O Privilégio dos Caminhos: da Poesia # 3

27-01-2012
marcar artigo


Escreve-se um poema devido à suspeita de que enquanto o escrevemos algo vai acontecer, uma coisa formidável, algo que nos transformará, que transformará tudo. Como na infância, quando se fica à porta de um quarto obscuro e vazio. Fica-se durante um minuto, uma brisa levanta-se nos confins da obscuridade: um redemoinho no ar, uma luz, uma iluminação, talvez?(...)Outro minuto, cinco, dez, ali, diante do anúncio suspenso e ameaçador: não acontece nada. Poder-se-ia esperar um dia inteiro, dias seguidos. Às vezes pára - se no meio de um jardim ou de um parque ou de uma avenida deserta. São variantes do quarto. Acontece o mesmo, quero dizer: não acontece nada. A suspeita apenas de que nos aguarda uma espécie de graça reticente, um dom reticente. Ou contempla-se um rosto (...)Pensamos: é uma vida nova, uma força nova e profunda, é uma paisagem misteriosa, profunda e nova que se relaciona intimamente connosco: vai revelar-se.(...)E recomeça-se. O mesmo, sempre. Nada.(...)Escrevi «para fornecer uma forma legível e apaziguadora aos momentos na porta do quarto, no parque, na rua vazia, defronte do rosto aparecido.(...)Não consegui nada (...)mas conheço agora a existência de uma pergunta inesgotável.(...)»Herberto Hélder, em entrevista em Inimigo Rumor, fevereiro de 2002


Escreve-se um poema devido à suspeita de que enquanto o escrevemos algo vai acontecer, uma coisa formidável, algo que nos transformará, que transformará tudo. Como na infância, quando se fica à porta de um quarto obscuro e vazio. Fica-se durante um minuto, uma brisa levanta-se nos confins da obscuridade: um redemoinho no ar, uma luz, uma iluminação, talvez?(...)Outro minuto, cinco, dez, ali, diante do anúncio suspenso e ameaçador: não acontece nada. Poder-se-ia esperar um dia inteiro, dias seguidos. Às vezes pára - se no meio de um jardim ou de um parque ou de uma avenida deserta. São variantes do quarto. Acontece o mesmo, quero dizer: não acontece nada. A suspeita apenas de que nos aguarda uma espécie de graça reticente, um dom reticente. Ou contempla-se um rosto (...)Pensamos: é uma vida nova, uma força nova e profunda, é uma paisagem misteriosa, profunda e nova que se relaciona intimamente connosco: vai revelar-se.(...)E recomeça-se. O mesmo, sempre. Nada.(...)Escrevi «para fornecer uma forma legível e apaziguadora aos momentos na porta do quarto, no parque, na rua vazia, defronte do rosto aparecido.(...)Não consegui nada (...)mas conheço agora a existência de uma pergunta inesgotável.(...)»Herberto Hélder, em entrevista em Inimigo Rumor, fevereiro de 2002

marcar artigo