NOVA ÁGUIA: REVISTA DE CULTURA PARA O SÉCULO XXI: Pátria, o Céu

27-01-2012
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«Na era gloriosa que se abre a Portugal com a dinastia de Avis, idade da nossa grandeza, período áureo da nossa força e glória, não há pátria mais aberta, nem sociedade mais cosmopolita do que esta. Quando o infante D. Henrique institui a escola de Sagres, ninho de onde partem, no seu voo através dos mares, as armadas portuguesas, as praias desse promontório que outra vez merece o nome de sagrado, porque outra vez é sacrário da nossa alma céltica, abrem-se todas as nações (...)É que o foro português, à semelhança do romano, não era o atestado de uma ascendência consanguínea, mas sim o baptismo em uma fé que não distinguia nacionalidades, nem origens naturais de raça, ou de religião. Português era todo aquele que ardia na chama crepitante do entusiasmo descobridor (...)Tão permanente, tão íntimo, tão constante aparece em Portugal, como em Roma, consideradas as diferenças dos tempos. Porque, para o romano, o seu foro era uma lei seca, feita só de direito, inspirada apenas pelo civismo; ao passo que para o português, homem moderno que atravessara as fornalhas esbraseadas da transcendência medieval, o seu foro, se era uma lei e um patriotismo cívico, era também uma fé, em que, sob uma inspiração profética, as almas não distinguiam, nos voos da sua ambição ideal, entre a Pátria e o Céu.Tal é a pátria ideal de Camões, que se distingue da outra como uma flor se distingue de um astro (...) essa pátria existe debaixo de todos os meridianos, em todas as latitudes e partes do mundo, tanto na Europa, como na África e na Ásia, como na América e nos confins remotos do mundo perdido para além das Molucas. Essa pátria está onde estiver um peito português: está em terra e está nos mares flutuante à sombra da bandeira das quinas, dentro das naus que de asas abertas a levam de um extremo a outro do mundo.Tanta é a diferença que distingue o amor pátrio natural da abstracção ideal sobre que os portugueses construíram o templo sagrado do seu império. Dos laços de coesão capazes de agremiar os homens, dando-lhes uma vontade colectiva, o mais alto e sublime que até hoje a história descobre é este, por ser o que realiza de um modo mais completo essa liberdade para que nós aspiramos, como as aves quando tentam as asas nos ensaios de voo à borda dos ninhos.Todos os amores que florescem enraizados na terra têm o travo próprio das coisas que vêm do solo: um egoísmo exclusivo inerente à sua afirmação. Esta aldeia, esta província, este povo, tem a sua excelência que provoca o nosso amor, fundada em quê? Na superioridade suposta ou verdadeira, sobre todos os outros. O sentimento dessa superioridade sanciona o egoísmo, que é sem dúvida uma expressão rudimentar de liberdade.»Oliveira Martins, Camões«De Babel sobre os rios nos sentámos,De nossa pátria desterrados,As mãos na face, os olhos derribados,Com saudades de ti, Sião, chorámos.Não é logo a saudadeDas terras onde nasceu A carne, mas é do CéuDaquela santa CidadeDonde est'alma descendeu.»Camões


«Na era gloriosa que se abre a Portugal com a dinastia de Avis, idade da nossa grandeza, período áureo da nossa força e glória, não há pátria mais aberta, nem sociedade mais cosmopolita do que esta. Quando o infante D. Henrique institui a escola de Sagres, ninho de onde partem, no seu voo através dos mares, as armadas portuguesas, as praias desse promontório que outra vez merece o nome de sagrado, porque outra vez é sacrário da nossa alma céltica, abrem-se todas as nações (...)É que o foro português, à semelhança do romano, não era o atestado de uma ascendência consanguínea, mas sim o baptismo em uma fé que não distinguia nacionalidades, nem origens naturais de raça, ou de religião. Português era todo aquele que ardia na chama crepitante do entusiasmo descobridor (...)Tão permanente, tão íntimo, tão constante aparece em Portugal, como em Roma, consideradas as diferenças dos tempos. Porque, para o romano, o seu foro era uma lei seca, feita só de direito, inspirada apenas pelo civismo; ao passo que para o português, homem moderno que atravessara as fornalhas esbraseadas da transcendência medieval, o seu foro, se era uma lei e um patriotismo cívico, era também uma fé, em que, sob uma inspiração profética, as almas não distinguiam, nos voos da sua ambição ideal, entre a Pátria e o Céu.Tal é a pátria ideal de Camões, que se distingue da outra como uma flor se distingue de um astro (...) essa pátria existe debaixo de todos os meridianos, em todas as latitudes e partes do mundo, tanto na Europa, como na África e na Ásia, como na América e nos confins remotos do mundo perdido para além das Molucas. Essa pátria está onde estiver um peito português: está em terra e está nos mares flutuante à sombra da bandeira das quinas, dentro das naus que de asas abertas a levam de um extremo a outro do mundo.Tanta é a diferença que distingue o amor pátrio natural da abstracção ideal sobre que os portugueses construíram o templo sagrado do seu império. Dos laços de coesão capazes de agremiar os homens, dando-lhes uma vontade colectiva, o mais alto e sublime que até hoje a história descobre é este, por ser o que realiza de um modo mais completo essa liberdade para que nós aspiramos, como as aves quando tentam as asas nos ensaios de voo à borda dos ninhos.Todos os amores que florescem enraizados na terra têm o travo próprio das coisas que vêm do solo: um egoísmo exclusivo inerente à sua afirmação. Esta aldeia, esta província, este povo, tem a sua excelência que provoca o nosso amor, fundada em quê? Na superioridade suposta ou verdadeira, sobre todos os outros. O sentimento dessa superioridade sanciona o egoísmo, que é sem dúvida uma expressão rudimentar de liberdade.»Oliveira Martins, Camões«De Babel sobre os rios nos sentámos,De nossa pátria desterrados,As mãos na face, os olhos derribados,Com saudades de ti, Sião, chorámos.Não é logo a saudadeDas terras onde nasceu A carne, mas é do CéuDaquela santa CidadeDonde est'alma descendeu.»Camões

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