A Varinha Mágica de Valentim Loureiro: PRIMEIRA PRÉ-PUBLICAÇÃO

30-06-2011
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Tendo em conta que os jornais começaram hoje a antecipar alguns pormenores do livro que na próxima terça-feira é lançado, o blog oficial vai hoje fazer a primeira pré-publicação de parte de um dos episódios contidos na obra:(...)Em Gondomar todos os que têm mais de 62 anos são considerados pela câmara: cidadãos idade mais. Quer isto dizer que têm direito a um cartão emitido pela autarquia que lhes dá vários privilégios. O primeiro desses privilégios é uma viagem de avião a Lisboa. Para muitos deles, a primeira e última vez que viajam de avião e, não raras vezes, a primeira e última em que vão à capital.(….)Além da viagem de avião a que todos os portadores do cartão têm direito, aquele instrumento abre-lhes a porta a participarem em inúmeras acções sócio-culturais promovidas pela Câmara e, no Verão, é costume haver passeios e almoços com estes cidadãos. 2005 não foi excepção. O problema é que, em Outubro, havia eleições…Seis ou sete mil idosos inscreveram-se no programa desse Verão, denominado Gondomar Douro Acima. Em Setembro, zarparam, em grupos de poucas centenas, num paquete que os levava numa bonita viagem fluvial.O programa incluía sempre um almoço a bordo, perto da Barragem de Crestuma-Lever, a que se juntava o presidente e que incluía um discurso muito especial.(…)Comido o tradicional lombo de porco assado com batatas (não sei quantas vezes comemos lombo de porco assado com batatas naquelas semanas), o Major discursou, como habitualmente.O seu discurso dividia-se em três partes, obedecendo a uma rigorosa estrutura retórica. Era curioso vê-lo discursar todos os dias para um novo grupo de idosos. Sempre com o mesmo timbre, expressões e estrutura, o texto ia evoluindo e sendo aperfeiçoado a cada dia. Mesmo os tiques, a entoação e a sua postura iam merecendo melhoramentos.Ao almoço, Valentim parecia sempre mastigar muito bem cada detalhe do discurso que iria fazer a seguir. O que provocara, na véspera, maiores aplausos e maior emoção, Valentim mantinha e enfatizava no discurso do dia. O que não resultava tão bem, sofria um upgrade, um novo registo ou era mesmo retirado do texto que o Major mantinha na cabeça.Mesmo o momento de maior emoção, em que os lábios do presidente tremiam e os olhos se carregavam de água era repetido, aperfeiçoado e melhorado de dia para dia, parecendo cada vez mais autêntico e genuíno. Por vezes, havia pequenas adaptações retóricas tendo em conta a freguesia a que pertenciam os idosos daquele dia.No começo do discurso, o Major lembrava a sua condição de presidente de câmara, recusando qualquer confusão com o candidato Valentim Loureiro, e dizia algo parecido como isto:– Vocês sabem que eu estou aqui hoje convosco, como estou todos os anos, todo o ano, onde quer que nos possamos encontrar, porque entendo que, enquanto presidente da Câmara, é minha obrigação estar ao vosso lado.Ficava assim justificada a sua presença e afastada a confusão entre o candidato e o presidente. No entender de Valentim Loureiro, apenas por ser candidato não se deveria coibir de cumprir as tarefas de todos os anos. Algumas vezes, o Major chegava a dizer:– Eu não tenho culpa que tenham marcado as eleições para Outubro. Não fui eu que as marquei. Nem deixaria de estar convosco só porque vai haver eleições.Depois, passava a uma fase mais emotiva do discurso, onde se tornava no pai de filhos ou no avô de 11 netos, incluindo-se a ele próprio no grupo dos cidadãos idade mais, já que ultrapassara os 62 anos. Era frequente deixar transparecer na voz alguma emoção, quando falava em dificuldades da vida, pelas quais todos passamos, e afirmava saber bem o que era passar por problemas.Não se esquecia nunca de usar termos como solidariedade e gratidão, agradecendo a todos o facto de terem sempre estado a seu lado, nos momentos mais difíceis.Finalmente, o discurso, que durava uns bons 20 ou 30 minutos, terminava com uma promessa:– Não sei se estarei neste cargo daqui a um ano, mas não tenho problemas em afirmar que, enquanto for presidente da Câmara, a nossa política de apoio social não vai mudar.Esperava pelas palmas, normalmente batidas de pé, e rematava:– Eu nunca vos esquecerei, nunca vos esquecerei. Vocês são espectaculares… Esta era a parte mais enfatizada por Valentim Loureiro, que subia a voz a decibéis que só ele consegue atingir num discurso político, actualmente.A câmara da SIC registou as palavras, o estilo, os termos usados pelo Major e o jornalista Carlos Rico entrevistou-o no final. Retive as expressões do Major nessa curta entrevista, ainda a bordo do paquete, rodeado de entusiastas com mais de 62 anos:– Há quem diga que isto é populismo. Eu acho que isto é popular. Mas, se populismo é fazermos aquilo que as pessoas esperam de nós, se populismo é dar um dia de felicidade por ano a quem nunca a tem, abrindo-lhe os horizontes do Mundo, então eu sou populista. E digo já aqui que a nossa política vai continuar a ser esta, pelo menos se eu por cá continuar. Outros farão diferente e poderão cancelar estes programas se forem eleitos. Eu, digo já que não. Esta é a minha política.Este género de resposta do Major não era novidade para mim e era absolutamente genuína. Lembro-me de, internamente, por várias vezes, estes passeios e acções serem discutidas entre nós, nomeadamente com o vereador da educação, cultura, acção social, desporto e juventude, o inatacável Fernando Paulo. E, mesmo entre nós, Valentim Loureiro não abdicava de defender as posições que tomava publicamente.A poucos dias das eleições, sentados na sede de campanha, Major, dois ou três vereadores, a sua filha e a sua mulher, falavam a propósito das viagens no Douro, dos voos para Lisboa ou das aulas de natação proporcionadas aos idosos. Valentim defendia sempre que o impacto que tais benesses tinham no orçamento da câmara era muito reduzido. Lembro-me mesmo de se virar para o seu vereador e questioná-lo:– Ó doutor, diga-me lá o que é que nós fazíamos com este dinheiro? Mais uma rua? Mais uma rotunda com um repuxo? E as pessoas eram mais felizes com isso ou são mais felizes com estes programas que lhes proporcionamos?A questão é mais profunda do que parece e fez-me muitas vezes duvidar, mas não deixei, nesse momento, de me lembrar de conversas que eu próprio tinha tido, pouco tempo antes, durante as legislativas, com amigos e familiares.Um cunhado meu, professor universitário, afirmou um dia que iria votar em José Sócrates, então candidato a primeiro-ministro. O PSD de Santana Lopes tinha-lhe roubado os benefícios fiscais do PPR que andava a fazer. Sócrates prometia o regresso desses benefícios, enquanto Santana Lopes prometia manter a sua política.(…)Prometer, em campanha, devolver os benefícios fiscais aos PPR é exactamente a mesma coisa que prometer retirar do Orçamento de Estado alguns milhões de euros para dar um subsídio extraordinário a uma parte da classe média alta portuguesa em forma de devolução no IRS. Ou, dito de outra forma, proporcionar umas férias em Cuba ou na Riviera Maia aos detentores de PPR não é populismo. Mas pagar um dia de felicidade único a cidadãos cuja sociedade quer enterrar silenciosamente em Melres, nas Medas, na Lomba ou, simplesmente, na floresta de betão das grandes cidades, já é populismo.Quanto a mim, não entendo onde está a diferença. No entanto, nos corredores da Assembleia da República, prometer benefícios fiscais em PPR é política económica, mas fazer passeios com velhinhos no Douro é política barata e populista, própria de caciques de província!Não querendo ser fundamentalista, digo eu, ambas as políticas fazem parte de um valor inabalável da política: a hipocrisia, que num e noutro caso se aplicam com toda a propriedade. Por maior que seja a boa vontade de ver nos políticos outra prioridade que não seja a da sua própria eleição, esbarro quase sempre nessa convicção.(…)Excertos do episódio "GONDOMAR DOURO ACIMA E O POPULISMO", do Capítulo II do livro "A Varinha Mágica de Valentim Loureiro", de Nuno Nogueira Santos


Tendo em conta que os jornais começaram hoje a antecipar alguns pormenores do livro que na próxima terça-feira é lançado, o blog oficial vai hoje fazer a primeira pré-publicação de parte de um dos episódios contidos na obra:(...)Em Gondomar todos os que têm mais de 62 anos são considerados pela câmara: cidadãos idade mais. Quer isto dizer que têm direito a um cartão emitido pela autarquia que lhes dá vários privilégios. O primeiro desses privilégios é uma viagem de avião a Lisboa. Para muitos deles, a primeira e última vez que viajam de avião e, não raras vezes, a primeira e última em que vão à capital.(….)Além da viagem de avião a que todos os portadores do cartão têm direito, aquele instrumento abre-lhes a porta a participarem em inúmeras acções sócio-culturais promovidas pela Câmara e, no Verão, é costume haver passeios e almoços com estes cidadãos. 2005 não foi excepção. O problema é que, em Outubro, havia eleições…Seis ou sete mil idosos inscreveram-se no programa desse Verão, denominado Gondomar Douro Acima. Em Setembro, zarparam, em grupos de poucas centenas, num paquete que os levava numa bonita viagem fluvial.O programa incluía sempre um almoço a bordo, perto da Barragem de Crestuma-Lever, a que se juntava o presidente e que incluía um discurso muito especial.(…)Comido o tradicional lombo de porco assado com batatas (não sei quantas vezes comemos lombo de porco assado com batatas naquelas semanas), o Major discursou, como habitualmente.O seu discurso dividia-se em três partes, obedecendo a uma rigorosa estrutura retórica. Era curioso vê-lo discursar todos os dias para um novo grupo de idosos. Sempre com o mesmo timbre, expressões e estrutura, o texto ia evoluindo e sendo aperfeiçoado a cada dia. Mesmo os tiques, a entoação e a sua postura iam merecendo melhoramentos.Ao almoço, Valentim parecia sempre mastigar muito bem cada detalhe do discurso que iria fazer a seguir. O que provocara, na véspera, maiores aplausos e maior emoção, Valentim mantinha e enfatizava no discurso do dia. O que não resultava tão bem, sofria um upgrade, um novo registo ou era mesmo retirado do texto que o Major mantinha na cabeça.Mesmo o momento de maior emoção, em que os lábios do presidente tremiam e os olhos se carregavam de água era repetido, aperfeiçoado e melhorado de dia para dia, parecendo cada vez mais autêntico e genuíno. Por vezes, havia pequenas adaptações retóricas tendo em conta a freguesia a que pertenciam os idosos daquele dia.No começo do discurso, o Major lembrava a sua condição de presidente de câmara, recusando qualquer confusão com o candidato Valentim Loureiro, e dizia algo parecido como isto:– Vocês sabem que eu estou aqui hoje convosco, como estou todos os anos, todo o ano, onde quer que nos possamos encontrar, porque entendo que, enquanto presidente da Câmara, é minha obrigação estar ao vosso lado.Ficava assim justificada a sua presença e afastada a confusão entre o candidato e o presidente. No entender de Valentim Loureiro, apenas por ser candidato não se deveria coibir de cumprir as tarefas de todos os anos. Algumas vezes, o Major chegava a dizer:– Eu não tenho culpa que tenham marcado as eleições para Outubro. Não fui eu que as marquei. Nem deixaria de estar convosco só porque vai haver eleições.Depois, passava a uma fase mais emotiva do discurso, onde se tornava no pai de filhos ou no avô de 11 netos, incluindo-se a ele próprio no grupo dos cidadãos idade mais, já que ultrapassara os 62 anos. Era frequente deixar transparecer na voz alguma emoção, quando falava em dificuldades da vida, pelas quais todos passamos, e afirmava saber bem o que era passar por problemas.Não se esquecia nunca de usar termos como solidariedade e gratidão, agradecendo a todos o facto de terem sempre estado a seu lado, nos momentos mais difíceis.Finalmente, o discurso, que durava uns bons 20 ou 30 minutos, terminava com uma promessa:– Não sei se estarei neste cargo daqui a um ano, mas não tenho problemas em afirmar que, enquanto for presidente da Câmara, a nossa política de apoio social não vai mudar.Esperava pelas palmas, normalmente batidas de pé, e rematava:– Eu nunca vos esquecerei, nunca vos esquecerei. Vocês são espectaculares… Esta era a parte mais enfatizada por Valentim Loureiro, que subia a voz a decibéis que só ele consegue atingir num discurso político, actualmente.A câmara da SIC registou as palavras, o estilo, os termos usados pelo Major e o jornalista Carlos Rico entrevistou-o no final. Retive as expressões do Major nessa curta entrevista, ainda a bordo do paquete, rodeado de entusiastas com mais de 62 anos:– Há quem diga que isto é populismo. Eu acho que isto é popular. Mas, se populismo é fazermos aquilo que as pessoas esperam de nós, se populismo é dar um dia de felicidade por ano a quem nunca a tem, abrindo-lhe os horizontes do Mundo, então eu sou populista. E digo já aqui que a nossa política vai continuar a ser esta, pelo menos se eu por cá continuar. Outros farão diferente e poderão cancelar estes programas se forem eleitos. Eu, digo já que não. Esta é a minha política.Este género de resposta do Major não era novidade para mim e era absolutamente genuína. Lembro-me de, internamente, por várias vezes, estes passeios e acções serem discutidas entre nós, nomeadamente com o vereador da educação, cultura, acção social, desporto e juventude, o inatacável Fernando Paulo. E, mesmo entre nós, Valentim Loureiro não abdicava de defender as posições que tomava publicamente.A poucos dias das eleições, sentados na sede de campanha, Major, dois ou três vereadores, a sua filha e a sua mulher, falavam a propósito das viagens no Douro, dos voos para Lisboa ou das aulas de natação proporcionadas aos idosos. Valentim defendia sempre que o impacto que tais benesses tinham no orçamento da câmara era muito reduzido. Lembro-me mesmo de se virar para o seu vereador e questioná-lo:– Ó doutor, diga-me lá o que é que nós fazíamos com este dinheiro? Mais uma rua? Mais uma rotunda com um repuxo? E as pessoas eram mais felizes com isso ou são mais felizes com estes programas que lhes proporcionamos?A questão é mais profunda do que parece e fez-me muitas vezes duvidar, mas não deixei, nesse momento, de me lembrar de conversas que eu próprio tinha tido, pouco tempo antes, durante as legislativas, com amigos e familiares.Um cunhado meu, professor universitário, afirmou um dia que iria votar em José Sócrates, então candidato a primeiro-ministro. O PSD de Santana Lopes tinha-lhe roubado os benefícios fiscais do PPR que andava a fazer. Sócrates prometia o regresso desses benefícios, enquanto Santana Lopes prometia manter a sua política.(…)Prometer, em campanha, devolver os benefícios fiscais aos PPR é exactamente a mesma coisa que prometer retirar do Orçamento de Estado alguns milhões de euros para dar um subsídio extraordinário a uma parte da classe média alta portuguesa em forma de devolução no IRS. Ou, dito de outra forma, proporcionar umas férias em Cuba ou na Riviera Maia aos detentores de PPR não é populismo. Mas pagar um dia de felicidade único a cidadãos cuja sociedade quer enterrar silenciosamente em Melres, nas Medas, na Lomba ou, simplesmente, na floresta de betão das grandes cidades, já é populismo.Quanto a mim, não entendo onde está a diferença. No entanto, nos corredores da Assembleia da República, prometer benefícios fiscais em PPR é política económica, mas fazer passeios com velhinhos no Douro é política barata e populista, própria de caciques de província!Não querendo ser fundamentalista, digo eu, ambas as políticas fazem parte de um valor inabalável da política: a hipocrisia, que num e noutro caso se aplicam com toda a propriedade. Por maior que seja a boa vontade de ver nos políticos outra prioridade que não seja a da sua própria eleição, esbarro quase sempre nessa convicção.(…)Excertos do episódio "GONDOMAR DOURO ACIMA E O POPULISMO", do Capítulo II do livro "A Varinha Mágica de Valentim Loureiro", de Nuno Nogueira Santos

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