Vive la Révolution

28-11-2014
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Este artigo de Pedro Cardim é das coisas mais pertinentes que já li nos últimos tempos no que diz respeito à questão dos nacionalismos ibéricos. A questão da Catalunha é secundária, apesar de começar por ser a razão do texto. O que interessa verdadeiramente são as considerações do autor sobre o chamado “nacionalismo” português. Infelizmente, alguns comentários ao artigo são, como sempre, mostras de alguma ingenuidade e anacronismo.

Dois parágrafos despertaram a polémica na caixa de comentários do Público:

As razões e as motivações dos actores políticos foram analisados de um modo detalhado, o que permitiu superar os maniqueísmos simplificadores que até aí prevaleciam. Quanto à linguagem política, foi estudada à luz do seu contexto de origem, os séculos XVI e XVII, e os textos produzidos pela propaganda da época passaram a ser vistos como isso mesmo, como propaganda carregada de ideologia e de xenofobia, e não como o reflexo fiel daquilo que todos os portugueses “realmente” sentiam. Percebeu-se também que, naquela época, as opções políticas eram ditadas por um leque bastante variado de factores e de sentimentos identitários, entre os quais a ligação à “pátria” ou à “nação” estava longe de ser o ingrediente mais forte. Quanto à realidade nacional, deixou de ser vista como algo de essencialista e a-histórico, constatando-se que toda e qualquer nação, para além de não ser um todo homogéneo, era uma criação recente.

No que especificamente respeita ao Portugal dos Áustrias, percebeu-se que, ao invés de uma exploração espanhola, aquilo que aconteceu a partir de 1581 foi o envolvimento directo de Portugal na história da Monarquia Hispânica, um envolvimento não isento de tensões e de conflitos, mas, apesar disso, com grande participação de largos sectores da população. Quanto a 1640, ou seja, o ano em que se deu a revolta que pôs fim ao Portugal dos Filipes, verificou-se que essa ruptura política foi acima de tudo o resultado algo imprevisível de uma série de tensões e de lutas entre facções, e não propriamente um inevitável movimento “nacional” alimentado por sentimentos patrióticos. Tornou-se evidente que a conotação patriótica de 1640 foi adicionada depois de a revolta ter acontecido, um trabalho levado a cabo pela propaganda do período pós-1640, tendo em vista legitimar a rebelião, justificar a ruptura política e mobilizar a população para a guerra contra a Monarquia Espanhola. E percebeu-se, finalmente, que foi essa mesma propaganda que criou e difundiu a ideia de que Portugal tinha sido explorado pela Monarquia Espanhola durante 60 anos.

Na realidade, nada disto é novo. Há imensos historiadores que se debruçam sobre estes temas e que de uma forma ou outra, repetem aquilo que Pedro Cardim diz no seu artigo. Gente como Eric Hobsbawm, Patrick Geary, Vitorino Magalhães Godinho, António Hespanha (para o caso português).

Claro que isto não interessa nada para gente que acha que Portugal sempre foi uma nação predestinada a sê-lo. Não interessa nada que para a maior parte das pessoas que viviam em Portugal no século XVI e XVII a coroa era uma instituição distante, o Rei era uma figura quase teórica em quem a maior da população nunca pôs os olhos em cima, porque na realidade, no século XVI e XVII a maior parte das pessoas preocupava-se com a sua aldeia, com o seu quintal, com o senhor da terra e pouco mais. Porque não havia imprensa, porque as notícias chegavam com meses de atraso, porque a identificação que havia com o “país”, ou melhor, com o reino, era mínima porque quando se viajava era de norte para sul para se trabalhar nos campos, porque para a maior parte das pessoas, tanto interessava se era um Bragança ou um Áustria. O E.P. Thompson também fala um bocado disto, das pessoas comuns, o “povo”, tão idealizado mas cuja realidade concreta é desconhecida. É ignorar que no século XVI e XVII a geo-política não tinha como protagonista o país ou sequer o reino, mas sim as Dinastias.

Isto não quer dizer que não haja espaço para interpretação, porque há sempre, ou que não tenha havido resistência aos Áustria, tal como houve apoio, isto não quer dizer que o século XVII não seja um século de tensão, precisamente porque a Coroa começou a interferir mais fortemente na vida das comunidades locais, aumentando a pressão dos impostos que de repente, passavam a ir para o Maranhão (e a malta de Bragança sabia lá onde era o Maranhão, porque é que os impostos que as pessoas pagam em Vila-Real não ficam em Vila-Real ora bolas). Mas tornar isto num movimento generalizado, como se a maioria da população estivesse altamente interessada e envolvida em questões sucessórias ou em sentimentos “patrióticos” ou “nacionalistas” é ingénuo, para não dizer ignorante, e é uma instrumentalização da História. E estas são ideias que infelizmente, não são só divulgadas por gente em caixas de comentários, que valem o que valem. Estas são ideias que são divulgadas na nossa comunicação social, e na opinião pública com pouca hipótese de contraditório.

Querem falar sobre nacionalismos e sobre a forma como hoje em dia encaramos noções como pátria, nação, sentimentos identitários, linguagem etc? Há uma coisa chamada a Revolução Francesa. Há muitos bons livros sobre essa tema. É ler.

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Este artigo de Pedro Cardim é das coisas mais pertinentes que já li nos últimos tempos no que diz respeito à questão dos nacionalismos ibéricos. A questão da Catalunha é secundária, apesar de começar por ser a razão do texto. O que interessa verdadeiramente são as considerações do autor sobre o chamado “nacionalismo” português. Infelizmente, alguns comentários ao artigo são, como sempre, mostras de alguma ingenuidade e anacronismo.

Dois parágrafos despertaram a polémica na caixa de comentários do Público:

As razões e as motivações dos actores políticos foram analisados de um modo detalhado, o que permitiu superar os maniqueísmos simplificadores que até aí prevaleciam. Quanto à linguagem política, foi estudada à luz do seu contexto de origem, os séculos XVI e XVII, e os textos produzidos pela propaganda da época passaram a ser vistos como isso mesmo, como propaganda carregada de ideologia e de xenofobia, e não como o reflexo fiel daquilo que todos os portugueses “realmente” sentiam. Percebeu-se também que, naquela época, as opções políticas eram ditadas por um leque bastante variado de factores e de sentimentos identitários, entre os quais a ligação à “pátria” ou à “nação” estava longe de ser o ingrediente mais forte. Quanto à realidade nacional, deixou de ser vista como algo de essencialista e a-histórico, constatando-se que toda e qualquer nação, para além de não ser um todo homogéneo, era uma criação recente.

No que especificamente respeita ao Portugal dos Áustrias, percebeu-se que, ao invés de uma exploração espanhola, aquilo que aconteceu a partir de 1581 foi o envolvimento directo de Portugal na história da Monarquia Hispânica, um envolvimento não isento de tensões e de conflitos, mas, apesar disso, com grande participação de largos sectores da população. Quanto a 1640, ou seja, o ano em que se deu a revolta que pôs fim ao Portugal dos Filipes, verificou-se que essa ruptura política foi acima de tudo o resultado algo imprevisível de uma série de tensões e de lutas entre facções, e não propriamente um inevitável movimento “nacional” alimentado por sentimentos patrióticos. Tornou-se evidente que a conotação patriótica de 1640 foi adicionada depois de a revolta ter acontecido, um trabalho levado a cabo pela propaganda do período pós-1640, tendo em vista legitimar a rebelião, justificar a ruptura política e mobilizar a população para a guerra contra a Monarquia Espanhola. E percebeu-se, finalmente, que foi essa mesma propaganda que criou e difundiu a ideia de que Portugal tinha sido explorado pela Monarquia Espanhola durante 60 anos.

Na realidade, nada disto é novo. Há imensos historiadores que se debruçam sobre estes temas e que de uma forma ou outra, repetem aquilo que Pedro Cardim diz no seu artigo. Gente como Eric Hobsbawm, Patrick Geary, Vitorino Magalhães Godinho, António Hespanha (para o caso português).

Claro que isto não interessa nada para gente que acha que Portugal sempre foi uma nação predestinada a sê-lo. Não interessa nada que para a maior parte das pessoas que viviam em Portugal no século XVI e XVII a coroa era uma instituição distante, o Rei era uma figura quase teórica em quem a maior da população nunca pôs os olhos em cima, porque na realidade, no século XVI e XVII a maior parte das pessoas preocupava-se com a sua aldeia, com o seu quintal, com o senhor da terra e pouco mais. Porque não havia imprensa, porque as notícias chegavam com meses de atraso, porque a identificação que havia com o “país”, ou melhor, com o reino, era mínima porque quando se viajava era de norte para sul para se trabalhar nos campos, porque para a maior parte das pessoas, tanto interessava se era um Bragança ou um Áustria. O E.P. Thompson também fala um bocado disto, das pessoas comuns, o “povo”, tão idealizado mas cuja realidade concreta é desconhecida. É ignorar que no século XVI e XVII a geo-política não tinha como protagonista o país ou sequer o reino, mas sim as Dinastias.

Isto não quer dizer que não haja espaço para interpretação, porque há sempre, ou que não tenha havido resistência aos Áustria, tal como houve apoio, isto não quer dizer que o século XVII não seja um século de tensão, precisamente porque a Coroa começou a interferir mais fortemente na vida das comunidades locais, aumentando a pressão dos impostos que de repente, passavam a ir para o Maranhão (e a malta de Bragança sabia lá onde era o Maranhão, porque é que os impostos que as pessoas pagam em Vila-Real não ficam em Vila-Real ora bolas). Mas tornar isto num movimento generalizado, como se a maioria da população estivesse altamente interessada e envolvida em questões sucessórias ou em sentimentos “patrióticos” ou “nacionalistas” é ingénuo, para não dizer ignorante, e é uma instrumentalização da História. E estas são ideias que infelizmente, não são só divulgadas por gente em caixas de comentários, que valem o que valem. Estas são ideias que são divulgadas na nossa comunicação social, e na opinião pública com pouca hipótese de contraditório.

Querem falar sobre nacionalismos e sobre a forma como hoje em dia encaramos noções como pátria, nação, sentimentos identitários, linguagem etc? Há uma coisa chamada a Revolução Francesa. Há muitos bons livros sobre essa tema. É ler.

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