Crónica de Rodrigo Guedes de Carvalho: Abusos

15-08-2014
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1 É expressão antiga, mas continua a ser verdadeira e exemplar, ou mesmo verdadeiramente exemplar. Mostra--me o que faz um homem com poder nas mãos, e dir-te-ei o que ele vale. Não haverá, de facto, melhor maneira de conhecermos alguém, como, de resto, todas as situações em que podemos ver mais as suas acções do que os seus discursos (nas declarações de intenções somos todos muito atentos, muito compreensivos, muito justos, blá-blá). Mas quando alguém tem o poder absoluto nas mãos, e para tomar uma decisão ou ter uma atitude não tem ninguém acima a quem responder, então percebemos de que massa é feito. Veio-me a ideia à cabeça quando via a notícia sobre uma destas comissões parlamentares que, volta e meia, sentam um número razoável de deputados à mesma mesa. A ordem de trabalhos era a interpelação da ministra da Justiça, sobre os mais variados temas da área. Acontece que (e este ponto é importante), nestas reuniões não há regulamentação sobre o tempo de que cada deputado dispõe para falar. Ter-se-á um dia decidido, e bem, que basta imperar o bom senso. Quando chegou a vez de Jorge Lacão, do PS, o deputado puxou de umas quantas folhas que trazia e começou a debitar, entre as interrogações e as considerações, ia já em meia hora (sim, 30 minutos), quando recebeu o primeiro alerta do presidente da mesa. Convinha que terminasse em breve, não só porque já ninguém percebia bem o que perguntava como para dar tempo a outras intervenções. Pois bem; perante o alerta, o deputado continuou e falou mais...meia hora. Um total de 60 minutos de uma só voz. Depois vieram, naturalmente, intervenções de indignação e espanto de outros deputados. A coisa passou, e mais à frente a palavra voltou a Lacão. Que toma balanço e se prepara para fazer exactamente o mesmo. Ia já em mais 15 minutos quando o presidente lhe chama novamente a atenção. Perante a “interrupção”, Lacão sente--se muito ofendido e decide abandonar a sala, no que foi acompanhado pelos outros socialistas, não sem antes se queixar da atitude admissível de lhe cortarem a palavra, o que indiciava, para bom entendedor, praticamente uma censura, etc, etc. Visto todo o espectáculo, o PS considerou--se a vítima ofendida, e nunca um agente provocador. É uma situação-modelo para tantas outras maneiras de conhecermos as pessoas. Aqui, a ideia de poder é distinta: trata-se do poder do direito que pensamos que nos assiste, e o que fazemos com ele. No caso, como não há lei que imponha tempo limite, cabe aos deputados gerir essa liberdade. A escolha de a gerir assim é igual à escolha do que podemos fazer quando temos poder nas mãos: diz muito de nós.

2 Ou muito me engano ou Justin Bieber já terá pouco para dar à música, do pouco que já deu, ou nos deu a grande máquina de produção por trás dele que faz milhões de adolescentes julgarem que o rapaz é talentoso. Esta vertigem de trapalhada com que nos brinda todas as semanas tem todo o ar de ser manobra de diversão para não se pensar muito no essencial: que, musicalmente, a sua vida estava destinada de facto a ser curta e pequena, apesar de extremamente lucrativa. Bieber anda agora noutro negócio, o de tentar convencer os fãs de que é um bad boy, um rebelde, um grande maluco. Alguém lhe deve ter dito que aquela coisinha da cabelinho nos olhos e da voz de criança mimada ficava um bocadinho ridícula quando começasse a ficar mais velho. Decidiu então (ou alguém por ele), manter a luz dos holofotes sobre si preocupando os fãs com os seus abusos e excessos. Um fã preocupado é um fã dedicado, como sabemos, e a dedicação leva-nos a continuar a comprar. Daqui a uns tempos veremos o que acontece.

1 É expressão antiga, mas continua a ser verdadeira e exemplar, ou mesmo verdadeiramente exemplar. Mostra--me o que faz um homem com poder nas mãos, e dir-te-ei o que ele vale. Não haverá, de facto, melhor maneira de conhecermos alguém, como, de resto, todas as situações em que podemos ver mais as suas acções do que os seus discursos (nas declarações de intenções somos todos muito atentos, muito compreensivos, muito justos, blá-blá). Mas quando alguém tem o poder absoluto nas mãos, e para tomar uma decisão ou ter uma atitude não tem ninguém acima a quem responder, então percebemos de que massa é feito. Veio-me a ideia à cabeça quando via a notícia sobre uma destas comissões parlamentares que, volta e meia, sentam um número razoável de deputados à mesma mesa. A ordem de trabalhos era a interpelação da ministra da Justiça, sobre os mais variados temas da área. Acontece que (e este ponto é importante), nestas reuniões não há regulamentação sobre o tempo de que cada deputado dispõe para falar. Ter-se-á um dia decidido, e bem, que basta imperar o bom senso. Quando chegou a vez de Jorge Lacão, do PS, o deputado puxou de umas quantas folhas que trazia e começou a debitar, entre as interrogações e as considerações, ia já em meia hora (sim, 30 minutos), quando recebeu o primeiro alerta do presidente da mesa. Convinha que terminasse em breve, não só porque já ninguém percebia bem o que perguntava como para dar tempo a outras intervenções. Pois bem; perante o alerta, o deputado continuou e falou mais...meia hora. Um total de 60 minutos de uma só voz. Depois vieram, naturalmente, intervenções de indignação e espanto de outros deputados. A coisa passou, e mais à frente a palavra voltou a Lacão. Que toma balanço e se prepara para fazer exactamente o mesmo. Ia já em mais 15 minutos quando o presidente lhe chama novamente a atenção. Perante a “interrupção”, Lacão sente--se muito ofendido e decide abandonar a sala, no que foi acompanhado pelos outros socialistas, não sem antes se queixar da atitude admissível de lhe cortarem a palavra, o que indiciava, para bom entendedor, praticamente uma censura, etc, etc. Visto todo o espectáculo, o PS considerou--se a vítima ofendida, e nunca um agente provocador. É uma situação-modelo para tantas outras maneiras de conhecermos as pessoas. Aqui, a ideia de poder é distinta: trata-se do poder do direito que pensamos que nos assiste, e o que fazemos com ele. No caso, como não há lei que imponha tempo limite, cabe aos deputados gerir essa liberdade. A escolha de a gerir assim é igual à escolha do que podemos fazer quando temos poder nas mãos: diz muito de nós.

2 Ou muito me engano ou Justin Bieber já terá pouco para dar à música, do pouco que já deu, ou nos deu a grande máquina de produção por trás dele que faz milhões de adolescentes julgarem que o rapaz é talentoso. Esta vertigem de trapalhada com que nos brinda todas as semanas tem todo o ar de ser manobra de diversão para não se pensar muito no essencial: que, musicalmente, a sua vida estava destinada de facto a ser curta e pequena, apesar de extremamente lucrativa. Bieber anda agora noutro negócio, o de tentar convencer os fãs de que é um bad boy, um rebelde, um grande maluco. Alguém lhe deve ter dito que aquela coisinha da cabelinho nos olhos e da voz de criança mimada ficava um bocadinho ridícula quando começasse a ficar mais velho. Decidiu então (ou alguém por ele), manter a luz dos holofotes sobre si preocupando os fãs com os seus abusos e excessos. Um fã preocupado é um fã dedicado, como sabemos, e a dedicação leva-nos a continuar a comprar. Daqui a uns tempos veremos o que acontece.

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