Somos o país das Capelas Imperfeitas, não sabemos levar nada até ao fim

22-05-2014
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"Somos o país das Capelas Imperfeitas, não sabemos levar nada até ao fim"

14 Maio 2014, 09:55 por Filipe S. Fernandes

Para ter sucesso, um empreendedor deve saber muitíssimo do produto que quer vender

Manuel mota, presidente do Spinpark

Manuel Mota preside ao Spinpark e diz hoje qualquer empresa deve ter uma atitude empreendedora e considera "inconcebível que qualquer empresa não faça "bench-marking", por um lado, e por outro, não questione os seus clientes acerca da satisfação com os serviços que providencia". Manuel Mota licenciou-se em engenharia química pela Faculdade de Engenharia do Porto onde foi professor. Fez o doutoramento no INSA Toulouse (França). Em 1991 transferiu-se para a Universidade do Minho de que é professor emérito.

Quais são os principais atributos de um empreendedor ou de uma equipa para o lançamento de uma start-up?

Um professor da Sloan Business School do MIT, que me deu aulas sobre empreendedorismo, dizia que duas das características essenciais do empreendedorismo norte-americano eram bem representadas por dois dos jogos favoritos nos Estados Unidos. Um é o póquer e o outro é o besisebol. O póquer é o paradigma do risco calculado, enquanto que o beisebol é o paradigma da perseverança e da resiliência. Com efeito, os melhores batedores de beisebol têm taxas de sucesso inferiores a 50% na resposta aos "pitchers", mas sabem que só insistindo é que conseguem os "home-runs", que ganham os jogos. Os atributos podem ser resumidos nesta metáfora, mas incorporam também duas características essenciais, que são o conhecimento e o treino. Para um empreendedor ter probabilidade de sucesso, deve saber muitíssimo do produto que quer vender. Isso requer não só conhecimento teórico mas também prático.

O que é crucial num projecto de start-up? O produto? O "business plan"? A ideia?

De todos os pontos que indicou, sendo todos esses itens importantes, a experiência acumulada ao longo dos últimos 20 anos indica que o "business plan" é o menos importante.

A abordagem que se faz nos Estados Unidos é um tanto diferente da que se adopta em Portugal. Nos EUA, após o "pitch" com a ideia, os investidores potenciais fazem um interrogatório centrado nos produtos, no mercado-alvo, nos potenciais concorrentes, nas estimativas de produção, e se não foram quanto irão custar. Discute-se o montante de investimentos necessário. Presenciei reuniões entre empreendedores e financiadores em que nem sequer se falou em dinheiro. Estive também numa reunião em que um empreendedor, depois de apresentar a sua ideia, disse que precisava de 1 milhão de dólares e um investidor interessado achou que era pouco e que iria financiar o projecto com 2 milhões. Em Portugal seria ao contrário. Em geral, se o empreendedor pede 200, o investidor tudo faz para baixar a fasquia para 100. Depois aparecem os stresses de tesouraria, as falsas partidas, os atrasos no lançamento do produto.

Quais são as principais dificuldades para um empreendedor em Portugal?

As dificuldades em Portugal são imensas. Em primeiro lugar na constituição da empresa. É que a empresa na hora é um slogan interessante mas enganador. Porque o único acto que se faz na hora é a escolha, numa base de dados com nomes pré-registados, de um nome que se considere apropriado. Tudo o resto é difícil e moroso. Desde o registo comercial, à abertura de conta da empresa, à constituição de contabilidade organizada, essencial para qualquer empresa que queira produzir e exportar. Depois, há os entraves de financiamento decorrentes de uma pesadíssima burocracia a qual exige, sempre que se submete uma candidatura a um financiamento, a repetição completa de toda a documentação que já está online no Portal das Finanças ou da Segurança Social.

Por outro lado, se bem que para muitos dos programas de apoio existam regras taxativas sobre os prazos de resposta a dar, os tempos de resposta são 4 a 5 vezes mais longos do que o estipulado. E há os que nem sequer respondem. Mas a ordália do empreendedor não acaba aqui. Tendo assinado o contrato de financiamento, o empreendedor ainda vai ter de esperar meses até que sejam transferidas as importâncias para a conta da empresa.

Um meu professor na Sloan Business School dizia que o dinheiro aportado a uma start-up não pode ser nem muito nem pouco. Se for demasiado desfoca-se do objectivo, e fazem-se coisas disparatadas. Se o dinheiro for escasso sufoca-se a empresa. Pois bem, em Portugal estamos sempre a oscilar entre o oito e o 80. Como é raro cumprir-se os tempos certos de chegada dos fundos, sufoca-se a empresa. A seguir chegam de repente os fundos em atraso todos de uma vez.

O mercado é também muito importante e não me passa pela cabeça que um empreendedor se queira limitar ao mercado nacional. Nós somos um país pequeno. Quem quiser singrar tem que pensar sempre o seu negócio para fora do país.

Existe em Portugal um clima e um contexto favoráveis ao empreendedorismo?

Para lá caminhamos, ainda que muito timidamente. Há boa vontade, é certo, mas não chega, sendo necessário conhecimento. Mas há muito, mesmo muito, a fazer falta. Por exemplo, refira-se o programa Passaporte para o Empreendedorismo.

O programa está razoavelmente bem desenhado. Mas a pergunta fatal aparece a seguir, ou seja: se um empreendedor se empenha, se segue todos os passos, se vence a corrida de obstáculos que é a construção - virtual - da empresa, com uma boa ideia, que comprovou ser viável e para a qual construiu um "business plan", onde é que vai encontrar os fundos que o podem apoiar na construção da empresa? No dia um a seguir ao 12º mês do Passaporte, o jovem empreendedor vai encontrar-se sem emprego, sem fundos para criar a empresa e com uma enorme frustração. Como digo muitas vezes, e não é a ironizar, somos o país das Capelas Imperfeitas, não sabemos levar nada até ao fim.

Incentivar o empreendedorismo sénior

Nos Estados Unidos a quota de empreendedores entre os 55 e 64 anos passou de 14,3% em 1996 para 20,9% em 2011 tendo criado mais empresas que a faixa etária mais jovem, de 20 a 34 anos, de acordo com o relatório de Robert W. Fairlie, publicado no Kauffman Index of Entrepreneurial Activity, 1996-2011. Manuel Mota sugere que o empreendedorismo sénior, que já existe nos países nórdicos há mais de uma década, tenha em Portugal um programa de apoio.

"Somos o país das Capelas Imperfeitas, não sabemos levar nada até ao fim"

14 Maio 2014, 09:55 por Filipe S. Fernandes

Para ter sucesso, um empreendedor deve saber muitíssimo do produto que quer vender

Manuel mota, presidente do Spinpark

Manuel Mota preside ao Spinpark e diz hoje qualquer empresa deve ter uma atitude empreendedora e considera "inconcebível que qualquer empresa não faça "bench-marking", por um lado, e por outro, não questione os seus clientes acerca da satisfação com os serviços que providencia". Manuel Mota licenciou-se em engenharia química pela Faculdade de Engenharia do Porto onde foi professor. Fez o doutoramento no INSA Toulouse (França). Em 1991 transferiu-se para a Universidade do Minho de que é professor emérito.

Quais são os principais atributos de um empreendedor ou de uma equipa para o lançamento de uma start-up?

Um professor da Sloan Business School do MIT, que me deu aulas sobre empreendedorismo, dizia que duas das características essenciais do empreendedorismo norte-americano eram bem representadas por dois dos jogos favoritos nos Estados Unidos. Um é o póquer e o outro é o besisebol. O póquer é o paradigma do risco calculado, enquanto que o beisebol é o paradigma da perseverança e da resiliência. Com efeito, os melhores batedores de beisebol têm taxas de sucesso inferiores a 50% na resposta aos "pitchers", mas sabem que só insistindo é que conseguem os "home-runs", que ganham os jogos. Os atributos podem ser resumidos nesta metáfora, mas incorporam também duas características essenciais, que são o conhecimento e o treino. Para um empreendedor ter probabilidade de sucesso, deve saber muitíssimo do produto que quer vender. Isso requer não só conhecimento teórico mas também prático.

O que é crucial num projecto de start-up? O produto? O "business plan"? A ideia?

De todos os pontos que indicou, sendo todos esses itens importantes, a experiência acumulada ao longo dos últimos 20 anos indica que o "business plan" é o menos importante.

A abordagem que se faz nos Estados Unidos é um tanto diferente da que se adopta em Portugal. Nos EUA, após o "pitch" com a ideia, os investidores potenciais fazem um interrogatório centrado nos produtos, no mercado-alvo, nos potenciais concorrentes, nas estimativas de produção, e se não foram quanto irão custar. Discute-se o montante de investimentos necessário. Presenciei reuniões entre empreendedores e financiadores em que nem sequer se falou em dinheiro. Estive também numa reunião em que um empreendedor, depois de apresentar a sua ideia, disse que precisava de 1 milhão de dólares e um investidor interessado achou que era pouco e que iria financiar o projecto com 2 milhões. Em Portugal seria ao contrário. Em geral, se o empreendedor pede 200, o investidor tudo faz para baixar a fasquia para 100. Depois aparecem os stresses de tesouraria, as falsas partidas, os atrasos no lançamento do produto.

Quais são as principais dificuldades para um empreendedor em Portugal?

As dificuldades em Portugal são imensas. Em primeiro lugar na constituição da empresa. É que a empresa na hora é um slogan interessante mas enganador. Porque o único acto que se faz na hora é a escolha, numa base de dados com nomes pré-registados, de um nome que se considere apropriado. Tudo o resto é difícil e moroso. Desde o registo comercial, à abertura de conta da empresa, à constituição de contabilidade organizada, essencial para qualquer empresa que queira produzir e exportar. Depois, há os entraves de financiamento decorrentes de uma pesadíssima burocracia a qual exige, sempre que se submete uma candidatura a um financiamento, a repetição completa de toda a documentação que já está online no Portal das Finanças ou da Segurança Social.

Por outro lado, se bem que para muitos dos programas de apoio existam regras taxativas sobre os prazos de resposta a dar, os tempos de resposta são 4 a 5 vezes mais longos do que o estipulado. E há os que nem sequer respondem. Mas a ordália do empreendedor não acaba aqui. Tendo assinado o contrato de financiamento, o empreendedor ainda vai ter de esperar meses até que sejam transferidas as importâncias para a conta da empresa.

Um meu professor na Sloan Business School dizia que o dinheiro aportado a uma start-up não pode ser nem muito nem pouco. Se for demasiado desfoca-se do objectivo, e fazem-se coisas disparatadas. Se o dinheiro for escasso sufoca-se a empresa. Pois bem, em Portugal estamos sempre a oscilar entre o oito e o 80. Como é raro cumprir-se os tempos certos de chegada dos fundos, sufoca-se a empresa. A seguir chegam de repente os fundos em atraso todos de uma vez.

O mercado é também muito importante e não me passa pela cabeça que um empreendedor se queira limitar ao mercado nacional. Nós somos um país pequeno. Quem quiser singrar tem que pensar sempre o seu negócio para fora do país.

Existe em Portugal um clima e um contexto favoráveis ao empreendedorismo?

Para lá caminhamos, ainda que muito timidamente. Há boa vontade, é certo, mas não chega, sendo necessário conhecimento. Mas há muito, mesmo muito, a fazer falta. Por exemplo, refira-se o programa Passaporte para o Empreendedorismo.

O programa está razoavelmente bem desenhado. Mas a pergunta fatal aparece a seguir, ou seja: se um empreendedor se empenha, se segue todos os passos, se vence a corrida de obstáculos que é a construção - virtual - da empresa, com uma boa ideia, que comprovou ser viável e para a qual construiu um "business plan", onde é que vai encontrar os fundos que o podem apoiar na construção da empresa? No dia um a seguir ao 12º mês do Passaporte, o jovem empreendedor vai encontrar-se sem emprego, sem fundos para criar a empresa e com uma enorme frustração. Como digo muitas vezes, e não é a ironizar, somos o país das Capelas Imperfeitas, não sabemos levar nada até ao fim.

Incentivar o empreendedorismo sénior

Nos Estados Unidos a quota de empreendedores entre os 55 e 64 anos passou de 14,3% em 1996 para 20,9% em 2011 tendo criado mais empresas que a faixa etária mais jovem, de 20 a 34 anos, de acordo com o relatório de Robert W. Fairlie, publicado no Kauffman Index of Entrepreneurial Activity, 1996-2011. Manuel Mota sugere que o empreendedorismo sénior, que já existe nos países nórdicos há mais de uma década, tenha em Portugal um programa de apoio.

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