Norteamos: «O Reino se despovoa»

02-07-2011
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Excelente reflexão de Luís Leite Ramos: Treze. Treze habitantes por dia. Foi quanto perderam, em média, os 36 municípios de Trás-os-Montes e Alto Douro entre 1950 e 2001. Ou seja, em cinquenta anos a região perdeu 241 004 pessoas, sendo hoje a sua população já inferior à registada em 1900, que era então de 584 682 indivíduos (487 392 em 2001). O processo de esvaziamento demográfico tem afectado todos os municípios, embora os seus efeitos sejam mais preocupantes nos pequenos aglomerados rurais e nas zonas fronteiriças e mais afastadas dos principais corredores rodoviários. Na segunda metade do século XX, apenas o concelho de Vila Real viu a sua população aumentar (10%,) enquanto a grande maioria perdeu mais de 1/3 e 5 deles - Miranda do Douro, Montalegre, Vimioso, Boticas, Vinhais – mais de metade. Estes números devem-nos fazer reflectir sobre as causas, as consequências e os eventuais remédios para minorar um problema dramático e que parece já não fazer parte das grandes inquietações nacionais nem da agenda política governamental. As causas são conhecidas e relativamente consensuais: as condições naturais adversas e o encravamento geográfico; a lógica “extractiva” que prevalece nas actividades económicas dominantes; a abordagem centralista e sectorial que dominou as sucessivas políticas de desenvolvimento regional; a reduzida capacidade de organização, de iniciativa e de investimento dos agentes económicos locais. Quanto às consequências, elas são evidentes: o progressivo abandono de uma parcela significativa do território nacional (60% da Região Norte e 13,4% do Continente); o acréscimo brutal dos custos de provimento de infra-estruturas e equipamentos de uso colectivo; o encerramento de serviços públicos fundamentais e a correspondente degradação da igualdade de oportunidades e de condições de vida; a crise e o declínio das actividades económicas tradicionais; a insuficiente massa crítica, demográfica e económica, necessária para sustentar e viabilizar novos projectos e investimentos que criem riqueza e emprego. Nos últimos trinta anos, a região beneficiou de vários programas de desenvolvimento e de investimentos consideráveis. Desajustados e ineficazes, como se vê pelos resultados. Por uma razão simples: todos eles se baseavam no pressuposto de que com melhores infra-estruturas e melhores condições de vida seria possível estancar a sangria demográfica. Ora, como parece ser cada vez mais evidente, não basta construir estradas, redes de saneamento básico, teatros, piscinas, áreas industriais, etc. para suster o processo de desertificação humana. O nó górdio é o mesmo de sempre: a falta de dinamismo económico que gere riqueza e emprego e que assegure a vida digna e decente a que todos tem direito. Urge, pois, mudar as políticas. Abandonando a visão paternalista e “assistencialista” com que a região, e todo o Interior, têm sido olhados, em favor de uma política de valorização efectiva dos seus recursos e potencialidades. Uma mudança que, da leitura e análise das propostas governamentais para os próximos anos, nomeadamente no âmbito do chamado QREN, parece ter ficado adiada, mais uma vez, para as calendas gregas. O que nos traz à memória as palavras sábias do poeta Francisco Sá de Miranda, quando em 1563, escrevia, em carta dirigida a António Pereira, Senhor de Basto, que partiu para a Corte c’om a sua casa toda, esta frase terrível: «Não me temo de Castela, donde a guerra ainda não soa; temo-me de Lisboa que ao cheiro dessa canela, o reino nos despovoa».


Excelente reflexão de Luís Leite Ramos: Treze. Treze habitantes por dia. Foi quanto perderam, em média, os 36 municípios de Trás-os-Montes e Alto Douro entre 1950 e 2001. Ou seja, em cinquenta anos a região perdeu 241 004 pessoas, sendo hoje a sua população já inferior à registada em 1900, que era então de 584 682 indivíduos (487 392 em 2001). O processo de esvaziamento demográfico tem afectado todos os municípios, embora os seus efeitos sejam mais preocupantes nos pequenos aglomerados rurais e nas zonas fronteiriças e mais afastadas dos principais corredores rodoviários. Na segunda metade do século XX, apenas o concelho de Vila Real viu a sua população aumentar (10%,) enquanto a grande maioria perdeu mais de 1/3 e 5 deles - Miranda do Douro, Montalegre, Vimioso, Boticas, Vinhais – mais de metade. Estes números devem-nos fazer reflectir sobre as causas, as consequências e os eventuais remédios para minorar um problema dramático e que parece já não fazer parte das grandes inquietações nacionais nem da agenda política governamental. As causas são conhecidas e relativamente consensuais: as condições naturais adversas e o encravamento geográfico; a lógica “extractiva” que prevalece nas actividades económicas dominantes; a abordagem centralista e sectorial que dominou as sucessivas políticas de desenvolvimento regional; a reduzida capacidade de organização, de iniciativa e de investimento dos agentes económicos locais. Quanto às consequências, elas são evidentes: o progressivo abandono de uma parcela significativa do território nacional (60% da Região Norte e 13,4% do Continente); o acréscimo brutal dos custos de provimento de infra-estruturas e equipamentos de uso colectivo; o encerramento de serviços públicos fundamentais e a correspondente degradação da igualdade de oportunidades e de condições de vida; a crise e o declínio das actividades económicas tradicionais; a insuficiente massa crítica, demográfica e económica, necessária para sustentar e viabilizar novos projectos e investimentos que criem riqueza e emprego. Nos últimos trinta anos, a região beneficiou de vários programas de desenvolvimento e de investimentos consideráveis. Desajustados e ineficazes, como se vê pelos resultados. Por uma razão simples: todos eles se baseavam no pressuposto de que com melhores infra-estruturas e melhores condições de vida seria possível estancar a sangria demográfica. Ora, como parece ser cada vez mais evidente, não basta construir estradas, redes de saneamento básico, teatros, piscinas, áreas industriais, etc. para suster o processo de desertificação humana. O nó górdio é o mesmo de sempre: a falta de dinamismo económico que gere riqueza e emprego e que assegure a vida digna e decente a que todos tem direito. Urge, pois, mudar as políticas. Abandonando a visão paternalista e “assistencialista” com que a região, e todo o Interior, têm sido olhados, em favor de uma política de valorização efectiva dos seus recursos e potencialidades. Uma mudança que, da leitura e análise das propostas governamentais para os próximos anos, nomeadamente no âmbito do chamado QREN, parece ter ficado adiada, mais uma vez, para as calendas gregas. O que nos traz à memória as palavras sábias do poeta Francisco Sá de Miranda, quando em 1563, escrevia, em carta dirigida a António Pereira, Senhor de Basto, que partiu para a Corte c’om a sua casa toda, esta frase terrível: «Não me temo de Castela, donde a guerra ainda não soa; temo-me de Lisboa que ao cheiro dessa canela, o reino nos despovoa».

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