O tempo de incerteza que vivemos traz-nos mais à terra e confronta-nos necessariamente com aquilo que nos funda, aquilo que são os nossos alicerces, o que nos faz andar e respirar.
Para além do impulso pessoal e familiar que cada um dá à sua vida, conviria também que, como portugueses, aproveitássemos este tempo para nos questionar: para onde queremos ir? O que queremos para nós, como povo e país que somos com quase 900 anos de História?
É neste contexto que entendo que devem ser consideradas as alterações da Constituição. No entanto, em Portugal, o novo ano abre com esta possibilidade, a propósito da consagração de um limite ao endividamento, medida que surge no seguimento de uma decisão europeia e de uma determinação de Merkel com Sarkozy.
O tema é complexo, mas uma coisa é certa: se é verdade que o que não tem remédio remediado está, não é menos verdade que devemos preservar o que é mais nosso, aquilo que representa a nossa dignidade primeira e o nosso sentido último de existir. Basta, pois, que se sugira que não há alternativa a esta medida para a retirarmos do texto da Constituição. Porque a Constituição é incompatível com ultimatos ou imposições. A Constituição é o lugar que preservamos para a nossa liberdade principal enquanto povo, é aquilo que nos funda e nos aponta o devir. Se desistimos disso, mais vale dizer a verdade, que desistimos de ser o que recebemos e somos enquanto país.
Por isso - mas não só por isso -, a solução mais razoável nesta matéria é a de remeter a consagração do limite ao endividamento para uma lei com valor reforçado, que exija uma maioria qualificada de dois terços para a sua alteração, à semelhança do que sucede, por exemplo, nos EUA. E, ao que parece, essa solução recolhe a aceitação das instâncias comunitárias.
Esta opção, porém, não pode ser vista como um sinal negativo para o exterior, reflectindo menos afinco na luta que se impõe e está em causa. Pelo contrário, mais importante do que a solução técnica para a consagração desta medida, importa, sobretudo, que não percamos a oportunidade de nos centrar no futuro a que aspiramos.
E, neste contexto, a crise que experimentamos trouxe-nos luz também sobre aspectos importantes e constitucionais, no sentido de serem capazes de congregar a colectividade para um projecto revigorado.
Todos nós acordamos para a importância da solidariedade intergeracional. E por que não autonomizá-la na Constituição? Por que não estabelecer constitucionalmente que os interesses das futuras gerações têm de ser considerados e respeitados?
Todos nós ficamos boquiabertos ao sermos confrontados com decisões de governos, com maiorias conjunturais, que impuseram despesa para além da sua existência e endividaram o país mais do que era razoável. Por que não criar limites à acção governativa? Não seria razoável exigir que despesas de valor superior a, por exemplo, 0,5% do PIB ou que criassem responsabilidades para além da legislatura, fossem aprovadas por maiorias de dois terços dos deputados? Não seria bom para todos que as grandes obras públicas deixassem de ser do partido "x" ou do ministro "y", para passarem a ser desígnio nacional?
Todos nós sofremos as consequências de o Estado equilibrar contas a partir do aumento de receita. Não é altura de separar os processos fiscais dos de aprovação do Orçamento, como acontece em tantos países da UE? Não é altura de estabelecer que os governos devem fazer orçamentos equilibrados com as receitas previamente previstas?
A alteração da Constituição deve corresponder ao apelo interior colectivo: que Portugal queremos deixar aos que nos seguirem? Desde o 25 de Abril que nunca foi tão actual e pertinente esta interrogação.
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Por isso, esta tem de ser uma oportunidade para olharmos para o nosso futuro a partir do que somos e não do que os outros querem para nós. Se há 35 anos esse apelo foi também muito condicionado por ideologias entretanto desagregadas, importa hoje reacender a chama da nacionalidade e do patriotismo a partir do sonho e da liberdade intemporal. Sem medos, há, pois, que dar força à ideia de uma renovação constitucional que se impõe.
Então, sim, daremos ao exterior o sinal positivo que se impõe.
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O tempo de incerteza que vivemos traz-nos mais à terra e confronta-nos necessariamente com aquilo que nos funda, aquilo que são os nossos alicerces, o que nos faz andar e respirar.
Para além do impulso pessoal e familiar que cada um dá à sua vida, conviria também que, como portugueses, aproveitássemos este tempo para nos questionar: para onde queremos ir? O que queremos para nós, como povo e país que somos com quase 900 anos de História?
É neste contexto que entendo que devem ser consideradas as alterações da Constituição. No entanto, em Portugal, o novo ano abre com esta possibilidade, a propósito da consagração de um limite ao endividamento, medida que surge no seguimento de uma decisão europeia e de uma determinação de Merkel com Sarkozy.
O tema é complexo, mas uma coisa é certa: se é verdade que o que não tem remédio remediado está, não é menos verdade que devemos preservar o que é mais nosso, aquilo que representa a nossa dignidade primeira e o nosso sentido último de existir. Basta, pois, que se sugira que não há alternativa a esta medida para a retirarmos do texto da Constituição. Porque a Constituição é incompatível com ultimatos ou imposições. A Constituição é o lugar que preservamos para a nossa liberdade principal enquanto povo, é aquilo que nos funda e nos aponta o devir. Se desistimos disso, mais vale dizer a verdade, que desistimos de ser o que recebemos e somos enquanto país.
Por isso - mas não só por isso -, a solução mais razoável nesta matéria é a de remeter a consagração do limite ao endividamento para uma lei com valor reforçado, que exija uma maioria qualificada de dois terços para a sua alteração, à semelhança do que sucede, por exemplo, nos EUA. E, ao que parece, essa solução recolhe a aceitação das instâncias comunitárias.
Esta opção, porém, não pode ser vista como um sinal negativo para o exterior, reflectindo menos afinco na luta que se impõe e está em causa. Pelo contrário, mais importante do que a solução técnica para a consagração desta medida, importa, sobretudo, que não percamos a oportunidade de nos centrar no futuro a que aspiramos.
E, neste contexto, a crise que experimentamos trouxe-nos luz também sobre aspectos importantes e constitucionais, no sentido de serem capazes de congregar a colectividade para um projecto revigorado.
Todos nós acordamos para a importância da solidariedade intergeracional. E por que não autonomizá-la na Constituição? Por que não estabelecer constitucionalmente que os interesses das futuras gerações têm de ser considerados e respeitados?
Todos nós ficamos boquiabertos ao sermos confrontados com decisões de governos, com maiorias conjunturais, que impuseram despesa para além da sua existência e endividaram o país mais do que era razoável. Por que não criar limites à acção governativa? Não seria razoável exigir que despesas de valor superior a, por exemplo, 0,5% do PIB ou que criassem responsabilidades para além da legislatura, fossem aprovadas por maiorias de dois terços dos deputados? Não seria bom para todos que as grandes obras públicas deixassem de ser do partido "x" ou do ministro "y", para passarem a ser desígnio nacional?
Todos nós sofremos as consequências de o Estado equilibrar contas a partir do aumento de receita. Não é altura de separar os processos fiscais dos de aprovação do Orçamento, como acontece em tantos países da UE? Não é altura de estabelecer que os governos devem fazer orçamentos equilibrados com as receitas previamente previstas?
A alteração da Constituição deve corresponder ao apelo interior colectivo: que Portugal queremos deixar aos que nos seguirem? Desde o 25 de Abril que nunca foi tão actual e pertinente esta interrogação.
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Por isso, esta tem de ser uma oportunidade para olharmos para o nosso futuro a partir do que somos e não do que os outros querem para nós. Se há 35 anos esse apelo foi também muito condicionado por ideologias entretanto desagregadas, importa hoje reacender a chama da nacionalidade e do patriotismo a partir do sonho e da liberdade intemporal. Sem medos, há, pois, que dar força à ideia de uma renovação constitucional que se impõe.
Então, sim, daremos ao exterior o sinal positivo que se impõe.