Francisco passa os dias entre laranjeiras e alfaces. Maria pinta hortênsias e faz voluntariado

12-03-2012
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Vivem mais sós do que o resto da população. São mais vulneráveis à pobreza. Participam menos em actividades políticas. Como é a vida depois dos 65 anos? Dois casos. Ele vive no campo, no Alentejo. Ela, na capital. PorAndreia Sanches

a Francisco Pulquério Sesinando, 72 anos, vive na vila de Beringel, em Beja. "Chamam-me "Chico dos Tomates". É como toda a gente me conhece, porque fui um homem que fez muito tomate aqui na região." Encontramo-lo às dez da manhã em cima de um tractor, a "preparar a terra". Minutos depois está a dobrar um arame, em forma de arco, que agarra com força, uma ponta em cada mão, para demonstrar a sua técnica para encontrar água. Dá uns passos devagarinho. Depois pára à beira de uma oliveira. "Olhe, já está puxando! Quando há água, a terra puxa o arame para baixo. Isto foi um dote que Deus me deu."

Esta reportagem, havemos de lhe explicar, é sobre a velhice e sobre como é vivê-la numa grande cidade, como Lisboa, ou num meio rural, como Beringel. E Francisco explicará que os seus dias são assim: nos seus cinco hectares de terra produz agriões, batatas, favas, couves e alfaces. Vende tudo para uma grande rede de supermercados.

Tem 20 ovelhas. Mais galinhas, pintos, patos e perus - chama-os aos gritos: "Piiiiiiiiiiiiii, piiiiiiiiiiii, piiiiiii." E de repente há 20 bicos de pato, galinha e peru a apontar na sua direcção, como se o estivessem a ouvir atentamente. "Às vezes, à noite, dou-lhes um brado e as ovelhas, que por aí estão espalhadas, vêm todas."

Depois de almoço, a mulher, também reformada, como ele, irá, como sempre, ajudá-lo no campo. E ao fim do dia - "Não temos horários" - regressarão a casa, na vila, jantarão com o filho (que é segurança e vive com eles). À noite, Francisco gosta de ver as notícias e, se não adormecer, também a telenovela. Se adormecer, é uma pena, porque já não pode, no dia seguinte, trocar impressões com a mulher sobre o enredo.

Não trocava esta velhice por outra, na cidade, garante.

Mais pobres

Não há uma definição sobre que ponto marca a entrada na chamada "terceira idade". Mas muitos estudos sobre envelhecimento traçam a linha nos 65 anos. Siga-se o critério. Em 2009, 17,6 por cento dos portugueses tinham 65 ou mais anos. E até 2060 a proporção de idosos continuará a aumentar - passará para 32,3 por cento, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE).

As estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU) - que considera que Portugal já é o oitavo país mais envelhecido do mundo - remetem para um cenário não muito diferente. Em 2050, ano máximo para o qual a Divisão da População da ONU faz projecções, um terço dos portugueses e um em cada cinco europeus terá pelo menos 65 anos.

A esperança média de vida em Portugal não tem parado de aumentar: era de 73 anos em meados dos anos 80; de 76,7 no início dos anos 2000; é de 78,8 actualmente (as mulheres podem aspirar a mais anos de vida, quase 82).

Estes números são positivos, mas também significam que existe hoje toda uma geração de idosos que "não pensava que iria viver tanto tempo", diz António Fonseca, professor da Universidade Católica Portuguesa, autor de vários estudos sobre envelhecimento em Portugal. Resultado: nem sempre se prepararam convenientemente. Como assim? O professor exemplifica: muitos vivem em casas velhas que não trataram de cuidar, porque achavam que não iam envelhecer com elas, ou simplesmente acreditavam que algum filho acabaria por recebê-los - o que nem sempre aconteceu.

Em média, na União Europeia (UE), 42,1 por cento das mulheres com mais de 65 anos e 19,5 por cento dos homens da mesma idade vivem sozinhos.

Na Suécia e na Dinamarca chega a ser metade da população com esta idade. Em Portugal, acontece com três em cada dez mulheres idosas (e com 11 por cento dos homens).

As estatísticas do Eurostat, o gabinete de estatística da UE, mostram, de resto, que os mais velhos tendem a ser mais atingidos pela pobreza, a viver mais isolados e a estar mais arredados de uma série de actividades - participam menos em actividades políticas e culturais, dão-se menos com amigos...

Portugal confirma a tendência. Por exemplo: um em cada quatro idosos tem rendimentos abaixo do limiar a partir do qual se é considerado pobre - qualquer coisa como 414 euros por mês. É uma taxa dois pontos acima da média nacional.

Dias diferentes

Maria Isabel Silva Pinto é uma das que engrossam as estatísticas dos idosos que vivem sós. É apenas um ano mais nova do que Francisco. Tem 71 anos, mora em Lisboa, num 7.º andar de um prédio com vista para outros prédios e para Monsanto.

Foi professora durante 40 anos - primeiro de Matemática, depois de Religião e Moral - e há seis anos reformou-se. Tem os dias preenchidos de uma forma muito diferente daquela que Francisco usa para preencher os seus.

Frequenta aulas de Pintura - gosta de pintar flores, sobretudo flores que sejam muito coloridas, como as hortênsias - e de natação. Faz voluntariado, participa num grupo de leitura e em dois grupos de reflexão cristã. Tenta ir ao cinema com regularidade. Vai quase todos os dias à missa. Gosta de beber chá com as amigas, de almoçar fora duas, três vezes por semana. De ir a concertos, ao teatro, ao ballet. De conduzir. De receber amigos e ficar a conversar até tarde.

Conhece os vizinhos, o senhor do café, da padaria, o guarda-nocturno. Sente-se segura e não trocava Lisboa pela calma vida do campo. "Sou cem por cento cidade", diz.

E, agora que está reformada, aprecia o que a cidade tem para dar. Diz que tem "genes felizes" e gosta muito da vida, pelo que aproveita todos os segundos - "Costumo dizer que envelhecer é como subir uma montanha. Para lá chegar há muitos obstáculos. Mas lá em cima respira-se melhor, vê-se mais longe." E conta tudo isto com um sorriso sereno.

A pensão de reforma de professora, "sendo muito menor do que noutros países", permite-lhe manter um certo estilo de vida, explica ainda, na sua sala de estar, cheia de fotos de família, presépios de todo o mundo que os amigos e familiares lhe trazem das suas viagens e quadros pintados pelo pai.

Sabe que há muita solidão entre os mais velhos. Convive com ela quando faz voluntariado em lares da cidade e encontra pessoas que têm muitos filhos, mas só são visitados no Natal, na Páscoa e no dia de aniversário. "A muitas [pessoas] falta a rede familiar. E muitas não souberam fomentar amizades, criar redes de amigos. Nesse aspecto é pior na cidade do que no campo."

A sua experiência pessoal é, contudo, diferente: "Eu e os meus filhos somos muito unidos. Sinto-me permanentemente acompanhada. Se digo "ai", tenho-os aqui em casa. E tenho uma rede de amizades excelente. Não tenho problemas com a velhice. A idade relativiza muito tudo o que não é essencial."

Reforma de 300 euros

É certo que o envelhecimento da população coloca desafios à estabilidade dos sistemas de protecção social da Europa. Mas é o próprio Eurostat que recorda, num dos seus últimos relatórios (), que estas pessoas, que vivem até cada vez mais tarde e com mais saúde, constituem um grupo de consumidores que pode ser "um estímulo para a economia". Pessoas como Maria Isabel que, com os filhos criados, têm mais tempo e disponibilidade para comprar, estudar, viajar... - "Desde que me reformei tento fazer uma viagem por ano."

"Os americanos chamam-lhe indústria da reforma", explica António Fonseca. "Passa pela criação de bens e serviços especificamente destinados a pessoas reformadas, como o turismo sénior ou as universidades da terceira idade. Há 30 anos, uma universidade sénior em Portugal seria um disparate. Hoje são um sucesso, são frequentadas por milhares de pessoas."

Cada vez mais os idosos tenderão a preocupar-se com outras coisas que não a mera satisfação das necessidades básicas, continua este doutorado em Ciências Biomédicas. "Somos mais escolarizados, mais exigentes e, se hoje há um milhão de pessoas com reformas abaixo dos 300 euros, isso tenderá a mudar. Os idosos vão viver com mais qualidade do que a actual geração de idosos, até porque o ponto de partida é muito baixo... E as pessoas também estão mais prevenidas, sabem que vão viver mais."

Regresso a Beringel: "Já viu esta vista?", pergunta Francisco parado no alto do monte. Há décadas que tem esta propriedade, mas ainda hoje lhe dá para parar lá no alto e estender a mão para os montes e gabar o que os olhos alcançam. "É aqui que passo os meus dias até que a morte venha."

O lazer, para Francisco, que tem uma reforma de 300 euros, parece ser pouco mais do que isto: respirar fundo lá no alto. Até porque lhe sobra pouco tempo para fazer outras coisas que não passem pelo trabalho no campo. Excepto, talvez, ver televisão, essa fiel "amiga" dos mais velhos - que vêem cerca de cinco horas de TV por dia; mais duas horas e 20 minutos do que a população em geral.

Francisco não precisa de tanto para se manter informado. Mas está nos seus planos "aprender a Internet" - oito em cada dez idosos já concretizaram esse desejo e usam-na -, o que deverá acontecer quando "se retirar". E deverá retirar-se em breve. Está tudo planeado: fez sociedade "com um rapaz" que à tarde o vai ajudar no campo e que aos fins-de-semana leva os filhos que ajudam também. "Uma sociedade em que ele dá o trabalho." Anda a ensinar-lhes o que aprendeu ao longo da vida, para que possam ser eles a assumir a lida do campo.

O campo e a cidade

Alguns autores, como António Fonseca, têm estudado a velhice nos meios urbanos e rurais. O que Fonseca descobriu, num estudo recente, foi que os idosos rurais tendem a ser mais activos e autónomos. E que os da cidade são mais ansiosos e vivem mais tolhidos pela insegurança de sair à rua, pelo medo de ser assaltado, de escorregar ao descer umas escadas, por exemplo. "As nossas cidades são ainda muito hostis."

Mas nem tudo são rosas no campo, apesar de uma visão romântica que ainda possa imperar. Os idosos que vivem nas zonas rurais deparam-se muitas vezes com a ausência de serviços sociais, de saúde e de transportes, apresentam dificuldades económicas evidentes para aceder a serviços e equipamentos afastados da sua zona residencial, e a migração do mundo rural para zonas urbanas despovoou as comunidades e afastou potenciais cuidadores familiares, diz Fonseca.

Francisco não se queixa. Se precisa de um médico, vai à extensão de Saúde. Se precisa de um hospital, o de Beja fica ali, a cerca de 13 quilómetros. Depois, tem a família por perto. Um dos filhos vive com ele. O outro tem a sua própria terra e também é agricultor. "É como se vivêssemos todos juntos." Para além disso, na vila toda a gente o conhece e ele dá-se bem com toda a gente. É, afinal, "o Chico dos Tomates".

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A julgar pelos dados do Eurostat, a proximidade dos idosos portugueses com a família, amigos e vizinhos parece, de resto, ser maior do que noutros países (ver infografia). De novo os números: mais de um terço dos portugueses que ultrapassaram a barreira dos 65 dizem que têm contacto diário com amigos (a média da UE é de apenas 14,9 por cento) e 39 por cento garantem relacionar-se diariamente com familiares (contra 21 por cento na UE). Se for preciso algum tipo de ajuda, apenas sete por cento dizem que não podem pedir apoio. A média da UE é 13,2 por cento.

António Fonseca lembra, contudo, que isto não significa que a solidão não marque a vida de muitas destas pessoas. Até porque o que os estudos revelam também é que muitas não são completamente sinceras quando respondem a perguntas do tipo: "Com que regularidade vê os filhos?" Tendem a pintar a realidade mais cor-de-rosa do que ela é.

Vivem mais sós do que o resto da população. São mais vulneráveis à pobreza. Participam menos em actividades políticas. Como é a vida depois dos 65 anos? Dois casos. Ele vive no campo, no Alentejo. Ela, na capital. PorAndreia Sanches

a Francisco Pulquério Sesinando, 72 anos, vive na vila de Beringel, em Beja. "Chamam-me "Chico dos Tomates". É como toda a gente me conhece, porque fui um homem que fez muito tomate aqui na região." Encontramo-lo às dez da manhã em cima de um tractor, a "preparar a terra". Minutos depois está a dobrar um arame, em forma de arco, que agarra com força, uma ponta em cada mão, para demonstrar a sua técnica para encontrar água. Dá uns passos devagarinho. Depois pára à beira de uma oliveira. "Olhe, já está puxando! Quando há água, a terra puxa o arame para baixo. Isto foi um dote que Deus me deu."

Esta reportagem, havemos de lhe explicar, é sobre a velhice e sobre como é vivê-la numa grande cidade, como Lisboa, ou num meio rural, como Beringel. E Francisco explicará que os seus dias são assim: nos seus cinco hectares de terra produz agriões, batatas, favas, couves e alfaces. Vende tudo para uma grande rede de supermercados.

Tem 20 ovelhas. Mais galinhas, pintos, patos e perus - chama-os aos gritos: "Piiiiiiiiiiiiii, piiiiiiiiiiii, piiiiiii." E de repente há 20 bicos de pato, galinha e peru a apontar na sua direcção, como se o estivessem a ouvir atentamente. "Às vezes, à noite, dou-lhes um brado e as ovelhas, que por aí estão espalhadas, vêm todas."

Depois de almoço, a mulher, também reformada, como ele, irá, como sempre, ajudá-lo no campo. E ao fim do dia - "Não temos horários" - regressarão a casa, na vila, jantarão com o filho (que é segurança e vive com eles). À noite, Francisco gosta de ver as notícias e, se não adormecer, também a telenovela. Se adormecer, é uma pena, porque já não pode, no dia seguinte, trocar impressões com a mulher sobre o enredo.

Não trocava esta velhice por outra, na cidade, garante.

Mais pobres

Não há uma definição sobre que ponto marca a entrada na chamada "terceira idade". Mas muitos estudos sobre envelhecimento traçam a linha nos 65 anos. Siga-se o critério. Em 2009, 17,6 por cento dos portugueses tinham 65 ou mais anos. E até 2060 a proporção de idosos continuará a aumentar - passará para 32,3 por cento, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE).

As estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU) - que considera que Portugal já é o oitavo país mais envelhecido do mundo - remetem para um cenário não muito diferente. Em 2050, ano máximo para o qual a Divisão da População da ONU faz projecções, um terço dos portugueses e um em cada cinco europeus terá pelo menos 65 anos.

A esperança média de vida em Portugal não tem parado de aumentar: era de 73 anos em meados dos anos 80; de 76,7 no início dos anos 2000; é de 78,8 actualmente (as mulheres podem aspirar a mais anos de vida, quase 82).

Estes números são positivos, mas também significam que existe hoje toda uma geração de idosos que "não pensava que iria viver tanto tempo", diz António Fonseca, professor da Universidade Católica Portuguesa, autor de vários estudos sobre envelhecimento em Portugal. Resultado: nem sempre se prepararam convenientemente. Como assim? O professor exemplifica: muitos vivem em casas velhas que não trataram de cuidar, porque achavam que não iam envelhecer com elas, ou simplesmente acreditavam que algum filho acabaria por recebê-los - o que nem sempre aconteceu.

Em média, na União Europeia (UE), 42,1 por cento das mulheres com mais de 65 anos e 19,5 por cento dos homens da mesma idade vivem sozinhos.

Na Suécia e na Dinamarca chega a ser metade da população com esta idade. Em Portugal, acontece com três em cada dez mulheres idosas (e com 11 por cento dos homens).

As estatísticas do Eurostat, o gabinete de estatística da UE, mostram, de resto, que os mais velhos tendem a ser mais atingidos pela pobreza, a viver mais isolados e a estar mais arredados de uma série de actividades - participam menos em actividades políticas e culturais, dão-se menos com amigos...

Portugal confirma a tendência. Por exemplo: um em cada quatro idosos tem rendimentos abaixo do limiar a partir do qual se é considerado pobre - qualquer coisa como 414 euros por mês. É uma taxa dois pontos acima da média nacional.

Dias diferentes

Maria Isabel Silva Pinto é uma das que engrossam as estatísticas dos idosos que vivem sós. É apenas um ano mais nova do que Francisco. Tem 71 anos, mora em Lisboa, num 7.º andar de um prédio com vista para outros prédios e para Monsanto.

Foi professora durante 40 anos - primeiro de Matemática, depois de Religião e Moral - e há seis anos reformou-se. Tem os dias preenchidos de uma forma muito diferente daquela que Francisco usa para preencher os seus.

Frequenta aulas de Pintura - gosta de pintar flores, sobretudo flores que sejam muito coloridas, como as hortênsias - e de natação. Faz voluntariado, participa num grupo de leitura e em dois grupos de reflexão cristã. Tenta ir ao cinema com regularidade. Vai quase todos os dias à missa. Gosta de beber chá com as amigas, de almoçar fora duas, três vezes por semana. De ir a concertos, ao teatro, ao ballet. De conduzir. De receber amigos e ficar a conversar até tarde.

Conhece os vizinhos, o senhor do café, da padaria, o guarda-nocturno. Sente-se segura e não trocava Lisboa pela calma vida do campo. "Sou cem por cento cidade", diz.

E, agora que está reformada, aprecia o que a cidade tem para dar. Diz que tem "genes felizes" e gosta muito da vida, pelo que aproveita todos os segundos - "Costumo dizer que envelhecer é como subir uma montanha. Para lá chegar há muitos obstáculos. Mas lá em cima respira-se melhor, vê-se mais longe." E conta tudo isto com um sorriso sereno.

A pensão de reforma de professora, "sendo muito menor do que noutros países", permite-lhe manter um certo estilo de vida, explica ainda, na sua sala de estar, cheia de fotos de família, presépios de todo o mundo que os amigos e familiares lhe trazem das suas viagens e quadros pintados pelo pai.

Sabe que há muita solidão entre os mais velhos. Convive com ela quando faz voluntariado em lares da cidade e encontra pessoas que têm muitos filhos, mas só são visitados no Natal, na Páscoa e no dia de aniversário. "A muitas [pessoas] falta a rede familiar. E muitas não souberam fomentar amizades, criar redes de amigos. Nesse aspecto é pior na cidade do que no campo."

A sua experiência pessoal é, contudo, diferente: "Eu e os meus filhos somos muito unidos. Sinto-me permanentemente acompanhada. Se digo "ai", tenho-os aqui em casa. E tenho uma rede de amizades excelente. Não tenho problemas com a velhice. A idade relativiza muito tudo o que não é essencial."

Reforma de 300 euros

É certo que o envelhecimento da população coloca desafios à estabilidade dos sistemas de protecção social da Europa. Mas é o próprio Eurostat que recorda, num dos seus últimos relatórios (), que estas pessoas, que vivem até cada vez mais tarde e com mais saúde, constituem um grupo de consumidores que pode ser "um estímulo para a economia". Pessoas como Maria Isabel que, com os filhos criados, têm mais tempo e disponibilidade para comprar, estudar, viajar... - "Desde que me reformei tento fazer uma viagem por ano."

"Os americanos chamam-lhe indústria da reforma", explica António Fonseca. "Passa pela criação de bens e serviços especificamente destinados a pessoas reformadas, como o turismo sénior ou as universidades da terceira idade. Há 30 anos, uma universidade sénior em Portugal seria um disparate. Hoje são um sucesso, são frequentadas por milhares de pessoas."

Cada vez mais os idosos tenderão a preocupar-se com outras coisas que não a mera satisfação das necessidades básicas, continua este doutorado em Ciências Biomédicas. "Somos mais escolarizados, mais exigentes e, se hoje há um milhão de pessoas com reformas abaixo dos 300 euros, isso tenderá a mudar. Os idosos vão viver com mais qualidade do que a actual geração de idosos, até porque o ponto de partida é muito baixo... E as pessoas também estão mais prevenidas, sabem que vão viver mais."

Regresso a Beringel: "Já viu esta vista?", pergunta Francisco parado no alto do monte. Há décadas que tem esta propriedade, mas ainda hoje lhe dá para parar lá no alto e estender a mão para os montes e gabar o que os olhos alcançam. "É aqui que passo os meus dias até que a morte venha."

O lazer, para Francisco, que tem uma reforma de 300 euros, parece ser pouco mais do que isto: respirar fundo lá no alto. Até porque lhe sobra pouco tempo para fazer outras coisas que não passem pelo trabalho no campo. Excepto, talvez, ver televisão, essa fiel "amiga" dos mais velhos - que vêem cerca de cinco horas de TV por dia; mais duas horas e 20 minutos do que a população em geral.

Francisco não precisa de tanto para se manter informado. Mas está nos seus planos "aprender a Internet" - oito em cada dez idosos já concretizaram esse desejo e usam-na -, o que deverá acontecer quando "se retirar". E deverá retirar-se em breve. Está tudo planeado: fez sociedade "com um rapaz" que à tarde o vai ajudar no campo e que aos fins-de-semana leva os filhos que ajudam também. "Uma sociedade em que ele dá o trabalho." Anda a ensinar-lhes o que aprendeu ao longo da vida, para que possam ser eles a assumir a lida do campo.

O campo e a cidade

Alguns autores, como António Fonseca, têm estudado a velhice nos meios urbanos e rurais. O que Fonseca descobriu, num estudo recente, foi que os idosos rurais tendem a ser mais activos e autónomos. E que os da cidade são mais ansiosos e vivem mais tolhidos pela insegurança de sair à rua, pelo medo de ser assaltado, de escorregar ao descer umas escadas, por exemplo. "As nossas cidades são ainda muito hostis."

Mas nem tudo são rosas no campo, apesar de uma visão romântica que ainda possa imperar. Os idosos que vivem nas zonas rurais deparam-se muitas vezes com a ausência de serviços sociais, de saúde e de transportes, apresentam dificuldades económicas evidentes para aceder a serviços e equipamentos afastados da sua zona residencial, e a migração do mundo rural para zonas urbanas despovoou as comunidades e afastou potenciais cuidadores familiares, diz Fonseca.

Francisco não se queixa. Se precisa de um médico, vai à extensão de Saúde. Se precisa de um hospital, o de Beja fica ali, a cerca de 13 quilómetros. Depois, tem a família por perto. Um dos filhos vive com ele. O outro tem a sua própria terra e também é agricultor. "É como se vivêssemos todos juntos." Para além disso, na vila toda a gente o conhece e ele dá-se bem com toda a gente. É, afinal, "o Chico dos Tomates".

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A julgar pelos dados do Eurostat, a proximidade dos idosos portugueses com a família, amigos e vizinhos parece, de resto, ser maior do que noutros países (ver infografia). De novo os números: mais de um terço dos portugueses que ultrapassaram a barreira dos 65 dizem que têm contacto diário com amigos (a média da UE é de apenas 14,9 por cento) e 39 por cento garantem relacionar-se diariamente com familiares (contra 21 por cento na UE). Se for preciso algum tipo de ajuda, apenas sete por cento dizem que não podem pedir apoio. A média da UE é 13,2 por cento.

António Fonseca lembra, contudo, que isto não significa que a solidão não marque a vida de muitas destas pessoas. Até porque o que os estudos revelam também é que muitas não são completamente sinceras quando respondem a perguntas do tipo: "Com que regularidade vê os filhos?" Tendem a pintar a realidade mais cor-de-rosa do que ela é.

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