos em que a mulher esteja fisicamente impossibilitada de gerar filhos, por motivos uterinos. «Preferimos a expressão maternidade de substituição [a barrigas de aluguer] devido aos riscos de mercantilização da vida humana», afirmou o deputado do PSD, acrescentando que aceitaria esta prática de PMA num casal heterossexual, «em caso de ausência de útero da mulher».

As leis são feitas para pessoas mas, quando a Assembleia da República discutir a maternidade de substituição, os deputados poderão não saber de quem estão falar. São homens e mulheres que escondem o desejo de ter um filho como se planeassem um crime e que aprenderam a calar-se para não se sentirem julgados. Fazem-no tão bem ou tão mal que vivem entre nós e não damos por eles.

Manuel liga para o número de telemóvel que lhe foi dado por um médico, que serviu de intermediário. Ele conhece o nome da jornalista a quem está a telefonar, mas ela não sabe o seu nome. Foi o combinado. No primeiro telefonema, diz que não decidiu ainda, se aceitará dar o seu testemunho. "A maior parte das pessoas não entende isto, nem sei se vale a pena explicar."

"Só quem lida com estas pessoas pode ter ideia do que isto significa. Mas pode-se sempre tentar imaginar a frustração e o sofrimento daqueles para quem esta é a única possibilidade de ter um filho", diz Vladimiro Silva, consultor da Direcção-Geral da Saúde para questões da procriação medicamente assistida e administrador de uma clínica, a Ferticentro, onde aquelas técnicas são aplicadas.

Este médico não sabe quantas pessoas poderão vir a beneficiar da alteração da lei. Aparentemente são poucas, mas a maior parte não procura as clínicas, por saber que a maternidade de substituição é ilegal. Outros fazem-no para se certificarem de que, para terem o seu filho genético, terão de se deslocar aos chamados paraísos reprodutivos.

"Basta ir à Internet: nos EUA há empresas mediadoras e gabinetes de advogados que tratam da escolha do Estado cuja lei melhor se adequa a cada situação, que fazem seguros de saúde para a mãe de substituição e que asseguram que não há problemas com a entrada da criança no país de origem dos pais biológicos. O casal não gasta menos de 100 mil euros", avalia Vladimiro Silva. Quem tem menos posses, diz, pode recorrer à Índia ou à Ucrânia, "onde o processo fica muito mais barato (cerca de 15 mil euros), mas a possibilidade de algo correr mal é muito maior".

Vladimiro Silva diz não saber indicar quem tenha passado por aquele processo. Na verdade, já é difícil arranjar quem admita ter pensado nele.

Os outros contactos com casais que desejam beneficiar da maternidade de substituição envolvem cautelas semelhantes às de Manuel. A insistência no pedido de anonimato, o discurso cuidadoso e a negação da esperança são elementos comuns. O mesmo acontece em relação aos dias de hesitações e à ressalva de que só falam porque "o momento é decisivo".Temem ser "julgados" - nunca discutiram o assunto com mais de quatro ou cinco pessoas (familiares directos ou amigos muito próximos). A maior parte daqueles com quem convivem nem sequer sabe que enfrentam problemas de fertilidade, quanto mais que são irresolúveis sem o recurso à "barriga de aluguer".

Via Público

No colóquio sobre PMA na Fundação Calouste Gulbenkian, os representantes de todos os grupos parlamentares mostraram abertura à aprovação da maternidade de substituição, em casos em que a mulher esteja fisicamente impossibilitada de gerar filhos, por motivos uterinos. «Preferimos a expressão maternidade de substituição [a barrigas de aluguer] devido aos riscos de mercantilização da vida humana», afirmou o deputado do PSD, acrescentando que aceitaria esta prática de PMA num casal heterossexual, «em caso de ausência de útero da mulher».

As leis são feitas para pessoas mas, quando a Assembleia da República discutir a maternidade de substituição, os deputados poderão não saber de quem estão falar. São homens e mulheres que escondem o desejo de ter um filho como se planeassem um crime e que aprenderam a calar-se para não se sentirem julgados. Fazem-no tão bem ou tão mal que vivem entre nós e não damos por eles.

Manuel liga para o número de telemóvel que lhe foi dado por um médico, que serviu de intermediário. Ele conhece o nome da jornalista a quem está a telefonar, mas ela não sabe o seu nome. Foi o combinado. No primeiro telefonema, diz que não decidiu ainda, se aceitará dar o seu testemunho. "A maior parte das pessoas não entende isto, nem sei se vale a pena explicar."

"Só quem lida com estas pessoas pode ter ideia do que isto significa. Mas pode-se sempre tentar imaginar a frustração e o sofrimento daqueles para quem esta é a única possibilidade de ter um filho", diz Vladimiro Silva, consultor da Direcção-Geral da Saúde para questões da procriação medicamente assistida e administrador de uma clínica, a Ferticentro, onde aquelas técnicas são aplicadas.

Este médico não sabe quantas pessoas poderão vir a beneficiar da alteração da lei. Aparentemente são poucas, mas a maior parte não procura as clínicas, por saber que a maternidade de substituição é ilegal. Outros fazem-no para se certificarem de que, para terem o seu filho genético, terão de se deslocar aos chamados paraísos reprodutivos.

"Basta ir à Internet: nos EUA há empresas mediadoras e gabinetes de advogados que tratam da escolha do Estado cuja lei melhor se adequa a cada situação, que fazem seguros de saúde para a mãe de substituição e que asseguram que não há problemas com a entrada da criança no país de origem dos pais biológicos. O casal não gasta menos de 100 mil euros", avalia Vladimiro Silva. Quem tem menos posses, diz, pode recorrer à Índia ou à Ucrânia, "onde o processo fica muito mais barato (cerca de 15 mil euros), mas a possibilidade de algo correr mal é muito maior".

Vladimiro Silva diz não saber indicar quem tenha passado por aquele processo. Na verdade, já é difícil arranjar quem admita ter pensado nele.

Os outros contactos com casais que desejam beneficiar da maternidade de substituição envolvem cautelas semelhantes às de Manuel. A insistência no pedido de anonimato, o discurso cuidadoso e a negação da esperança são elementos comuns. O mesmo acontece em relação aos dias de hesitações e à ressalva de que só falam porque "o momento é decisivo".Temem ser "julgados" - nunca discutiram o assunto com mais de quatro ou cinco pessoas (familiares directos ou amigos muito próximos). A maior parte daqueles com quem convivem nem sequer sabe que enfrentam problemas de fertilidade, quanto mais que são irresolúveis sem o recurso à "barriga de aluguer".

Via Público

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