Radares sob suspeita

11-10-2015
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Concurso de €30 milhões. Composição do júri abre polémica, por causa de ligações de jurados com empresas concorrentes.

O concurso para o sistema de radares de vigilância da costa portuguesa, que vale €30 milhões, está envolto em polémica. Dois elementos do júri do Ministério da Administração Interna (MAI) têm ligações a um dos consórcios concorrentes. Um deles, Rui Guerra, do Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos (IPTM), trabalha actualmente com uma das empresas candidatas. Outro, Paulo Guerreiro, oficial da Brigada Fiscal (BF) da GNR, unidade que vai gerir o sistema, foi subalterno e condecorado por dois consultores do mesmo consórcio. O ministro, Rui Pereira, que herdou o processo de António Costa não gostou do que soube, mas não quis comentar. Passou o ónus dos esclarecimentos ao secretário de Estado José Magalhães.

Rui Guerra é o principal foco da controvérsia. A sua experiência na adjudicação de um sistema de vigilância idêntico para o IPTM, valeu-lhe ser convidado pelo anterior ministro da Administração Interna, António Costa, para consultor do SIVICC (Sistema Integrado de Vigilância, Comando de Controlo), a 'fortaleza electrónica' que vai blindar a costa. A justificação era uma possível articulação entre o SIVICC e o equipamento do IPTM.

Em plena fase de definição dos requisitos técnicos para o Caderno de Encargos, Guerra teve carta branca para aceder e contactar quem tinha o processo do SIVICC em mãos. Promoveu as propostas da empresa que montou o sistema no IPTM, a EADS (European Aeronautic Defense and Space), que também concorre ao SIVICC. No IPTM, Guerra trabalha directamente com esta empresa.

Guerra defende-se, dizendo que o relacionamento com uma das empresas concorrentes não afectará a sua isenção no júri. "Tenho a incumbência e o dever de defender os interesses do Estado (...) o que tento fazer humildemente com todo o empenho e capacidade de que disponho", sublinha.

A proximidade de um outro membro do júri com dois consultores do mesmo consórcio está também a levantar celeuma. Os consultores, antigos comandantes da BF, trabalham para a Critical Software, que concorre com a EADS/Atlas. Segundo o porta-voz da empresa, os coronéis Gâmboa Marques e Arménio Vitória foram contratados pela "sua experiência e conhecimento operacional, importantes para o desenho de activos tecnológicos que possam ser bem sucedidos".

De facto, Gâmboa e Vitória continuam a ter abertas as portas das instalações da BF. Para surpresa de outras empresas concorrentes, ambos passaram vários dias nas instalações da Brigada na altura em que se estavam a definir os requisitos técnicos para o concurso. O actual comandante-geral, Samuel Mota, reconhece que autorizou as visitas, mas garante que foi com o objectivo destes "consultarem, seleccionarem e digitalizarem fotografias do arquivo histórico da ex-Guarda Fiscal e da BF, com vista à elaboração de um trabalho sobre as memórias destas duas instituições".

Em relação à proximidade destes elementos com o oficial da BF que está no júri do concurso, o general Samuel Mota não vê incompatibilidades: "o major Paulo Guerreiro foi por mim indicado dado os seus conhecimentos e experiência operacional na área de vigilância da costa", sustenta.

Guerreiro, por seu turno, não esconde o seu desconforto com o facto de poder ser acusado de favorecimento à empresa dos seus ex-chefes. Considerado um "oficial brilhante" por várias fontes da GNR - foi coordenador da megaoperação da BF 'Setúbal Connection', que levou à detenção de 23 pessoas ligadas ao contrabando de tabaco - Guerreiro admitiu ao Expresso que já pensou "abandonar" o júri. Os coronéis asseguram não esperar "qualquer tratamento privilegiado". "Guerreiro é um oficial de grande mérito e não merece dúvidas sobre a sua conduta", assevera Arménio Vitória, antigo superior.

Imunes a pressões

A Critical conseguiu, por outro lado, outra vantagem em relação às suas concorrentes. Foi a única empresa convidada pelo ex-secretário de Estado de António Costa, Rocha Andrade, para fazer, no próprio MAI, uma apresentação do seu plano para o SIVICC.

Pelo MAI, o secretário de Estado José Magalhães finta a polémica. Admite ter tido conhecimento da visita às fábricas de uma das concorrentes, mas não comenta a presença de um membro do júri nessa viagem. Por outro lado, em relação ao acesso privilegiado que estas empresas tiveram a instalações da BF, bem como a fazer demonstrações, garante que "todas as empresas que o solicitassem teriam, em condições de igualdade", a mesma benesse. Sobre Paulo Guerreiro realça que este oficial "foi louvado por diversas vezes por sucessivos comandantes".

José Magalhães não vislumbra qualquer tentativa de pressão. "A metodologia apresentada propiciou maior imunidade a pressões, ao mesmo tempo que assegurou a troca de informações sobre matérias de elevada tecnicidade em que o mercado oferece uma grande variedade de soluções". Por outro lado, lembra que "estão salvaguardadas no júri e na definição dos critérios de avaliação adicionais e inultrapassáveis garantias de segurança, imparcialidade e ética". O presidente do júri, João Carlos Silva, ex-secretário de Estado do Orçamento de António Guterres e ex-presidente da RTP, já foi informado da situação. e garantiu ao Expresso que "todas as deliberações do júri vão ser na mais estrita legalidade e igualdade dos concorrentes".

Há seis candidatas e o relatório do júri deverá estar concluído em Maio. Até Setembro serão seleccionadas as propostas que passam à negociação. Prevê-se para Outubro a decisão final.

RUI GUERRA

. Fez parte do júri que adjudicou, em 2004, o sistema de vigilância marítima do Ministério das Obras Públicas à empresa EADS/Atlas

. Entre 2005 e 2006 foi consultor do Ministério da Administração Interna para o SIVICC

. Em 2006 levou os oficiais da Brigada Fiscal que estavam a elaborar os requisitos técnicos do SIVICC a visitar as fábricas na Europa da EADS/Atlas

. Neste mesmo período acompanhou os técnicos da EADS/Atlas em reuniões no MAI

. Desde 2007 é vogal da administração do IPTM, onde gere, em conjunto com a EADS/Atlas, o sistema de vigilância

. Faz hoje parte do júri do MAI que vai adjudicar o SIVICC, ao qual concorre a EADS/Atlas, em conjunto com a Critical Software

PAULO GUERREIRO

. Foi vários anos subalterno de dois coronéis consultores da Critical Software - que concorre ao SIVICC com a EADS/Atlas - ex-comandantes da BF, que o condecoraram pelo seu trabalho, uma proximidade que pode suscitar dúvidas sobre a isenção na sua escolha. O próprio Paulo Guerreiro já ponderou deixar de fazer parte do júri

Concurso de €30 milhões. Composição do júri abre polémica, por causa de ligações de jurados com empresas concorrentes.

O concurso para o sistema de radares de vigilância da costa portuguesa, que vale €30 milhões, está envolto em polémica. Dois elementos do júri do Ministério da Administração Interna (MAI) têm ligações a um dos consórcios concorrentes. Um deles, Rui Guerra, do Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos (IPTM), trabalha actualmente com uma das empresas candidatas. Outro, Paulo Guerreiro, oficial da Brigada Fiscal (BF) da GNR, unidade que vai gerir o sistema, foi subalterno e condecorado por dois consultores do mesmo consórcio. O ministro, Rui Pereira, que herdou o processo de António Costa não gostou do que soube, mas não quis comentar. Passou o ónus dos esclarecimentos ao secretário de Estado José Magalhães.

Rui Guerra é o principal foco da controvérsia. A sua experiência na adjudicação de um sistema de vigilância idêntico para o IPTM, valeu-lhe ser convidado pelo anterior ministro da Administração Interna, António Costa, para consultor do SIVICC (Sistema Integrado de Vigilância, Comando de Controlo), a 'fortaleza electrónica' que vai blindar a costa. A justificação era uma possível articulação entre o SIVICC e o equipamento do IPTM.

Em plena fase de definição dos requisitos técnicos para o Caderno de Encargos, Guerra teve carta branca para aceder e contactar quem tinha o processo do SIVICC em mãos. Promoveu as propostas da empresa que montou o sistema no IPTM, a EADS (European Aeronautic Defense and Space), que também concorre ao SIVICC. No IPTM, Guerra trabalha directamente com esta empresa.

Guerra defende-se, dizendo que o relacionamento com uma das empresas concorrentes não afectará a sua isenção no júri. "Tenho a incumbência e o dever de defender os interesses do Estado (...) o que tento fazer humildemente com todo o empenho e capacidade de que disponho", sublinha.

A proximidade de um outro membro do júri com dois consultores do mesmo consórcio está também a levantar celeuma. Os consultores, antigos comandantes da BF, trabalham para a Critical Software, que concorre com a EADS/Atlas. Segundo o porta-voz da empresa, os coronéis Gâmboa Marques e Arménio Vitória foram contratados pela "sua experiência e conhecimento operacional, importantes para o desenho de activos tecnológicos que possam ser bem sucedidos".

De facto, Gâmboa e Vitória continuam a ter abertas as portas das instalações da BF. Para surpresa de outras empresas concorrentes, ambos passaram vários dias nas instalações da Brigada na altura em que se estavam a definir os requisitos técnicos para o concurso. O actual comandante-geral, Samuel Mota, reconhece que autorizou as visitas, mas garante que foi com o objectivo destes "consultarem, seleccionarem e digitalizarem fotografias do arquivo histórico da ex-Guarda Fiscal e da BF, com vista à elaboração de um trabalho sobre as memórias destas duas instituições".

Em relação à proximidade destes elementos com o oficial da BF que está no júri do concurso, o general Samuel Mota não vê incompatibilidades: "o major Paulo Guerreiro foi por mim indicado dado os seus conhecimentos e experiência operacional na área de vigilância da costa", sustenta.

Guerreiro, por seu turno, não esconde o seu desconforto com o facto de poder ser acusado de favorecimento à empresa dos seus ex-chefes. Considerado um "oficial brilhante" por várias fontes da GNR - foi coordenador da megaoperação da BF 'Setúbal Connection', que levou à detenção de 23 pessoas ligadas ao contrabando de tabaco - Guerreiro admitiu ao Expresso que já pensou "abandonar" o júri. Os coronéis asseguram não esperar "qualquer tratamento privilegiado". "Guerreiro é um oficial de grande mérito e não merece dúvidas sobre a sua conduta", assevera Arménio Vitória, antigo superior.

Imunes a pressões

A Critical conseguiu, por outro lado, outra vantagem em relação às suas concorrentes. Foi a única empresa convidada pelo ex-secretário de Estado de António Costa, Rocha Andrade, para fazer, no próprio MAI, uma apresentação do seu plano para o SIVICC.

Pelo MAI, o secretário de Estado José Magalhães finta a polémica. Admite ter tido conhecimento da visita às fábricas de uma das concorrentes, mas não comenta a presença de um membro do júri nessa viagem. Por outro lado, em relação ao acesso privilegiado que estas empresas tiveram a instalações da BF, bem como a fazer demonstrações, garante que "todas as empresas que o solicitassem teriam, em condições de igualdade", a mesma benesse. Sobre Paulo Guerreiro realça que este oficial "foi louvado por diversas vezes por sucessivos comandantes".

José Magalhães não vislumbra qualquer tentativa de pressão. "A metodologia apresentada propiciou maior imunidade a pressões, ao mesmo tempo que assegurou a troca de informações sobre matérias de elevada tecnicidade em que o mercado oferece uma grande variedade de soluções". Por outro lado, lembra que "estão salvaguardadas no júri e na definição dos critérios de avaliação adicionais e inultrapassáveis garantias de segurança, imparcialidade e ética". O presidente do júri, João Carlos Silva, ex-secretário de Estado do Orçamento de António Guterres e ex-presidente da RTP, já foi informado da situação. e garantiu ao Expresso que "todas as deliberações do júri vão ser na mais estrita legalidade e igualdade dos concorrentes".

Há seis candidatas e o relatório do júri deverá estar concluído em Maio. Até Setembro serão seleccionadas as propostas que passam à negociação. Prevê-se para Outubro a decisão final.

RUI GUERRA

. Fez parte do júri que adjudicou, em 2004, o sistema de vigilância marítima do Ministério das Obras Públicas à empresa EADS/Atlas

. Entre 2005 e 2006 foi consultor do Ministério da Administração Interna para o SIVICC

. Em 2006 levou os oficiais da Brigada Fiscal que estavam a elaborar os requisitos técnicos do SIVICC a visitar as fábricas na Europa da EADS/Atlas

. Neste mesmo período acompanhou os técnicos da EADS/Atlas em reuniões no MAI

. Desde 2007 é vogal da administração do IPTM, onde gere, em conjunto com a EADS/Atlas, o sistema de vigilância

. Faz hoje parte do júri do MAI que vai adjudicar o SIVICC, ao qual concorre a EADS/Atlas, em conjunto com a Critical Software

PAULO GUERREIRO

. Foi vários anos subalterno de dois coronéis consultores da Critical Software - que concorre ao SIVICC com a EADS/Atlas - ex-comandantes da BF, que o condecoraram pelo seu trabalho, uma proximidade que pode suscitar dúvidas sobre a isenção na sua escolha. O próprio Paulo Guerreiro já ponderou deixar de fazer parte do júri

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