velharias: Identificando uma senhora desconhecida de uma fotografia com quase 150 anos

28-03-2020
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Os simpáticos seguidores deste blog já devem saber que recebi de uma prima dois álbuns de fotografias de família, o primeiro com instantâneos tirados mais ou menos entre 1860 e 1900, formado pelo meu trisavô, o padre José Rodrigues Liberal Sampaio (1846-1935) e o segundo, constituído pelo meu bisavô, José Maria Ferreira Montalvão. Tenho andado sobretudo de volta do primeiro álbum. Se algumas das imagens estão identificadas ou tem dedicatórias e o trabalho de identificação das personagens é simples, outras são verdadeiros quebra-cabeças, como esta fotografia, acerca da qual vos escrevo hoje, de uma velha senhora, tirada mais ou menos por volta de 1870.

 

A legenda da fotografia, manuscrita no álbum pelo meu trisavô, indica que se trata de João Lopes Carneiro de Moura, um advogado, político e jornalista, muito conhecido nos meios flavienses, nascido em Montalegre em 1886, autor de várias obras publicadas e que chegou a deputado. Ora a fotografia foi obviamente trocada num tempo qualquer posterior ao meu trisavô. Alguém andou a tirar e a pôr fotografias no álbum e colocou a velha senhora no lugar de João Lopes Carneiro de Moura e a fotografia daquele ilustre transmontano será a de um dos cavalheiros desconhecidos, que constam do álbum.

 

 

 

Ao retirar a fotografia do álbum,  manuscrita com a letra, que me parece da minha trisavô, Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão, encontrei no verso a seguinte legenda: Faleceu a 11 de Setembro de 1875, pelas três da tarde pouco mais ou menos, tendo nascido a Dezembro de 1.

 

Mas quem seria esta senhora?

 

Certamente foi uma pessoa muito estimada, de outra forma não teria havido o cuidado de assinalar a data da sua morte e muito menos a hora. Pensei tratar-se da mãe da Maria do Espírito Santo (1856-1902), Maria Emília Morais Sarmento, mas essa morreu a 14 de Abril de 1874. Lembrei-me que podia ser a tua tia paterna, a Rita, com a qual mantinha uma relação muito estreita, segundo o meu pai ainda se lembra de ouvir contar. Mas segundo o livro Os Montalvões de J. T. Montalvão Machado, essa tia teria morrido nos anos 80 do século XIX.

 

Resolvi tirar o assunto a limpo e vasculhar os registos de óbito das freguesias de Santo Estêvão, não fosse tratar-se de uma parente do lado dos Morais Sarmento e ainda os da aldeia de Outeiro Seco, onde residia a família Montalvão. Contudo, ninguém dessas duas freguesias tinha morrido no dia 11 de Setembro de 1875, pelas três da tarde, que se pudesse relacionar com a família. Como os registos paroquiais se encontram todos digitalizados e disponíveis on-line nos arquivos distritais, lembrei-me de procurar em Chaves, já que quase toda esta gente, que consta deste álbum gira à volta desta cidade. Assim, abri o livro de registo de óbitos 1875, da paróquia de Santa Maria Maior de Chaves e encontrei o seguinte assento Aos onze dias do Mês de Setembro do ano de mil oitocentos e setenta e cinco ás tres horas da tarde, no largo da Senhora da Lapa d'ésta villa (...) faleceu(...) na casa de sua residência Isabel Rodrigues liberal d'edade de setenta e três anos. No mesmo assento, indica-se a que a falecida era filha de António Gonçalves Liberal e de Ana Gonçalves da Laje. Ora os dados coincidiam na perfeição com a legenda da fotografia e percebi que esta velha senhora só podia ser uma tia ou a mãe de Liberal Sampaio.

 

O assento da morte de Isabel Rodrigues Liberal

Corri então a comparar este registo com o assento de baptismo de Liberal Sampaio de 1846, da freguesia de Sarraquinhos, Concelho de Montalegre e lá pude ler que o meu trisavô era filho de António Rodriguez de Sampaio e de Isabel Rodrigues Liberal e neto materno de António Gonçalves Liberal e de Ana Gonçalves da Laje. Conclui sem sombra de dúvidas, que esta Senhora era a mãe de José Rodrigues Liberal Sampaio. Confesso que fiquei emocionado ao descobrir uma imagem de uma quarta avó, uma mulher que nasceu ainda antes das invasões francesas e que se lembraria ainda certamente da passagem dos exércitos napoleónicos, durante a segunda invasão, em 1809, que retiram de Portugal por Montalegre, a terra onde nasceu e cresceu.

 

 

O assento de nascimento de José Rodrigues Liberal Sampaio. Os dados coincidem na perfeição

Este assento de óbito também indica alguns dados novos, que embora pequenos, dão algumas pistas para perceber a história da família. Em primeiro lugar a Senhora saiu de Sarraquinhos, uma aldeia perdida no concelho de Montalegre e passou a residir em Chaves, que embora fosse ainda vila neste último quartel do século XIX, já era uma terra importante. Em segundo lugar, enviuvou e voltou a casar, o que me leva a pensar que talvez os liberais e os sampaios não fossem muito dados à abstinência sexual, já que o filho, que era Padre, manteve uma relação com uma senhora fidalga, da qual resultou um filho, de quem eu descendo.

A minha quarta avó vivia no Largo da Senhora da Lapa, em Chaves, que foi demolido pela DGEMN, na segunda metade do século XX, para permitir uma melhor leitura do forte abaluartado, ao qual o casario se enconstava. Foto http://www.monumentos.gov.pt , amavelmente enviada pelo meu amigo Humberto Ferreira do blog https://outeiroseco-aqi.blogs.sapo.pt/

 

Sempre tive ideia que o meu trisavô era proveniente de uma família humilde e que através da carreira eclesiástica, do seu trabalho como advogado e homem de letras e ainda da relação com uma senhora de uma importante família flaviense, tivesse alcançado uma posição social destacada. No fundo, seria aquilo que hoje se designa, um self-made man. Contudo a foto da sua mãe e das roupas que enverga, mostra-nos que não é propriamente uma camponesa, endomingada para a fotografia. Claro, não veste as toilettes sofisticadas, cheias de folhos e froufrous da fidalga, que foi amante do filho, minha trisavô, mas também quando posou para esta fotografia, cerca de 1870, era uma já uma senhora, a que a idade obrigava a vestir-se de uma forma discreta. Em todo o caso, em 1870 tirar uma fotografia era apenas acessível aos mais desafogados.

 

Todos nós temos quatro avôs, 8 bisavôs, 16 trisavôs e 32 tetravôs e ao olhar para esta senhora sinto que uma trigésima segunda parte de meu ser foi herdado dela e que talvez alguns dos meus tiques, aspectos da personalidade, propensão para ter esta ou aquela doença ou a forma das mãos sejam ainda os mesmos de Isabel Rodrigues Liberal.

 

A minha tetravó, Isabel Rodrigues Liberal

Fontes consultadas:

 

Arquivo Distrital de Vila Real:

 

- Livro de registo de baptismos 1819/1859, paróquia de Sarraquinhos, Montalegre Arquivo Distrital de Vila Real;

 

- Livro de registo de óbitos 1875, da paróquia de Santa Maria Maior de Chaves

 

Os simpáticos seguidores deste blog já devem saber que recebi de uma prima dois álbuns de fotografias de família, o primeiro com instantâneos tirados mais ou menos entre 1860 e 1900, formado pelo meu trisavô, o padre José Rodrigues Liberal Sampaio (1846-1935) e o segundo, constituído pelo meu bisavô, José Maria Ferreira Montalvão. Tenho andado sobretudo de volta do primeiro álbum. Se algumas das imagens estão identificadas ou tem dedicatórias e o trabalho de identificação das personagens é simples, outras são verdadeiros quebra-cabeças, como esta fotografia, acerca da qual vos escrevo hoje, de uma velha senhora, tirada mais ou menos por volta de 1870.

 

A legenda da fotografia, manuscrita no álbum pelo meu trisavô, indica que se trata de João Lopes Carneiro de Moura, um advogado, político e jornalista, muito conhecido nos meios flavienses, nascido em Montalegre em 1886, autor de várias obras publicadas e que chegou a deputado. Ora a fotografia foi obviamente trocada num tempo qualquer posterior ao meu trisavô. Alguém andou a tirar e a pôr fotografias no álbum e colocou a velha senhora no lugar de João Lopes Carneiro de Moura e a fotografia daquele ilustre transmontano será a de um dos cavalheiros desconhecidos, que constam do álbum.

 

 

 

Ao retirar a fotografia do álbum,  manuscrita com a letra, que me parece da minha trisavô, Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão, encontrei no verso a seguinte legenda: Faleceu a 11 de Setembro de 1875, pelas três da tarde pouco mais ou menos, tendo nascido a Dezembro de 1.

 

Mas quem seria esta senhora?

 

Certamente foi uma pessoa muito estimada, de outra forma não teria havido o cuidado de assinalar a data da sua morte e muito menos a hora. Pensei tratar-se da mãe da Maria do Espírito Santo (1856-1902), Maria Emília Morais Sarmento, mas essa morreu a 14 de Abril de 1874. Lembrei-me que podia ser a tua tia paterna, a Rita, com a qual mantinha uma relação muito estreita, segundo o meu pai ainda se lembra de ouvir contar. Mas segundo o livro Os Montalvões de J. T. Montalvão Machado, essa tia teria morrido nos anos 80 do século XIX.

 

Resolvi tirar o assunto a limpo e vasculhar os registos de óbito das freguesias de Santo Estêvão, não fosse tratar-se de uma parente do lado dos Morais Sarmento e ainda os da aldeia de Outeiro Seco, onde residia a família Montalvão. Contudo, ninguém dessas duas freguesias tinha morrido no dia 11 de Setembro de 1875, pelas três da tarde, que se pudesse relacionar com a família. Como os registos paroquiais se encontram todos digitalizados e disponíveis on-line nos arquivos distritais, lembrei-me de procurar em Chaves, já que quase toda esta gente, que consta deste álbum gira à volta desta cidade. Assim, abri o livro de registo de óbitos 1875, da paróquia de Santa Maria Maior de Chaves e encontrei o seguinte assento Aos onze dias do Mês de Setembro do ano de mil oitocentos e setenta e cinco ás tres horas da tarde, no largo da Senhora da Lapa d'ésta villa (...) faleceu(...) na casa de sua residência Isabel Rodrigues liberal d'edade de setenta e três anos. No mesmo assento, indica-se a que a falecida era filha de António Gonçalves Liberal e de Ana Gonçalves da Laje. Ora os dados coincidiam na perfeição com a legenda da fotografia e percebi que esta velha senhora só podia ser uma tia ou a mãe de Liberal Sampaio.

 

O assento da morte de Isabel Rodrigues Liberal

Corri então a comparar este registo com o assento de baptismo de Liberal Sampaio de 1846, da freguesia de Sarraquinhos, Concelho de Montalegre e lá pude ler que o meu trisavô era filho de António Rodriguez de Sampaio e de Isabel Rodrigues Liberal e neto materno de António Gonçalves Liberal e de Ana Gonçalves da Laje. Conclui sem sombra de dúvidas, que esta Senhora era a mãe de José Rodrigues Liberal Sampaio. Confesso que fiquei emocionado ao descobrir uma imagem de uma quarta avó, uma mulher que nasceu ainda antes das invasões francesas e que se lembraria ainda certamente da passagem dos exércitos napoleónicos, durante a segunda invasão, em 1809, que retiram de Portugal por Montalegre, a terra onde nasceu e cresceu.

 

 

O assento de nascimento de José Rodrigues Liberal Sampaio. Os dados coincidem na perfeição

Este assento de óbito também indica alguns dados novos, que embora pequenos, dão algumas pistas para perceber a história da família. Em primeiro lugar a Senhora saiu de Sarraquinhos, uma aldeia perdida no concelho de Montalegre e passou a residir em Chaves, que embora fosse ainda vila neste último quartel do século XIX, já era uma terra importante. Em segundo lugar, enviuvou e voltou a casar, o que me leva a pensar que talvez os liberais e os sampaios não fossem muito dados à abstinência sexual, já que o filho, que era Padre, manteve uma relação com uma senhora fidalga, da qual resultou um filho, de quem eu descendo.

A minha quarta avó vivia no Largo da Senhora da Lapa, em Chaves, que foi demolido pela DGEMN, na segunda metade do século XX, para permitir uma melhor leitura do forte abaluartado, ao qual o casario se enconstava. Foto http://www.monumentos.gov.pt , amavelmente enviada pelo meu amigo Humberto Ferreira do blog https://outeiroseco-aqi.blogs.sapo.pt/

 

Sempre tive ideia que o meu trisavô era proveniente de uma família humilde e que através da carreira eclesiástica, do seu trabalho como advogado e homem de letras e ainda da relação com uma senhora de uma importante família flaviense, tivesse alcançado uma posição social destacada. No fundo, seria aquilo que hoje se designa, um self-made man. Contudo a foto da sua mãe e das roupas que enverga, mostra-nos que não é propriamente uma camponesa, endomingada para a fotografia. Claro, não veste as toilettes sofisticadas, cheias de folhos e froufrous da fidalga, que foi amante do filho, minha trisavô, mas também quando posou para esta fotografia, cerca de 1870, era uma já uma senhora, a que a idade obrigava a vestir-se de uma forma discreta. Em todo o caso, em 1870 tirar uma fotografia era apenas acessível aos mais desafogados.

 

Todos nós temos quatro avôs, 8 bisavôs, 16 trisavôs e 32 tetravôs e ao olhar para esta senhora sinto que uma trigésima segunda parte de meu ser foi herdado dela e que talvez alguns dos meus tiques, aspectos da personalidade, propensão para ter esta ou aquela doença ou a forma das mãos sejam ainda os mesmos de Isabel Rodrigues Liberal.

 

A minha tetravó, Isabel Rodrigues Liberal

Fontes consultadas:

 

Arquivo Distrital de Vila Real:

 

- Livro de registo de baptismos 1819/1859, paróquia de Sarraquinhos, Montalegre Arquivo Distrital de Vila Real;

 

- Livro de registo de óbitos 1875, da paróquia de Santa Maria Maior de Chaves

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