Fernando Madrinha

25-06-2011
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Pág. 3 de 20 « ... | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | ... » Ver 10, 20, 50 resultados por pág. Bastam 180 Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 11 de fevereiro de 2011 Se Lacão tivesse dado um passo maior do que a perna não se perceberia que ainda continuasse ministro. Quando o ministro Jorge Lacão veio defender a redução do número de deputados de 230 para 180, pensou-se que talvez agora o Governo e o PS se decidissem a viabilizar algumas das reformas do sistema político cuja necessidade é sentida há muito. A redução do número de deputados é apenas uma delas. Mas de pouco valerá se não for acompanhada de uma mudança profunda no sistema eleitoral que permita melhorar a qualidade média do Parlamento. Ele não fica mais credível só por ter menos 50 deputados, caso os restantes continuem a ser eleitos em listas fechadas e elaboradas pelos estados-maiores dos partidos, segundo critérios em que sempre prevalecerão os da fidelidade à liderança de serviço. Ao excluir Passos Coelho e Miguel Relvas da 'sua' lista para as últimas eleições, Manuela Ferreira Leite deu o exemplo acabado dessa atitude de que todos os líderes se arrogam, mais ou menos disfarçadamente. O PSD defende há muito a redução do número de deputados e correu a disponibilizar-se para o debate alvitrado, mas, aparentemente, deu um passo em falso: a ideia de Lacão conta pouco. É pessoal, diz o líder parlamentar, Francisco Assis. Ora, é tão estranho Lacão ter tomado a iniciativa de falar publicamente num assunto tão delicado sem conhecimento prévio do primeiro-ministro, como é estranha a reação algo destemperada de Assis, em geral sereno e cordato perante situações deste tipo. Aliás, se Lacão tivesse dado um passo maior do que a perna, não se perceberia que continuasse ministro depois de reafirmar a sua posição e de responder positivamente à proposta de conversações com o PSD já depois de Assis se ter pronunciado contra a sua proposta. Alguém mais no Governo deve pensar como Lacão, embora o PS seja fértil neste tipo de encenações com a ideia peregrina, mas muito frequente, de que defender uma coisa e o seu contrário é uma boa forma de fazer política. Este tempo de revisão constitucional e de crise económica e financeira devia ser aproveitado para se fazerem reformas capazes de refundar o regime, criando condições para a sua credibilização. E neste ponto é Lacão quem tem razão e não Assis. Há mais de uma década, António Costa elaborou uma proposta de trabalho para um novo sistema eleitoral que previa a introdução de círculos uninominais e a preservação de um círculo nacional para assegurar uma representatividade equilibrada. Além de todas as vantagens em termos de custos para o país e de recuperação da confiança dos eleitores, mudanças deste tipo obrigariam à tão necessária reforma dos partidos, que é, talvez, a mais necessária de todas. Como dizia na quarta-feira o historiador Rui Ramos, no lançamento de um livro de António Carrapatoso com o sugestivo título "Desatar o Nó", os partidos, hoje, são mais representantes do Estado junto dos cidadãos do que representantes dos cidadãos junto do Estado. Obrigarem-se a regressar às origens e a reassumirem o seu papel, que tanto têm desvirtuado, era um serviço que deviam prestar a si próprios e à democracia. Ministério Público prefere os bufos

O advogado Ricardo Sá Fernandes é arguido em cinco-processos-cinco por ter denunciado uma tentativa de corrupção efetuada por um empresário de Braga. A Justiça nunca negou a existência dessa tentativa de corrupção. Se decidiu absolver o réu depois de o ter condenado em primeira instância foi porque o vereador de Lisboa que ele terá querido corromper não tinha as competências necessárias para fazer o que lhe era pedido a troco de 200 mil euros. O mais recente processo a Sá Fernandes resulta do seguinte: o advogado gravou, sem autorização, uma primeira conversa com o suposto corruptor; mostrou-a ao Ministério Público; depois de a ouvir, o dito Ministério Público autorizou-o a fazer uma segunda gravação; servindo-se desta, o mesmo Ministério Público levou o empresário ao tribunal e pediu a sua condenação. Agora procede contra o advogado que fez a denúncia por ter sido ilegal a gravação que deu origem a tudo isto. Parece anedota. Mas acontece e, por sinal, no mesmo país onde o procurador-geral da República, suposto chefe do tal Ministério Público, põe na sua página eletrónica um apelo aos cidadãos para que denunciem a corrupção sob anonimato. Em vez de quem seja capaz de dar a cara, preferem-se os bufos. Pelo menos, oferecem-lhes a vantagem de nunca serem processados. Medo e esperança

As revoltas contra os regimes ditatoriais do Norte de África e do Médio Oriente, com os quais os Estados Unidos e a Europa tão bem têm convivido - por isso se percebem as perplexidades e hesitações das últimas semanas - vieram acelerar a História desta região do mundo. Não sabemos ao certo em que sentido, mas é verdade que não se veem bandeiras dos EUA e de Israel a serem queimadas nas ruas e nas praças. Pela primeira vez, parece que a revolta não é contra 'nós'. Entre o medo dos fanáticos islâmicos e a esperança em democracias à sua maneira, o Ocidente - Obama, Merkel, Sarkozy, Barroso - vai formulando votos e debitando uns lugares-comuns ou uns milhões de dólares, expectante. Mas convém ter presente que o facto de os povos mediterrânicos do Sul estarem a conjugar miséria com ditadura não significa que a miséria não possa ser conjugada com outros regimes. Por isso o aviso é tão válido para Mubarak e demais tiranetes como para as democracias que não souberem travar a pobreza e cuidar da periclitante coesão social. Um dia, na Europa, também podem encher-se as praças. Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 5 de fevereiro de 2011 Ganhou ou perdeu? Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 4 de fevereiro de 2011 Cavaco ganhou, mas parece que perdeu. Ele próprio contribuiu para dar essa ideia no domingo à noite. Cavaco Silva obteve no domingo uma vitória eleitoral insofismável, mas tem sido apresentado nas televisões, nos jornais e na blogosfera como um quase derrotado. Os dois milhões e 230 mil votos que recebeu (53,4 por cento) são mais de duas vezes e meia a soma obtida pelo seu principal concorrente, Manuel Alegre: 832 mil votos (19,75 por cento). Além disso, ganhou em todos os distritos do continente e das regiões autónomas, o que corresponde a uma distribuição quase perfeita em termos de representatividade nacional. A perceção de que, apesar disto, o Presidente sai mais fraco da reeleição nada tem a ver com os resultados, até porque não faz sentido comparar os votos de domingo passado com os de quaisquer eleições anteriores. Cada uma teve, além de candidatos diferentes, as suas circunstâncias e condicionalismos específicos, pelo que os resultados não são comparáveis. Eanes, por exemplo, foi reeleito em 1980 com 56 por cento mas recebeu 3262 mil votos, pouco menos do que os 3459 com que Soares obteve 70,3 por cento em 1991 e muito mais do que os 2401 mil que corresponderam a 55,5 por cento no caso de Sampaio em 2001. Nada disto se pode comparar com o resultado de Cavaco em 2011, nem este com o do mesmo Cavaco em 2006 porque foram diferentes o quadro em que decorreram e as variáveis que condicionaram cada uma das eleições. E também nada disto determina se um Presidente fica mais forte ou mais fraco para desempenhar as suas funções no segundo mandato, como se viu com os anteriores titulares do cargo. Cavaco ganhou e ganhou bem. Mas se quase parece que perdeu não foi só por força da avalancha de análises e comentários a apoucar o seu resultado, muitos deles politicamente interessados, começando pelos da área do Governo. Ele próprio contribuiu para essa ideia com o discurso da noite eleitoral, deselegante, azedo e ressentido. Foi o discurso de alguém que sentiu a necessidade de, com ele, valorizar o seu resultado. Não precisava de o fazer e, certamente, não o teria feito se, apesar da vitória alcançada, não sofresse algum sentimento de derrota. E esse sentimento, embora nada tenha a ver com a sua legitimidade política e institucional, nem determine se será, no segundo mandato, melhor ou pior Presidente do que no primeiro, tem como razão de ser o facto de a campanha o ter diminuído aos olhos do país, incluindo, provavelmente, muitos dos eleitores que votaram nele. Essa ferida na sua imagem pessoal está aberta e não são os votos obtidos que a farão sarar, como era sabido e se escreveu aqui antes da eleição. Quanto à presidência em si, nada está ganho nem perdido. O segundo mandato é aquele em que os presidentes trabalham para a História. Será o êxito ou o fracasso que o político experiente que é Cavaco Silva souber fazer dele. Alegrias e tristezas

Numa eleição com tantos candidatos, nunca há só um vencedor. Tivemos, aliás, mais vencedores do que vencidos: três, além de Cavaco, contra dois. Os 14 por cento de Fernando Nobre foram um prémio justo para alguém que, tendo obra meritória na sociedade, entendeu oferecer os seus préstimos à política. A tarefa era difícil e fácil ao mesmo tempo. Difícil porque sem o apoio logístico de um partido, um candidato relativamente desconhecido custa a afirmar-se no curto prazo de uma campanha; fácil porque o discurso 'antissistema' paga bem nos tempos que correm, mesmo sem ideias sólidas que o sustentem. Dentro de cinco anos, talvez Nobre tenha condições para voltar, mas começando de novo. Daqui até lá, é melhor não pensar nos 'seus' 600 mil votos para não ter a mesma desdita de Alegre. O segundo vencedor é o candidato fora de ordem, ou 'o sexto candidato', aquele que, embora concorrendo para Belém, só tinha o Funchal no pensamento. Até que ponto serão estes votos de José Manuel Coelho convertíveis no seu combate contra Jardim é a dúvida que se coloca. No continente foram meros votos de protesto, embora com o seu quê de pitoresco, o que até nem fica mal numa eleição unipessoal. Francisco Lopes não ganhou mas também não perdeu, já porque o PCP nunca perde - pelo menos encontra sempre uma explicação de vitória -, já porque, na verdade, o score obtido não envergonha. Perdeu votos e percentagem em relação a Jerónimo de Sousa, mas este tinha a vantagem de ser já secretário-geral quando se candidatou. Lopes ainda não o é. E ganhou a notoriedade que lhe faltava para poder vir a sê-lo. Já Defensor Moura foi o mais completo fiasco. Esgotou o seu papel no debate com Cavaco mas foi humilhado no próprio concelho a que presidiu durante vários mandatos, ficando-se por bastante menos de metade dos votos do adversário que tanto atacou. Por fim, Manuel Alegre. Foi, obviamente, o grande vencido da noite, tanto à luz dos objetivos traçados, como dos apoios que recebeu. Na hora da derrota, assumiu-a com galhardia, enquanto outros, como José Sócrates, lhe gabavam a coragem de ter avançado, ao mesmo tempo que valorizavam a continuidade e a estabilidade trazida pela vitória de Cavaco. A relação do PS de Sócrates com Alegre e de Alegre com o PS de Sócrates está, desde há vários anos, assente na maior das hipocrisias. Detestam-se, profunda e reciprocamente, mas fazem o que for preciso - ou fizeram-no até agora - para fingir o contrário, julgando talvez que os eleitores não percebem. Enganaram-se redondamente e também por isso os resultados foram o que foram. Podíamos agora lamentar-nos da abstenção, dos votos bancos e nulos, do desencanto geral que as eleições evidenciaram. Mas isso o que adianta? Esperemos pelas próximas. Se nada de substancial mudar nas políticas e nos comportamentos é bem possível que ainda tenhamos saudades destas. Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 29 de janeiro de 2011 Os cinco na campanha Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 28 de janeiro de 2011 Os 'casos' das ações e da aldeia BPN fizeram mossa em Cavaco, ainda que possam não ser decisivos na hora do voto. Na segunda-feira, teremos a mesma crise, o mesmo desemprego, a mesma dívida, a mesma incerteza quanto ao futuro, o mesmo Governo e, muito provavelmente, o mesmo Presidente da República. Teremos também o mesmo desencanto com os agentes políticos, esse agravado pela campanha pobre e quezilenta em que se aplicaram os principais candidatos. Os 'casos' por esclarecer não deixam de ter consequências no juízo dos eleitores, ainda que possam não ser decisivos na hora do voto, porque cada cidadão não vota apenas a favor do seu candidato, mas também, através dele, contra alguém. Há quem se esforce por fazer crer que as campanhas são todas iguais e que os 'casos' morrem com elas. Mas esta foi diferente. Nunca um Presidente à procura da reeleição foi alvo de ataques e suspeições tão graves. E a recusa de um esclarecimento cabal dessas suspeições tornou-se um problema sério. Para Cavaco Silva, mas também para o país, porque, ainda que seja reeleito e até com mais votos do que há cinco anos, ficará em Belém um Presidente mais vulnerável do que aquele que de lá saiu há duas semanas. Não obstante, a campanha de Cavaco foi, no plano político, a mais afirmativa e mobilizadora da sua própria base de apoio, tendo-se reforçado à direita com os ataques sucessivos ao Governo para compensar o descontentamento dessa área com muitos aspetos do seu primeiro mandato. O risco de tal 'correção' de rumo, obviamente assumido, é, como já se assinalou aqui, o de agravar a conflitualidade institucional. A ponto de, tendo dito o que disse do Governo, dificilmente se perceber que Cavaco deixe de fazer o que estiver ao seu alcance para o derrubar. Das restantes candidaturas, a mais dececionante foi a de Manuel Alegre. O seu discurso perdeu toda a força mobilizadora de quando se apresentou livre de compromissos partidários. Para lá dos 'casos' a que se colou depois de uma aparente hesitação, e além da defesa estrénua, mas em termos vagos, do Estado social, pouco mais se retém desta campanha de Alegre que não sejam perguntas e comentários às intervenções de Cavaco. E esta foi uma tática fatal perante alguém que, já se sabia, ignora ostensivamente os adversários. Alegre pode ser a grande desilusão destas eleições, com Fernando Nobre a causar-lhe maior dano do que as sondagens têm vaticinado. Nobre foi o único que se pôs à margem dos 'casos', assumindo-se, também em relação a este aspeto do combate político, como um outsider do 'sistema'. E o 'sistema' está suficientemente desprestigiado para que um outsider comece a colher vantagem dessa condição. Não será o caso de Francisco Lopes - também ele muito sereno na forma como tratou as ações e a casa de férias -, o candidato de partido mais assumido de todos. Todavia, cumpriu e talvez não desmereça o investimento que o PCP fez na promoção do seu nome, seja ou não para substituir Jerónimo. Quanto a Defensor Moura, esgotou a sua função no debate televisivo em que tentou 'assassinar' Cavaco. E José Manuel Coelho, além de também não ter feito mais do que atirar ao Presidente, com um pouco mais de graça, dá a ideia de só ter vindo ao continente para se divertir e ganhar notoriedade para as regionais madeirenses, lá para o fim do ano. Tudo visto e ponderado, a campanha dos cinco não foi uma grande aventura. Mas nem por isso o voto deixa de ser importante. Escolas público-privadas

As escolas públicas são financiadas pelo Estado e as privadas pelos alunos, ou por alguma entidade particular que entenda fazê-lo. Verdade? Não. Em Portugal temos escolas públicas, privadas e público-privadas, isto é, as privadas que o Estado subsidia para que os alunos as frequentem sem pagar. Toda a gente acha que isto faz sentido e até o Presidente da República abraçou a causa destas escolas, na maioria ligadas à Igreja, que agora protestam porque o Governo lhes reduziu os subsídios. Por isso houve manifestações na campanha. Contra Alegre porque é apoiado pelo partido do Governo, mas também contra Cavaco, que tentou melhorar a lei em vez de a vetar. O argumento para a subsidiação destas escolas é o de que elas funcionam lá onde não chega a escola pública. Tal argumento não colhe, ou não devia colher, porque há muitos lugares no país onde não existem escolas públicas e o que os alunos fazem é deslocar-se para frequentar a mais próxima. Com a generalização dos agrupamentos de escolas são, aliás, cada vez menos aqueles que não precisam de se deslocar. Compreende-se que pais, alunos e professores destas escolas defendam com afinco o tratamento especial que o Estado lhes tem concedido. Duvida-se é que esse tratamento seja o mais correto, à luz da equidade a que o mesmo Estado se deve obrigar. E se Sócrates conseguisse?

Por maior que seja o esforço de Sócrates - e tem de se lhe tirar o chapéu por esse trabalho incansável -, a venda de dívida a clientes escolhidos dificilmente evitará o recurso à UE e ao FMI. Mas a verdade é que nas duas operações de mercado realizadas este ano, os juros baixaram. Será, muito provavelmente, sol de pouca dura. Mas imaginar-se, por um momento, que Sócrates consegue sozinho o que a todos parece impossível é um bom ponto de partida para uma divertida charada política. Ficariam de pernas para o ar todos os cenários, cálculos e previsões que estão a ser feitos por estes dias na perspetiva da reeleição do Presidente. Fernando Madrinha Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 21 de janeiro de 2011 Pode, mas não deve Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 21 de janeiro de 2011 A última coisa de que o país precisa é de que as presidenciais se transformem num ajuste de contas entre o Presidente e o primeiro-ministro. Um Presidente que se candidata à reeleição não é um candidato como outro qualquer. Em primeiro lugar, porque carrega o peso institucional de um cargo que, aliás, continua a exercer durante a campanha. Em segundo lugar, porque o mais provável é manter-se em funções, como sempre aconteceu desde que os Presidentes são eleitos por sufrágio direto e universal. Um Presidente recandidato não tem, por isso, a mesma liberdade de discurso dos seus concorrentes. Por exemplo, se, enquanto Presidente, está obrigado à cooperação institucional com o Governo em exercício, pode, mas não deve nem lhe fica bem fazer do ataque a esse Governo um tema forte para ganhar votos. A menos que declare, à partida, que o confronto com o Executivo e o seu eventual derrube, através da dissolução do Parlamento, é parte do seu projeto. No caso de Cavaco isso não aconteceu. Aliás, o Presidente prometeu e cumpriu, pelo menos nos primeiros tempos, uma cooperação estratégica com S. Bento. E disse, já em campanha, que nada fará para perturbar o Executivo na sua tentativa de evitar o FMI. Estranha-se, por isso, que transforme o Governo no seu bombo da festa para ganhar votos. É o que está a acontecer. Num dia, Cavaco diz que o Executivo deve ser apoiado, no outro desanca-o em áreas concretas da governação, como a dos subsídios à agricultura, ou com críticas ao modo como se atrasou no combate à crise, ou com observações que, pelo tom e pela substância, são demonstrações muito explícitas de duplicidade e cinismo político. Tudo isto culminou na tal referência à hipótese de uma "grave crise", feita no dia em que o país e a Europa aliviavam da forte tensão sobre a dívida portuguesa. Cavaco lembra que já por 12 vezes falou de crise política sem que tivesse havido reações. Mas esta 13ª vez não é igual às outras 12. Desde logo porque, tratando-se de campanha, pode ser lida como intenção programática. E que juízo farão os credores internacionais, cuja sensibilidade Cavaco tanto valoriza, ao verem o Presidente e principal candidato a acenar com a possibilidade de uma crise política, ele que sempre considerou tal crise um desastre para o país? Com a exploração do caso das ações da SLN na pré-campanha, o Governo e o PS comprometeram Cavaco e contribuíram para a previsível deterioração das relações com Belém após a eleição presidencial. Os repetidos ataques de Cavaco ao Governo são uma resposta na mesma moeda, que assim concorre igualmente para envenenar as relações institucionais. Ora, a última coisa de que o país precisa é de que as presidenciais se transformem num ajuste de contas entre o Presidente da República e o primeiro-ministro. Mas é nisso mesmo que estão a converter-se. Um sucesso... ruinoso

José Sócrates e Teixeira dos Santos apresentaram resultados da execução orçamental de 2010 na véspera da mais sensível venda de dívida pública desde que a desconfiança dos investidores se fixou em Portugal. São resultados muito positivos, dizem, embora parcelares e sujeitos a confirmação. Mas uma pessoa interroga-se: seria - ou será - admissível que dois PEC depois e com recurso a 2,6 mil milhões do fundo de pensões da PT os objetivos ficassem por cumprir? E embora o aumento da despesa se faça a um ritmo menor do que o previsto, será um resultado positivo o facto de continuar a crescer? Nunca saberemos se o anúncio do Governo contribuiu ou não para o 'sucesso' da colocação da dívida. Mas as perguntas que qualquer um se faz também os 'mercados' as devem fazer e com maior fundamento - perguntas como esta: em que década começaremos a pagar o que devemos? -, pelo que outras devem ter sido as suas motivações na quarta-feira. De qualquer modo, a operação foi, para o Governo, um êxito político e, para o país, um êxito mediático. Não é todos os dias que os principais media internacionais dão uma notícia positiva sobre Portugal em matéria de dívida. Só que a 'boa notícia' durou umas horas. Logo de seguida veio o Banco de Portugal prever uma recessão em 2011. E mais tarde surgiu Paul Krugman, o Nobel da Economia mais citado pelo PS, a observar que a colocação de dívida portuguesa foi um sucesso... "ruinoso". Pior do que pagar juros altíssimos seria já ninguém nos emprestar dinheiro. E isto diz tudo sobre a nossa situação: já nos regozijamos com notícias más só porque não são péssimas. A TV perante a morte

A morte do major Vítor Alves, capitão de abril e de novembro, membro do Conselho da Revolução e ministro mais de uma vez, foi tratada pelas televisões com a displicência de uma notícia necrológica sobre uma figura menor da nossa vida pública. E, no entanto, estamos perante alguém que pertence àquele pequeno grupo de homens a quem o país mais deve a liberdade e a democracia. Já a morte brutal do cronista social Carlos Castro foi objeto de um tratamento exaustivo e de um investimento tal em meios e tempo de antena - com o serviço público a disputar a primazia às privadas em múltiplas peças vazias de conteúdo - que a desproporção é, no mínimo, chocante. Mas esclarecedora. Nota As reportagens da SIC sobre os romenos acampados em Almada, aqui elogiadas na última edição, são da autoria de Ana Margarida Póvoa, Jorge Pelicano, Miriam Alves e Sara Antunes de Oliveira. Texto publicado na edição do Expresso de 15 de janeiro de 2011 Ações e omissões Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 14 de janeiro de 2011 As ações do BPN e o artigo para publicitar o BPP tornaram-se temas centrais de uma campanha presidencial triste e fruste. Ao fim de 30 anos na política, Cavaco Silva tinha a obrigação de prever que a história das suas ações da empresa proprietária do BPN acabariam por vir à baila na campanha. É estranho que não tenha preparado uma resposta esclarecedora para matar o assunto à primeira abordagem. Começou por reagir com o silêncio, no debate com Francisco Lopes, e esse foi um erro fatal, porque, a partir daí, o tema tornou-se ainda mais apetecível para os adversários e para os media. Perante um ataque frontal e agressivo de Defensor Moura, limitou-se a repetir o que já dissera quando o Expresso levantou o assunto. No debate com Manuel Alegre, deitou mais achas para a fogueira ao desviar-se do tema e questionar o desempenho da atual administração do banco, dando pretexto a que o Governo, mortinho por entrar na conversa, viesse acusá-lo de tentativa de "branqueamento" dos gestores que estão na origem dos problemas do banco. Do ponto de vista tático, esta sucessão de intervenções não foi feliz. E serviu apenas para reforçar as dúvidas em torno de um investimento com uma rendibilidade tão alta que dificilmente alguém podia deixar de a considerar suspeita. A assinatura de Oliveira e Costa no despacho de recompra das ações, que, por extraordinária coincidência - para quem acredita em coincidências num caso destes -, foi conhecida uma hora antes de uma entrevista televisiva de Manuel Alegre, mais adensa as dúvidas de que a transação possa ter tido um tratamento especial. Dito isto, é óbvio que, quer tenham trabalhado em conjunto quer não, as duas candidaturas da área do PS, um partido que tanto se queixou de "campanhas negras" contra o seu líder atual, têm usado o caso das ações no tom e na linha dessas campanhas. Fariam melhor se, na hipótese de terem indícios ou provas do que insinuam sobre a probidade do seu adversário, as apresentassem. Quanto a Cavaco, diz que tem por norma ignorar os que o atacam "de forma desonesta", mas, neste caso, a melhor conduta seria a oposta: responder a todas as perguntas para que se percebesse claramente se recebeu ou não tratamento especial do BPN e se os ataques merecem, de facto, o qualificativo de "desonestos". Uma campanha presidencial com este tema de fundo, além de um artigo de Alegre para publicidade ao Banco Privado Português que foi agora chamado para contraponto - a importância do assunto vem das explicações trapalhonas do candidato -, é uma campanha triste e fruste. No estado em que se encontram o país e a imagem da política, só convida à abstenção e ao voto de protesto, talvez a benefício de Fernando Nobre e Francisco Lopes, que se têm distanciado dessa guerra, mas fragilizando os dois candidatos principais. Uma coisa é certa: se Cavaco sair vencedor, como se prevê, as relações do Presidente com o atual poder socialista estarão envenenadas para sempre. Desde Sá Carneiro que nenhum partido no Governo, diretamente ou por interposto candidato, afrontou tanto um Presidente que tenta a reeleição. Com a agravante de, desta vez, não serem razões políticas, mas de carácter, que estão sobre a mesa. A absoluta falta de confiança entre Cavaco e Sócrates, já hoje mais do que patente, sairá agravada. E esta é mais uma prova que, nas atuais circunstâncias, o país bem dispensava. A fábrica de bolachas

Por estes dias de chumbo em que desesperamos por boas notícias e motivos de orgulho coletivo, por estes dias de Natal em que tanto se falou de solidariedade, por estes dias de campanha em que a pobreza ganhou direito de antena nos discursos dos candidatos, um português sorridente, ainda jovem e de muito bem com a vida, pelo que transmite a sua atitude, apareceu na televisão. Chama-se Luís Figueiredo. Pertence a uma organização chamada Forever Kids e vocacionada para o apoio a crianças. Luís apareceu na televisão porque foi a televisão que lhe trouxe a notícia, numa reportagem de Miriam Alves que a SIC transmitiu na véspera de Ano Novo: 30 romenos e búlgaros estavam acantonados há dois meses numa antiga fábrica de bolachas da Cova da Piedade. Vieram com promessas de trabalho. Como tantos outros apanhados por redes mafiosas ou patrões sem escrúpulos, foram abandonados à sua sorte. E a sua sorte ditou que não tivessem outra morada em Portugal senão aquelas ruínas, "entre dejetos, ratos e lixo". Ali estiveram instalados, vivendo de esmolas, de arrumar automóveis, de uns roubos talvez, pois nunca se sabe do que seremos capazes se a fome apertar. Luís Figueiredo viu a reportagem, levantou-se do sofá, foi ao encontro dos imigrantes, arranjou-lhes comida e roupa, fez uns telefonemas e eles puderam cumprir o sonho que já lhes parecia impossível: voltar para casa. Uma empresa de autocarros dispôs-se a levá-los até Madrid, um benfeitor anónimo deu os dois mil euros necessários para o resto da viagem. Em três dias apenas, Luís Figueiredo fez aquilo que o Estado foi incapaz de fazer em dois meses. Parece que a polícia aparecia de vez em quando no acampamento improvisado, mas não se lhe conhecem diligências para resolver o assunto. Parece que a Câmara, por sinal de esquerda desde sempre, até é a proprietária das ruínas, mas não atribuiu ao caso a menor importância. Lá onde o Estado falhou redondamente, uma jornalista atenta e um homem decidido fizeram o que havia a fazer. Em situações como esta percebe-se melhor que o jornalismo é um bem de primeira necessidade, capaz, até, de redimir a televisão dos seus muitos pecados. E pessoas como Luís Figueiredo ajudam-nos, com o seu exemplo, a vencer a descrença e o abatimento em que estamos mergulhados. Devemos agradecer-lhes. Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 30 de dezembro de 2010 Juízes em causa própria Fernando Madrinha 0:00 Sexta feira, 7 de janeiro de 2011 Na guerra contra a redução de salários, teremos juízes a julgar em causa própria, visto que são parte interessada. Se a redução dos salários na Função Pública vier a ser declarada ilegal, hipótese que vários juristas já levantaram e que alguns sindicatos vão agora levar à Justiça, bem podem Cavaco Silva e Durão Barroso clamar contra a 'cacofonia' para que as agências de rating não a oiçam: esse será o golpe de misericórdia no plano de Sócrates para fugir ao FMI e à UE, o caminho estreito que escolheu para também se salvar a si próprio. A redução do défice nos termos e nos prazos acordados tornar-se-á uma miragem. O pouco que sobra de credibilidade externa irá por água abaixo. Os juros da dívida ficarão ainda mais incomportáveis. E ao Governo restará optar por uma destas saídas: ou aplica, por sua conta e risco, uma nova e arrasadora vaga de austeridade para compensar a verba dos salários, ou pede ajuda à UE e ao FMI, procurando apoio parlamentar para executar as suas políticas, ou assume a incapacidade de levar o barco a bom porto, demitindo-se. Em qualquer caso, chegámos a um ponto em que o Governo e o país político têm a obrigação de avaliar bem se há vantagem em continuar a remar contra a UE e o FMI em nome do orgulho nacional e de uma independência, que, afinal, estão a ser hipotecados em alianças para a compra da dívida que, além de nada garantirem quanto ao défice, podem vir a revelar-se mais comprometedoras. A viagem do ministro Teixeira dos Santos à China é a mais emblemática dessas iniciativas de rendição. E o facto de Pequim deter grossas fatias das dívidas de vários Estados, incluindo os EUA, não colhe como argumento, sabendo-se como são incomparáveis as vulnerabilidades de Portugal. Se o negócio chinês se concretizar, bastará que o Dalai Lama se lembre de vir outra vez a Lisboa para ficar ainda mais patente essa vulnerabilidade. Tudo indica que, na deplorável situação de cerco em que se encontra, Portugal já só pode escolher entre dois males. E, apesar dos insultos a que se prestam alguns mandatários da senhora Merkel - há tempos o Presidente checo perante Cavaco Silva, esta semana um ministro eslovaco a dizer que Portugal estaria melhor fora do euro - não é certo que o FMI e a UE sejam o mal maior. A hipótese de se comprometerem os objetivos do défice por força da ilegalidade da redução de salários justifica, em todo o caso, mais duas reflexões, ainda que nem uma nem outra sejam novidade. A primeira diz respeito à displicência com que o Governo toma decisões de legalidade duvidosa. A segunda tem que ver com o próprio sistema jurídico-constitucional que, em certos aspetos, torna o país ingovernável. Na primeira linha da contestação encontram-se, além da inevitável Fenprof, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e a Associação Sindical de Juízes. Uma vez que serão os tribunais a determinar se é ou não ilegal a redução de salários - três ações ganhadoras bastarão -, teremos juízes a decidir em causa própria, visto serem parte interessada na anulação das medidas do Governo. E isto não deixa de ser bizarro num regime em que, para efeitos de governação, se presume soberano o poder do voto e dos órgãos que dele emanam. A força dos boys

Por falar em juízes, os do Tribunal de Contas explicaram esta semana que as empresas públicas aplicam o seu dinheiro na banca comercial, violando a lei que as obriga a ter as contas no Tesouro. Além disso, não entregam os ganhos ao Estado. A lei que proíbe este procedimento vem de 2005, mas de nada vale, pelo que o tribunal vai lembrando que, desde meados deste ano, existe legislação sancionatória que permite ao Governo demitir os gestores que não cumpram. Pois é essa mesma legislação e o facto de ela existir apenas desde 30 de junho que leva o Governo a pôr de parte, quase ofendido, a sugestão indireta de que os gestores em causa fossem demitidos. Assim se branqueiam cinco anos de violação grosseira e sistemática da lei. Assim se vê a força dos boys e a impunidade de que são beneficiários. Não dar confiança

Um ano que começa é sempre uma caixa de surpresas. Daí que, mesmo parecendo que já sabemos tudo sobre 2011, convenha olhar para ele sem complexos nem receios exagerados. Se o encararmos como um ano maldito, que é o que pretende, estamos a ajudá-lo a cumprir a ameaça. Não devemos facilitar nem dar-lhe confiança. Afinal, já sabemos uma parte do que ele nos vai trazer de mau e isso sempre é uma vantagem: podemos preparar-nos para as dificuldades conhecidas. Quanto às outras, veremos caso a caso. Convém ter presente, no entanto, que ignoramos praticamente tudo o que de bom pode ocorrer - nem os jornais e as televisões têm falado dessa parte nem os políticos cometem o mais leve deslize de otimismo. Com exceção do primeiro-ministro, honra lhe seja, que olha sempre e só para o lado bom. Tanto que, na mensagem de Natal, não falou de desemprego mas, em contrapartida, dedicou várias linhas a um certo estudo da OCDE segundo o qual o Ensino melhorou em Portugal. A atitude de Sócrates não é inteiramente recomendável em relação à vida de cada um de nós porque, como já se viu, deu mau resultado com a vida do país. Mesmo assim, é preciso acreditar, como canta Luiz Goes. Talvez 2011 não seja tão mau como o pintamos. E, em qualquer caso, são tão baixas as expectativas que o que trouxer de positivo será sempre um 'bónus' que festejaremos com mais alegria. Bom Ano, caro leitor! Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 30 de dezembro de 2010 Pobreza de campanha Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 31 de dezembro de 2010 O discurso dos candidatos sobre a pobreza serve para pouco mais do que disfarçar a pobreza da campanha. Se Fernando Nobre não fosse candidato, talvez a pobreza não tivesse entrado na campanha presidencial com tanta força e logo de início, apesar de a crise e a quadra serem propícias. A candidatura de alguém com o perfil do presidente da AMI teve o mérito de levar as restantes a darem uma atenção especial aos pobres, independentemente de serem genuínas as suas preocupações sociais e de cada um ter, neste domínio, pergaminhos para apresentar. O atual Presidente tem-nos, como lembrou Paulo Portas com o exemplo do 14º mês dos reformados, instituído por um dos seus governos, e como o atestam os roteiros para a inclusão, já em Belém. Mas duvida-se que, fora desta campanha eleitoral, tivesse apadrinhado o casamento de dois sem-abrigo e a distribuição das refeições que os restaurantes não vendem. Ou que viesse dizer que todos temos de nos sentir envergonhados com a existência de fome em Portugal, não acrescentando que alguns devem ter mais vergonha do que os restantes. Sem a candidatura de Fernando Nobre e a atenção às questões da solidariedade a que ela obrigou os seus concorrentes, também o primeiro-ministro não teria vindo a terreiro criticar aqueles que "não resistem à exploração mais descarada da pobreza", visando com isto Cavaco, mas visando especialmente o presidente da AMI ao atacar os que tomam a pobreza como "uma indústria" para retirar dela dividendos políticos. É verdade que a solidariedade e as organizações não-governamentais em geral se transformaram numa espécie de indústria. Mas essas organizações só existem porque atuam lá onde o Estado falhou, isto é, onde falharam os políticos. Que o líder de uma dessas organizações tente converter em força política a notoriedade alcançada no seu trabalho humanitário, como sucede com Fernando Nobre, pode ser uma via pouco ortodoxa de acesso ao poder, mas não é menos legítima. Pelo contrário, ele tem a legitimidade reforçada de quem não precisou do poder do Estado para fazer prova da sua entrega à causa da solidariedade. Sucede, além disso, que, em política, todos tentam sempre retirar dividendos da pobreza, seja quando apenas a lamentam, seja quando a combatem e se vangloriam de a ter combatido. Aliás, não foi somente por indignação pessoal com o aproveitamento político da pobreza que Sócrates entrou na campanha presidencial. Foi também com o cálculo político de desacreditar os dois adversários que mais danos causam ao seu candidato, Manuel Alegre, e à sua difícil missão de chegar a uma segunda volta. Numa sociedade onde há 20 por cento de pobres, onde muitos mais vivem com grandes dificuldades e onde a miséria tende a alastrar com a crise, mal seria que a pobreza não surgisse como tema forte das presidenciais. Mas, sabendo-se que o Presidente não governa, o pior serviço que os candidatos podem prestar aos pobres e a si próprios é não desfazerem este equívoco que o seu discurso alimenta. É fingirem que o combate à pobreza vale como desígnio e programa político quando o que aí temos é pobreza de campanha, isto é, uma simples bandeira para disfarçar ...a pobreza da campanha. Um buraco sem fundo

Ainda há pouco o ministro das Finanças não sabia onde cortar 500 milhões de despesa do Estado para satisfazer os compromissos assumidos com o PSD na negociação do Orçamento e cumprir o défice prometido. Agora tem na secretária um pedido de mais 500 milhões para aplicar num banco falido, não porque tenha sido apanhado pela especulação financeira internacional, mas porque foi usado para encher a pança, como diria Ary dos Santos, a um bando de ex-políticos rapaces disfarçados de banqueiros. A avaliar pelo que disse o ministro sobre os 500 milhões do Orçamento, com mais 500 milhões para o BPN o Governo não cumprirá o défice previsto para 2011. A não ser que, lá para o meio do ano, vá buscar esse dinheiro ao bolso dos contribuintes. A questão que se coloca, além de saber se todos os responsáveis e beneficiários desta burla gigantesca serão alguma vez chamados a responder, não só criminalmente mas com a devolução dos milhões que acumularam, é até quando - e até quanto - está o Governo decidido a enterrar dinheiro dos contribuintes. Estranha-se o silêncio do ministro sobre o que foi feito nestes dois anos e o que tenciona fazer com o BPN, quase tanto como se estranha o silêncio de Cavaco Silva, no debate com Francisco Lopes, quando confrontado com este caso. E estranha-se, sobretudo, que, não tendo nacionalizado em devido tempo a SLN, a empresa cujas ações davam ótimos rendimentos e que, pelos vistos, era a parte boa do grupo, o Governo não corra a nacionalizá-la agora para que o Estado recupere o que for possível dos milhares de milhões deitados neste buraco sem fundo. O Governo e a nação

Os comerciantes, habitualmente queixosos e pessimistas, não têm aparecido nas televisões, como aparecem todos os anos, a dizer que o Natal é uma desgraça. A SIBS explica porquê: só na semana passada, foram gastos 800 milhões em compras através dos terminais de pagamento (mais 4,8 por cento do que em 2009) e levantados 600 milhões nas caixas Multibanco (mais 1,6 por cento). Eis a prova que faltava da sintonia total entre o Governo e a nação: ambos sabem que precisam de poupar, mas não sabem onde cortar. Nem querem saber. Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 23 de dezembro de 2010 Trabalhar para a abstenção Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 24 de dezembro de 2010 A eleição presidencial ocorre na semana de janeiro em que a maioria dos funcionários públicos vai receber o seu primeiro vencimento reduzido, no fim de um mês em que foram confrontados, eles e todos os trabalhadores portugueses, com aumentos generalizados e significativos. Como se repercutirá na votação esse estado de espírito forçosamente negativo é uma das grandes curiosidades eleitorais. Mas não admirará se a abstenção, por alheamento ou como protesto, for um dos resultados mais relevantes. Neste quadro, os debates televisivos, embora distantes do dia do voto e com as Festas de permeio, têm a sua importância como fatores de mobilização eleitoral. Mas quem viu os dois primeiros só pode ter-se sentido ainda mais... desmobilizado. Francisco Lopes, mais baço do que se previa, dificilmente vai chegar ao próprio eleitorado do PCP; Fernando Nobre tenta disfarçar com agressividade contra os políticos a sua falta de consistência política; Defensor Moura é uma figura cordata que pode ter lá os seus votos em Viana, mas pouco ou nada pesará nos resultados e Manuel Alegre vive o drama do candidato tolhido na sua liberdade pelos apoios partidários que recebeu. Falta ver se Cavaco Silva deixa de contribuir também para a abstenção, com declarações infelizes como a de dizer que a fome existente no país deve envergonhar todos os portugueses. São os responsáveis políticos das últimas décadas, entre os quais se inclui, que têm de se sentir envergonhados. Despedimentos baratos

A ideia de facilitar os despedimentos, tornando-os mais baratos para as empresas, quando o desemprego é a maior chaga social do nosso tempo tem o seu quê de intrigante. Sobretudo porque a iniciativa partiu de um Governo que se afirma de esquerda, paladino do Estado social, defensor dos direitos adquiridos e não daquela direita a que o mesmo Governo logo chamaria troglodita se lhe tivesse ocorrido uma tal proposta. Quando um Executivo socialista se mostra mais criativo do que a direita e as confederações patronais na busca de facilidades para despedir, a conclusão só pode ser a de que perdeu o respeito ideológico por si próprio e aquele mínimo de coerência a que devia sentir-se obrigado. Ou, então - hipótese mais provável e cumulativa -, já não é ele quem governa. Limita-se a aplicar decisões que lhe sopram ou lhe impõem do exterior. Parece que o exemplo vem da Espanha socialista, esse farol de modernidade onde, por sinal, o desemprego galopa para lá dos 4 milhões de pessoas, 20% da população ativa. Mas o mais certo é Sócrates e Zapatero terem bebido na mesma fonte de inspiração de Bruxelas, que é de onde brotam a maior parte das ideias luminosas que estão a provocar profundas ruturas sociais na Europa e a mergulhar o continente na contestação e na violência. A obsessão dos eurocratas com as leis laborais não tem outra explicação que não sejam a ideologia ou o preconceito, visto que nem o patronato português, nem o patronato estrangeiro instalado em Portugal já consideram essa legislação um obstáculo. Ao seguir de forma acrítica os ditames daquela gente, o Governo vai cavando a sua própria sepultura e - o que é mais grave - vai destruindo o que resta de equilíbrio e coesão social entre nós. Danos colaterais

Um dos argumentos mais invocados para legitimar o processo de descredibilização da diplomacia dos EUA ensaiado pelo WikiLeaks, com os danos colaterais que estão à vista, é o de que, desta vez, os seus mentores não se limitaram a pôr na Net os telegramas pirateados. Parte deles foram entregues a jornais de referência que os divulgam em primeira mão. Só por si, o prestígio desses órgãos de informação não transforma em jornalismo de alta craveira a publicação dos telegramas em causa. Até porque estes têm sido editados, sim, mas sem tratamento jornalístico digno desse nome. Os textos são resumidos e enquadrados, mas nem os visados nem os autores, nem outras figuras da notícia são confrontados com eles. E nenhuma investigação adicional acrescenta o que quer que seja aos documentos originais. Uma vez que a autenticidade dos telegramas parece não estar em causa, é certo que dificilmente algum jornal desprezaria a oferta de Julien Assange. Mas, sendo praticamente nulo o seu contributo jornalístico para a procura da verdade, esses prestigiados meios acabam, afinal, por se reduzir à condição pouco prestigiante de megafones da WikiLeaks. Os telegramas em questão são relatos pessoais, necessariamente parcelares e eventualmente parciais, onde nem sempre se citam as fontes e onde se misturam factos com interpretações e opiniões. Daí que os visados, sejam culpados ou inocentes das malfeitorias que lhes atribuem, respondam tão facilmente com desmentidos, algo que lhes seria bastante mais difícil se, em vez do correio de um embaixador, estivéssemos perante uma investigação jornalística séria. Do ponto de vista de Julien Assange, a entrega dos telegramas aos cinco magníficos - "The New York Times", "The Guardian", "Le Monde", "El País" e "Der Spiegel" - foi um excelente negócio: dá força e credibilidade à sua luta. Do ponto de vista dos jornais em causa, embora se compreenda que a oferta era difícil de recusar, isso não quer dizer que estejamos perante uma página gloriosa do jornalismo mundial. Pelo contrário, a sua opção fez do jornalismo uma das vítimas de danos colaterais nesta guerra aos EUA declarada pelo WikiLeaks. fjmadrinha@hotmail.com Texto publicado na edição do Expresso de 18 de dezembro de 2010 Quem paga, manda Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 17 de dezembro de 2010 Ficamos a saber hoje por Bruxelas aquilo que, mesmo contrariado, o Governo vai fazer amanhã. Uma das descobertas mais penosas desta crise é a confirmação de algo que o país pressentia há muito, mas que a dependência extrema em que nos encontramos veio tornar brutal e chocante: o Governo português - o atual e os que venham a suceder-lhe - deixou de mandar em Portugal. Os conselhos, as sugestões (ou as ordens?), que antes eram feitas em telefonemas discretos ou no recato das salas de reunião, chegam-nos agora, a nós e ao mundo inteiro, através da televisão. Hoje é o comissário europeu para a Economia, amanhã o presidente do Eurogrupo, no dia seguinte o presidente do Banco Central Europeu, todos têm "recomendações" a fazer, não já quanto a orientações de ordem geral, mas na definição de políticas concretas, como sucede com as leis laborais. Ficamos a saber hoje por Bruxelas aquilo que, mesmo contrariado, o Governo de Lisboa vai fazer amanhã. Enquanto o ministro das Finanças desaparece de circulação e já se limita a dar as Boas-Festas aos correspondentes, um primeiro-ministro cada vez mais só dá uma no cravo e outra na ferradura, ou mesmo o dito por não dito, expondo, com toda a crueza, a imagem de um Governo a reboque do diretório europeu. Tinha que ser assim? Talvez não se o ano de 2009 não tivesse sido ano de eleições e José Sócrates não as tivesse querido ganhar. Ou se os grandes da Europa não começassem a ficar também aflitos, com a própria Alemanha já na linha de fogo dos mercados. Agora é tarde. Só que esta forma de tratar um parceiro em dificuldades não deixa de ser humilhante, por mais que Bruxelas fale em nome de Lisboa, por ser público e notório que a voz de Lisboa pouco ou nada conta para os credores. Quem paga, manda, disse recentemente Manuela Ferreira Leite na Assembleia da República a propósito dos mercados. Isso mesmo se pode dizer hoje sobre o Banco Central Europeu, que substitui os mercados ao financiar-nos e ao comprar a nossa dívida. Mas a dignidade dos Estados-membros sempre foi acarinhada pelos pais fundadores da UE. Alguém devia lembrar esse bom princípio à comandita de Bruxelas. Justa celebração

Quando caiu a ministra Maria de Lurdes Rodrigues e, sobretudo, quando a sua sucessora começou a comprar com cedências várias a sempre efémera paz no Ensino, disse-se e escreveu-se, inclusive nesta página, que José Sócrates também deu um trambolhão. Isto porque o primeiro-ministro não se tinha limitado a ser solidário com as políticas da ex-ministra da Educação: empenhou-se pessoalmente e deu a cara por elas desde o primeiro ao último dia, mesmo quando Maria de Lurdes Rodrigues, tendo razão quanto ao essencial, já havia sido derrotada. Nessa altura, Sócrates pagou um custo político elevado. Agora que um estudo da OCDE, o PISA 2009, demonstra a bondade de algumas dessas políticas, apesar de o líder da Fenprof não o querer admitir, é justo reconhecer ao primeiro-ministro o direito à celebração. Tanto mais que o estudo em causa não é um mero registo estatístico, nem se baseia em dados suspeitos, ou de rigor duvidoso. Trata-se de testes reais efetuados por estudantes portugueses que, em circunstâncias idênticas, responderam a perguntas idênticas feitas a colegas da mesma idade e do mesmo nível de ensino um pouco por todo o mundo. Os resultados indicam melhorias assinaláveis, fazendo Portugal subir várias posições no ranking da OCDE. Não se pode atacar e responsabilizar o Governo sempre que os resultados são maus, mas aplaudir só os professores quando os resultados são bons. E quem tem menos autoridade moral e política para o fazer é precisamente a Fenprof, visto que esteve sempre contra as opções da ex-ministra, mobilizando os professores para greves e manifestações, mas pouco ou nada fazendo em prol do seu melhor desempenho. Nem precisava de o fazer, valha a verdade, porque os bons professores - tal como os maus - sempre existiram. São eles e os alunos quem deve partilhar com a ex-ministra e o chefe do Governo a celebração deste pequeno mas significativo progresso. Mal seria que o país ficasse deprimido quando os resultados são maus e ficasse igualmente deprimido quando são bons só porque amanhã podem voltar a ser menos bons. Jardim vezes dois

A jogada de Carlos César para "comprar votos" nos Açores, como disse Alberto João Jardim, é típica do chico-espertismo que domina a sociedade portuguesa e que se tornou norma de conduta de muitos altos responsáveis, no Estado, nas instituições e nas empresas. É por isso que cada vez menos se discute política entre nós e cada vez mais se discutem os lastimáveis comportamentos de políticos e de outras figuras gradas da nossa vida pública. A remuneração compensatória para que os funcionários da região que ganhem entre 1500 e 2000 euros não sejam atingidos pela redução de vencimentos prevista para toda a Administração Pública é uma artimanha que denota mais descaramento do que "sensibilidade social", como lhe chamou Manuel Alegre. E a forma desabrida como César reagiu às declarações do Presidente da República não é mais do que uma tentativa canhestra de virar o bico ao prego. É verdade que Cavaco Silva se calou demasiadas vezes perante os desmandos de Jardim, assim como é verdade que Sócrates nunca demonstrou com Jardim, exceto no desastre de fevereiro, a complacência que agora tem para César. Mas o problema para Portugal é que se um Jardim já é difícil de tolerar, dois é francamente de mais. Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 11 de dezembro de 2010 Nas mãos da PT Fernando Madrinha 0:00 Sexta feira, 10 de dezembro de 2010 Um Governo que salva o défice com o dinheiro da PT fica nas mãos da PT. A isto se resume a triste história dos dividendos sem impostos. Dizem que é uma forma simplista de olhar a realidade, mas a realidade é muito teimosa: no mesmo país onde se discute se o salário mínimo deve ser aumentado um pouco mais de oitenta cêntimos por dia e o Governo hesita, há empresas que embolsam milhões sem que o Estado lhes cobre um cêntimo de imposto. Argumenta-se que isto acontece há muitos anos e que se trata de uma espécie de direito adquirido, pelo que seria crime de lesa-capital pôr o fisco, sempre tão lesto e eficaz a cobrar uns poucos de euros ao assalariado, a fazer o seu trabalho no caso dos dividendos. Ora, a um Governo que ainda se declara socialista e que já eliminou ou pôs entre parêntesis tantos direitos adquiridos dos mais fracos, através de legislação ad hoc, não faltaria autoridade moral para taxar desde já os grandes lucros. O que lhe falta é coragem e força política, como se prova pelo facto de o primeiro-ministro dizer uma coisa na TVI e o grupo parlamentar fazer o contrário no Parlamento. Tudo se tornaria mais fácil se no centro da querela não estivesse a PT. Mas como pode um Governo que só salvará o défice de 2010 com o fundo de pensões da PT exigir aos acionistas da mesma PT que esperem por 2011 para pagarem mais impostos? Por mais que Francisco Assis se abespinhe é esta triste realidade que o obriga a um contorcionismo político capaz de lhe matar as ambições no pós-socratismo. O 'escândalo' Amado

O ministro dos Negócios Estrangeiros teve um comportamento exemplar no 'escândalo' desta semana: o caso do telegrama da embaixada dos EUA em Lisboa que foi divulgado com estrondo e aplauso de alguns sectores. O que diz esse telegrama? Que os EUA terão pedido a Portugal que permitisse o repatriamento de presos de Guantánamo através do espaço aéreo nacional. E que o Governo terá respondido - a mensagem apenas refere que esta é a "interpretação" que o Executivo faz da lei - com a exigência de garantias, por escrito, da parte dos países de destino, de que os presos não seriam torturados nem condenados à morte, pedindo ainda o compromisso, da parte dos EUA, de que eles seriam tratados de acordo com as convenções internacionais. Não sabemos se essas garantias foram dadas porque disso não fala o telegrama. Mas quanto ao que ele revela só há razões para felicitar o ministro pela forma irrepreensível como tratou o assunto. Mal se percebe, por isso, o motivo de tão grande excitação daqueles que se têm esforçado por crucificar Luís Amado. A menos que conheçam factos que não vieram a público, ou, então, que queiram pedir esclarecimentos sobre o conselho que o autor do telegrama dá a Washington para que o ministro português seja "muito acarinhado", o que parece, de facto, um excesso, mesmo tratando-se de um aliado... Tudo isto está, afinal, ao nível do mexerico em larga escala a que, até agora, se resumiu a maior parte das revelações do WikiLeaks. Que os seus mentores se arvorem em último farol do jornalismo quando mais não fazem do que espionagem e contrabando político, eis o que não deixa de ser prova de uma grande lata. A voz de um homem livre

Ernâni Lopes foi o ministro das Finanças que aplicou as políticas mais duras e austeras que o país conheceu, em democracia, até à crise em que está hoje mergulhado. Fê-lo com a determinação daqueles que, além da competência técnica e do conhecimento da natureza humana, sabem encarar o trabalho político como ele tem de ser encarado: como um serviço público perante o qual cedem todos os interesses particulares ou de grupo, sejam os de uma classe profissional, os de um partido político, ou os do próprio Governo, visto não haver nenhum que goste de tomar medidas impopulares. Ernâni Lopes prezava a sua independência e foi como independente que serviu nos dois postos que o trouxeram para o primeiro plano da vida pública: como um dos principais negociadores da entrada de Portugal na CEE, enquanto embaixador, e, depois, como ministro das Finanças do célebre bloco central. As duas missões sucederam-se no tempo e estão interligadas, pois se a primeira consistiu em pôr no papel os compromissos para a adesão, a segunda serviu para, no terreno, preparar a integração europeia, regulando as finanças públicas com o acompanhamento do FMI e criando o quadro económico e institucional necessário para que ela se cumprisse no prazo mais curto possível. Ernâni Lopes foi, assim, um dos artífices maiores do sonho europeu de Portugal e não deixa de ser irónico que parta num momento em que ele ameaça ruína. Se a intervenção política de Ernâni deixou marcas fortes, a sua intervenção cívica não deixou menos. Durante muito tempo manteve a rotina de uma grande entrevista anual ao caderno de Economia do Expresso, mas as suas preocupações centravam-se, já então, menos na economia pura e simples e muito mais nas atitudes e comportamentos que a condicionam, ao mesmo tempo que degradam a vida pública - a corrupção e o amiguismo, a partidarite e a promiscuidade entre o poder e os negócios, por exemplo. Pode-se dizer até que a moralização da vida pública foi a sua batalha principal nos últimos anos, a par da que travou contra a doença. Homem de princípios e de valores, de uma "absoluta integridade", como escreveu o Presidente da República, Ernâni Lopes parte quando mais precisamos de vozes desassombradas, lúcidas e corajosas como a sua. A voz de um homem livre, que é do que temos cada vez mais falta. Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 4 de dezembro de 2010 Pág. 3 de 20 « ... | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | ... » Ver 10, 20, 50 resultados por pág.

Pág. 3 de 20 « ... | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | ... » Ver 10, 20, 50 resultados por pág. Bastam 180 Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 11 de fevereiro de 2011 Se Lacão tivesse dado um passo maior do que a perna não se perceberia que ainda continuasse ministro. Quando o ministro Jorge Lacão veio defender a redução do número de deputados de 230 para 180, pensou-se que talvez agora o Governo e o PS se decidissem a viabilizar algumas das reformas do sistema político cuja necessidade é sentida há muito. A redução do número de deputados é apenas uma delas. Mas de pouco valerá se não for acompanhada de uma mudança profunda no sistema eleitoral que permita melhorar a qualidade média do Parlamento. Ele não fica mais credível só por ter menos 50 deputados, caso os restantes continuem a ser eleitos em listas fechadas e elaboradas pelos estados-maiores dos partidos, segundo critérios em que sempre prevalecerão os da fidelidade à liderança de serviço. Ao excluir Passos Coelho e Miguel Relvas da 'sua' lista para as últimas eleições, Manuela Ferreira Leite deu o exemplo acabado dessa atitude de que todos os líderes se arrogam, mais ou menos disfarçadamente. O PSD defende há muito a redução do número de deputados e correu a disponibilizar-se para o debate alvitrado, mas, aparentemente, deu um passo em falso: a ideia de Lacão conta pouco. É pessoal, diz o líder parlamentar, Francisco Assis. Ora, é tão estranho Lacão ter tomado a iniciativa de falar publicamente num assunto tão delicado sem conhecimento prévio do primeiro-ministro, como é estranha a reação algo destemperada de Assis, em geral sereno e cordato perante situações deste tipo. Aliás, se Lacão tivesse dado um passo maior do que a perna, não se perceberia que continuasse ministro depois de reafirmar a sua posição e de responder positivamente à proposta de conversações com o PSD já depois de Assis se ter pronunciado contra a sua proposta. Alguém mais no Governo deve pensar como Lacão, embora o PS seja fértil neste tipo de encenações com a ideia peregrina, mas muito frequente, de que defender uma coisa e o seu contrário é uma boa forma de fazer política. Este tempo de revisão constitucional e de crise económica e financeira devia ser aproveitado para se fazerem reformas capazes de refundar o regime, criando condições para a sua credibilização. E neste ponto é Lacão quem tem razão e não Assis. Há mais de uma década, António Costa elaborou uma proposta de trabalho para um novo sistema eleitoral que previa a introdução de círculos uninominais e a preservação de um círculo nacional para assegurar uma representatividade equilibrada. Além de todas as vantagens em termos de custos para o país e de recuperação da confiança dos eleitores, mudanças deste tipo obrigariam à tão necessária reforma dos partidos, que é, talvez, a mais necessária de todas. Como dizia na quarta-feira o historiador Rui Ramos, no lançamento de um livro de António Carrapatoso com o sugestivo título "Desatar o Nó", os partidos, hoje, são mais representantes do Estado junto dos cidadãos do que representantes dos cidadãos junto do Estado. Obrigarem-se a regressar às origens e a reassumirem o seu papel, que tanto têm desvirtuado, era um serviço que deviam prestar a si próprios e à democracia. Ministério Público prefere os bufos

O advogado Ricardo Sá Fernandes é arguido em cinco-processos-cinco por ter denunciado uma tentativa de corrupção efetuada por um empresário de Braga. A Justiça nunca negou a existência dessa tentativa de corrupção. Se decidiu absolver o réu depois de o ter condenado em primeira instância foi porque o vereador de Lisboa que ele terá querido corromper não tinha as competências necessárias para fazer o que lhe era pedido a troco de 200 mil euros. O mais recente processo a Sá Fernandes resulta do seguinte: o advogado gravou, sem autorização, uma primeira conversa com o suposto corruptor; mostrou-a ao Ministério Público; depois de a ouvir, o dito Ministério Público autorizou-o a fazer uma segunda gravação; servindo-se desta, o mesmo Ministério Público levou o empresário ao tribunal e pediu a sua condenação. Agora procede contra o advogado que fez a denúncia por ter sido ilegal a gravação que deu origem a tudo isto. Parece anedota. Mas acontece e, por sinal, no mesmo país onde o procurador-geral da República, suposto chefe do tal Ministério Público, põe na sua página eletrónica um apelo aos cidadãos para que denunciem a corrupção sob anonimato. Em vez de quem seja capaz de dar a cara, preferem-se os bufos. Pelo menos, oferecem-lhes a vantagem de nunca serem processados. Medo e esperança

As revoltas contra os regimes ditatoriais do Norte de África e do Médio Oriente, com os quais os Estados Unidos e a Europa tão bem têm convivido - por isso se percebem as perplexidades e hesitações das últimas semanas - vieram acelerar a História desta região do mundo. Não sabemos ao certo em que sentido, mas é verdade que não se veem bandeiras dos EUA e de Israel a serem queimadas nas ruas e nas praças. Pela primeira vez, parece que a revolta não é contra 'nós'. Entre o medo dos fanáticos islâmicos e a esperança em democracias à sua maneira, o Ocidente - Obama, Merkel, Sarkozy, Barroso - vai formulando votos e debitando uns lugares-comuns ou uns milhões de dólares, expectante. Mas convém ter presente que o facto de os povos mediterrânicos do Sul estarem a conjugar miséria com ditadura não significa que a miséria não possa ser conjugada com outros regimes. Por isso o aviso é tão válido para Mubarak e demais tiranetes como para as democracias que não souberem travar a pobreza e cuidar da periclitante coesão social. Um dia, na Europa, também podem encher-se as praças. Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 5 de fevereiro de 2011 Ganhou ou perdeu? Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 4 de fevereiro de 2011 Cavaco ganhou, mas parece que perdeu. Ele próprio contribuiu para dar essa ideia no domingo à noite. Cavaco Silva obteve no domingo uma vitória eleitoral insofismável, mas tem sido apresentado nas televisões, nos jornais e na blogosfera como um quase derrotado. Os dois milhões e 230 mil votos que recebeu (53,4 por cento) são mais de duas vezes e meia a soma obtida pelo seu principal concorrente, Manuel Alegre: 832 mil votos (19,75 por cento). Além disso, ganhou em todos os distritos do continente e das regiões autónomas, o que corresponde a uma distribuição quase perfeita em termos de representatividade nacional. A perceção de que, apesar disto, o Presidente sai mais fraco da reeleição nada tem a ver com os resultados, até porque não faz sentido comparar os votos de domingo passado com os de quaisquer eleições anteriores. Cada uma teve, além de candidatos diferentes, as suas circunstâncias e condicionalismos específicos, pelo que os resultados não são comparáveis. Eanes, por exemplo, foi reeleito em 1980 com 56 por cento mas recebeu 3262 mil votos, pouco menos do que os 3459 com que Soares obteve 70,3 por cento em 1991 e muito mais do que os 2401 mil que corresponderam a 55,5 por cento no caso de Sampaio em 2001. Nada disto se pode comparar com o resultado de Cavaco em 2011, nem este com o do mesmo Cavaco em 2006 porque foram diferentes o quadro em que decorreram e as variáveis que condicionaram cada uma das eleições. E também nada disto determina se um Presidente fica mais forte ou mais fraco para desempenhar as suas funções no segundo mandato, como se viu com os anteriores titulares do cargo. Cavaco ganhou e ganhou bem. Mas se quase parece que perdeu não foi só por força da avalancha de análises e comentários a apoucar o seu resultado, muitos deles politicamente interessados, começando pelos da área do Governo. Ele próprio contribuiu para essa ideia com o discurso da noite eleitoral, deselegante, azedo e ressentido. Foi o discurso de alguém que sentiu a necessidade de, com ele, valorizar o seu resultado. Não precisava de o fazer e, certamente, não o teria feito se, apesar da vitória alcançada, não sofresse algum sentimento de derrota. E esse sentimento, embora nada tenha a ver com a sua legitimidade política e institucional, nem determine se será, no segundo mandato, melhor ou pior Presidente do que no primeiro, tem como razão de ser o facto de a campanha o ter diminuído aos olhos do país, incluindo, provavelmente, muitos dos eleitores que votaram nele. Essa ferida na sua imagem pessoal está aberta e não são os votos obtidos que a farão sarar, como era sabido e se escreveu aqui antes da eleição. Quanto à presidência em si, nada está ganho nem perdido. O segundo mandato é aquele em que os presidentes trabalham para a História. Será o êxito ou o fracasso que o político experiente que é Cavaco Silva souber fazer dele. Alegrias e tristezas

Numa eleição com tantos candidatos, nunca há só um vencedor. Tivemos, aliás, mais vencedores do que vencidos: três, além de Cavaco, contra dois. Os 14 por cento de Fernando Nobre foram um prémio justo para alguém que, tendo obra meritória na sociedade, entendeu oferecer os seus préstimos à política. A tarefa era difícil e fácil ao mesmo tempo. Difícil porque sem o apoio logístico de um partido, um candidato relativamente desconhecido custa a afirmar-se no curto prazo de uma campanha; fácil porque o discurso 'antissistema' paga bem nos tempos que correm, mesmo sem ideias sólidas que o sustentem. Dentro de cinco anos, talvez Nobre tenha condições para voltar, mas começando de novo. Daqui até lá, é melhor não pensar nos 'seus' 600 mil votos para não ter a mesma desdita de Alegre. O segundo vencedor é o candidato fora de ordem, ou 'o sexto candidato', aquele que, embora concorrendo para Belém, só tinha o Funchal no pensamento. Até que ponto serão estes votos de José Manuel Coelho convertíveis no seu combate contra Jardim é a dúvida que se coloca. No continente foram meros votos de protesto, embora com o seu quê de pitoresco, o que até nem fica mal numa eleição unipessoal. Francisco Lopes não ganhou mas também não perdeu, já porque o PCP nunca perde - pelo menos encontra sempre uma explicação de vitória -, já porque, na verdade, o score obtido não envergonha. Perdeu votos e percentagem em relação a Jerónimo de Sousa, mas este tinha a vantagem de ser já secretário-geral quando se candidatou. Lopes ainda não o é. E ganhou a notoriedade que lhe faltava para poder vir a sê-lo. Já Defensor Moura foi o mais completo fiasco. Esgotou o seu papel no debate com Cavaco mas foi humilhado no próprio concelho a que presidiu durante vários mandatos, ficando-se por bastante menos de metade dos votos do adversário que tanto atacou. Por fim, Manuel Alegre. Foi, obviamente, o grande vencido da noite, tanto à luz dos objetivos traçados, como dos apoios que recebeu. Na hora da derrota, assumiu-a com galhardia, enquanto outros, como José Sócrates, lhe gabavam a coragem de ter avançado, ao mesmo tempo que valorizavam a continuidade e a estabilidade trazida pela vitória de Cavaco. A relação do PS de Sócrates com Alegre e de Alegre com o PS de Sócrates está, desde há vários anos, assente na maior das hipocrisias. Detestam-se, profunda e reciprocamente, mas fazem o que for preciso - ou fizeram-no até agora - para fingir o contrário, julgando talvez que os eleitores não percebem. Enganaram-se redondamente e também por isso os resultados foram o que foram. Podíamos agora lamentar-nos da abstenção, dos votos bancos e nulos, do desencanto geral que as eleições evidenciaram. Mas isso o que adianta? Esperemos pelas próximas. Se nada de substancial mudar nas políticas e nos comportamentos é bem possível que ainda tenhamos saudades destas. Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 29 de janeiro de 2011 Os cinco na campanha Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 28 de janeiro de 2011 Os 'casos' das ações e da aldeia BPN fizeram mossa em Cavaco, ainda que possam não ser decisivos na hora do voto. Na segunda-feira, teremos a mesma crise, o mesmo desemprego, a mesma dívida, a mesma incerteza quanto ao futuro, o mesmo Governo e, muito provavelmente, o mesmo Presidente da República. Teremos também o mesmo desencanto com os agentes políticos, esse agravado pela campanha pobre e quezilenta em que se aplicaram os principais candidatos. Os 'casos' por esclarecer não deixam de ter consequências no juízo dos eleitores, ainda que possam não ser decisivos na hora do voto, porque cada cidadão não vota apenas a favor do seu candidato, mas também, através dele, contra alguém. Há quem se esforce por fazer crer que as campanhas são todas iguais e que os 'casos' morrem com elas. Mas esta foi diferente. Nunca um Presidente à procura da reeleição foi alvo de ataques e suspeições tão graves. E a recusa de um esclarecimento cabal dessas suspeições tornou-se um problema sério. Para Cavaco Silva, mas também para o país, porque, ainda que seja reeleito e até com mais votos do que há cinco anos, ficará em Belém um Presidente mais vulnerável do que aquele que de lá saiu há duas semanas. Não obstante, a campanha de Cavaco foi, no plano político, a mais afirmativa e mobilizadora da sua própria base de apoio, tendo-se reforçado à direita com os ataques sucessivos ao Governo para compensar o descontentamento dessa área com muitos aspetos do seu primeiro mandato. O risco de tal 'correção' de rumo, obviamente assumido, é, como já se assinalou aqui, o de agravar a conflitualidade institucional. A ponto de, tendo dito o que disse do Governo, dificilmente se perceber que Cavaco deixe de fazer o que estiver ao seu alcance para o derrubar. Das restantes candidaturas, a mais dececionante foi a de Manuel Alegre. O seu discurso perdeu toda a força mobilizadora de quando se apresentou livre de compromissos partidários. Para lá dos 'casos' a que se colou depois de uma aparente hesitação, e além da defesa estrénua, mas em termos vagos, do Estado social, pouco mais se retém desta campanha de Alegre que não sejam perguntas e comentários às intervenções de Cavaco. E esta foi uma tática fatal perante alguém que, já se sabia, ignora ostensivamente os adversários. Alegre pode ser a grande desilusão destas eleições, com Fernando Nobre a causar-lhe maior dano do que as sondagens têm vaticinado. Nobre foi o único que se pôs à margem dos 'casos', assumindo-se, também em relação a este aspeto do combate político, como um outsider do 'sistema'. E o 'sistema' está suficientemente desprestigiado para que um outsider comece a colher vantagem dessa condição. Não será o caso de Francisco Lopes - também ele muito sereno na forma como tratou as ações e a casa de férias -, o candidato de partido mais assumido de todos. Todavia, cumpriu e talvez não desmereça o investimento que o PCP fez na promoção do seu nome, seja ou não para substituir Jerónimo. Quanto a Defensor Moura, esgotou a sua função no debate televisivo em que tentou 'assassinar' Cavaco. E José Manuel Coelho, além de também não ter feito mais do que atirar ao Presidente, com um pouco mais de graça, dá a ideia de só ter vindo ao continente para se divertir e ganhar notoriedade para as regionais madeirenses, lá para o fim do ano. Tudo visto e ponderado, a campanha dos cinco não foi uma grande aventura. Mas nem por isso o voto deixa de ser importante. Escolas público-privadas

As escolas públicas são financiadas pelo Estado e as privadas pelos alunos, ou por alguma entidade particular que entenda fazê-lo. Verdade? Não. Em Portugal temos escolas públicas, privadas e público-privadas, isto é, as privadas que o Estado subsidia para que os alunos as frequentem sem pagar. Toda a gente acha que isto faz sentido e até o Presidente da República abraçou a causa destas escolas, na maioria ligadas à Igreja, que agora protestam porque o Governo lhes reduziu os subsídios. Por isso houve manifestações na campanha. Contra Alegre porque é apoiado pelo partido do Governo, mas também contra Cavaco, que tentou melhorar a lei em vez de a vetar. O argumento para a subsidiação destas escolas é o de que elas funcionam lá onde não chega a escola pública. Tal argumento não colhe, ou não devia colher, porque há muitos lugares no país onde não existem escolas públicas e o que os alunos fazem é deslocar-se para frequentar a mais próxima. Com a generalização dos agrupamentos de escolas são, aliás, cada vez menos aqueles que não precisam de se deslocar. Compreende-se que pais, alunos e professores destas escolas defendam com afinco o tratamento especial que o Estado lhes tem concedido. Duvida-se é que esse tratamento seja o mais correto, à luz da equidade a que o mesmo Estado se deve obrigar. E se Sócrates conseguisse?

Por maior que seja o esforço de Sócrates - e tem de se lhe tirar o chapéu por esse trabalho incansável -, a venda de dívida a clientes escolhidos dificilmente evitará o recurso à UE e ao FMI. Mas a verdade é que nas duas operações de mercado realizadas este ano, os juros baixaram. Será, muito provavelmente, sol de pouca dura. Mas imaginar-se, por um momento, que Sócrates consegue sozinho o que a todos parece impossível é um bom ponto de partida para uma divertida charada política. Ficariam de pernas para o ar todos os cenários, cálculos e previsões que estão a ser feitos por estes dias na perspetiva da reeleição do Presidente. Fernando Madrinha Texto publicado no caderno de economia do Expresso de 21 de janeiro de 2011 Pode, mas não deve Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 21 de janeiro de 2011 A última coisa de que o país precisa é de que as presidenciais se transformem num ajuste de contas entre o Presidente e o primeiro-ministro. Um Presidente que se candidata à reeleição não é um candidato como outro qualquer. Em primeiro lugar, porque carrega o peso institucional de um cargo que, aliás, continua a exercer durante a campanha. Em segundo lugar, porque o mais provável é manter-se em funções, como sempre aconteceu desde que os Presidentes são eleitos por sufrágio direto e universal. Um Presidente recandidato não tem, por isso, a mesma liberdade de discurso dos seus concorrentes. Por exemplo, se, enquanto Presidente, está obrigado à cooperação institucional com o Governo em exercício, pode, mas não deve nem lhe fica bem fazer do ataque a esse Governo um tema forte para ganhar votos. A menos que declare, à partida, que o confronto com o Executivo e o seu eventual derrube, através da dissolução do Parlamento, é parte do seu projeto. No caso de Cavaco isso não aconteceu. Aliás, o Presidente prometeu e cumpriu, pelo menos nos primeiros tempos, uma cooperação estratégica com S. Bento. E disse, já em campanha, que nada fará para perturbar o Executivo na sua tentativa de evitar o FMI. Estranha-se, por isso, que transforme o Governo no seu bombo da festa para ganhar votos. É o que está a acontecer. Num dia, Cavaco diz que o Executivo deve ser apoiado, no outro desanca-o em áreas concretas da governação, como a dos subsídios à agricultura, ou com críticas ao modo como se atrasou no combate à crise, ou com observações que, pelo tom e pela substância, são demonstrações muito explícitas de duplicidade e cinismo político. Tudo isto culminou na tal referência à hipótese de uma "grave crise", feita no dia em que o país e a Europa aliviavam da forte tensão sobre a dívida portuguesa. Cavaco lembra que já por 12 vezes falou de crise política sem que tivesse havido reações. Mas esta 13ª vez não é igual às outras 12. Desde logo porque, tratando-se de campanha, pode ser lida como intenção programática. E que juízo farão os credores internacionais, cuja sensibilidade Cavaco tanto valoriza, ao verem o Presidente e principal candidato a acenar com a possibilidade de uma crise política, ele que sempre considerou tal crise um desastre para o país? Com a exploração do caso das ações da SLN na pré-campanha, o Governo e o PS comprometeram Cavaco e contribuíram para a previsível deterioração das relações com Belém após a eleição presidencial. Os repetidos ataques de Cavaco ao Governo são uma resposta na mesma moeda, que assim concorre igualmente para envenenar as relações institucionais. Ora, a última coisa de que o país precisa é de que as presidenciais se transformem num ajuste de contas entre o Presidente da República e o primeiro-ministro. Mas é nisso mesmo que estão a converter-se. Um sucesso... ruinoso

José Sócrates e Teixeira dos Santos apresentaram resultados da execução orçamental de 2010 na véspera da mais sensível venda de dívida pública desde que a desconfiança dos investidores se fixou em Portugal. São resultados muito positivos, dizem, embora parcelares e sujeitos a confirmação. Mas uma pessoa interroga-se: seria - ou será - admissível que dois PEC depois e com recurso a 2,6 mil milhões do fundo de pensões da PT os objetivos ficassem por cumprir? E embora o aumento da despesa se faça a um ritmo menor do que o previsto, será um resultado positivo o facto de continuar a crescer? Nunca saberemos se o anúncio do Governo contribuiu ou não para o 'sucesso' da colocação da dívida. Mas as perguntas que qualquer um se faz também os 'mercados' as devem fazer e com maior fundamento - perguntas como esta: em que década começaremos a pagar o que devemos? -, pelo que outras devem ter sido as suas motivações na quarta-feira. De qualquer modo, a operação foi, para o Governo, um êxito político e, para o país, um êxito mediático. Não é todos os dias que os principais media internacionais dão uma notícia positiva sobre Portugal em matéria de dívida. Só que a 'boa notícia' durou umas horas. Logo de seguida veio o Banco de Portugal prever uma recessão em 2011. E mais tarde surgiu Paul Krugman, o Nobel da Economia mais citado pelo PS, a observar que a colocação de dívida portuguesa foi um sucesso... "ruinoso". Pior do que pagar juros altíssimos seria já ninguém nos emprestar dinheiro. E isto diz tudo sobre a nossa situação: já nos regozijamos com notícias más só porque não são péssimas. A TV perante a morte

A morte do major Vítor Alves, capitão de abril e de novembro, membro do Conselho da Revolução e ministro mais de uma vez, foi tratada pelas televisões com a displicência de uma notícia necrológica sobre uma figura menor da nossa vida pública. E, no entanto, estamos perante alguém que pertence àquele pequeno grupo de homens a quem o país mais deve a liberdade e a democracia. Já a morte brutal do cronista social Carlos Castro foi objeto de um tratamento exaustivo e de um investimento tal em meios e tempo de antena - com o serviço público a disputar a primazia às privadas em múltiplas peças vazias de conteúdo - que a desproporção é, no mínimo, chocante. Mas esclarecedora. Nota As reportagens da SIC sobre os romenos acampados em Almada, aqui elogiadas na última edição, são da autoria de Ana Margarida Póvoa, Jorge Pelicano, Miriam Alves e Sara Antunes de Oliveira. Texto publicado na edição do Expresso de 15 de janeiro de 2011 Ações e omissões Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 14 de janeiro de 2011 As ações do BPN e o artigo para publicitar o BPP tornaram-se temas centrais de uma campanha presidencial triste e fruste. Ao fim de 30 anos na política, Cavaco Silva tinha a obrigação de prever que a história das suas ações da empresa proprietária do BPN acabariam por vir à baila na campanha. É estranho que não tenha preparado uma resposta esclarecedora para matar o assunto à primeira abordagem. Começou por reagir com o silêncio, no debate com Francisco Lopes, e esse foi um erro fatal, porque, a partir daí, o tema tornou-se ainda mais apetecível para os adversários e para os media. Perante um ataque frontal e agressivo de Defensor Moura, limitou-se a repetir o que já dissera quando o Expresso levantou o assunto. No debate com Manuel Alegre, deitou mais achas para a fogueira ao desviar-se do tema e questionar o desempenho da atual administração do banco, dando pretexto a que o Governo, mortinho por entrar na conversa, viesse acusá-lo de tentativa de "branqueamento" dos gestores que estão na origem dos problemas do banco. Do ponto de vista tático, esta sucessão de intervenções não foi feliz. E serviu apenas para reforçar as dúvidas em torno de um investimento com uma rendibilidade tão alta que dificilmente alguém podia deixar de a considerar suspeita. A assinatura de Oliveira e Costa no despacho de recompra das ações, que, por extraordinária coincidência - para quem acredita em coincidências num caso destes -, foi conhecida uma hora antes de uma entrevista televisiva de Manuel Alegre, mais adensa as dúvidas de que a transação possa ter tido um tratamento especial. Dito isto, é óbvio que, quer tenham trabalhado em conjunto quer não, as duas candidaturas da área do PS, um partido que tanto se queixou de "campanhas negras" contra o seu líder atual, têm usado o caso das ações no tom e na linha dessas campanhas. Fariam melhor se, na hipótese de terem indícios ou provas do que insinuam sobre a probidade do seu adversário, as apresentassem. Quanto a Cavaco, diz que tem por norma ignorar os que o atacam "de forma desonesta", mas, neste caso, a melhor conduta seria a oposta: responder a todas as perguntas para que se percebesse claramente se recebeu ou não tratamento especial do BPN e se os ataques merecem, de facto, o qualificativo de "desonestos". Uma campanha presidencial com este tema de fundo, além de um artigo de Alegre para publicidade ao Banco Privado Português que foi agora chamado para contraponto - a importância do assunto vem das explicações trapalhonas do candidato -, é uma campanha triste e fruste. No estado em que se encontram o país e a imagem da política, só convida à abstenção e ao voto de protesto, talvez a benefício de Fernando Nobre e Francisco Lopes, que se têm distanciado dessa guerra, mas fragilizando os dois candidatos principais. Uma coisa é certa: se Cavaco sair vencedor, como se prevê, as relações do Presidente com o atual poder socialista estarão envenenadas para sempre. Desde Sá Carneiro que nenhum partido no Governo, diretamente ou por interposto candidato, afrontou tanto um Presidente que tenta a reeleição. Com a agravante de, desta vez, não serem razões políticas, mas de carácter, que estão sobre a mesa. A absoluta falta de confiança entre Cavaco e Sócrates, já hoje mais do que patente, sairá agravada. E esta é mais uma prova que, nas atuais circunstâncias, o país bem dispensava. A fábrica de bolachas

Por estes dias de chumbo em que desesperamos por boas notícias e motivos de orgulho coletivo, por estes dias de Natal em que tanto se falou de solidariedade, por estes dias de campanha em que a pobreza ganhou direito de antena nos discursos dos candidatos, um português sorridente, ainda jovem e de muito bem com a vida, pelo que transmite a sua atitude, apareceu na televisão. Chama-se Luís Figueiredo. Pertence a uma organização chamada Forever Kids e vocacionada para o apoio a crianças. Luís apareceu na televisão porque foi a televisão que lhe trouxe a notícia, numa reportagem de Miriam Alves que a SIC transmitiu na véspera de Ano Novo: 30 romenos e búlgaros estavam acantonados há dois meses numa antiga fábrica de bolachas da Cova da Piedade. Vieram com promessas de trabalho. Como tantos outros apanhados por redes mafiosas ou patrões sem escrúpulos, foram abandonados à sua sorte. E a sua sorte ditou que não tivessem outra morada em Portugal senão aquelas ruínas, "entre dejetos, ratos e lixo". Ali estiveram instalados, vivendo de esmolas, de arrumar automóveis, de uns roubos talvez, pois nunca se sabe do que seremos capazes se a fome apertar. Luís Figueiredo viu a reportagem, levantou-se do sofá, foi ao encontro dos imigrantes, arranjou-lhes comida e roupa, fez uns telefonemas e eles puderam cumprir o sonho que já lhes parecia impossível: voltar para casa. Uma empresa de autocarros dispôs-se a levá-los até Madrid, um benfeitor anónimo deu os dois mil euros necessários para o resto da viagem. Em três dias apenas, Luís Figueiredo fez aquilo que o Estado foi incapaz de fazer em dois meses. Parece que a polícia aparecia de vez em quando no acampamento improvisado, mas não se lhe conhecem diligências para resolver o assunto. Parece que a Câmara, por sinal de esquerda desde sempre, até é a proprietária das ruínas, mas não atribuiu ao caso a menor importância. Lá onde o Estado falhou redondamente, uma jornalista atenta e um homem decidido fizeram o que havia a fazer. Em situações como esta percebe-se melhor que o jornalismo é um bem de primeira necessidade, capaz, até, de redimir a televisão dos seus muitos pecados. E pessoas como Luís Figueiredo ajudam-nos, com o seu exemplo, a vencer a descrença e o abatimento em que estamos mergulhados. Devemos agradecer-lhes. Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 30 de dezembro de 2010 Juízes em causa própria Fernando Madrinha 0:00 Sexta feira, 7 de janeiro de 2011 Na guerra contra a redução de salários, teremos juízes a julgar em causa própria, visto que são parte interessada. Se a redução dos salários na Função Pública vier a ser declarada ilegal, hipótese que vários juristas já levantaram e que alguns sindicatos vão agora levar à Justiça, bem podem Cavaco Silva e Durão Barroso clamar contra a 'cacofonia' para que as agências de rating não a oiçam: esse será o golpe de misericórdia no plano de Sócrates para fugir ao FMI e à UE, o caminho estreito que escolheu para também se salvar a si próprio. A redução do défice nos termos e nos prazos acordados tornar-se-á uma miragem. O pouco que sobra de credibilidade externa irá por água abaixo. Os juros da dívida ficarão ainda mais incomportáveis. E ao Governo restará optar por uma destas saídas: ou aplica, por sua conta e risco, uma nova e arrasadora vaga de austeridade para compensar a verba dos salários, ou pede ajuda à UE e ao FMI, procurando apoio parlamentar para executar as suas políticas, ou assume a incapacidade de levar o barco a bom porto, demitindo-se. Em qualquer caso, chegámos a um ponto em que o Governo e o país político têm a obrigação de avaliar bem se há vantagem em continuar a remar contra a UE e o FMI em nome do orgulho nacional e de uma independência, que, afinal, estão a ser hipotecados em alianças para a compra da dívida que, além de nada garantirem quanto ao défice, podem vir a revelar-se mais comprometedoras. A viagem do ministro Teixeira dos Santos à China é a mais emblemática dessas iniciativas de rendição. E o facto de Pequim deter grossas fatias das dívidas de vários Estados, incluindo os EUA, não colhe como argumento, sabendo-se como são incomparáveis as vulnerabilidades de Portugal. Se o negócio chinês se concretizar, bastará que o Dalai Lama se lembre de vir outra vez a Lisboa para ficar ainda mais patente essa vulnerabilidade. Tudo indica que, na deplorável situação de cerco em que se encontra, Portugal já só pode escolher entre dois males. E, apesar dos insultos a que se prestam alguns mandatários da senhora Merkel - há tempos o Presidente checo perante Cavaco Silva, esta semana um ministro eslovaco a dizer que Portugal estaria melhor fora do euro - não é certo que o FMI e a UE sejam o mal maior. A hipótese de se comprometerem os objetivos do défice por força da ilegalidade da redução de salários justifica, em todo o caso, mais duas reflexões, ainda que nem uma nem outra sejam novidade. A primeira diz respeito à displicência com que o Governo toma decisões de legalidade duvidosa. A segunda tem que ver com o próprio sistema jurídico-constitucional que, em certos aspetos, torna o país ingovernável. Na primeira linha da contestação encontram-se, além da inevitável Fenprof, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e a Associação Sindical de Juízes. Uma vez que serão os tribunais a determinar se é ou não ilegal a redução de salários - três ações ganhadoras bastarão -, teremos juízes a decidir em causa própria, visto serem parte interessada na anulação das medidas do Governo. E isto não deixa de ser bizarro num regime em que, para efeitos de governação, se presume soberano o poder do voto e dos órgãos que dele emanam. A força dos boys

Por falar em juízes, os do Tribunal de Contas explicaram esta semana que as empresas públicas aplicam o seu dinheiro na banca comercial, violando a lei que as obriga a ter as contas no Tesouro. Além disso, não entregam os ganhos ao Estado. A lei que proíbe este procedimento vem de 2005, mas de nada vale, pelo que o tribunal vai lembrando que, desde meados deste ano, existe legislação sancionatória que permite ao Governo demitir os gestores que não cumpram. Pois é essa mesma legislação e o facto de ela existir apenas desde 30 de junho que leva o Governo a pôr de parte, quase ofendido, a sugestão indireta de que os gestores em causa fossem demitidos. Assim se branqueiam cinco anos de violação grosseira e sistemática da lei. Assim se vê a força dos boys e a impunidade de que são beneficiários. Não dar confiança

Um ano que começa é sempre uma caixa de surpresas. Daí que, mesmo parecendo que já sabemos tudo sobre 2011, convenha olhar para ele sem complexos nem receios exagerados. Se o encararmos como um ano maldito, que é o que pretende, estamos a ajudá-lo a cumprir a ameaça. Não devemos facilitar nem dar-lhe confiança. Afinal, já sabemos uma parte do que ele nos vai trazer de mau e isso sempre é uma vantagem: podemos preparar-nos para as dificuldades conhecidas. Quanto às outras, veremos caso a caso. Convém ter presente, no entanto, que ignoramos praticamente tudo o que de bom pode ocorrer - nem os jornais e as televisões têm falado dessa parte nem os políticos cometem o mais leve deslize de otimismo. Com exceção do primeiro-ministro, honra lhe seja, que olha sempre e só para o lado bom. Tanto que, na mensagem de Natal, não falou de desemprego mas, em contrapartida, dedicou várias linhas a um certo estudo da OCDE segundo o qual o Ensino melhorou em Portugal. A atitude de Sócrates não é inteiramente recomendável em relação à vida de cada um de nós porque, como já se viu, deu mau resultado com a vida do país. Mesmo assim, é preciso acreditar, como canta Luiz Goes. Talvez 2011 não seja tão mau como o pintamos. E, em qualquer caso, são tão baixas as expectativas que o que trouxer de positivo será sempre um 'bónus' que festejaremos com mais alegria. Bom Ano, caro leitor! Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 30 de dezembro de 2010 Pobreza de campanha Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 31 de dezembro de 2010 O discurso dos candidatos sobre a pobreza serve para pouco mais do que disfarçar a pobreza da campanha. Se Fernando Nobre não fosse candidato, talvez a pobreza não tivesse entrado na campanha presidencial com tanta força e logo de início, apesar de a crise e a quadra serem propícias. A candidatura de alguém com o perfil do presidente da AMI teve o mérito de levar as restantes a darem uma atenção especial aos pobres, independentemente de serem genuínas as suas preocupações sociais e de cada um ter, neste domínio, pergaminhos para apresentar. O atual Presidente tem-nos, como lembrou Paulo Portas com o exemplo do 14º mês dos reformados, instituído por um dos seus governos, e como o atestam os roteiros para a inclusão, já em Belém. Mas duvida-se que, fora desta campanha eleitoral, tivesse apadrinhado o casamento de dois sem-abrigo e a distribuição das refeições que os restaurantes não vendem. Ou que viesse dizer que todos temos de nos sentir envergonhados com a existência de fome em Portugal, não acrescentando que alguns devem ter mais vergonha do que os restantes. Sem a candidatura de Fernando Nobre e a atenção às questões da solidariedade a que ela obrigou os seus concorrentes, também o primeiro-ministro não teria vindo a terreiro criticar aqueles que "não resistem à exploração mais descarada da pobreza", visando com isto Cavaco, mas visando especialmente o presidente da AMI ao atacar os que tomam a pobreza como "uma indústria" para retirar dela dividendos políticos. É verdade que a solidariedade e as organizações não-governamentais em geral se transformaram numa espécie de indústria. Mas essas organizações só existem porque atuam lá onde o Estado falhou, isto é, onde falharam os políticos. Que o líder de uma dessas organizações tente converter em força política a notoriedade alcançada no seu trabalho humanitário, como sucede com Fernando Nobre, pode ser uma via pouco ortodoxa de acesso ao poder, mas não é menos legítima. Pelo contrário, ele tem a legitimidade reforçada de quem não precisou do poder do Estado para fazer prova da sua entrega à causa da solidariedade. Sucede, além disso, que, em política, todos tentam sempre retirar dividendos da pobreza, seja quando apenas a lamentam, seja quando a combatem e se vangloriam de a ter combatido. Aliás, não foi somente por indignação pessoal com o aproveitamento político da pobreza que Sócrates entrou na campanha presidencial. Foi também com o cálculo político de desacreditar os dois adversários que mais danos causam ao seu candidato, Manuel Alegre, e à sua difícil missão de chegar a uma segunda volta. Numa sociedade onde há 20 por cento de pobres, onde muitos mais vivem com grandes dificuldades e onde a miséria tende a alastrar com a crise, mal seria que a pobreza não surgisse como tema forte das presidenciais. Mas, sabendo-se que o Presidente não governa, o pior serviço que os candidatos podem prestar aos pobres e a si próprios é não desfazerem este equívoco que o seu discurso alimenta. É fingirem que o combate à pobreza vale como desígnio e programa político quando o que aí temos é pobreza de campanha, isto é, uma simples bandeira para disfarçar ...a pobreza da campanha. Um buraco sem fundo

Ainda há pouco o ministro das Finanças não sabia onde cortar 500 milhões de despesa do Estado para satisfazer os compromissos assumidos com o PSD na negociação do Orçamento e cumprir o défice prometido. Agora tem na secretária um pedido de mais 500 milhões para aplicar num banco falido, não porque tenha sido apanhado pela especulação financeira internacional, mas porque foi usado para encher a pança, como diria Ary dos Santos, a um bando de ex-políticos rapaces disfarçados de banqueiros. A avaliar pelo que disse o ministro sobre os 500 milhões do Orçamento, com mais 500 milhões para o BPN o Governo não cumprirá o défice previsto para 2011. A não ser que, lá para o meio do ano, vá buscar esse dinheiro ao bolso dos contribuintes. A questão que se coloca, além de saber se todos os responsáveis e beneficiários desta burla gigantesca serão alguma vez chamados a responder, não só criminalmente mas com a devolução dos milhões que acumularam, é até quando - e até quanto - está o Governo decidido a enterrar dinheiro dos contribuintes. Estranha-se o silêncio do ministro sobre o que foi feito nestes dois anos e o que tenciona fazer com o BPN, quase tanto como se estranha o silêncio de Cavaco Silva, no debate com Francisco Lopes, quando confrontado com este caso. E estranha-se, sobretudo, que, não tendo nacionalizado em devido tempo a SLN, a empresa cujas ações davam ótimos rendimentos e que, pelos vistos, era a parte boa do grupo, o Governo não corra a nacionalizá-la agora para que o Estado recupere o que for possível dos milhares de milhões deitados neste buraco sem fundo. O Governo e a nação

Os comerciantes, habitualmente queixosos e pessimistas, não têm aparecido nas televisões, como aparecem todos os anos, a dizer que o Natal é uma desgraça. A SIBS explica porquê: só na semana passada, foram gastos 800 milhões em compras através dos terminais de pagamento (mais 4,8 por cento do que em 2009) e levantados 600 milhões nas caixas Multibanco (mais 1,6 por cento). Eis a prova que faltava da sintonia total entre o Governo e a nação: ambos sabem que precisam de poupar, mas não sabem onde cortar. Nem querem saber. Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 23 de dezembro de 2010 Trabalhar para a abstenção Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 24 de dezembro de 2010 A eleição presidencial ocorre na semana de janeiro em que a maioria dos funcionários públicos vai receber o seu primeiro vencimento reduzido, no fim de um mês em que foram confrontados, eles e todos os trabalhadores portugueses, com aumentos generalizados e significativos. Como se repercutirá na votação esse estado de espírito forçosamente negativo é uma das grandes curiosidades eleitorais. Mas não admirará se a abstenção, por alheamento ou como protesto, for um dos resultados mais relevantes. Neste quadro, os debates televisivos, embora distantes do dia do voto e com as Festas de permeio, têm a sua importância como fatores de mobilização eleitoral. Mas quem viu os dois primeiros só pode ter-se sentido ainda mais... desmobilizado. Francisco Lopes, mais baço do que se previa, dificilmente vai chegar ao próprio eleitorado do PCP; Fernando Nobre tenta disfarçar com agressividade contra os políticos a sua falta de consistência política; Defensor Moura é uma figura cordata que pode ter lá os seus votos em Viana, mas pouco ou nada pesará nos resultados e Manuel Alegre vive o drama do candidato tolhido na sua liberdade pelos apoios partidários que recebeu. Falta ver se Cavaco Silva deixa de contribuir também para a abstenção, com declarações infelizes como a de dizer que a fome existente no país deve envergonhar todos os portugueses. São os responsáveis políticos das últimas décadas, entre os quais se inclui, que têm de se sentir envergonhados. Despedimentos baratos

A ideia de facilitar os despedimentos, tornando-os mais baratos para as empresas, quando o desemprego é a maior chaga social do nosso tempo tem o seu quê de intrigante. Sobretudo porque a iniciativa partiu de um Governo que se afirma de esquerda, paladino do Estado social, defensor dos direitos adquiridos e não daquela direita a que o mesmo Governo logo chamaria troglodita se lhe tivesse ocorrido uma tal proposta. Quando um Executivo socialista se mostra mais criativo do que a direita e as confederações patronais na busca de facilidades para despedir, a conclusão só pode ser a de que perdeu o respeito ideológico por si próprio e aquele mínimo de coerência a que devia sentir-se obrigado. Ou, então - hipótese mais provável e cumulativa -, já não é ele quem governa. Limita-se a aplicar decisões que lhe sopram ou lhe impõem do exterior. Parece que o exemplo vem da Espanha socialista, esse farol de modernidade onde, por sinal, o desemprego galopa para lá dos 4 milhões de pessoas, 20% da população ativa. Mas o mais certo é Sócrates e Zapatero terem bebido na mesma fonte de inspiração de Bruxelas, que é de onde brotam a maior parte das ideias luminosas que estão a provocar profundas ruturas sociais na Europa e a mergulhar o continente na contestação e na violência. A obsessão dos eurocratas com as leis laborais não tem outra explicação que não sejam a ideologia ou o preconceito, visto que nem o patronato português, nem o patronato estrangeiro instalado em Portugal já consideram essa legislação um obstáculo. Ao seguir de forma acrítica os ditames daquela gente, o Governo vai cavando a sua própria sepultura e - o que é mais grave - vai destruindo o que resta de equilíbrio e coesão social entre nós. Danos colaterais

Um dos argumentos mais invocados para legitimar o processo de descredibilização da diplomacia dos EUA ensaiado pelo WikiLeaks, com os danos colaterais que estão à vista, é o de que, desta vez, os seus mentores não se limitaram a pôr na Net os telegramas pirateados. Parte deles foram entregues a jornais de referência que os divulgam em primeira mão. Só por si, o prestígio desses órgãos de informação não transforma em jornalismo de alta craveira a publicação dos telegramas em causa. Até porque estes têm sido editados, sim, mas sem tratamento jornalístico digno desse nome. Os textos são resumidos e enquadrados, mas nem os visados nem os autores, nem outras figuras da notícia são confrontados com eles. E nenhuma investigação adicional acrescenta o que quer que seja aos documentos originais. Uma vez que a autenticidade dos telegramas parece não estar em causa, é certo que dificilmente algum jornal desprezaria a oferta de Julien Assange. Mas, sendo praticamente nulo o seu contributo jornalístico para a procura da verdade, esses prestigiados meios acabam, afinal, por se reduzir à condição pouco prestigiante de megafones da WikiLeaks. Os telegramas em questão são relatos pessoais, necessariamente parcelares e eventualmente parciais, onde nem sempre se citam as fontes e onde se misturam factos com interpretações e opiniões. Daí que os visados, sejam culpados ou inocentes das malfeitorias que lhes atribuem, respondam tão facilmente com desmentidos, algo que lhes seria bastante mais difícil se, em vez do correio de um embaixador, estivéssemos perante uma investigação jornalística séria. Do ponto de vista de Julien Assange, a entrega dos telegramas aos cinco magníficos - "The New York Times", "The Guardian", "Le Monde", "El País" e "Der Spiegel" - foi um excelente negócio: dá força e credibilidade à sua luta. Do ponto de vista dos jornais em causa, embora se compreenda que a oferta era difícil de recusar, isso não quer dizer que estejamos perante uma página gloriosa do jornalismo mundial. Pelo contrário, a sua opção fez do jornalismo uma das vítimas de danos colaterais nesta guerra aos EUA declarada pelo WikiLeaks. fjmadrinha@hotmail.com Texto publicado na edição do Expresso de 18 de dezembro de 2010 Quem paga, manda Fernando Madrinha (www.expresso.pt) 0:00 Sexta feira, 17 de dezembro de 2010 Ficamos a saber hoje por Bruxelas aquilo que, mesmo contrariado, o Governo vai fazer amanhã. Uma das descobertas mais penosas desta crise é a confirmação de algo que o país pressentia há muito, mas que a dependência extrema em que nos encontramos veio tornar brutal e chocante: o Governo português - o atual e os que venham a suceder-lhe - deixou de mandar em Portugal. Os conselhos, as sugestões (ou as ordens?), que antes eram feitas em telefonemas discretos ou no recato das salas de reunião, chegam-nos agora, a nós e ao mundo inteiro, através da televisão. Hoje é o comissário europeu para a Economia, amanhã o presidente do Eurogrupo, no dia seguinte o presidente do Banco Central Europeu, todos têm "recomendações" a fazer, não já quanto a orientações de ordem geral, mas na definição de políticas concretas, como sucede com as leis laborais. Ficamos a saber hoje por Bruxelas aquilo que, mesmo contrariado, o Governo de Lisboa vai fazer amanhã. Enquanto o ministro das Finanças desaparece de circulação e já se limita a dar as Boas-Festas aos correspondentes, um primeiro-ministro cada vez mais só dá uma no cravo e outra na ferradura, ou mesmo o dito por não dito, expondo, com toda a crueza, a imagem de um Governo a reboque do diretório europeu. Tinha que ser assim? Talvez não se o ano de 2009 não tivesse sido ano de eleições e José Sócrates não as tivesse querido ganhar. Ou se os grandes da Europa não começassem a ficar também aflitos, com a própria Alemanha já na linha de fogo dos mercados. Agora é tarde. Só que esta forma de tratar um parceiro em dificuldades não deixa de ser humilhante, por mais que Bruxelas fale em nome de Lisboa, por ser público e notório que a voz de Lisboa pouco ou nada conta para os credores. Quem paga, manda, disse recentemente Manuela Ferreira Leite na Assembleia da República a propósito dos mercados. Isso mesmo se pode dizer hoje sobre o Banco Central Europeu, que substitui os mercados ao financiar-nos e ao comprar a nossa dívida. Mas a dignidade dos Estados-membros sempre foi acarinhada pelos pais fundadores da UE. Alguém devia lembrar esse bom princípio à comandita de Bruxelas. Justa celebração

Quando caiu a ministra Maria de Lurdes Rodrigues e, sobretudo, quando a sua sucessora começou a comprar com cedências várias a sempre efémera paz no Ensino, disse-se e escreveu-se, inclusive nesta página, que José Sócrates também deu um trambolhão. Isto porque o primeiro-ministro não se tinha limitado a ser solidário com as políticas da ex-ministra da Educação: empenhou-se pessoalmente e deu a cara por elas desde o primeiro ao último dia, mesmo quando Maria de Lurdes Rodrigues, tendo razão quanto ao essencial, já havia sido derrotada. Nessa altura, Sócrates pagou um custo político elevado. Agora que um estudo da OCDE, o PISA 2009, demonstra a bondade de algumas dessas políticas, apesar de o líder da Fenprof não o querer admitir, é justo reconhecer ao primeiro-ministro o direito à celebração. Tanto mais que o estudo em causa não é um mero registo estatístico, nem se baseia em dados suspeitos, ou de rigor duvidoso. Trata-se de testes reais efetuados por estudantes portugueses que, em circunstâncias idênticas, responderam a perguntas idênticas feitas a colegas da mesma idade e do mesmo nível de ensino um pouco por todo o mundo. Os resultados indicam melhorias assinaláveis, fazendo Portugal subir várias posições no ranking da OCDE. Não se pode atacar e responsabilizar o Governo sempre que os resultados são maus, mas aplaudir só os professores quando os resultados são bons. E quem tem menos autoridade moral e política para o fazer é precisamente a Fenprof, visto que esteve sempre contra as opções da ex-ministra, mobilizando os professores para greves e manifestações, mas pouco ou nada fazendo em prol do seu melhor desempenho. Nem precisava de o fazer, valha a verdade, porque os bons professores - tal como os maus - sempre existiram. São eles e os alunos quem deve partilhar com a ex-ministra e o chefe do Governo a celebração deste pequeno mas significativo progresso. Mal seria que o país ficasse deprimido quando os resultados são maus e ficasse igualmente deprimido quando são bons só porque amanhã podem voltar a ser menos bons. Jardim vezes dois

A jogada de Carlos César para "comprar votos" nos Açores, como disse Alberto João Jardim, é típica do chico-espertismo que domina a sociedade portuguesa e que se tornou norma de conduta de muitos altos responsáveis, no Estado, nas instituições e nas empresas. É por isso que cada vez menos se discute política entre nós e cada vez mais se discutem os lastimáveis comportamentos de políticos e de outras figuras gradas da nossa vida pública. A remuneração compensatória para que os funcionários da região que ganhem entre 1500 e 2000 euros não sejam atingidos pela redução de vencimentos prevista para toda a Administração Pública é uma artimanha que denota mais descaramento do que "sensibilidade social", como lhe chamou Manuel Alegre. E a forma desabrida como César reagiu às declarações do Presidente da República não é mais do que uma tentativa canhestra de virar o bico ao prego. É verdade que Cavaco Silva se calou demasiadas vezes perante os desmandos de Jardim, assim como é verdade que Sócrates nunca demonstrou com Jardim, exceto no desastre de fevereiro, a complacência que agora tem para César. Mas o problema para Portugal é que se um Jardim já é difícil de tolerar, dois é francamente de mais. Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 11 de dezembro de 2010 Nas mãos da PT Fernando Madrinha 0:00 Sexta feira, 10 de dezembro de 2010 Um Governo que salva o défice com o dinheiro da PT fica nas mãos da PT. A isto se resume a triste história dos dividendos sem impostos. Dizem que é uma forma simplista de olhar a realidade, mas a realidade é muito teimosa: no mesmo país onde se discute se o salário mínimo deve ser aumentado um pouco mais de oitenta cêntimos por dia e o Governo hesita, há empresas que embolsam milhões sem que o Estado lhes cobre um cêntimo de imposto. Argumenta-se que isto acontece há muitos anos e que se trata de uma espécie de direito adquirido, pelo que seria crime de lesa-capital pôr o fisco, sempre tão lesto e eficaz a cobrar uns poucos de euros ao assalariado, a fazer o seu trabalho no caso dos dividendos. Ora, a um Governo que ainda se declara socialista e que já eliminou ou pôs entre parêntesis tantos direitos adquiridos dos mais fracos, através de legislação ad hoc, não faltaria autoridade moral para taxar desde já os grandes lucros. O que lhe falta é coragem e força política, como se prova pelo facto de o primeiro-ministro dizer uma coisa na TVI e o grupo parlamentar fazer o contrário no Parlamento. Tudo se tornaria mais fácil se no centro da querela não estivesse a PT. Mas como pode um Governo que só salvará o défice de 2010 com o fundo de pensões da PT exigir aos acionistas da mesma PT que esperem por 2011 para pagarem mais impostos? Por mais que Francisco Assis se abespinhe é esta triste realidade que o obriga a um contorcionismo político capaz de lhe matar as ambições no pós-socratismo. O 'escândalo' Amado

O ministro dos Negócios Estrangeiros teve um comportamento exemplar no 'escândalo' desta semana: o caso do telegrama da embaixada dos EUA em Lisboa que foi divulgado com estrondo e aplauso de alguns sectores. O que diz esse telegrama? Que os EUA terão pedido a Portugal que permitisse o repatriamento de presos de Guantánamo através do espaço aéreo nacional. E que o Governo terá respondido - a mensagem apenas refere que esta é a "interpretação" que o Executivo faz da lei - com a exigência de garantias, por escrito, da parte dos países de destino, de que os presos não seriam torturados nem condenados à morte, pedindo ainda o compromisso, da parte dos EUA, de que eles seriam tratados de acordo com as convenções internacionais. Não sabemos se essas garantias foram dadas porque disso não fala o telegrama. Mas quanto ao que ele revela só há razões para felicitar o ministro pela forma irrepreensível como tratou o assunto. Mal se percebe, por isso, o motivo de tão grande excitação daqueles que se têm esforçado por crucificar Luís Amado. A menos que conheçam factos que não vieram a público, ou, então, que queiram pedir esclarecimentos sobre o conselho que o autor do telegrama dá a Washington para que o ministro português seja "muito acarinhado", o que parece, de facto, um excesso, mesmo tratando-se de um aliado... Tudo isto está, afinal, ao nível do mexerico em larga escala a que, até agora, se resumiu a maior parte das revelações do WikiLeaks. Que os seus mentores se arvorem em último farol do jornalismo quando mais não fazem do que espionagem e contrabando político, eis o que não deixa de ser prova de uma grande lata. A voz de um homem livre

Ernâni Lopes foi o ministro das Finanças que aplicou as políticas mais duras e austeras que o país conheceu, em democracia, até à crise em que está hoje mergulhado. Fê-lo com a determinação daqueles que, além da competência técnica e do conhecimento da natureza humana, sabem encarar o trabalho político como ele tem de ser encarado: como um serviço público perante o qual cedem todos os interesses particulares ou de grupo, sejam os de uma classe profissional, os de um partido político, ou os do próprio Governo, visto não haver nenhum que goste de tomar medidas impopulares. Ernâni Lopes prezava a sua independência e foi como independente que serviu nos dois postos que o trouxeram para o primeiro plano da vida pública: como um dos principais negociadores da entrada de Portugal na CEE, enquanto embaixador, e, depois, como ministro das Finanças do célebre bloco central. As duas missões sucederam-se no tempo e estão interligadas, pois se a primeira consistiu em pôr no papel os compromissos para a adesão, a segunda serviu para, no terreno, preparar a integração europeia, regulando as finanças públicas com o acompanhamento do FMI e criando o quadro económico e institucional necessário para que ela se cumprisse no prazo mais curto possível. Ernâni Lopes foi, assim, um dos artífices maiores do sonho europeu de Portugal e não deixa de ser irónico que parta num momento em que ele ameaça ruína. Se a intervenção política de Ernâni deixou marcas fortes, a sua intervenção cívica não deixou menos. Durante muito tempo manteve a rotina de uma grande entrevista anual ao caderno de Economia do Expresso, mas as suas preocupações centravam-se, já então, menos na economia pura e simples e muito mais nas atitudes e comportamentos que a condicionam, ao mesmo tempo que degradam a vida pública - a corrupção e o amiguismo, a partidarite e a promiscuidade entre o poder e os negócios, por exemplo. Pode-se dizer até que a moralização da vida pública foi a sua batalha principal nos últimos anos, a par da que travou contra a doença. Homem de princípios e de valores, de uma "absoluta integridade", como escreveu o Presidente da República, Ernâni Lopes parte quando mais precisamos de vozes desassombradas, lúcidas e corajosas como a sua. A voz de um homem livre, que é do que temos cada vez mais falta. Fernando Madrinha Texto publicado na edição do Expresso de 4 de dezembro de 2010 Pág. 3 de 20 « ... | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | ... » Ver 10, 20, 50 resultados por pág.

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