Algo de mau acontece na Universidade dos Açores. Muitos são os problemas preocupantes que enfrenta o ensino público universitário: a deficiente formação com que chegam os alunos, o cada vez menor financiamento estatal das universidades, a degradação dos cursos como consequência do chamado “Processo de Bolonha”, a crescente lógica de privatização dos seus serviços… Actualmente, as universidades públicas cumprem cada vez menos o seu papel de ser os transmissores da ciência e da cultura à sociedade. Segundo o novo paradigma adoptado pelos decisores políticos, o papel das universidades públicas consiste em transformar-se em organismos que, governados por uma gestão empresarial, sejam capazes de dar lucro e de manter-se economicamente eles próprios. Neste novo paradigma, a ciência e a cultura universitárias passam a ser um simples produto comercial no “mercado” do conhecimento.Mas pior ainda são os sinais de degradação ética que a próprias universidades transmitem à sociedade. Alguns destes sinais tem-se manifestado ultimamente na Universidade dos Açores. O mais recente e vergonhoso é a celebração duma “Garraiada” em Ponta Delgada organizada pela Associação Académica da Universidade dos Açores.Não bastava já manter as recentemente organizadas no pólo de Angra. Agora também vão ser realizadas em Ponta Delgada. Os animais, três vacas e um touro, vão ser trazidos expressamente da ilha de Terceira para servir de “diversão” aos estudantes. Para a dita associação organizadora, acossar um animal, puxar-lhe da cauda, bater-lhe, empurrar-lhe são coisas divertidíssimas que fazem rir a toda a gente.Custa acreditar que pessoas universitárias pensem assim, que achem “graça” a maltratar animais. Mas tudo isto é lógico se atendemos à evolução das associações de estudantes nos últimos anos. Antigamente, os estudantes promoviam actos culturais, desportivos, formativos, ou ainda de solidariedade, entre os seus associados. Tristemente, nos últimos anos, a sua função parece resumir-se a organizar grandes bebedeiras. Misturar agora grandes doses de álcool com a prática de violência contra animais parece ser um novo e inevitável patamar neste progressivo caminho de degradação moral.Mas, quanto custam os animais que vão ser utilizados? Quanto custa o transporte dos animais até São Miguel? Quanto custa o aluguer do local? Quanto custa a organização? Como é possível que, num momento de grandes dificuldades financeiras, sobre agora tanto dinheiro para uma simples “diversão” de maus estudantes universitários? E de quem partiu esta “brilhante” ideia?Não há dúvida de que por trás deste acto vergonhoso estão os interesses económicos da indústria das touradas, cada vez mais desesperada por justificar a grande quantidade de dinheiros públicos que a sustenta. Uma indústria que nos últimos anos, aproveitando qualquer oportunidade, anda a tentar expandir a São Miguel as suas actividades. E todo isto com a grande cumplicidade de governos regionais e autárquicos. E, claro, com o generoso dinheiro de todos os açorianos, gostem ou não de touradas. Entre os vários patrocínios anunciados nesta “festa” do maltrato animal podemos ver a Câmara Municipal de Angra, a Câmara Municipal de Ponta Delgada, o Governo dos Açores e, claro, a Universidade dos Açores.Alexandre Herculano referia-se às touradas como um: "espectáculo de eras bárbaras, que a civilização, desenvolvendo-se gradualmente por alguns séculos, ainda não soube desterrar da Península, e que nos conserva na fronte o estigma dos bárbaros, embora tenhamos procurado esconder esse estigma debaixo dos ouropéis e pompas da arte moderna e pleitear a nossa vergonhosa causa perante o tribunal da opinião da Europa com sofismas pueris e ineptos."Os estudantes da Associação Académica seguramente não devem saber quem é Alexandre Herculano. Mas ele de certeza ficaria surpreendido de ver que, no nosso país moderno, avançado e desenvolvido, no nosso país do século XXI, até a incultura e a barbárie são ensinadas nas universidades.
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Algo de mau acontece na Universidade dos Açores. Muitos são os problemas preocupantes que enfrenta o ensino público universitário: a deficiente formação com que chegam os alunos, o cada vez menor financiamento estatal das universidades, a degradação dos cursos como consequência do chamado “Processo de Bolonha”, a crescente lógica de privatização dos seus serviços… Actualmente, as universidades públicas cumprem cada vez menos o seu papel de ser os transmissores da ciência e da cultura à sociedade. Segundo o novo paradigma adoptado pelos decisores políticos, o papel das universidades públicas consiste em transformar-se em organismos que, governados por uma gestão empresarial, sejam capazes de dar lucro e de manter-se economicamente eles próprios. Neste novo paradigma, a ciência e a cultura universitárias passam a ser um simples produto comercial no “mercado” do conhecimento.Mas pior ainda são os sinais de degradação ética que a próprias universidades transmitem à sociedade. Alguns destes sinais tem-se manifestado ultimamente na Universidade dos Açores. O mais recente e vergonhoso é a celebração duma “Garraiada” em Ponta Delgada organizada pela Associação Académica da Universidade dos Açores.Não bastava já manter as recentemente organizadas no pólo de Angra. Agora também vão ser realizadas em Ponta Delgada. Os animais, três vacas e um touro, vão ser trazidos expressamente da ilha de Terceira para servir de “diversão” aos estudantes. Para a dita associação organizadora, acossar um animal, puxar-lhe da cauda, bater-lhe, empurrar-lhe são coisas divertidíssimas que fazem rir a toda a gente.Custa acreditar que pessoas universitárias pensem assim, que achem “graça” a maltratar animais. Mas tudo isto é lógico se atendemos à evolução das associações de estudantes nos últimos anos. Antigamente, os estudantes promoviam actos culturais, desportivos, formativos, ou ainda de solidariedade, entre os seus associados. Tristemente, nos últimos anos, a sua função parece resumir-se a organizar grandes bebedeiras. Misturar agora grandes doses de álcool com a prática de violência contra animais parece ser um novo e inevitável patamar neste progressivo caminho de degradação moral.Mas, quanto custam os animais que vão ser utilizados? Quanto custa o transporte dos animais até São Miguel? Quanto custa o aluguer do local? Quanto custa a organização? Como é possível que, num momento de grandes dificuldades financeiras, sobre agora tanto dinheiro para uma simples “diversão” de maus estudantes universitários? E de quem partiu esta “brilhante” ideia?Não há dúvida de que por trás deste acto vergonhoso estão os interesses económicos da indústria das touradas, cada vez mais desesperada por justificar a grande quantidade de dinheiros públicos que a sustenta. Uma indústria que nos últimos anos, aproveitando qualquer oportunidade, anda a tentar expandir a São Miguel as suas actividades. E todo isto com a grande cumplicidade de governos regionais e autárquicos. E, claro, com o generoso dinheiro de todos os açorianos, gostem ou não de touradas. Entre os vários patrocínios anunciados nesta “festa” do maltrato animal podemos ver a Câmara Municipal de Angra, a Câmara Municipal de Ponta Delgada, o Governo dos Açores e, claro, a Universidade dos Açores.Alexandre Herculano referia-se às touradas como um: "espectáculo de eras bárbaras, que a civilização, desenvolvendo-se gradualmente por alguns séculos, ainda não soube desterrar da Península, e que nos conserva na fronte o estigma dos bárbaros, embora tenhamos procurado esconder esse estigma debaixo dos ouropéis e pompas da arte moderna e pleitear a nossa vergonhosa causa perante o tribunal da opinião da Europa com sofismas pueris e ineptos."Os estudantes da Associação Académica seguramente não devem saber quem é Alexandre Herculano. Mas ele de certeza ficaria surpreendido de ver que, no nosso país moderno, avançado e desenvolvido, no nosso país do século XXI, até a incultura e a barbárie são ensinadas nas universidades.