Traço Grosso: Beatificações e canonizações

30-06-2011
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BEATITUDES REPUBLICANAS.COM O BEATÍSSIMO APOIO do nosso ilustre Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, está a ser preparada a canonização do Condestável D. Nuno Álvares Pereira. O pretexto, por mais inverosímil que possa parecer, é a milagrosa cura de uma tal Dª. Guilhermina de Jesus, barbaramente atingida por salpicos de óleo no olho esquerdo enquanto fritava peixe. Tal cura ficou a dever-se, para espanto e vergonha dos oftalmologistas, à intercessão do espectro de D. Nuno de Santa Maria, apropriadamente invocado por Dª. Guilhermina de Jesus nas suas orações..Este piedoso capítulo da nossa história sacra, que suscita a beatitude republicana do Presidente Cavaco Silva, vem acrescentar-se a outro piedoso capítulo ocorrido há nove anos, com a beatificação dos pastorinhos de Fátima, que também mereceu o beatíssimo apoio do então Presidente da República, Jorge Sampaio, e do então Primeiro-Ministro, António Guterres..É, por isso, excelente o pretexto para convidar os leitores a repassarem os olhos por três crónicas escritas e publicadas no semanário EXPRESSO, no ano 2000, a propósito da beatificação dos pastorinhos de Fátima, a que ficou indelevelmente associada essa famosa dupla cor-de-rosa Sampaio-Guterres, orgulho de um socialismo piedoso e beato, a derrapar na «terceira via»..Face a tais beatitudes, que constituem piedosos precedentes, é bastante difícil que alguém se atreva, nove anos depois, a lançar um salpico de óleo que seja sobre a beatitude do Presidente Cavaco Silva, sobretudo se D. Nuno de Santa Maria estiver alerta. É que Deus não dorme, o Condestável também não e, que se saiba, os pastorinhos de Fátima nunca fritaram peixe….14 de Abril de 2009.1 - A BEATIFICAÇÃO DOS PASTORINHOS COMO TÃO JUSTAMENTE assevera Eduardo Prado Coelho, ínclito guru da pós-modernidade lusitana, «Portugal vive hoje em diversos tempos simultâneos». Há mesmo tempos - e não os melhores - em que o país revisita os alvores do século XX, com reminiscências que se reportam ao século XIX. Será certamente esse o caso da lúgubre cerimónia de beatificação de dois pastorinhos, que o Papa João Paulo II nos vai proporcionar em Fátima, no próximo dia 13 de Maio, com a solícita presença do Presidente da República e a desvelada participação do Primeiro-Ministro, entre outros digníssimos representantes das forças vivas que dão sentido e cor - não púrpura, mas rosa - ao regime democrático em que vivemos..Fátima - seus videntes e seus milagres - é seguramente um daqueles domínios em que a pátria lusitana e alguns dos seus filhos continuam a demonstrar «uma criatividade assinalável e em muitos planos excepcional». Os pastorinhos viram o que EPC não viu. O «forte aroma mariano» que impregna as «aparições» de 1917 (mais de meia dúzia) rescende como o caldo de Tormes descrito pelo Eça em «A Cidade e as Serras». Que digo eu? Ainda é mais forte e aromático! A visão do Inferno, que Nossa Senhora terá revelado às pobres criancinhas, decalcada nessa espécie de catecismo que era a «Missão Abreviada», nada terá ficado a dever à obra-prima de Dante, embora seja mais prosaica. As «Memórias» da Irmã Lúcia, escritas com «obediência» e alguma «repugnância», cerca de três décadas depois das «aparições», fazem inveja ao melhor estilo de Camilo («A Freira no Subterrâneo»), ainda que tenha entrado um bispo na sopa cozinhada pelo cardeal Cerejeira e pelo Estado Novo..Mais criativo foi, porém, o «milagre» protagonizado por Maria Emília Santos - a que se levantou e andou depois de 20 anos sem se mexer - com base no qual se tornou possível a tão desejada beatificação dos pastorinhos. Para ele contribuíram decisivamente, não só o genuíno testemunho da «miraculada», mas também a desenvoltura de um tal padre Kondor, a erudição canónica do cardeal Ratzinger e a solicitude de uma família de felizardos - os médicos Felizardo Santos e Fernanda Brum, por acaso casados e especialistas em Medicina Interna - e, ainda, uma jovem recém-formada, por acaso filha dos médicos supracitados e especialista em Psiquiatria. Ao que parece, o «relatório» dos médicos Felizardo e Fernanda, ambos católicos e «servitas» no Santuário de Fátima, terá sido elaborado em tempo «record» - e o processo de beatificação terá ignorado (ou contornado) a legislação canónica, nomeadamente, o «Manual para Instruir os Processos de Canonização». Diz-se, até, que o testemunho da «miraculada» é um poço de contradições, confirmadas pelos seus irmãos e por um médico psiquiatra que a tratou e a pôs a andar muito antes do «milagre». Pelo menos foi isso que revelou o «Expresso» em 31 de Julho de 1999, numa notável investigação jornalística levada a cabo por Graça Rosendo e Mário Robalo, intitulada «Milagre com pés de barro». Mas isso que importa se, como é sabido, o Papa João Paulo II «sempre desejou este milagre»?!.Em devido tempo, Frei Bento Domingues afirmou: «Conseguiu-se fazer de Fátima o maior concentrado do mau gosto do imaginário católico que alguma vez já se tinha feito por aqui. E que continua, impunemente, em expansão enorme. Não são só variações do mesmo mas o mesmo sem variações. Quer dizer: o que se conseguiu em Fátima é uma aflição, uma espécie de horror, de campo de concentração do horror religioso, um inferno de mau gosto. O que, a meu ver, é muito grave». Tal como é e, pelos vistos, vai continuar a ser, Fátima é uma impostura e um negócio de milhões. Reclama a expulsão dos vendilhões e a purificação do templo. S. Lucas lembra que Jesus, «entrando no templo, começou a expulsar todos os que nele vendiam e compravam, dizendo-lhes: está escrito: a minha casa é casa de oração; mas vós fizestes dela covil de salteadores»!.Além de republicano, socialista e laico, sou agnóstico. Não é o anti-clericalismo que me move. É a memória e a coerência, a dignidade e a decência. Além do respeito pela genuína fé dos outros. EPC dirá que é «aquela ponta de demagogia que faz o encanto» das minhas crónicas. Eu digo ao actual Presidente da República que, se avalizar a impostura, será reeleito com votos angariados em Fátima, mas não com o meu. «Est modus in rebus»!.«Expresso» de 6 de Maio de 2000.


BEATITUDES REPUBLICANAS.COM O BEATÍSSIMO APOIO do nosso ilustre Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, está a ser preparada a canonização do Condestável D. Nuno Álvares Pereira. O pretexto, por mais inverosímil que possa parecer, é a milagrosa cura de uma tal Dª. Guilhermina de Jesus, barbaramente atingida por salpicos de óleo no olho esquerdo enquanto fritava peixe. Tal cura ficou a dever-se, para espanto e vergonha dos oftalmologistas, à intercessão do espectro de D. Nuno de Santa Maria, apropriadamente invocado por Dª. Guilhermina de Jesus nas suas orações..Este piedoso capítulo da nossa história sacra, que suscita a beatitude republicana do Presidente Cavaco Silva, vem acrescentar-se a outro piedoso capítulo ocorrido há nove anos, com a beatificação dos pastorinhos de Fátima, que também mereceu o beatíssimo apoio do então Presidente da República, Jorge Sampaio, e do então Primeiro-Ministro, António Guterres..É, por isso, excelente o pretexto para convidar os leitores a repassarem os olhos por três crónicas escritas e publicadas no semanário EXPRESSO, no ano 2000, a propósito da beatificação dos pastorinhos de Fátima, a que ficou indelevelmente associada essa famosa dupla cor-de-rosa Sampaio-Guterres, orgulho de um socialismo piedoso e beato, a derrapar na «terceira via»..Face a tais beatitudes, que constituem piedosos precedentes, é bastante difícil que alguém se atreva, nove anos depois, a lançar um salpico de óleo que seja sobre a beatitude do Presidente Cavaco Silva, sobretudo se D. Nuno de Santa Maria estiver alerta. É que Deus não dorme, o Condestável também não e, que se saiba, os pastorinhos de Fátima nunca fritaram peixe….14 de Abril de 2009.1 - A BEATIFICAÇÃO DOS PASTORINHOS COMO TÃO JUSTAMENTE assevera Eduardo Prado Coelho, ínclito guru da pós-modernidade lusitana, «Portugal vive hoje em diversos tempos simultâneos». Há mesmo tempos - e não os melhores - em que o país revisita os alvores do século XX, com reminiscências que se reportam ao século XIX. Será certamente esse o caso da lúgubre cerimónia de beatificação de dois pastorinhos, que o Papa João Paulo II nos vai proporcionar em Fátima, no próximo dia 13 de Maio, com a solícita presença do Presidente da República e a desvelada participação do Primeiro-Ministro, entre outros digníssimos representantes das forças vivas que dão sentido e cor - não púrpura, mas rosa - ao regime democrático em que vivemos..Fátima - seus videntes e seus milagres - é seguramente um daqueles domínios em que a pátria lusitana e alguns dos seus filhos continuam a demonstrar «uma criatividade assinalável e em muitos planos excepcional». Os pastorinhos viram o que EPC não viu. O «forte aroma mariano» que impregna as «aparições» de 1917 (mais de meia dúzia) rescende como o caldo de Tormes descrito pelo Eça em «A Cidade e as Serras». Que digo eu? Ainda é mais forte e aromático! A visão do Inferno, que Nossa Senhora terá revelado às pobres criancinhas, decalcada nessa espécie de catecismo que era a «Missão Abreviada», nada terá ficado a dever à obra-prima de Dante, embora seja mais prosaica. As «Memórias» da Irmã Lúcia, escritas com «obediência» e alguma «repugnância», cerca de três décadas depois das «aparições», fazem inveja ao melhor estilo de Camilo («A Freira no Subterrâneo»), ainda que tenha entrado um bispo na sopa cozinhada pelo cardeal Cerejeira e pelo Estado Novo..Mais criativo foi, porém, o «milagre» protagonizado por Maria Emília Santos - a que se levantou e andou depois de 20 anos sem se mexer - com base no qual se tornou possível a tão desejada beatificação dos pastorinhos. Para ele contribuíram decisivamente, não só o genuíno testemunho da «miraculada», mas também a desenvoltura de um tal padre Kondor, a erudição canónica do cardeal Ratzinger e a solicitude de uma família de felizardos - os médicos Felizardo Santos e Fernanda Brum, por acaso casados e especialistas em Medicina Interna - e, ainda, uma jovem recém-formada, por acaso filha dos médicos supracitados e especialista em Psiquiatria. Ao que parece, o «relatório» dos médicos Felizardo e Fernanda, ambos católicos e «servitas» no Santuário de Fátima, terá sido elaborado em tempo «record» - e o processo de beatificação terá ignorado (ou contornado) a legislação canónica, nomeadamente, o «Manual para Instruir os Processos de Canonização». Diz-se, até, que o testemunho da «miraculada» é um poço de contradições, confirmadas pelos seus irmãos e por um médico psiquiatra que a tratou e a pôs a andar muito antes do «milagre». Pelo menos foi isso que revelou o «Expresso» em 31 de Julho de 1999, numa notável investigação jornalística levada a cabo por Graça Rosendo e Mário Robalo, intitulada «Milagre com pés de barro». Mas isso que importa se, como é sabido, o Papa João Paulo II «sempre desejou este milagre»?!.Em devido tempo, Frei Bento Domingues afirmou: «Conseguiu-se fazer de Fátima o maior concentrado do mau gosto do imaginário católico que alguma vez já se tinha feito por aqui. E que continua, impunemente, em expansão enorme. Não são só variações do mesmo mas o mesmo sem variações. Quer dizer: o que se conseguiu em Fátima é uma aflição, uma espécie de horror, de campo de concentração do horror religioso, um inferno de mau gosto. O que, a meu ver, é muito grave». Tal como é e, pelos vistos, vai continuar a ser, Fátima é uma impostura e um negócio de milhões. Reclama a expulsão dos vendilhões e a purificação do templo. S. Lucas lembra que Jesus, «entrando no templo, começou a expulsar todos os que nele vendiam e compravam, dizendo-lhes: está escrito: a minha casa é casa de oração; mas vós fizestes dela covil de salteadores»!.Além de republicano, socialista e laico, sou agnóstico. Não é o anti-clericalismo que me move. É a memória e a coerência, a dignidade e a decência. Além do respeito pela genuína fé dos outros. EPC dirá que é «aquela ponta de demagogia que faz o encanto» das minhas crónicas. Eu digo ao actual Presidente da República que, se avalizar a impostura, será reeleito com votos angariados em Fátima, mas não com o meu. «Est modus in rebus»!.«Expresso» de 6 de Maio de 2000.

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