De Rerum Natura: O processo kafkiano a Carlos Queiroz

23-01-2012
marcar artigo


“Todos os erros humanos são impaciência, uma interrupção prematura de um trabalho metódico” (Fanz Kafka, 1883-1924).Pelo interesse da análise feita por João Boaventura num comentário ao post, aqui publicado, com a transcrição do artigo de Luís Filpe Menezes, saído no “DN” (04/09/2010), intitulado “Em defesa de Carlos Queiroz”, aqui se reproduz o referido comentário: “O que se passa no caso Queiroz é um processo kafkiano que consiste em substituir a presunção de inocência pela de culpa, ou seja, procurar a todo o transe a culpa com a finalidade de fechar todas as vias de reintegração e permitir a exclusão do seleccionador. Se se quiser saber, quais os passos que Queiroz está a dar, a leitura das páginas 227, 228 e 229 d’ O Processo de Kafka (a minha edição é da Colecção Mil Folhas, Público, Lisboa, 2004) é elucidativa:“Diante da Lei há um porteiro. Um homem do campo chega junto deste porteiro e pede para entrar. Mas o porteiro declara que por agora não pode permitir-lhe a entrada. O homem reflecte, depois pergunta se então poderá entrar mais tarde. «É possível», diz o porteiro,«Mas não agora». Como a porta da Lei estava como sempre aberta, o porteiro afasta-se e o homem debruça-se para olhar para o interior, através da porta. Ao ver isto, o porteiro começa a rir e diz: «Se te atrai assim tanto, experimenta entrar apesar da minha proibição. Mas cuidado: eu sou poderoso. E não passo do último de todos os porteiros. Porque de sala para sala, há porteiros, cada um mais poderoso que o anterior.”Para não alongar a transcrição, apresento a parte final na p. 229:“O porteiro é obrigado a inclinar-se para ele, porque as diferenças de altura modificaram-se muito em detrimento do velho: «Que queres tu saber ainda?», pergunta o porteiro, «tu és insaciável». «Toda a gente se esforça por alcançar a lei», diz o homem, «como é que ninguém, excepto eu, solicitou a entrada todos estes anos?». O porteiro apercebe-se que o fim do homem está próximo, e como é quase surdo, berra-lhe ao ouvido para se fazer ouvir: «Ninguém mais podia obter a autorização de entrar, porque esta entrada se destinava só a ti. Agora, vou-me embora e fecho-a».” (fim da transcrição)Kafka, como homem do Direito, limita-se a retratar, n' O Processo o absurdo, pelo qual o cidadão é obrigado a submeter-se a uma regra viciada do jogo jurídico cuja dinâmica pende para o lado do mais forte.O que se passa com o Processo Queiroz passou-se com os Processos do actual Primeiro Ministro, ao qual foi sempre negada a Lei, perdão, o ser ouvido, o que levou o actual Bastonário do Direito a declarar, para quem o quisesse ler e ouvir:- Estamos a assistir a uma vergonhosa actuação da justiça que parece mais preocupada em culpabilizar o Primeiro Ministro, em vez de partir da presunção de inocência.Este é o retrato do Processo Queiroz, em companhia do Primeiro Ministro, porque ao primeiro foi negada qualquer audição pela Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP), e ao segundo, ou deixaram prescrever o prazo, ou deixaram esgotar o tempo e a paciência para o ouvir.Para Cândida Almeida não valia a pena ouvir o Primeiro Ministro porque não vinha aduzir matéria nova; e para o Instituto do Desporto de Portugal (IDP) não valia a pena ouvir Queiroz porque a audição feita pelo Conselho Disciplinar da FPF era suficiente, e porque, ouvi-lo, também não vinha aduzir matéria nova.O kafkianismo do processo sinuoso reside neste facto que o tempo não apaga. A ADoP foi, no dia 16.05.2010, à Covilhã fazer o controlo antidoping à selecção, que foi perturbado pelos impropérios do seleccionador, o que não impediu a recolha, e o Governo silenciou, possivelmente para apagar o incidente se a selecção chegasse às meias finais ou às finais. Como os desejos não se concretizaram, passados dois meses e meio,é que o secretário de Estado revela que se passaram “factos muito graves”, no controlo antidoping. A paciência de Job não tem melhor representante.Portugal não chegou aos quartos de final mas no cômputo geral ficou em 11.º lugar (Inglaterra 13.º - Dinamarca 24.º - Grécia 25.º - Itália 26.º - França 29.º). Os três primeiros são os únicos europeus (Espanha, Holanda, Alemanha), 5 da América Latina, 1 africano (Gana) e um asiático (Japão). E a representação portuguesa foi vergonhosa ?Isto para dizer que há muitas maneiras limpas para dispensar um seleccionador. A escolhida pelo governo não tem classificação”.João BoaventuraNa imagem: Franz Kafka


“Todos os erros humanos são impaciência, uma interrupção prematura de um trabalho metódico” (Fanz Kafka, 1883-1924).Pelo interesse da análise feita por João Boaventura num comentário ao post, aqui publicado, com a transcrição do artigo de Luís Filpe Menezes, saído no “DN” (04/09/2010), intitulado “Em defesa de Carlos Queiroz”, aqui se reproduz o referido comentário: “O que se passa no caso Queiroz é um processo kafkiano que consiste em substituir a presunção de inocência pela de culpa, ou seja, procurar a todo o transe a culpa com a finalidade de fechar todas as vias de reintegração e permitir a exclusão do seleccionador. Se se quiser saber, quais os passos que Queiroz está a dar, a leitura das páginas 227, 228 e 229 d’ O Processo de Kafka (a minha edição é da Colecção Mil Folhas, Público, Lisboa, 2004) é elucidativa:“Diante da Lei há um porteiro. Um homem do campo chega junto deste porteiro e pede para entrar. Mas o porteiro declara que por agora não pode permitir-lhe a entrada. O homem reflecte, depois pergunta se então poderá entrar mais tarde. «É possível», diz o porteiro,«Mas não agora». Como a porta da Lei estava como sempre aberta, o porteiro afasta-se e o homem debruça-se para olhar para o interior, através da porta. Ao ver isto, o porteiro começa a rir e diz: «Se te atrai assim tanto, experimenta entrar apesar da minha proibição. Mas cuidado: eu sou poderoso. E não passo do último de todos os porteiros. Porque de sala para sala, há porteiros, cada um mais poderoso que o anterior.”Para não alongar a transcrição, apresento a parte final na p. 229:“O porteiro é obrigado a inclinar-se para ele, porque as diferenças de altura modificaram-se muito em detrimento do velho: «Que queres tu saber ainda?», pergunta o porteiro, «tu és insaciável». «Toda a gente se esforça por alcançar a lei», diz o homem, «como é que ninguém, excepto eu, solicitou a entrada todos estes anos?». O porteiro apercebe-se que o fim do homem está próximo, e como é quase surdo, berra-lhe ao ouvido para se fazer ouvir: «Ninguém mais podia obter a autorização de entrar, porque esta entrada se destinava só a ti. Agora, vou-me embora e fecho-a».” (fim da transcrição)Kafka, como homem do Direito, limita-se a retratar, n' O Processo o absurdo, pelo qual o cidadão é obrigado a submeter-se a uma regra viciada do jogo jurídico cuja dinâmica pende para o lado do mais forte.O que se passa com o Processo Queiroz passou-se com os Processos do actual Primeiro Ministro, ao qual foi sempre negada a Lei, perdão, o ser ouvido, o que levou o actual Bastonário do Direito a declarar, para quem o quisesse ler e ouvir:- Estamos a assistir a uma vergonhosa actuação da justiça que parece mais preocupada em culpabilizar o Primeiro Ministro, em vez de partir da presunção de inocência.Este é o retrato do Processo Queiroz, em companhia do Primeiro Ministro, porque ao primeiro foi negada qualquer audição pela Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP), e ao segundo, ou deixaram prescrever o prazo, ou deixaram esgotar o tempo e a paciência para o ouvir.Para Cândida Almeida não valia a pena ouvir o Primeiro Ministro porque não vinha aduzir matéria nova; e para o Instituto do Desporto de Portugal (IDP) não valia a pena ouvir Queiroz porque a audição feita pelo Conselho Disciplinar da FPF era suficiente, e porque, ouvi-lo, também não vinha aduzir matéria nova.O kafkianismo do processo sinuoso reside neste facto que o tempo não apaga. A ADoP foi, no dia 16.05.2010, à Covilhã fazer o controlo antidoping à selecção, que foi perturbado pelos impropérios do seleccionador, o que não impediu a recolha, e o Governo silenciou, possivelmente para apagar o incidente se a selecção chegasse às meias finais ou às finais. Como os desejos não se concretizaram, passados dois meses e meio,é que o secretário de Estado revela que se passaram “factos muito graves”, no controlo antidoping. A paciência de Job não tem melhor representante.Portugal não chegou aos quartos de final mas no cômputo geral ficou em 11.º lugar (Inglaterra 13.º - Dinamarca 24.º - Grécia 25.º - Itália 26.º - França 29.º). Os três primeiros são os únicos europeus (Espanha, Holanda, Alemanha), 5 da América Latina, 1 africano (Gana) e um asiático (Japão). E a representação portuguesa foi vergonhosa ?Isto para dizer que há muitas maneiras limpas para dispensar um seleccionador. A escolhida pelo governo não tem classificação”.João BoaventuraNa imagem: Franz Kafka

marcar artigo