Empresários não estão a usar facilidades da lei para despedir

09-07-2011
marcar artigo

Desde 2009, o processo para despedir um trabalhador ficou mais simples, mas a maioria das empresas não tira partido disso com receio de violar a lei

As empresas não estão a usar os mecanismos previstos no Código do Trabalho (CT) que permitem aliviar o processo de despedimento individual. Aquela que foi apresentada como uma das grandes reformas da revisão feita em 2008, acaba por ser considerada desnecessária tanto pelas empresas como pelos próprios advogados.

A desconsideração deste mecanismo pelos actores no terreno acaba por relativizar a importância dos conselhos insistentes da OCDE e da Comissão Europeia (CE), no sentido de flexibilizar ainda mais a legislação laboral. O Governo tem afirmado que é prematura qualquer mudança nesse sentido, dado que a alteração mais recente do CT está em vigor há menos de um ano e meio. Mas, pelos vistos, sem a eficácia esperada. Os advogados ouvidos pelo PÚBLICO consideram que se tratou de alterações para contentar as instituições.

Afinal o que mudou em 2009 e não está a ser usado pelas empresas? O Livro Branco das Relações Laborais apontava como "excessivamente pesados" os procedimentos relacionados com o despedimento do trabalhador - arrastando-se por largos meses - e do próprio processo disciplinar dentro da empresa, que tinha de ser repetido durante a fase instrutória em tribunal. Para ultrapassar esses obstáculos, foram tomadas várias medidas. As razões de justa causa de despedimento mantiveram-se, mas foi criado um processo disciplinar mais expedito, em que o empregador só ouve as testemunhas indicadas pelo trabalhador se assim o entender (a única excepção é no caso de despedimento de grávidas ou trabalhadores em licença parental). E, salvo raras excepções, até pode prescindir do processo disciplinar dentro da empresa. O trabalhador é despedido e, caso queira, apresenta queixa no tribunal no prazo de 60 dias (antes, o prazo era de um ano), obrigando o empregador a explicar os motivos do despedimento. A partir daí, é o tribunal que faz todo o apuramento dos factos alegados.

Na prática, pouco mudou

Mas, na prática, pouco mudou. E a principal razão é que as empresas querem saber de antemão as "armas" que o trabalhador vai usar em tribunal caso impugne o despedimento. "Recomendamos às empresas que ouçam as testemunhas do trabalhador e façam toda a instrução do processo disciplinar", reconhece Rui Valente, advogado da área laboral há 15 anos. "Sempre entendemos que esta simplificação é uma ratoeira. É fácil perceber que o processo chega ao tribunal fragilizado, dando a sensação de que se fez um despedimento sumário e sem se dar a possibilidade ao trabalhador para se defender", justifica.

Também Gregório Rocha Novo, advogado e um dos dirigentes da Confederação da Indústria Portuguesa, garante que tem aconselhado os seus sócios a manter os processos disciplinares "para não serem colhidos de surpresa", caso haja uma impugnação em tribunal: "O risco que a simplificação tem associado é tamanho que aconselhamos sempre a manter o processo tal como até aqui".

Também nos despedimentos que têm passado pelo gabinete jurídico da CGTP desde que as novas regras entraram em vigor, os patrões mantiveram o processo disciplinar e a audição das testemunhas do trabalhador. "Isto só revela que o que os patrões queriam era poder despedir sem justa causa e na hora", resume Joaquim Dionísio, do gabinete de estudos da central.

Flexibilizar durante a crise?

Os apelos à flexibilização laboral surgiram há semanas pela voz do comissário da Economia Olli Rehn. Os alvos foram, sobretudo, Portugal e Espanha.

"Estas propostas não são novas de todo. Nos últimos anos, tanto a CE como a OCDE e o FMI têm insistido nelas", realça Benedicta Marzinotto, investigadora no Instituto Bruegel, acrescentando que a pressão está a aumentar devido à crise e à necessidade de melhorar a competitividade.

O melhor do Público no email Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Subscrever ×

Paul de Grauwe, professor da Universidade de Lovaina, na Bélgica, não subscreve esta análise: "Trata-se de um dogma. Flexibilizar é uma ideia repetida permanentemente, quer estejamos em crise ou a crescer". De Grauwe diz que qualquer mudança nesta altura pode ser um erro. "Não sou contra alguma flexibilização, mas se a fizermos agora vai aumentar o desemprego e exacerbar a recessão", justifica em declarações ao PÚBLICO.

João Rodrigues, investigador do Centro de Estudos Sociais de Coimbra, vai mais longe e receia que a CE esteja a pressionar os Estados-membros mais vulneráveis à crise. O objectivo destes apelos, alerta, é "reduzir os custos laborais e os salários".

No pólo oposto, Benedicta Marzinotto defende que "uma alteração da legislação laboral não irá criar novos empregos, é verdade. Mas reduz o desemprego de longa duração e altera a composição da força de trabalho, levando a que haja menos trabalho temporário", justifica.

Desde 2009, o processo para despedir um trabalhador ficou mais simples, mas a maioria das empresas não tira partido disso com receio de violar a lei

As empresas não estão a usar os mecanismos previstos no Código do Trabalho (CT) que permitem aliviar o processo de despedimento individual. Aquela que foi apresentada como uma das grandes reformas da revisão feita em 2008, acaba por ser considerada desnecessária tanto pelas empresas como pelos próprios advogados.

A desconsideração deste mecanismo pelos actores no terreno acaba por relativizar a importância dos conselhos insistentes da OCDE e da Comissão Europeia (CE), no sentido de flexibilizar ainda mais a legislação laboral. O Governo tem afirmado que é prematura qualquer mudança nesse sentido, dado que a alteração mais recente do CT está em vigor há menos de um ano e meio. Mas, pelos vistos, sem a eficácia esperada. Os advogados ouvidos pelo PÚBLICO consideram que se tratou de alterações para contentar as instituições.

Afinal o que mudou em 2009 e não está a ser usado pelas empresas? O Livro Branco das Relações Laborais apontava como "excessivamente pesados" os procedimentos relacionados com o despedimento do trabalhador - arrastando-se por largos meses - e do próprio processo disciplinar dentro da empresa, que tinha de ser repetido durante a fase instrutória em tribunal. Para ultrapassar esses obstáculos, foram tomadas várias medidas. As razões de justa causa de despedimento mantiveram-se, mas foi criado um processo disciplinar mais expedito, em que o empregador só ouve as testemunhas indicadas pelo trabalhador se assim o entender (a única excepção é no caso de despedimento de grávidas ou trabalhadores em licença parental). E, salvo raras excepções, até pode prescindir do processo disciplinar dentro da empresa. O trabalhador é despedido e, caso queira, apresenta queixa no tribunal no prazo de 60 dias (antes, o prazo era de um ano), obrigando o empregador a explicar os motivos do despedimento. A partir daí, é o tribunal que faz todo o apuramento dos factos alegados.

Na prática, pouco mudou

Mas, na prática, pouco mudou. E a principal razão é que as empresas querem saber de antemão as "armas" que o trabalhador vai usar em tribunal caso impugne o despedimento. "Recomendamos às empresas que ouçam as testemunhas do trabalhador e façam toda a instrução do processo disciplinar", reconhece Rui Valente, advogado da área laboral há 15 anos. "Sempre entendemos que esta simplificação é uma ratoeira. É fácil perceber que o processo chega ao tribunal fragilizado, dando a sensação de que se fez um despedimento sumário e sem se dar a possibilidade ao trabalhador para se defender", justifica.

Também Gregório Rocha Novo, advogado e um dos dirigentes da Confederação da Indústria Portuguesa, garante que tem aconselhado os seus sócios a manter os processos disciplinares "para não serem colhidos de surpresa", caso haja uma impugnação em tribunal: "O risco que a simplificação tem associado é tamanho que aconselhamos sempre a manter o processo tal como até aqui".

Também nos despedimentos que têm passado pelo gabinete jurídico da CGTP desde que as novas regras entraram em vigor, os patrões mantiveram o processo disciplinar e a audição das testemunhas do trabalhador. "Isto só revela que o que os patrões queriam era poder despedir sem justa causa e na hora", resume Joaquim Dionísio, do gabinete de estudos da central.

Flexibilizar durante a crise?

Os apelos à flexibilização laboral surgiram há semanas pela voz do comissário da Economia Olli Rehn. Os alvos foram, sobretudo, Portugal e Espanha.

"Estas propostas não são novas de todo. Nos últimos anos, tanto a CE como a OCDE e o FMI têm insistido nelas", realça Benedicta Marzinotto, investigadora no Instituto Bruegel, acrescentando que a pressão está a aumentar devido à crise e à necessidade de melhorar a competitividade.

O melhor do Público no email Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Subscrever ×

Paul de Grauwe, professor da Universidade de Lovaina, na Bélgica, não subscreve esta análise: "Trata-se de um dogma. Flexibilizar é uma ideia repetida permanentemente, quer estejamos em crise ou a crescer". De Grauwe diz que qualquer mudança nesta altura pode ser um erro. "Não sou contra alguma flexibilização, mas se a fizermos agora vai aumentar o desemprego e exacerbar a recessão", justifica em declarações ao PÚBLICO.

João Rodrigues, investigador do Centro de Estudos Sociais de Coimbra, vai mais longe e receia que a CE esteja a pressionar os Estados-membros mais vulneráveis à crise. O objectivo destes apelos, alerta, é "reduzir os custos laborais e os salários".

No pólo oposto, Benedicta Marzinotto defende que "uma alteração da legislação laboral não irá criar novos empregos, é verdade. Mas reduz o desemprego de longa duração e altera a composição da força de trabalho, levando a que haja menos trabalho temporário", justifica.

marcar artigo