O pai do Igor teve que partir

28-11-2014
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Não conheço o Igor. Tampouco conheço o pai, a mãe e a irmã dele, mas tenho acompanhado o caso desde há uns tempos.

Há imensas crianças que necessitam de ajuda, com problemas gravíssimos e raros. Não sei por que motivo me senti tão tocada por este menino. Talvez por ser próximo em idade da minha filha mais nova, talvez por ser apoiado por uma associação com a qual colaboro, talvez porque o seu olhar doce me emociona e me revolta contra a injustiça de tudo o que este bebé já sofreu.

O Igor sofre de uma doença muito rara, o Síndrome de Costello. Para além de todos os exames, consultas, tratamentos e afins a que tem que se submeter, o Igor necessita, pelo menos durante seis meses, de terapias cujo custo diário é de cinquenta euros.

Não sei, não imagino, como sem ser rico se pode viver a pagar aquele valor. Para além de tudo o resto. É que, por muito que não nos interesse, aos nossos desgovernantes não interessa mesmo nada, as famílias das crianças doentes também pagam renda ou prestação de casa, também gastam electricidade e gás, também comem (imagine-se o desplante!), também necessitam de cuidados médicos, também, também, também…

Pois esta criança, este bebé de cerca de dois anos e meio, para além de tudo o que a natureza lhe roubou, esta criança que chora ao entrar nos corredores hospitalares (nem imagino quanto já terá ele sofrido nestes corredores) vê agora o seu país a roubar-lhe o pai. Filho de uma mãe que nada pode fazer para além de ser mãe a tempo inteiro, o Igor viu o pai partir para França em busca daquilo que o seu país não lhe garante: a possibilidade de tratar o seu filho, dar ao seu menino e à sua família pelo menos a satisfação das suas necessidades básicas. E sim, para o Igor as terapias são uma necessidade básica, que lhe permitem ter mais qualidade de vida, por muito que esta gente que rouba , perdão, que manda no país ache que se trata de frescura de gente remediada que se acha com mais direitos do que aqueles com que nasceu.

Durante pelo menos seis meses, aquela mãe que não conheço assumirá sozinha as rédeas de uma casa que é sua. Sozinha, sem apoio, terá que passar pela dificuldade que é criar uma criança com uma doença rara. Terá que ouvir boas e más notícias, e estar sempre de cara alegre para os filhos, terá que, mesmo extenuada, acordar de noite para tratar dos seus filhos, terá que fazer tudo o que uma mãe e dona-de-casa faz, sem apoio do homem com quem escolheu passar a vida. Terá que viver o dia-a-dia que imagino muito duro sem ter com quem desabafar, sem ter um ombro onde chorar tristezas e sonhar ilusões de um mundo melhor para os seus rebentos.

Aquele menino, sem perceber por que motivo, perderá temporariamente o pai, modelo de conduta que sempre marca os rapazinhos, perderá os seus mimos e carinhos, perderá a sua presença, perderá o seu pai.

Aquela menina deixará de ter a atenção do pai, terá que dividir todas as atenções, agora exclusivamente maternas, com o irmão que precisa de muito mais atenção e cuidados do que ela. Será ela talvez o apoio com que a sua mãe pode contar.

Aquele pai, cuja dor nem imagino, foi arredado da sua família, dos seus tesouros, vai perder muito do seu crescimento, não ouviu hoje o seu filho enunciar a palavra «cão» pela primeira vez, não verá todos os pequenos progressos que cada uma das suas crianças irá fazendo, não festejará as boas notícias, as pequenas vitórias.

Toda esta família, tal como muitas outras, está separada, dividida pela necessidade de ganhar dinheiro.

Ainda hoje falei com um amigo que também teve que partir. Temporariamente, diz ele. Como lhe dói, conta-me ele, como lhe custa estar longe da mulher e do filho saudável que ele vai vendo crescer quando cá vem em alguns fins-de-semana. «Tu sabes o que eu sinto porque imaginas. Eu sei o que sinto porque o vivo.»

Verdade! Eu não sei ainda, e espero não vir a saber o que é ter que abandonar as minhas filhas para garantir o seu sustento.

O pai do Igor já sentiu essa tristeza renovada a cada dia que passa.

Pobre do país que corre com os seus! Pobre do país que obriga um pai a abandonar a família que tento necessita dele para ir ganhar umas coroas que paguem tratamentos médicos! Pobre da sociedade que assim perde pessoas valorosas!

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Não conheço o Igor. Tampouco conheço o pai, a mãe e a irmã dele, mas tenho acompanhado o caso desde há uns tempos.

Há imensas crianças que necessitam de ajuda, com problemas gravíssimos e raros. Não sei por que motivo me senti tão tocada por este menino. Talvez por ser próximo em idade da minha filha mais nova, talvez por ser apoiado por uma associação com a qual colaboro, talvez porque o seu olhar doce me emociona e me revolta contra a injustiça de tudo o que este bebé já sofreu.

O Igor sofre de uma doença muito rara, o Síndrome de Costello. Para além de todos os exames, consultas, tratamentos e afins a que tem que se submeter, o Igor necessita, pelo menos durante seis meses, de terapias cujo custo diário é de cinquenta euros.

Não sei, não imagino, como sem ser rico se pode viver a pagar aquele valor. Para além de tudo o resto. É que, por muito que não nos interesse, aos nossos desgovernantes não interessa mesmo nada, as famílias das crianças doentes também pagam renda ou prestação de casa, também gastam electricidade e gás, também comem (imagine-se o desplante!), também necessitam de cuidados médicos, também, também, também…

Pois esta criança, este bebé de cerca de dois anos e meio, para além de tudo o que a natureza lhe roubou, esta criança que chora ao entrar nos corredores hospitalares (nem imagino quanto já terá ele sofrido nestes corredores) vê agora o seu país a roubar-lhe o pai. Filho de uma mãe que nada pode fazer para além de ser mãe a tempo inteiro, o Igor viu o pai partir para França em busca daquilo que o seu país não lhe garante: a possibilidade de tratar o seu filho, dar ao seu menino e à sua família pelo menos a satisfação das suas necessidades básicas. E sim, para o Igor as terapias são uma necessidade básica, que lhe permitem ter mais qualidade de vida, por muito que esta gente que rouba , perdão, que manda no país ache que se trata de frescura de gente remediada que se acha com mais direitos do que aqueles com que nasceu.

Durante pelo menos seis meses, aquela mãe que não conheço assumirá sozinha as rédeas de uma casa que é sua. Sozinha, sem apoio, terá que passar pela dificuldade que é criar uma criança com uma doença rara. Terá que ouvir boas e más notícias, e estar sempre de cara alegre para os filhos, terá que, mesmo extenuada, acordar de noite para tratar dos seus filhos, terá que fazer tudo o que uma mãe e dona-de-casa faz, sem apoio do homem com quem escolheu passar a vida. Terá que viver o dia-a-dia que imagino muito duro sem ter com quem desabafar, sem ter um ombro onde chorar tristezas e sonhar ilusões de um mundo melhor para os seus rebentos.

Aquele menino, sem perceber por que motivo, perderá temporariamente o pai, modelo de conduta que sempre marca os rapazinhos, perderá os seus mimos e carinhos, perderá a sua presença, perderá o seu pai.

Aquela menina deixará de ter a atenção do pai, terá que dividir todas as atenções, agora exclusivamente maternas, com o irmão que precisa de muito mais atenção e cuidados do que ela. Será ela talvez o apoio com que a sua mãe pode contar.

Aquele pai, cuja dor nem imagino, foi arredado da sua família, dos seus tesouros, vai perder muito do seu crescimento, não ouviu hoje o seu filho enunciar a palavra «cão» pela primeira vez, não verá todos os pequenos progressos que cada uma das suas crianças irá fazendo, não festejará as boas notícias, as pequenas vitórias.

Toda esta família, tal como muitas outras, está separada, dividida pela necessidade de ganhar dinheiro.

Ainda hoje falei com um amigo que também teve que partir. Temporariamente, diz ele. Como lhe dói, conta-me ele, como lhe custa estar longe da mulher e do filho saudável que ele vai vendo crescer quando cá vem em alguns fins-de-semana. «Tu sabes o que eu sinto porque imaginas. Eu sei o que sinto porque o vivo.»

Verdade! Eu não sei ainda, e espero não vir a saber o que é ter que abandonar as minhas filhas para garantir o seu sustento.

O pai do Igor já sentiu essa tristeza renovada a cada dia que passa.

Pobre do país que corre com os seus! Pobre do país que obriga um pai a abandonar a família que tento necessita dele para ir ganhar umas coroas que paguem tratamentos médicos! Pobre da sociedade que assim perde pessoas valorosas!

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