NOVA ÁGUIA: REVISTA DE CULTURA PARA O SÉCULO XXI: o incrível bate-papo de César, Conselheiro, Cabral e Viriato

01-07-2011
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Nota prévia:Esta é uma tentativa de abordagem à historieta de cordel, uma velha tradição popular que, tal como, em determinada época, os capítulos da história trágico-marítima, produzia textos que tocavam e excitavam a imaginação popular, sendo vendidas "a tostão" nas feiras portuguesas. Esta tradição sobrevive ainda nos sertões brasileiros e, entre outras, na meritória actividade editorial da Tupynanquim Editora (Ceará - Brasil). E eis como, confrontados com a sua "descoberta" num mercado de rua em Fortaleza e animados pelo exemplo do grande Pessoa que não se eximiu de experimentar os difíceis caminhos das "quadras ao gosto popular", aventurámo-nos também no género antigo e castiço da "literatura de cordel". Lido com a entoação e sotaque sertanejo, o texto surgirá mais próximo do modo como o concebemos.________________Num botequim perdidoLá no meio do sertãoFaz tempo que foi ouvidoDiálogo ou assombraçãoQue muito mexeu comigo.E pra não ficar esquecidoEscrevo prá multidãoSentados à mesma mesaQuatro ilustres personagensCarácteres de grande nobrezaDescansando das viagensConversavam com franqueza.Que imagem, que beleza!Naquelas estranhas roupagens...Conselheiro, o anfitrião,Saudava seus companheiros:-Minha casa é o sertãosede bem-vindos, romeiros.Grande, imensa mansão,Um povo de bom coraçãoEscravo de fazendeiros…Viriato lhe responde:- Sei do que falas, bom homem.Eu venho da serra ondeNem águias nem lobos dormemE cada penedo escondeMais penedos, morte e monte…Filhos a gemer de fome.O do “veni, vidi, vici”César, Júlio, ele mesmoTomou a palavra e disse:- Conquistei terra e torresmoSem derrota que se visseE os maiores “lobos” que viFoi na cidade mesmo…Cabral estava sorrindoAchou que devia falar:- Amigos, que estou ouvindo?Tanta amargura e penar…Quem não quer viver fugindoDe lobos, no mar infindoTem comigo seu lugar!Irmãos da mesma irmandade,da seita dos viajantes,alguém falou da amizadenatural de homens errantes,amantes da Liberdadeprofetas da sociedade,Tanto hoje como dantes.Vai daí, alguém propõe:- Cada um por sua vezConte a história que compõeSua vida - o que fez.Termina, ninguém se opõe.Democracia se impõeSobre o silêncio dos três“Quis libertar minha gentedo poder da tirania.Em Canudos nós “fez” frenteA muita capitaniacom multidão valente,jagunço, pobre, indigentepela vida não temia...”Assim Conselheiro Antônio,Começou a sua história(que faz medo ao demônio)de grandeza e memória!«Mandaram major Febrônio,Um militar idôneo,Mas o “escol” perdeu prá “escória”...A seguir vem coronelRoubar-nos a Liberdade.Deu-nos guerra sem quartelNome César foi vaidadeDe imperador sem anelPerde a sua no tropelO “corta-cabeça” de alarde!»«Alto lá, que esse nomeTem sido muito abusado.“César” já é renomeQue eu deixei registradoNa história... até sobrenome!E quando a fama é enormeUm ou outro sai furado...»«Ô César, esquenta não.Conselheiro foi inócuoprá teu nome, pois então.Mas agora que me focoem teu nariz vermelhão(Cabral não me chamarão)é Cleópatra ou... Pinóquio?!Da Itália ao Egito,Diz a história que temUm cara que andou aflitoMas tempos depois, porém,Resolvido o conflito,Foi o bom e o bonitoE se deu lá muito bem...»Começa a fanfarronada:«Amigos, não é segredoO poder que tem a fardaNos homens inspira medo,Na mulher faz com que ardaUma paixão danadaQue as leva... ao “toledo”.Sabeis vós e toda a genteQue em terras de faraósTive grande ascendente.Marco Antônio, após,Foi menos inteligentePrá Cleo foi menos quente...(queixa dela, aqui pra nós)»Viriato, a rir, desfere:«Ô César, não fale tantoDe conquistas de mulher.Tenho água pelo mantoE lembro-me de aprenderQue o último a saber...E mais não adianto...»César sente uma tontura:«-Viriato tem cuidado,A serra é pouco segura.Pra quem me tem provocadoA risota pouco dura.O que eu disse nessa alturaFicou mal interpretado.Uma ocasião nefastaEu disse que à mulherDe César, de mim, não bastaFiel e honesta serTem também de parecer casta!Como a mulher que afastaQualquer que a quer... conhecer.»Cabral, num jeito gozado:«É, coisa doce de ouvirmas César está ferradoÀ Lusitânia quis vir...Nem viu nem venceu, coitado.No Egito é consolado...Mas sente a testa florir...»Antônio: «Paz no redil!Tenham calma, europeus,Nós estamos no Brasil.Novo mundo, amigos meus!Para cada um tem milGarotas de bunda e pernilDe enlouquecer um deus...Nesta terra que eu pisoNão precisa ser estribadoPra chegar no paraísoQue a mulher tem guardadoPara o homem sem juízo.Basta entender meu aviso,Será muito... bem-amado!Escutem com muita atenção:Nas Terras de Vera Cruz,Outra civilização,A alma humana reluz.No bater do coraçãoBate um sambinha-cançãoE toda a vida seduz!»Viriato, o mais velhoA César estende a mão:-Vamos caçar coelho?Deixemos de discussãoJá sinto dor no joelhoE comichão no artelhoDe estar nesta posiçãoCabral, abraçando os doisE Conselheiro ali perto:«- Ao Alto, os corações!Na cidade ou campo abertoDesentendendo-se os boisSobra pra nós depois...Ser amigo é que está certo!»L.Mano12/1/2005, Fortaleza – CE, Brasil________________________________Caio Júlio César, Roma 12-7-100 a.C. - Março 44 a.c.Antônio Conselheiro, Quixeramobim, 1830 – Canudos, 1897Pedro Álvares Cabral, Belmonte, 1467 – Santarém, 1520Viriato , Loriga 186 AC - 139 AC


Nota prévia:Esta é uma tentativa de abordagem à historieta de cordel, uma velha tradição popular que, tal como, em determinada época, os capítulos da história trágico-marítima, produzia textos que tocavam e excitavam a imaginação popular, sendo vendidas "a tostão" nas feiras portuguesas. Esta tradição sobrevive ainda nos sertões brasileiros e, entre outras, na meritória actividade editorial da Tupynanquim Editora (Ceará - Brasil). E eis como, confrontados com a sua "descoberta" num mercado de rua em Fortaleza e animados pelo exemplo do grande Pessoa que não se eximiu de experimentar os difíceis caminhos das "quadras ao gosto popular", aventurámo-nos também no género antigo e castiço da "literatura de cordel". Lido com a entoação e sotaque sertanejo, o texto surgirá mais próximo do modo como o concebemos.________________Num botequim perdidoLá no meio do sertãoFaz tempo que foi ouvidoDiálogo ou assombraçãoQue muito mexeu comigo.E pra não ficar esquecidoEscrevo prá multidãoSentados à mesma mesaQuatro ilustres personagensCarácteres de grande nobrezaDescansando das viagensConversavam com franqueza.Que imagem, que beleza!Naquelas estranhas roupagens...Conselheiro, o anfitrião,Saudava seus companheiros:-Minha casa é o sertãosede bem-vindos, romeiros.Grande, imensa mansão,Um povo de bom coraçãoEscravo de fazendeiros…Viriato lhe responde:- Sei do que falas, bom homem.Eu venho da serra ondeNem águias nem lobos dormemE cada penedo escondeMais penedos, morte e monte…Filhos a gemer de fome.O do “veni, vidi, vici”César, Júlio, ele mesmoTomou a palavra e disse:- Conquistei terra e torresmoSem derrota que se visseE os maiores “lobos” que viFoi na cidade mesmo…Cabral estava sorrindoAchou que devia falar:- Amigos, que estou ouvindo?Tanta amargura e penar…Quem não quer viver fugindoDe lobos, no mar infindoTem comigo seu lugar!Irmãos da mesma irmandade,da seita dos viajantes,alguém falou da amizadenatural de homens errantes,amantes da Liberdadeprofetas da sociedade,Tanto hoje como dantes.Vai daí, alguém propõe:- Cada um por sua vezConte a história que compõeSua vida - o que fez.Termina, ninguém se opõe.Democracia se impõeSobre o silêncio dos três“Quis libertar minha gentedo poder da tirania.Em Canudos nós “fez” frenteA muita capitaniacom multidão valente,jagunço, pobre, indigentepela vida não temia...”Assim Conselheiro Antônio,Começou a sua história(que faz medo ao demônio)de grandeza e memória!«Mandaram major Febrônio,Um militar idôneo,Mas o “escol” perdeu prá “escória”...A seguir vem coronelRoubar-nos a Liberdade.Deu-nos guerra sem quartelNome César foi vaidadeDe imperador sem anelPerde a sua no tropelO “corta-cabeça” de alarde!»«Alto lá, que esse nomeTem sido muito abusado.“César” já é renomeQue eu deixei registradoNa história... até sobrenome!E quando a fama é enormeUm ou outro sai furado...»«Ô César, esquenta não.Conselheiro foi inócuoprá teu nome, pois então.Mas agora que me focoem teu nariz vermelhão(Cabral não me chamarão)é Cleópatra ou... Pinóquio?!Da Itália ao Egito,Diz a história que temUm cara que andou aflitoMas tempos depois, porém,Resolvido o conflito,Foi o bom e o bonitoE se deu lá muito bem...»Começa a fanfarronada:«Amigos, não é segredoO poder que tem a fardaNos homens inspira medo,Na mulher faz com que ardaUma paixão danadaQue as leva... ao “toledo”.Sabeis vós e toda a genteQue em terras de faraósTive grande ascendente.Marco Antônio, após,Foi menos inteligentePrá Cleo foi menos quente...(queixa dela, aqui pra nós)»Viriato, a rir, desfere:«Ô César, não fale tantoDe conquistas de mulher.Tenho água pelo mantoE lembro-me de aprenderQue o último a saber...E mais não adianto...»César sente uma tontura:«-Viriato tem cuidado,A serra é pouco segura.Pra quem me tem provocadoA risota pouco dura.O que eu disse nessa alturaFicou mal interpretado.Uma ocasião nefastaEu disse que à mulherDe César, de mim, não bastaFiel e honesta serTem também de parecer casta!Como a mulher que afastaQualquer que a quer... conhecer.»Cabral, num jeito gozado:«É, coisa doce de ouvirmas César está ferradoÀ Lusitânia quis vir...Nem viu nem venceu, coitado.No Egito é consolado...Mas sente a testa florir...»Antônio: «Paz no redil!Tenham calma, europeus,Nós estamos no Brasil.Novo mundo, amigos meus!Para cada um tem milGarotas de bunda e pernilDe enlouquecer um deus...Nesta terra que eu pisoNão precisa ser estribadoPra chegar no paraísoQue a mulher tem guardadoPara o homem sem juízo.Basta entender meu aviso,Será muito... bem-amado!Escutem com muita atenção:Nas Terras de Vera Cruz,Outra civilização,A alma humana reluz.No bater do coraçãoBate um sambinha-cançãoE toda a vida seduz!»Viriato, o mais velhoA César estende a mão:-Vamos caçar coelho?Deixemos de discussãoJá sinto dor no joelhoE comichão no artelhoDe estar nesta posiçãoCabral, abraçando os doisE Conselheiro ali perto:«- Ao Alto, os corações!Na cidade ou campo abertoDesentendendo-se os boisSobra pra nós depois...Ser amigo é que está certo!»L.Mano12/1/2005, Fortaleza – CE, Brasil________________________________Caio Júlio César, Roma 12-7-100 a.C. - Março 44 a.c.Antônio Conselheiro, Quixeramobim, 1830 – Canudos, 1897Pedro Álvares Cabral, Belmonte, 1467 – Santarém, 1520Viriato , Loriga 186 AC - 139 AC

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