O país do Burro: Moderação salarial porquê e para quem

25-01-2012
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"As quotas de mercado das nossas exportações caíram oito pontos percentuais em dois anos. Neste campo, se há algo que desde sempre uniu acriticamente organizações internacionais, académicos, economistas, encartados, fazedores de opinião, dirigentes patronais e políticos de centro ou direita, mas não só, é o apelo à moderação salarial, suposto remédio eficaz para salvaguardar a nossa competitividade. Que os dirigentes patronais assim procedam é normal. Que outros, desinteressados, os acompanhem sem reservas é que dá para pensar. A moderação salarial pode ser decisiva em mercados importantes mas específicos. É o caso das actividades turísticas de massa.Tambem da indústria automóvel, onde a forte elevação contínua de custos do trabalho em Portugal relativamente aos países do Leste conduziria muito provavelmente à deslocalização da actividade, risco real publicitado a propósito de Autoeuropa e Opel. Mas na maior parte dos casos de deslocalização, mesmo dentro do mercado interno da mesma multinacional, a eventual imoderação salarial não é tida nem achada. O factor decisivo é a repercussão nos custos dos valores salariais absolutos. As variações anuais poderiam até ser nitidamente regressivas que em nada, praticamente, se alteraria a nossa falta de competitividade. A moderação salarial só é importante naqueles casos - cada vez em menor número, por razões estruturais devidas à péssima especialização da nossa economia - em que se salvaguarda a competitividade pelo simples jogo favorável da evolução relativa dos custos unitários de trabalho. O nosso problema de fundo é radicalmente outro. 42% dos bens que exportamos são de baixa tecnologia e também, quase sempre, trabalho intensivo. Aí estamos destinados a perder para países como a China, e outros, cujos encargos salariais totais por hora de trabalho são sete ou oito vezes inferiores aos nossos. Outros 46% são de média tecnologia, também sujeitos a forte concorrência de países emergentes que aliam salários baixos a grande capacidade de upgrading tecnológico. Nesses termos, atribuir à imoderação salarial parte significativa da nossa crescente falta de competitividade é uma fantasia irresponsável. Até porque os nossos custos unitários relativos, no conjunto, não dispararam assim. De 2000 para 2004 subiram 11,5% em Portugal, 12,1% em Espanha e 8,9% na Irlanda. De 2000 para 2005 as exportações em volume cresceram mais de 50% na Irlanda e pouco mais de 25% em Portugal. Só um tolo explicaria a diferença a partir da evolução dos custos unitários do trabalho num e noutro país. Bem melhor seria, por exemplo, ocupar-se das diferenças entre capacidades de inovação e entre níveis e taxas de crescimento da produtividade. Por falar em produtividade: os nossos gestores de topo devem ser extraordinariamente produtivos para justificar quer remunerações acima dos seus equivalentes de Espanha e outros países mais desenvolvidos, quer aumentos anuais fabulosos. Nunca vi ninguém fazer--lhes o discurso da moderação salarial. Aliás, não seria melhor falar- -lhes da necessidade de moralização , muitas vezes bem mais justificada que a moderação?"João Cravinho in Diário de Notícias


"As quotas de mercado das nossas exportações caíram oito pontos percentuais em dois anos. Neste campo, se há algo que desde sempre uniu acriticamente organizações internacionais, académicos, economistas, encartados, fazedores de opinião, dirigentes patronais e políticos de centro ou direita, mas não só, é o apelo à moderação salarial, suposto remédio eficaz para salvaguardar a nossa competitividade. Que os dirigentes patronais assim procedam é normal. Que outros, desinteressados, os acompanhem sem reservas é que dá para pensar. A moderação salarial pode ser decisiva em mercados importantes mas específicos. É o caso das actividades turísticas de massa.Tambem da indústria automóvel, onde a forte elevação contínua de custos do trabalho em Portugal relativamente aos países do Leste conduziria muito provavelmente à deslocalização da actividade, risco real publicitado a propósito de Autoeuropa e Opel. Mas na maior parte dos casos de deslocalização, mesmo dentro do mercado interno da mesma multinacional, a eventual imoderação salarial não é tida nem achada. O factor decisivo é a repercussão nos custos dos valores salariais absolutos. As variações anuais poderiam até ser nitidamente regressivas que em nada, praticamente, se alteraria a nossa falta de competitividade. A moderação salarial só é importante naqueles casos - cada vez em menor número, por razões estruturais devidas à péssima especialização da nossa economia - em que se salvaguarda a competitividade pelo simples jogo favorável da evolução relativa dos custos unitários de trabalho. O nosso problema de fundo é radicalmente outro. 42% dos bens que exportamos são de baixa tecnologia e também, quase sempre, trabalho intensivo. Aí estamos destinados a perder para países como a China, e outros, cujos encargos salariais totais por hora de trabalho são sete ou oito vezes inferiores aos nossos. Outros 46% são de média tecnologia, também sujeitos a forte concorrência de países emergentes que aliam salários baixos a grande capacidade de upgrading tecnológico. Nesses termos, atribuir à imoderação salarial parte significativa da nossa crescente falta de competitividade é uma fantasia irresponsável. Até porque os nossos custos unitários relativos, no conjunto, não dispararam assim. De 2000 para 2004 subiram 11,5% em Portugal, 12,1% em Espanha e 8,9% na Irlanda. De 2000 para 2005 as exportações em volume cresceram mais de 50% na Irlanda e pouco mais de 25% em Portugal. Só um tolo explicaria a diferença a partir da evolução dos custos unitários do trabalho num e noutro país. Bem melhor seria, por exemplo, ocupar-se das diferenças entre capacidades de inovação e entre níveis e taxas de crescimento da produtividade. Por falar em produtividade: os nossos gestores de topo devem ser extraordinariamente produtivos para justificar quer remunerações acima dos seus equivalentes de Espanha e outros países mais desenvolvidos, quer aumentos anuais fabulosos. Nunca vi ninguém fazer--lhes o discurso da moderação salarial. Aliás, não seria melhor falar- -lhes da necessidade de moralização , muitas vezes bem mais justificada que a moderação?"João Cravinho in Diário de Notícias

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