aguas do sul: Versos da Terra: A Partilha da Magia

21-01-2012
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Na sua casa, em Silves, as paredes respiram sensibilidade. Objectos biográficos, fotografias, memórias teimam em guardar ocasiões especiais.Enquanto Gambry, o cão ladino se delicia escutando Eduardo Ramos, virtuoso do alaúde, a revisitar melodias do Al-Andaluz, Janica prepara um bocado de argila para soltar o sonho.Entre amassaduras e pincéis, formas e cores nascem, para encantar todos aqueles que visitarem a feira da Serra.Olha-se para o resultado do seu apuro e admira-se a singularidade desse labor minucioso e afectivo. Envolve-nos o pormenor, a beleza da tradição, o encantamento de existências simples registadas em casinhas e figuras marcantes.No riso de menina que o tempo não apaga, Janica parece dizer-nos: “Ei! Agarrem a vida”!Maria João (Janica) é artesã, que esculpe em barro pedaços do quotidiano - a velha e o cão, a porta e as galinhas, a varanda e o gato, o morábito, a casa do sul com platibanda. Presença assídua em feiras, as suas obras cativam há décadas uma clientela fiel. Porque a marca das mãos e da alma é única.Neta de avó paterna de Mértola, filha de um alentejano de Beja, nasceu na Beira (Moçambique) tendo vindo para Portugal com 18 anos. A arte surgiu nesta confluência de mundos...“Acho que desde criança tinha jeito para o desenho. Não me lembro mas dizem isso! Para me safar, aqui no Algarve, estive com pessoas de Moçambique a trabalhar em “jeans”, eu só bordava... Agora é muito moda! Tinha sempre um bordado meu! Vivi perto de uma praia de Albufeira, nem havia luz. Bordava à luz da vela. Assim, consegui sobreviver até encontrar o Eduardo (Ramos) a tocar em Albufeira. Depois por causa de ter os putos em casa, comecei a trabalhar no barro. Foi um amigo que me pôs o barro nas mãos... A primeira coisa que fiz foi quase já uma casinha... Comecei a olhar para as casas do Algarve de outra maneira... mais tarde foram as igrejas. Foi o Algarve que me acolheu, embora eu também já tenha feito coisas do Alentejo. Nas minhas visitas tiro sempre pormenores do Alentejo.”Qual é a inspiração para os trabalhos?“ É andar por aí de máquina fotográfica, papel e lápis. São muitos anos. Embora haja tanta coisa destruída, mas vejo outras coisas que o meu olhar não tinha visto antes.”Janica reflecte sobre a sua arte:“É um ofício de meditação e silêncio. É um trabalho solitário também. As peças grandes são horas! É muito de meu, que eu entrego-me toda!”O que é ser artista, mulher de artista, mãe de artistas?“Nunca tinha pensado nisso... É tão normal!... Sou uma pessoa que gosta de passar despercebida. Vivo a minha vida, o meu dia a dia, nem penso nisso! Só sei que dou muita força a eles, mais do que a mim!” Dei muita força à minha filha para ser bailarina, aquilo que eu nunca fui. Estudou em Tildbeerg (Holanda) coreografia e dança contemporânea. O Tiago acompanha o pai na percurssão; é técnico de som na Gulbenkian…”A sua participação em feiras e o seu envolvimento com um público, começaram quando?“Foi há 21 anos. Foi a FATACIL (Lagoa) que era perto da minha casa. E a partir daí comecei a levar o trabalho muito a sério e faço muitas feiras, sobretudo no Algarve. Tenho coleccionadores de todo o Mundo… França, América… Os clientes são como amigos. E depois na FATACIL é engraçado, de ano para ano as pessoas voltam e trazem amigos, compram sempre qualquer coisinha ou vêm só para cumprimentar. É isso que é engraçado!”Nos versos de terra que as suas mãos escrevem, Janica celebra uma identidade que tem perdido referências. Estas cortinas de renda na janela onde o felino espreita, são sinais de um tempo que pode não voltar. Sinais de uma gente que deixou na paisagem a magia de uma ancestral forma de estar. O espaço reconfigura-se. Antes que sobre uma réstea de nada, Janica percorre sítios, rescobre segredos. Janica procura o sol da terra para poder partilhar um pedaço da felicidade que nunca teremos. A Sabedoria.Texto (de 13-2-2005) e fotos (de Janeiro de 2006) de Luís Filipe Maçarico


Na sua casa, em Silves, as paredes respiram sensibilidade. Objectos biográficos, fotografias, memórias teimam em guardar ocasiões especiais.Enquanto Gambry, o cão ladino se delicia escutando Eduardo Ramos, virtuoso do alaúde, a revisitar melodias do Al-Andaluz, Janica prepara um bocado de argila para soltar o sonho.Entre amassaduras e pincéis, formas e cores nascem, para encantar todos aqueles que visitarem a feira da Serra.Olha-se para o resultado do seu apuro e admira-se a singularidade desse labor minucioso e afectivo. Envolve-nos o pormenor, a beleza da tradição, o encantamento de existências simples registadas em casinhas e figuras marcantes.No riso de menina que o tempo não apaga, Janica parece dizer-nos: “Ei! Agarrem a vida”!Maria João (Janica) é artesã, que esculpe em barro pedaços do quotidiano - a velha e o cão, a porta e as galinhas, a varanda e o gato, o morábito, a casa do sul com platibanda. Presença assídua em feiras, as suas obras cativam há décadas uma clientela fiel. Porque a marca das mãos e da alma é única.Neta de avó paterna de Mértola, filha de um alentejano de Beja, nasceu na Beira (Moçambique) tendo vindo para Portugal com 18 anos. A arte surgiu nesta confluência de mundos...“Acho que desde criança tinha jeito para o desenho. Não me lembro mas dizem isso! Para me safar, aqui no Algarve, estive com pessoas de Moçambique a trabalhar em “jeans”, eu só bordava... Agora é muito moda! Tinha sempre um bordado meu! Vivi perto de uma praia de Albufeira, nem havia luz. Bordava à luz da vela. Assim, consegui sobreviver até encontrar o Eduardo (Ramos) a tocar em Albufeira. Depois por causa de ter os putos em casa, comecei a trabalhar no barro. Foi um amigo que me pôs o barro nas mãos... A primeira coisa que fiz foi quase já uma casinha... Comecei a olhar para as casas do Algarve de outra maneira... mais tarde foram as igrejas. Foi o Algarve que me acolheu, embora eu também já tenha feito coisas do Alentejo. Nas minhas visitas tiro sempre pormenores do Alentejo.”Qual é a inspiração para os trabalhos?“ É andar por aí de máquina fotográfica, papel e lápis. São muitos anos. Embora haja tanta coisa destruída, mas vejo outras coisas que o meu olhar não tinha visto antes.”Janica reflecte sobre a sua arte:“É um ofício de meditação e silêncio. É um trabalho solitário também. As peças grandes são horas! É muito de meu, que eu entrego-me toda!”O que é ser artista, mulher de artista, mãe de artistas?“Nunca tinha pensado nisso... É tão normal!... Sou uma pessoa que gosta de passar despercebida. Vivo a minha vida, o meu dia a dia, nem penso nisso! Só sei que dou muita força a eles, mais do que a mim!” Dei muita força à minha filha para ser bailarina, aquilo que eu nunca fui. Estudou em Tildbeerg (Holanda) coreografia e dança contemporânea. O Tiago acompanha o pai na percurssão; é técnico de som na Gulbenkian…”A sua participação em feiras e o seu envolvimento com um público, começaram quando?“Foi há 21 anos. Foi a FATACIL (Lagoa) que era perto da minha casa. E a partir daí comecei a levar o trabalho muito a sério e faço muitas feiras, sobretudo no Algarve. Tenho coleccionadores de todo o Mundo… França, América… Os clientes são como amigos. E depois na FATACIL é engraçado, de ano para ano as pessoas voltam e trazem amigos, compram sempre qualquer coisinha ou vêm só para cumprimentar. É isso que é engraçado!”Nos versos de terra que as suas mãos escrevem, Janica celebra uma identidade que tem perdido referências. Estas cortinas de renda na janela onde o felino espreita, são sinais de um tempo que pode não voltar. Sinais de uma gente que deixou na paisagem a magia de uma ancestral forma de estar. O espaço reconfigura-se. Antes que sobre uma réstea de nada, Janica percorre sítios, rescobre segredos. Janica procura o sol da terra para poder partilhar um pedaço da felicidade que nunca teremos. A Sabedoria.Texto (de 13-2-2005) e fotos (de Janeiro de 2006) de Luís Filipe Maçarico

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