One woman show

12-03-2012
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Reinventa-se a cada trabalho, tem a capacidade de se transformar no próprio objecto a fotografar. O que continua a deixar sem resposta a pergunta: quem é Cindy Sherman? Retrospectiva no MoMA.

O Museum of Modern Art (MoMA) inaugurou uma retrospectiva da carreira de Cindy Sherman, desde os anos 70 até ao presente. Engloba imagens das suas mais importantes séries, como Untitled Film Stills (1977-80), ou as icónicas fotografias do mundo da moda, mas também os mais recentes Society Portraits (2008). No total, 171 fotografias que podem ser vistas nas galerias do último andar do museu nova-iorquino, até Junho, e que representam 35 anos de carreira de uma das mais influentes artistas contemporâneas.

Cindy descobriu a fotografia quando estava a estudar pintura. Percebeu que copiar outras obras era uma perda de tempo, quando com uma câmara podia fazê-lo de forma mais simples e exacta, e mais sua. Trabalha sozinha, não gosta de ter assistentes. Sempre que o tentou, sentiu que tinha de tomar conta das outras pessoas, de as entreter. Entregou-se a um processo que é só seu, onde é modelo, maquilhadora, responsável pelo guarda-roupa e fotógrafa. É one woman show.

Por se colocar nesta posição de encarnar personagens, Andy Warhol dizia que ela era "suficientemente boa para ser actriz", ideia que povoa a imaginação de muitos ao verem o seu trabalho, mas Sherman nunca mencionou sequer essa ambição. Um namorado, que a observava a andar pelo apartamento mascarada, disse-lhe que devia documentar as criações e foi assim que surgiu a primeira série. É este processo de construção que a apaixona, mas sem se entregar à personagem, como é exigido a um actor. Em 1990, em entrevista ao New York Times, justificava: "Sinto-me anónima no meu trabalho. Quando olho para as fotografias nunca me revejo, não são auto-retratos".

Eva Respini, curadora da exposição, acredita que Cindy só consegue ser tão convincente em frente a uma câmara por ser uma "performance" privada. Respini conhece o trabalho de Sherman de cor. Há uma ligação emocional que a leva a dizer que "não conhece o mundo sem Cindy Sherman" - "Sempre gostei do trabalho da Cindy, e cresci com o trabalho dela. Trabalhei nesta exposição durante os últimos dois anos. Quando vi os Society Portraits, na Metro Pictures Gallery em 2008, fiquei convencida de que era o momento certo para uma retrospectiva. As mulheres que posam para as fotografias estão a falar sobre aquilo que estamos a viver agora, estão presas nesta ideia de juventude e de aspiração a um certo estatuto, ideias que são hoje o centro da nossa cultura."

Eva explica-nos que a exposição foi organizada não de forma cronológica, mas por temas. O principal objectivo, além de dar a oportunidade de mostrar num só espaço a carreira de Sherman, é que, "vendo todas estas imagens juntas, as pessoas consigam ver a forma como ela explora a natureza da representação, e o lado escorregadio da identidade."

O mundo de Sherman

À entrada da galeria, deparamo-nos com um mural que apresenta seis personagens, aproximadamente três vezes maiores que as pessoas que as observam. Com um cenário a preto e branco como fundo, estes gigantes, que nos olham de cima, parecem emergir de um mundo de fantasia, carnavalesco. Este trabalho é um dos mais recentes (2010) e Cindy alterou detalhes na sua cara em cada uma das fotografias - aumentou o nariz, reduziu os lábios, diminuiu o espaço entre os olhos -, tudo através de Photoshop, reflectindo sobre a ideia de manipulação subtil que se usa actualmente de forma tão casual. O facto de ser apresentado à entrada da galeria sugere-nos que estamos a entrar noutro mundo: o mundo de Sherman.

A primeira fotografia que vemos data de 2008, na mesma sala que outros trabalhos dos anos 70, 80 e 90. É quase como uma aproximação geral a todo um legado, de uma só vez. Nenhuma peça tem título. Untitled é a forma que Cindy criou de não colocar preconceitos em quem vê, de fazer com que a interpretação seja individual - é uma das peculiaridades de Sherman que é apontada como possível razão para o seu sucesso.

Nesta primeira sala, encontramos a Untitled Film Stills, que pertence ao MoMA desde 1995, altura em que o curador de fotografia do museu, Peter Galassi, a adquiriu na totalidade. Esta série é composta por 70 fotografias a preto e branco, em que Cindy recriou ambientes do film noir de Hollywood, e se fotografou em várias personagens-tipo do cinema dos anos 50 e 60. O interesse pelo feminino é óbvio desde o início, com esta aproximação ao cinema, mas quando o trabalho de Sherman começa a ser encomendado por revistas de moda como a Vogue, é perceptível o fascínio por esse mundo, mas também um olhar crítico que desafia a indústria da moda. A segunda sala é dedicada a este tema, com fotografias de 1983 a 2011 - a mais recente apresentada na exposição.

Em 1981, através de uma encomenda da revista Artforum, Sherman faz uma série conhecida como Centerfolds, 12 fotografias a cores, que exploram um lado erótico, apresentando mulheres melancólicas e sensuais, o olhar quase sempre para fora da câmara. Sherman brinca com esta ideia de homens a olhar para mulheres expostas, assumindo o papel do fotógrafo homem e da mulher que é fotografada. Foi esta série que colocou Cindy sob o olhar atento dos museus, que nesta altura começaram a adquirir as suas obras. O mesmo conjunto de imagens que apaixonou Marina Abramovic, que refere uma das fotografias desta série como a sua preferida: "Uma mulher deitada, desesperada, com um telefone branco." A primeira vez que teve contacto com o trabalho de Cindy, Abramovic sentiu ligação imediata: "Como artista, tenho uma resposta muito emotiva ao trabalho. Se uma pessoa parar em frente à fotografia, percebe quão comprometido fisicamente está o corpo".

A passagem para uma sala com paredes vermelho-escuro, que revelam retratos de época, faz-nos sentir transportados para um museu de arte antiga. Cindy vivia em Roma quando fez History Portraits (1988-1990). É a primeira vez em que se transforma num homem, posando como aristocrata, mas também como leiteira ou Nossa Senhora.

Na galeria do grotesco, percebemos que as fotografias continuam a provocar a mesma sensação que nos anos 90, primeiro atracção, depois repulsa. Há imagens de vomitado, de entranhas, de um período em que se vivia censura artística. Cindy sentia-se enojada pelo mundo da arte - "Queria fazer algo que eu não imaginasse que alguém fosse comprar", disse. Na mesma sala, a série Sex, em que trabalha a ideia de exagero, cria ambientes pornográficos, mas com manequins, porque Sherman não queria usar o seu corpo, surgindo apenas por vezes em reflexo, quase invisível. Para Eva Respini, isso tem a ver com a forma como a artista trata o tema: "à superfície, ainda consegue ser bonito, mas quando se vai além disso é grotesco, não é erótico". Cindy respondia dessa forma ao diálogo sobre a sida que ecoava na altura nos EUA - mas também ao seu divórcio, como catarse.

No início do século, volta a si como modelo, e cria Headshots. É um trabalho que reflecte questões ligadas à carreira de actor, como a ambição e a frustração. Temos a ideia de que já os vimos, numa telenovela ou num reality-show. São actores ou personagens que querem ser actores, parecem mesmo saídas de Beverly Hills. A artificialidade destas fotografias contrasta com o que vemos numa sala dedicada aos mitos, ao Carnaval e aos contos de fadas, a série Clowns (2003), que explora uma paleta de emoções, em imagens que apresentam várias camadas de narrativa através das máscaras, gestos, poses e emoções.

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A mais recente série é Society Portraits, que, na opinião de Respini, é também "a mais contemporânea de sempre, porque fala sobre a ansiedade que se vive hoje. É devastadora". Ao entrarmos nesta galeria, sentimos o peso trágico dado pela dimensão das fotografias, que é em si mesma uma crítica a uma era de abundância e luxo. Estas são mulheres de uma certa idade, de um certo estatuto social, que revelam uma obsessão pela imagem. O peso psicológico das fotografias é passado através de detalhes, que desmascaram uma ideia de juventude que se pretende perpetuar, como as rugas das mãos que contrastam com a maquilhagem e com as roupas impecavelmente cuidadas. São misteriosas, mas também empáticas: aliás, Sherman já não é tão peremptória relativamente à sua distância em relação às personagens quando cria esta série, que retrata a vulnerabilidade de envelhecer. Reconhece-se na mesma ansiedade - mas ainda assim elas continuam a não ser Cindy Sherman; em recente entrevista ao New York Times, ela disse: "se a personagem for muito semelhante a mim, é rejeitada".

Há sempre esta ideia de que as caras são familiares, de que conhecemos aquela pintura, ou aquele filme, mas o que Cindy evoca é um conceito, dando-nos o estereótipo que nos é conhecido, e que foi esgotado pelo cinema, pela televisão, pela Internet ou pelas revistas. São personagens desta imaginação cultural global que Sherman cria. É difícil imaginá-la sem máquina fotográfica, mas a própria disse no passado que "não é fotógrafa, apenas usa a fotografia". Respini concorda: "a fotografia é apenas o resultado, o meio é irrelevante. O que é importante é que ela realmente explora a representação e a forma como a fotografia é tão cúmplice na criação de uma identidade. Nesse sentido, é importante que esteja a usar a fotografia para criticar a forma como é usada actualmente, mas o resultado podia ser um quadro, ou uma escultura. O que realmente importa é o conceito e a mensagem por trás do trabalho, mais do que o meio."

O processo que envolve cada uma das fotografias da carreira de Sherman é, por vezes, mais aliciante do que o resultado, ritual privado que a leva até à personagem que nos apresenta, ideia de que é modelo e fotógrafo, nunca revelando muito de si. Mas a mulher por trás da personagem é, segundo Eva Respini, "um incrível ser humano, muito terra à terra e corajosa": "Uma das coisas que mais me impressionaram foi a sua abertura para a variedade de leituras do seu trabalho. A maioria dos artistas hoje em dia gosta de esclarecer e prescrever o que é o seu trabalho, e a Cindy faz e depois entrega-o ao mundo. Tem um ego minúsculo e está completamente disponível a todos os tipos de interpretação."

Reinventa-se a cada trabalho, tem a capacidade de se transformar no próprio objecto a fotografar. O que continua a deixar sem resposta a pergunta: quem é Cindy Sherman? Retrospectiva no MoMA.

O Museum of Modern Art (MoMA) inaugurou uma retrospectiva da carreira de Cindy Sherman, desde os anos 70 até ao presente. Engloba imagens das suas mais importantes séries, como Untitled Film Stills (1977-80), ou as icónicas fotografias do mundo da moda, mas também os mais recentes Society Portraits (2008). No total, 171 fotografias que podem ser vistas nas galerias do último andar do museu nova-iorquino, até Junho, e que representam 35 anos de carreira de uma das mais influentes artistas contemporâneas.

Cindy descobriu a fotografia quando estava a estudar pintura. Percebeu que copiar outras obras era uma perda de tempo, quando com uma câmara podia fazê-lo de forma mais simples e exacta, e mais sua. Trabalha sozinha, não gosta de ter assistentes. Sempre que o tentou, sentiu que tinha de tomar conta das outras pessoas, de as entreter. Entregou-se a um processo que é só seu, onde é modelo, maquilhadora, responsável pelo guarda-roupa e fotógrafa. É one woman show.

Por se colocar nesta posição de encarnar personagens, Andy Warhol dizia que ela era "suficientemente boa para ser actriz", ideia que povoa a imaginação de muitos ao verem o seu trabalho, mas Sherman nunca mencionou sequer essa ambição. Um namorado, que a observava a andar pelo apartamento mascarada, disse-lhe que devia documentar as criações e foi assim que surgiu a primeira série. É este processo de construção que a apaixona, mas sem se entregar à personagem, como é exigido a um actor. Em 1990, em entrevista ao New York Times, justificava: "Sinto-me anónima no meu trabalho. Quando olho para as fotografias nunca me revejo, não são auto-retratos".

Eva Respini, curadora da exposição, acredita que Cindy só consegue ser tão convincente em frente a uma câmara por ser uma "performance" privada. Respini conhece o trabalho de Sherman de cor. Há uma ligação emocional que a leva a dizer que "não conhece o mundo sem Cindy Sherman" - "Sempre gostei do trabalho da Cindy, e cresci com o trabalho dela. Trabalhei nesta exposição durante os últimos dois anos. Quando vi os Society Portraits, na Metro Pictures Gallery em 2008, fiquei convencida de que era o momento certo para uma retrospectiva. As mulheres que posam para as fotografias estão a falar sobre aquilo que estamos a viver agora, estão presas nesta ideia de juventude e de aspiração a um certo estatuto, ideias que são hoje o centro da nossa cultura."

Eva explica-nos que a exposição foi organizada não de forma cronológica, mas por temas. O principal objectivo, além de dar a oportunidade de mostrar num só espaço a carreira de Sherman, é que, "vendo todas estas imagens juntas, as pessoas consigam ver a forma como ela explora a natureza da representação, e o lado escorregadio da identidade."

O mundo de Sherman

À entrada da galeria, deparamo-nos com um mural que apresenta seis personagens, aproximadamente três vezes maiores que as pessoas que as observam. Com um cenário a preto e branco como fundo, estes gigantes, que nos olham de cima, parecem emergir de um mundo de fantasia, carnavalesco. Este trabalho é um dos mais recentes (2010) e Cindy alterou detalhes na sua cara em cada uma das fotografias - aumentou o nariz, reduziu os lábios, diminuiu o espaço entre os olhos -, tudo através de Photoshop, reflectindo sobre a ideia de manipulação subtil que se usa actualmente de forma tão casual. O facto de ser apresentado à entrada da galeria sugere-nos que estamos a entrar noutro mundo: o mundo de Sherman.

A primeira fotografia que vemos data de 2008, na mesma sala que outros trabalhos dos anos 70, 80 e 90. É quase como uma aproximação geral a todo um legado, de uma só vez. Nenhuma peça tem título. Untitled é a forma que Cindy criou de não colocar preconceitos em quem vê, de fazer com que a interpretação seja individual - é uma das peculiaridades de Sherman que é apontada como possível razão para o seu sucesso.

Nesta primeira sala, encontramos a Untitled Film Stills, que pertence ao MoMA desde 1995, altura em que o curador de fotografia do museu, Peter Galassi, a adquiriu na totalidade. Esta série é composta por 70 fotografias a preto e branco, em que Cindy recriou ambientes do film noir de Hollywood, e se fotografou em várias personagens-tipo do cinema dos anos 50 e 60. O interesse pelo feminino é óbvio desde o início, com esta aproximação ao cinema, mas quando o trabalho de Sherman começa a ser encomendado por revistas de moda como a Vogue, é perceptível o fascínio por esse mundo, mas também um olhar crítico que desafia a indústria da moda. A segunda sala é dedicada a este tema, com fotografias de 1983 a 2011 - a mais recente apresentada na exposição.

Em 1981, através de uma encomenda da revista Artforum, Sherman faz uma série conhecida como Centerfolds, 12 fotografias a cores, que exploram um lado erótico, apresentando mulheres melancólicas e sensuais, o olhar quase sempre para fora da câmara. Sherman brinca com esta ideia de homens a olhar para mulheres expostas, assumindo o papel do fotógrafo homem e da mulher que é fotografada. Foi esta série que colocou Cindy sob o olhar atento dos museus, que nesta altura começaram a adquirir as suas obras. O mesmo conjunto de imagens que apaixonou Marina Abramovic, que refere uma das fotografias desta série como a sua preferida: "Uma mulher deitada, desesperada, com um telefone branco." A primeira vez que teve contacto com o trabalho de Cindy, Abramovic sentiu ligação imediata: "Como artista, tenho uma resposta muito emotiva ao trabalho. Se uma pessoa parar em frente à fotografia, percebe quão comprometido fisicamente está o corpo".

A passagem para uma sala com paredes vermelho-escuro, que revelam retratos de época, faz-nos sentir transportados para um museu de arte antiga. Cindy vivia em Roma quando fez History Portraits (1988-1990). É a primeira vez em que se transforma num homem, posando como aristocrata, mas também como leiteira ou Nossa Senhora.

Na galeria do grotesco, percebemos que as fotografias continuam a provocar a mesma sensação que nos anos 90, primeiro atracção, depois repulsa. Há imagens de vomitado, de entranhas, de um período em que se vivia censura artística. Cindy sentia-se enojada pelo mundo da arte - "Queria fazer algo que eu não imaginasse que alguém fosse comprar", disse. Na mesma sala, a série Sex, em que trabalha a ideia de exagero, cria ambientes pornográficos, mas com manequins, porque Sherman não queria usar o seu corpo, surgindo apenas por vezes em reflexo, quase invisível. Para Eva Respini, isso tem a ver com a forma como a artista trata o tema: "à superfície, ainda consegue ser bonito, mas quando se vai além disso é grotesco, não é erótico". Cindy respondia dessa forma ao diálogo sobre a sida que ecoava na altura nos EUA - mas também ao seu divórcio, como catarse.

No início do século, volta a si como modelo, e cria Headshots. É um trabalho que reflecte questões ligadas à carreira de actor, como a ambição e a frustração. Temos a ideia de que já os vimos, numa telenovela ou num reality-show. São actores ou personagens que querem ser actores, parecem mesmo saídas de Beverly Hills. A artificialidade destas fotografias contrasta com o que vemos numa sala dedicada aos mitos, ao Carnaval e aos contos de fadas, a série Clowns (2003), que explora uma paleta de emoções, em imagens que apresentam várias camadas de narrativa através das máscaras, gestos, poses e emoções.

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A mais recente série é Society Portraits, que, na opinião de Respini, é também "a mais contemporânea de sempre, porque fala sobre a ansiedade que se vive hoje. É devastadora". Ao entrarmos nesta galeria, sentimos o peso trágico dado pela dimensão das fotografias, que é em si mesma uma crítica a uma era de abundância e luxo. Estas são mulheres de uma certa idade, de um certo estatuto social, que revelam uma obsessão pela imagem. O peso psicológico das fotografias é passado através de detalhes, que desmascaram uma ideia de juventude que se pretende perpetuar, como as rugas das mãos que contrastam com a maquilhagem e com as roupas impecavelmente cuidadas. São misteriosas, mas também empáticas: aliás, Sherman já não é tão peremptória relativamente à sua distância em relação às personagens quando cria esta série, que retrata a vulnerabilidade de envelhecer. Reconhece-se na mesma ansiedade - mas ainda assim elas continuam a não ser Cindy Sherman; em recente entrevista ao New York Times, ela disse: "se a personagem for muito semelhante a mim, é rejeitada".

Há sempre esta ideia de que as caras são familiares, de que conhecemos aquela pintura, ou aquele filme, mas o que Cindy evoca é um conceito, dando-nos o estereótipo que nos é conhecido, e que foi esgotado pelo cinema, pela televisão, pela Internet ou pelas revistas. São personagens desta imaginação cultural global que Sherman cria. É difícil imaginá-la sem máquina fotográfica, mas a própria disse no passado que "não é fotógrafa, apenas usa a fotografia". Respini concorda: "a fotografia é apenas o resultado, o meio é irrelevante. O que é importante é que ela realmente explora a representação e a forma como a fotografia é tão cúmplice na criação de uma identidade. Nesse sentido, é importante que esteja a usar a fotografia para criticar a forma como é usada actualmente, mas o resultado podia ser um quadro, ou uma escultura. O que realmente importa é o conceito e a mensagem por trás do trabalho, mais do que o meio."

O processo que envolve cada uma das fotografias da carreira de Sherman é, por vezes, mais aliciante do que o resultado, ritual privado que a leva até à personagem que nos apresenta, ideia de que é modelo e fotógrafo, nunca revelando muito de si. Mas a mulher por trás da personagem é, segundo Eva Respini, "um incrível ser humano, muito terra à terra e corajosa": "Uma das coisas que mais me impressionaram foi a sua abertura para a variedade de leituras do seu trabalho. A maioria dos artistas hoje em dia gosta de esclarecer e prescrever o que é o seu trabalho, e a Cindy faz e depois entrega-o ao mundo. Tem um ego minúsculo e está completamente disponível a todos os tipos de interpretação."

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