Viagem aos melhores debates televisivos em Portugal (etapa 2)

01-10-2015
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Nesta etapa há de tudo: do violento Basílio vs. Soares de 1991 ao debate que Jerónimo venceu por estar... afónico. Pelo meio, temos o importante Guterres/Nogueira, a vez em que o primeiro-ministro Guterres quis fazer debates sucessivos contra todos e o único confronto entre os irmãos Paulo e Miguel Portas. Quase no fim, a inequecível noite em que Santana e Sócrates se enfrentaram. Segunda etapa de uma viagem que terá ainda um terceiro e último capítulo

NÃO SE EXALTE

1991

Rui Ochôa

Pedia Soares com ar meio divertido, enquanto Basílio Horta, a quem muitos elogiavam a coragem de ir a votos com um Presidente, que findo o primeiro mandato mais parecia um rei, discorria sobre os malefícios do socialismo, do soarismo e da esquerda em geral. Não se iludam, o Basílio de que falamos é o mesmo que foi presidente da AICEP com Sócrates e é hoje presidente da Câmara de Sintra, eleito pelo PS. Soares tinha feito um primeiro mandato ao agrado de todos. Eleito com os votos dos comunistas e de todos os que pensavam à esquerda (e mesmo alguns ao centro-direita, por acharem Freitas demasiado conservador - e não se iludam, este Freitas é o mesmo que foi depois ministro de Sócrates), acabara por agradar à direita quando propiciou, em 1987, a primeira maioria absoluta de Cavaco. Basílio apostava que Soares no segundo mandato seria diferente. Ganhou. Foi pena Soares não ter apostado que Basílio se converteria no milénio seguinte.

Na altura, Basílio exaltava-se com a esquerda. Agora exalta-se com a direita. No essencial, mantém a coerência!

O HERDEIRO E A PICARETA

1995

Rui Ochôa

O debate entre Fernando Nogueira e António Guterres tinha tudo para ser inesquecível. As maiorias absolutas tinham acabado com a tradição dos debates, postos de lado por Cavaco Silva, um primeiro-ministro que nem os queria ver. Mas o fim desse ciclo político trouxe os debates de volta, com a SIC a impor um modelo só com os dois principais candidatos. Manuel Monteiro, do CDS-PP, não gostou e o líder comunista Carlos Carvalhas até foi nessa noite à estação de Carnaxide lavrar o seu protesto. Mas o debate fez-se: de um lado o vencedor do épico Congresso do PSD, do outro a “picareta falante” que tinha tomado conta do PS em 1992 e que estava à espera da sua hora. O debate foi intenso mas não trouxe grande surpresas. Fernando Nogueira tinha um completo domínio dos dossiês, mas carregava o peso de dez anos de governo e uma absoluta aura de fim de ciclo. António Guterres sabia a lição toda e era um profissional do sound bite e da resposta rápida. Além disso, tinha uma mensagem de esperança difícil de rebater. O então líder socialista era (e ainda é) um dos políticos que melhor domina a televisão em Portugal. Espalhou-se ao comprido quando mostrou que não sabia qual era a pena máxima em Portugal, que queria ver aumentada...

Mas a verdade é que Guterres tinha o debate ganho. Mesmo antes de começar.

E NO FIM GANHA O GUTERRES...

1999

Gonçalo Rosa da Silva

A democracia pode agradecer a António Guterres a novidade de 1999. Pela primeira vez um primeiro-ministro quis (aliás, propôs) fazer debates em frente a frente contra todos os candidatos dos partidos com assento parlamentar. Foi uma verdadeira barrigada de debates televisivos: Guterres contra Barroso, Guterres contra Carvalhas, Guterres contra Portas, Barroso contra Portas, Barroso contra Carvalhas, Portas contra Carvalhas. Uma maratona a que António Guterres se dispôs por uma razão muito simples: para ele, ir a um debate na televisão era tão fácil como beber um café. O líder socialista teve uma atrapalhação, quando José Alberto Carvalho lhe mostrou o símbolo de uma arroba (um folha só com este símbolo: @) e... nada.

Guterres, que escrevia à mão e detestava computadores, ficou aflito, na sua única e longa hesitação de todos os debates. Paulo Portas, que também escrevia à mão e nem sabia mandar um SMS, lá se lembrou e exclamou: arroba, arroba! Foi um momento extraordinário num debate tenso, em que Guterres literalmente atropelou Paulo Portas, então refugiado em feiras e romarias, na sequência do escândalo da Moderna e da implosão da AD que Marcelo criou e desfez. O “Paulinho das feiras” era muito bom em televisão mas não tinha hipóteses contra António Guterres. Quando o debate acabou, Portas amuou, não apertou a mão a ninguém e saiu disparado da SIC sem sequer se despedir. Os debates de 1999 foram como a seleção de futebol da Alemanha de outros tempos: todos contra todos e no fim ganha o Guterres. Durão Barroso, ainda verde na liderança partidária, não foi exceção.

Barroso só tinha dois objetivos naquela eleição: erradicar Paulo Portas do panorama político e impedir a maioria absoluta do PS.

Falhou o primeiro e conseguiu o segundo por um triz, com António Guterres a falhar a maioria por um único deputado. Ironicamente, um dos vencedores não esteve presente nos debates. O Bloco de Esquerda, de Louçã, Rosas, Portas e Fazenda conseguiu dois lugares em São Bento e passou a ser considerado para os confrontos televisivos.

UM DIA TINHA DE ACONTECER

2001

João Carlos Santos

As autárquicas de 2001 ficaram para a história por outras razões: Santana ganhou a Câmara de Lisboa a João Soares, Rui Rio roubou o Porto a Fernando Gomes e o PS teve uma derrota inesquecível. Foi tão grande, que Guterres se demitiu, abrindo caminho a um governo de Durão e Paulo Portas. O mesmo Portas que teve uma fraca prestação eleitoral, como líder e como candidato em Lisboa, e que teve que enfrentar o seu irmão Miguel, candidato do Bloco na capital. Foi um debate em que os dois irmãos traçaram linhas vermelhas e nunca as ultrapassaram.

NÃO FOI BONITO, MAS FOI BOM

2005

Rui Ochôa

Nesta campanha houve de tudo: uma dissolução de um governo com maioria, o CDS a tentar escapar à fotografia com Santana, o PSD histórico (ou elitista) contra o seu próprio primeiro-ministro, o PS com um líder pronto a estrear, insinuações várias, “marqueteiros” brasileiros, profissionais da publicidade.

Havia isso tudo, alguma lama e muitas ventoinhas a girar. Não foi uma campanha bonita, mas foi uma grande campanha.

José Sócrates trouxe uma exigência e um nível de profissionalismo à campanha do PS a que poucos estavam habituados.

Santana Lopes jogou no seu estilo inconfundível, genuíno e imprevisível, capaz de grandes rasgos e de outros tantos “espalhanços”.

O debate foi um retrato fiel disso mesmo. Sócrates tinha lição estudada ao milímetro, Santana apostou no golpe de asa. Correu bem ao primeiro, correu mal ao segundo. Foi um dos debates mais tensos da nossa história televisiva.

O cenário era rígido, com tudo cronometrado e regras apertadíssimas para réplicas ou tréplicas.

Foi Sócrates que impôs o modelo, numa negociação liderada por Jorge Coelho, com Miguel Relvas do outro lado da mesa. Todos sabemos quem ganhou o debate.

Já sabíamos antes, aliás. José Sócrates caminhava para a primeira maioria absoluta do PS e estava a mostrar que conseguia aproveitar os ataques para responder com artilharia pesada.

CHEGOU, NÃO FALOU E VENCEU

2005

Inácio Ludgero/Visão

Pode alguém ganhar um debate sem falar? A pergunta parece absurda, mas Jerónimo de Sousa provou que sim. O líder comunista ganhou em todos os índices de simpatia quando se apresentou na RTP para um debate com os outros líderes... sem voz. A situação embaraçosa acabou por ser um trunfo eleitoral para um líder com fama (e proveito) de duro e que tinha a difícil tarefa de suceder a um mais flexível Carlos Carvalhas. Em poucos minutos, a presença sem voz e a saída forçada do estúdio deram ao líder comunista uma aura de simplicidade, que se somou à fama de dançarino, justamente adquirida nas presidenciais de 1996, em que Jerónimo acabou por desistir a favor de Sampaio. É certo que os outros falaram longamente. Mas disso já ninguém se lembra.

Versão parcial e editada do texto publicado originalmente na Revista do Expresso de 17 de maio de 2014

Nesta etapa há de tudo: do violento Basílio vs. Soares de 1991 ao debate que Jerónimo venceu por estar... afónico. Pelo meio, temos o importante Guterres/Nogueira, a vez em que o primeiro-ministro Guterres quis fazer debates sucessivos contra todos e o único confronto entre os irmãos Paulo e Miguel Portas. Quase no fim, a inequecível noite em que Santana e Sócrates se enfrentaram. Segunda etapa de uma viagem que terá ainda um terceiro e último capítulo

NÃO SE EXALTE

1991

Rui Ochôa

Pedia Soares com ar meio divertido, enquanto Basílio Horta, a quem muitos elogiavam a coragem de ir a votos com um Presidente, que findo o primeiro mandato mais parecia um rei, discorria sobre os malefícios do socialismo, do soarismo e da esquerda em geral. Não se iludam, o Basílio de que falamos é o mesmo que foi presidente da AICEP com Sócrates e é hoje presidente da Câmara de Sintra, eleito pelo PS. Soares tinha feito um primeiro mandato ao agrado de todos. Eleito com os votos dos comunistas e de todos os que pensavam à esquerda (e mesmo alguns ao centro-direita, por acharem Freitas demasiado conservador - e não se iludam, este Freitas é o mesmo que foi depois ministro de Sócrates), acabara por agradar à direita quando propiciou, em 1987, a primeira maioria absoluta de Cavaco. Basílio apostava que Soares no segundo mandato seria diferente. Ganhou. Foi pena Soares não ter apostado que Basílio se converteria no milénio seguinte.

Na altura, Basílio exaltava-se com a esquerda. Agora exalta-se com a direita. No essencial, mantém a coerência!

O HERDEIRO E A PICARETA

1995

Rui Ochôa

O debate entre Fernando Nogueira e António Guterres tinha tudo para ser inesquecível. As maiorias absolutas tinham acabado com a tradição dos debates, postos de lado por Cavaco Silva, um primeiro-ministro que nem os queria ver. Mas o fim desse ciclo político trouxe os debates de volta, com a SIC a impor um modelo só com os dois principais candidatos. Manuel Monteiro, do CDS-PP, não gostou e o líder comunista Carlos Carvalhas até foi nessa noite à estação de Carnaxide lavrar o seu protesto. Mas o debate fez-se: de um lado o vencedor do épico Congresso do PSD, do outro a “picareta falante” que tinha tomado conta do PS em 1992 e que estava à espera da sua hora. O debate foi intenso mas não trouxe grande surpresas. Fernando Nogueira tinha um completo domínio dos dossiês, mas carregava o peso de dez anos de governo e uma absoluta aura de fim de ciclo. António Guterres sabia a lição toda e era um profissional do sound bite e da resposta rápida. Além disso, tinha uma mensagem de esperança difícil de rebater. O então líder socialista era (e ainda é) um dos políticos que melhor domina a televisão em Portugal. Espalhou-se ao comprido quando mostrou que não sabia qual era a pena máxima em Portugal, que queria ver aumentada...

Mas a verdade é que Guterres tinha o debate ganho. Mesmo antes de começar.

E NO FIM GANHA O GUTERRES...

1999

Gonçalo Rosa da Silva

A democracia pode agradecer a António Guterres a novidade de 1999. Pela primeira vez um primeiro-ministro quis (aliás, propôs) fazer debates em frente a frente contra todos os candidatos dos partidos com assento parlamentar. Foi uma verdadeira barrigada de debates televisivos: Guterres contra Barroso, Guterres contra Carvalhas, Guterres contra Portas, Barroso contra Portas, Barroso contra Carvalhas, Portas contra Carvalhas. Uma maratona a que António Guterres se dispôs por uma razão muito simples: para ele, ir a um debate na televisão era tão fácil como beber um café. O líder socialista teve uma atrapalhação, quando José Alberto Carvalho lhe mostrou o símbolo de uma arroba (um folha só com este símbolo: @) e... nada.

Guterres, que escrevia à mão e detestava computadores, ficou aflito, na sua única e longa hesitação de todos os debates. Paulo Portas, que também escrevia à mão e nem sabia mandar um SMS, lá se lembrou e exclamou: arroba, arroba! Foi um momento extraordinário num debate tenso, em que Guterres literalmente atropelou Paulo Portas, então refugiado em feiras e romarias, na sequência do escândalo da Moderna e da implosão da AD que Marcelo criou e desfez. O “Paulinho das feiras” era muito bom em televisão mas não tinha hipóteses contra António Guterres. Quando o debate acabou, Portas amuou, não apertou a mão a ninguém e saiu disparado da SIC sem sequer se despedir. Os debates de 1999 foram como a seleção de futebol da Alemanha de outros tempos: todos contra todos e no fim ganha o Guterres. Durão Barroso, ainda verde na liderança partidária, não foi exceção.

Barroso só tinha dois objetivos naquela eleição: erradicar Paulo Portas do panorama político e impedir a maioria absoluta do PS.

Falhou o primeiro e conseguiu o segundo por um triz, com António Guterres a falhar a maioria por um único deputado. Ironicamente, um dos vencedores não esteve presente nos debates. O Bloco de Esquerda, de Louçã, Rosas, Portas e Fazenda conseguiu dois lugares em São Bento e passou a ser considerado para os confrontos televisivos.

UM DIA TINHA DE ACONTECER

2001

João Carlos Santos

As autárquicas de 2001 ficaram para a história por outras razões: Santana ganhou a Câmara de Lisboa a João Soares, Rui Rio roubou o Porto a Fernando Gomes e o PS teve uma derrota inesquecível. Foi tão grande, que Guterres se demitiu, abrindo caminho a um governo de Durão e Paulo Portas. O mesmo Portas que teve uma fraca prestação eleitoral, como líder e como candidato em Lisboa, e que teve que enfrentar o seu irmão Miguel, candidato do Bloco na capital. Foi um debate em que os dois irmãos traçaram linhas vermelhas e nunca as ultrapassaram.

NÃO FOI BONITO, MAS FOI BOM

2005

Rui Ochôa

Nesta campanha houve de tudo: uma dissolução de um governo com maioria, o CDS a tentar escapar à fotografia com Santana, o PSD histórico (ou elitista) contra o seu próprio primeiro-ministro, o PS com um líder pronto a estrear, insinuações várias, “marqueteiros” brasileiros, profissionais da publicidade.

Havia isso tudo, alguma lama e muitas ventoinhas a girar. Não foi uma campanha bonita, mas foi uma grande campanha.

José Sócrates trouxe uma exigência e um nível de profissionalismo à campanha do PS a que poucos estavam habituados.

Santana Lopes jogou no seu estilo inconfundível, genuíno e imprevisível, capaz de grandes rasgos e de outros tantos “espalhanços”.

O debate foi um retrato fiel disso mesmo. Sócrates tinha lição estudada ao milímetro, Santana apostou no golpe de asa. Correu bem ao primeiro, correu mal ao segundo. Foi um dos debates mais tensos da nossa história televisiva.

O cenário era rígido, com tudo cronometrado e regras apertadíssimas para réplicas ou tréplicas.

Foi Sócrates que impôs o modelo, numa negociação liderada por Jorge Coelho, com Miguel Relvas do outro lado da mesa. Todos sabemos quem ganhou o debate.

Já sabíamos antes, aliás. José Sócrates caminhava para a primeira maioria absoluta do PS e estava a mostrar que conseguia aproveitar os ataques para responder com artilharia pesada.

CHEGOU, NÃO FALOU E VENCEU

2005

Inácio Ludgero/Visão

Pode alguém ganhar um debate sem falar? A pergunta parece absurda, mas Jerónimo de Sousa provou que sim. O líder comunista ganhou em todos os índices de simpatia quando se apresentou na RTP para um debate com os outros líderes... sem voz. A situação embaraçosa acabou por ser um trunfo eleitoral para um líder com fama (e proveito) de duro e que tinha a difícil tarefa de suceder a um mais flexível Carlos Carvalhas. Em poucos minutos, a presença sem voz e a saída forçada do estúdio deram ao líder comunista uma aura de simplicidade, que se somou à fama de dançarino, justamente adquirida nas presidenciais de 1996, em que Jerónimo acabou por desistir a favor de Sampaio. É certo que os outros falaram longamente. Mas disso já ninguém se lembra.

Versão parcial e editada do texto publicado originalmente na Revista do Expresso de 17 de maio de 2014

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