Opinião

15-08-2014
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Alterar tamanho de letra Editorial Como uma opinião pode mudar em três dias Quando, no passado dia 14, o Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgou que a economia portuguesa tinha crescido 1,1% do primeiro para o segundo trimestre deste ano, ao contrário do que todas as previsões indicavam, o PS escolheu um ex-secretário de Estado de José Sócrates para comentar a notícia. E José Junqueiro desmontou os números.

Em primeiro lugar, com a credibilidade que o currículo de responsável pela Administração Local no último governo PS lhe dava, explicou que os dados do INE demonstram que “a economia portuguesa, relativamente ao período homólogo, se agravou 2% – isto quer dizer que o País continua em crise e em recessão”. E, depois, entusiasmado pela estupefacção dos jornalistas, concluiu que “este indicador (...) aprofunda a crise e não resolve os problemas do País”. Tradução: ao contrário do que possa parecer, estes números são maus e até pioraram a crise.

Três dias depois, quando o País inteiro já tinha percebido que os números do crescimento eram positivos, o PS teve uma segunda reacção à notícia. Com José Junqueiro perdido num canto de Viseu, um dirigente anónimo explicou ao Expresso que, afinal, as notícias não eram tão más como pareciam. Eram, pelo contrário, positivas e a responsabilidade por esse pequeno sucesso era do PS.

Como? Primeiro, porque a economia só cresceu no trimestre em que o Tribunal Constitucional chumbou os cortes nos subsídios de férias da função pública – uma reivindicação socialista. Depois, porque a economia só cresceu no trimestre em que Vítor Gaspar se demitiu – outra reivindicação socialista. Foram, portanto, estas medidas que empurraram a economia para o crescimento que José Junqueiro não reconhecera três dias antes.

Antes de começar a rir-se, ficam só dois ligeiríssimos detalhes sobre a última versão do PS: 1) a devolução dos subsídios de férias só será feita no fim do ano, sendo relativamente difícil – até para António José Seguro – demonstrar as consequências que essa devolução pode ter tido nas contas do início do ano; 2) Vítor Gaspar demitiu-se no dia 1 de Julho, exactamente um dia depois do fim do trimestre do crescimento.

O melhor é esperar pela terceira reacção do PS para perceber o que o partido realmente pensa.

No dia 28 de Julho de 2005, na véspera de irem para férias, os deputados juntaram-se para aprovar a lei da limitação de mandatos autárquicos. Já tinha havido uma primeira versão apresentada pelo governo de José Sócrates, uma segunda versão apresentada pela comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais e, no próprio dia, chegava uma terceira versão apresentada pelo PS e pelo PSD. Perante as queixas de alguns deputados, que nunca tinham lido o texto da lei e não sabiam em concreto em que é que estavam a votar, o presidente da Assembleia da República concedeu um ligeiro atraso nos trabalhos do último dia antes das férias: três minutos para cada grupo parlamentar ler a lei, analisá--la seriamente e dizer o que pensava. A seguir votou-se.

É claro que esta lei tem gralhas, omissões e mais um texto incompreensível que nem os seus autores sabem bem o que é suposto dizer. Há meses que os tribunais estão afundados em processos para impugnar ou autorizar candidaturas autárquicas e o País está horrorizado com a capacidade de a Justiça proferir decisões simultâneas e radicalmente opostas sobre o mesmo caso.

É claro que tudo isto foi um azar parlamentar que ocorreu uma vez sem exemplo e que não se repetirá tão cedo. Os deputados são genericamente competentes, consistentes e trabalhadores: escrevem uma lei com o mesmo cuidado com que um médico faz o diagnóstico de um doente. Na semana passada, o Público mostrou até onde vai esse cuidado. Desde o início do ano, há precisamente sete meses, já foram feitas 36 declarações de rectificação a leis publicadas – ao ritmo alucinante de mais de cinco por mês. Cada declaração de rectificação pode corrigir vários erros. A última, publicada na semana passada, faz 14 rectificações ao Código de Processo Civil.

Afinal, há um motivo para o atraso da nossa Justiça – e não é a incompetência dos juízes.

A Direcção

Artigo publicado na edição 486, de 22 a 28 de Agosto de 2013

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Em primeiro lugar, com a credibilidade que o currículo de responsável pela Administração Local no último governo PS lhe dava, explicou que os dados do INE demonstram que “a economia portuguesa, relativamente ao período homólogo, se agravou 2% – isto quer dizer que o País continua em crise e em recessão”. E, depois, entusiasmado pela estupefacção dos jornalistas, concluiu que “este indicador (...) aprofunda a crise e não resolve os problemas do País”. Tradução: ao contrário do que possa parecer, estes números são maus e até pioraram a crise.

Três dias depois, quando o País inteiro já tinha percebido que os números do crescimento eram positivos, o PS teve uma segunda reacção à notícia. Com José Junqueiro perdido num canto de Viseu, um dirigente anónimo explicou ao Expresso que, afinal, as notícias não eram tão más como pareciam. Eram, pelo contrário, positivas e a responsabilidade por esse pequeno sucesso era do PS.

Como? Primeiro, porque a economia só cresceu no trimestre em que o Tribunal Constitucional chumbou os cortes nos subsídios de férias da função pública – uma reivindicação socialista. Depois, porque a economia só cresceu no trimestre em que Vítor Gaspar se demitiu – outra reivindicação socialista. Foram, portanto, estas medidas que empurraram a economia para o crescimento que José Junqueiro não reconhecera três dias antes.

Antes de começar a rir-se, ficam só dois ligeiríssimos detalhes sobre a última versão do PS: 1) a devolução dos subsídios de férias só será feita no fim do ano, sendo relativamente difícil – até para António José Seguro – demonstrar as consequências que essa devolução pode ter tido nas contas do início do ano; 2) Vítor Gaspar demitiu-se no dia 1 de Julho, exactamente um dia depois do fim do trimestre do crescimento.

O melhor é esperar pela terceira reacção do PS para perceber o que o partido realmente pensa.

No dia 28 de Julho de 2005, na véspera de irem para férias, os deputados juntaram-se para aprovar a lei da limitação de mandatos autárquicos. Já tinha havido uma primeira versão apresentada pelo governo de José Sócrates, uma segunda versão apresentada pela comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais e, no próprio dia, chegava uma terceira versão apresentada pelo PS e pelo PSD. Perante as queixas de alguns deputados, que nunca tinham lido o texto da lei e não sabiam em concreto em que é que estavam a votar, o presidente da Assembleia da República concedeu um ligeiro atraso nos trabalhos do último dia antes das férias: três minutos para cada grupo parlamentar ler a lei, analisá--la seriamente e dizer o que pensava. A seguir votou-se.

É claro que esta lei tem gralhas, omissões e mais um texto incompreensível que nem os seus autores sabem bem o que é suposto dizer. Há meses que os tribunais estão afundados em processos para impugnar ou autorizar candidaturas autárquicas e o País está horrorizado com a capacidade de a Justiça proferir decisões simultâneas e radicalmente opostas sobre o mesmo caso.

É claro que tudo isto foi um azar parlamentar que ocorreu uma vez sem exemplo e que não se repetirá tão cedo. Os deputados são genericamente competentes, consistentes e trabalhadores: escrevem uma lei com o mesmo cuidado com que um médico faz o diagnóstico de um doente. Na semana passada, o Público mostrou até onde vai esse cuidado. Desde o início do ano, há precisamente sete meses, já foram feitas 36 declarações de rectificação a leis publicadas – ao ritmo alucinante de mais de cinco por mês. Cada declaração de rectificação pode corrigir vários erros. A última, publicada na semana passada, faz 14 rectificações ao Código de Processo Civil.

Afinal, há um motivo para o atraso da nossa Justiça – e não é a incompetência dos juízes.

A Direcção

Artigo publicado na edição 486, de 22 a 28 de Agosto de 2013

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