Quando Soares confundiu o CDS com o PP e Ribeiro e Castro com o PS

01-10-2015
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A última campanha presidencial de Mário Soares foi uma prova para o candidato, mas também para os jornalistas. Houve momentos de grande confusão e este foi seguramente o mais confuso de todos. A menos de um mês das legislativas, revisitamos as nossas memórias políticas. Este é o sétimo capítulo

A terceira campanha presidencial de Mário Soares, em 2006, foi tão abundante em casos e gaffes como pobre em votos no final do caminho. Foi o pior resultado eleitoral de sempre para Soares, mas animação não faltou a quem seguia, todos os dias, os passos do candidato. A propensão do antigo PR para frases bombásticas ou incompreensíveis obrigava os jornalistas da rádio a ter os gravadores sempre ligados.

Apesar dessa atenção permanente e redobrada, um dos ditos mais extraordinários que Soares proferiu em toda a campanha não teve qualquer impacto mediático. A proximidade do natal pode ter ajudado a que tal acontecesse. Foram os blogues que evitaram que ficasse para sempre esquecida uma das anedotas das presidenciais 2006, uma gaffe de Soares à antiga.

23 de dezembro, Coimbra. Depois de um dia a percorrer vilas, vilórias e aldeias, Soares teve um jantar-comício. No final, embora visivelmente esgotado, ainda aceitou fazer mais umas declarações aos jornalistas. Perguntaram-lhe sobre uma intervenção feita nesse dia pelo então líder do CDS-PP, José Ribeiro e Castro. O presidente do CDS tinha feito uma declaração em que associava a esquerda a grandes crimes contra a humanidade. Soares comentou, claro. Foi assim:

Jornalista: "Ficou chocado com aquilo que disse o líder do PP?"

Soares: "Não, não foi o líder do PP que disse isso. Aquela coisa a que eu me referi do terrorismo foi o líder do CDS que disse isso, o dr. Ribeiro e Castro, que é uma coisa inaceitável e impossível. Ele diz aquilo… ele é, ainda por cima, deputado do Partido Socialista… um dos grandes grupos do Partido Socialista é o Partido Socialista… o Partido Socialista Europeu… Imagine lá como é que ele vai entender--se com os colegas do Parlamento a dizer dessas coisas aqui no plano interno… E é feio, não é bonito e… é uma pena que seja um dos mais entusiásticos, senão o mais entusiástico, apoiante do dr. Cavaco nesta eleição."

Pode ler outra vez, mas é escusado: vai continuar a não fazer sentido. Na altura, os jornalistas estranharam, mas não deram relevo. O staff de Soares arrepiou-se, mas fez figas de que ninguém desse conta. E Soares foi dormir para o carro, enquanto voltava a Lisboa.

Só três dias depois os colaboradores de Soares lhe chamam a atenção para “uma coisa chata que o senhor disse” e que estava a provocar gargalhadas nos blogues - a blogosfera era uma coisa então ainda nova, mas que começava a ter algum peso nas dinâmicas de campanha.

Explicaram a Soares o que era, e este reagiu em negação. Garantiu que nunca tinha dito tal coisa. “Lá estão eles!…”, protestava, acusando “a direita” de inventar mentiras. “Quem é que escreveu isso? Onde é que está uma cassete que tenha isso gravado? Mostrem-me uma cassete!” Bastou um clique: as imagens, que tinham passado discretamente na SIC Notícias em época de Natal, já estavam nos blogues dos apoiantes de Cavaco.

“Estou com um ar muito cansado nessa imagem” - foi o único comentário de Soares.

A última campanha presidencial de Mário Soares foi uma prova para o candidato, mas também para os jornalistas. Houve momentos de grande confusão e este foi seguramente o mais confuso de todos. A menos de um mês das legislativas, revisitamos as nossas memórias políticas. Este é o sétimo capítulo

A terceira campanha presidencial de Mário Soares, em 2006, foi tão abundante em casos e gaffes como pobre em votos no final do caminho. Foi o pior resultado eleitoral de sempre para Soares, mas animação não faltou a quem seguia, todos os dias, os passos do candidato. A propensão do antigo PR para frases bombásticas ou incompreensíveis obrigava os jornalistas da rádio a ter os gravadores sempre ligados.

Apesar dessa atenção permanente e redobrada, um dos ditos mais extraordinários que Soares proferiu em toda a campanha não teve qualquer impacto mediático. A proximidade do natal pode ter ajudado a que tal acontecesse. Foram os blogues que evitaram que ficasse para sempre esquecida uma das anedotas das presidenciais 2006, uma gaffe de Soares à antiga.

23 de dezembro, Coimbra. Depois de um dia a percorrer vilas, vilórias e aldeias, Soares teve um jantar-comício. No final, embora visivelmente esgotado, ainda aceitou fazer mais umas declarações aos jornalistas. Perguntaram-lhe sobre uma intervenção feita nesse dia pelo então líder do CDS-PP, José Ribeiro e Castro. O presidente do CDS tinha feito uma declaração em que associava a esquerda a grandes crimes contra a humanidade. Soares comentou, claro. Foi assim:

Jornalista: "Ficou chocado com aquilo que disse o líder do PP?"

Soares: "Não, não foi o líder do PP que disse isso. Aquela coisa a que eu me referi do terrorismo foi o líder do CDS que disse isso, o dr. Ribeiro e Castro, que é uma coisa inaceitável e impossível. Ele diz aquilo… ele é, ainda por cima, deputado do Partido Socialista… um dos grandes grupos do Partido Socialista é o Partido Socialista… o Partido Socialista Europeu… Imagine lá como é que ele vai entender--se com os colegas do Parlamento a dizer dessas coisas aqui no plano interno… E é feio, não é bonito e… é uma pena que seja um dos mais entusiásticos, senão o mais entusiástico, apoiante do dr. Cavaco nesta eleição."

Pode ler outra vez, mas é escusado: vai continuar a não fazer sentido. Na altura, os jornalistas estranharam, mas não deram relevo. O staff de Soares arrepiou-se, mas fez figas de que ninguém desse conta. E Soares foi dormir para o carro, enquanto voltava a Lisboa.

Só três dias depois os colaboradores de Soares lhe chamam a atenção para “uma coisa chata que o senhor disse” e que estava a provocar gargalhadas nos blogues - a blogosfera era uma coisa então ainda nova, mas que começava a ter algum peso nas dinâmicas de campanha.

Explicaram a Soares o que era, e este reagiu em negação. Garantiu que nunca tinha dito tal coisa. “Lá estão eles!…”, protestava, acusando “a direita” de inventar mentiras. “Quem é que escreveu isso? Onde é que está uma cassete que tenha isso gravado? Mostrem-me uma cassete!” Bastou um clique: as imagens, que tinham passado discretamente na SIC Notícias em época de Natal, já estavam nos blogues dos apoiantes de Cavaco.

“Estou com um ar muito cansado nessa imagem” - foi o único comentário de Soares.

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