Iniciamos hoje, em semana de clássico, uma série de crónicas dedicadas aos artistas que, tendo tido a graça de vestir de verde e branco, se desgraçaram e representaram posteriormente o Benfica. Fazemo-lo, recordando o histórico e pungente apelo do visconde de Alvalade que os historiadores perfidamente obliteraram dos livros de história: “Quero fazer deste clube um dos melhores da Europa, e os celerados que nos trocarem para jogar pelo taberneiro do Cosme Damião serão tratados como javardos que são. Um grande bem-haja”.O MerdinhasUm relato destes, que se pretende sério e imparcial como é norma da casa, só poderia começar pelo Merdinhas. O Merdinhas é, já o adivinharam, o petit nom de Simão, um dos melhores marcadores de penalties da nossa liga. Antecipo-me aos críticos: nada me move contra o liliputiano Simão, excepto talvez esta vontade incontrolável de o esganar, esmagando-lhe a jugular com o anelar esquerdo, enquanto os olhos dele reviram como os de um impala sufocado por uma leoa, com uma força, com uma força, com uma força que ninguém pode parar, com uma fome que ninguém pode matar, toma os comprimidos, Bulhão, que estás outra vez a hiperventilar. Puf puf puf.Prossigamos.Do vasto património cultural legado pelo Merdinhas, exalto duas histórias, reveladoras da rectidão de carácter do personagem. Lembram-se do golo de penalty no Mundial? O jogo não contava para nada, Portugal já estava a ganhar , o Merdinhas marcou o penalty e… ninguém o foi abraçar. Ora, o Merdinhas que já se ressente de não ser a primeira figura da selecção (era o Figo, agora é o Ronaldo, e o Quaresma, e o Nani, e o Carvalho, e o Gomes, e o senhor que corta a relva do Estádio do Jamor, e por aí adiante, antes de chegar a ele), não encaixou bem o golpe. Será porque sou pequenino? Ou porque ainda guardo no rosto o muco acumulado a guardar vacas, lá em Constantim.? Fosse pelo que fosse, o Merdinhas festejou sozinho. Ele bem chamava os colegas, os bracinhos muito irrequietos agitando-se freneticamente como uma marioneta, mas ninguém lhe ligou. Hom’essa! Se isto são umas bestas, hein! Quando chegar a Lisboa, eu compro um carro ainda maior e já lhes mostro.Segundo episódio: no ano passado, depois de perder em Guimarães, um texto publicado no site do Merdinhas exonerava-o milagrosamente do descalabro. “Simão correu, mas ninguém acompanhou. Simão passou, mas ninguém passou. Simão rematou, mas ninguém se precipitou para a recarga”. O gesto, fino, caiu bem no goto de colegas e adeptos: tem bons fundos, o pequeno Smeagol. O génio em debute que todos vaticinaram lá teve o seu merecido lanche de palha no final da época, cozinhado pelos colegas despeitados e pelo público que lhe leu a pinta: ficou sozinho, o pobre. depois da aventura de Valência, ridicularizado nos jornais e humilhado no notário. Escreve agora novo comentário, imbecil! – riu-se o grupo dos trolhas que, prostrado diante do Estádio, discutia o preço das couves e o número de ventres perfurados com facas de ponta, durante a semana.Poderia enumerar outros méritos: as letras garrafais da Sacoor estampadas na roupa, pretenso efeito de óptica para parecer maior; as rábulas da braçadeira de capitão; a inesquecível transferência para Liverpool; os calotes de que foi alvo. Mas não o farei. A culpa é, de certa forma, nossa. Como muito bem disse Manolo Vidal, falhámos qualquer coisa na formação do Merdinhas.
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Iniciamos hoje, em semana de clássico, uma série de crónicas dedicadas aos artistas que, tendo tido a graça de vestir de verde e branco, se desgraçaram e representaram posteriormente o Benfica. Fazemo-lo, recordando o histórico e pungente apelo do visconde de Alvalade que os historiadores perfidamente obliteraram dos livros de história: “Quero fazer deste clube um dos melhores da Europa, e os celerados que nos trocarem para jogar pelo taberneiro do Cosme Damião serão tratados como javardos que são. Um grande bem-haja”.O MerdinhasUm relato destes, que se pretende sério e imparcial como é norma da casa, só poderia começar pelo Merdinhas. O Merdinhas é, já o adivinharam, o petit nom de Simão, um dos melhores marcadores de penalties da nossa liga. Antecipo-me aos críticos: nada me move contra o liliputiano Simão, excepto talvez esta vontade incontrolável de o esganar, esmagando-lhe a jugular com o anelar esquerdo, enquanto os olhos dele reviram como os de um impala sufocado por uma leoa, com uma força, com uma força, com uma força que ninguém pode parar, com uma fome que ninguém pode matar, toma os comprimidos, Bulhão, que estás outra vez a hiperventilar. Puf puf puf.Prossigamos.Do vasto património cultural legado pelo Merdinhas, exalto duas histórias, reveladoras da rectidão de carácter do personagem. Lembram-se do golo de penalty no Mundial? O jogo não contava para nada, Portugal já estava a ganhar , o Merdinhas marcou o penalty e… ninguém o foi abraçar. Ora, o Merdinhas que já se ressente de não ser a primeira figura da selecção (era o Figo, agora é o Ronaldo, e o Quaresma, e o Nani, e o Carvalho, e o Gomes, e o senhor que corta a relva do Estádio do Jamor, e por aí adiante, antes de chegar a ele), não encaixou bem o golpe. Será porque sou pequenino? Ou porque ainda guardo no rosto o muco acumulado a guardar vacas, lá em Constantim.? Fosse pelo que fosse, o Merdinhas festejou sozinho. Ele bem chamava os colegas, os bracinhos muito irrequietos agitando-se freneticamente como uma marioneta, mas ninguém lhe ligou. Hom’essa! Se isto são umas bestas, hein! Quando chegar a Lisboa, eu compro um carro ainda maior e já lhes mostro.Segundo episódio: no ano passado, depois de perder em Guimarães, um texto publicado no site do Merdinhas exonerava-o milagrosamente do descalabro. “Simão correu, mas ninguém acompanhou. Simão passou, mas ninguém passou. Simão rematou, mas ninguém se precipitou para a recarga”. O gesto, fino, caiu bem no goto de colegas e adeptos: tem bons fundos, o pequeno Smeagol. O génio em debute que todos vaticinaram lá teve o seu merecido lanche de palha no final da época, cozinhado pelos colegas despeitados e pelo público que lhe leu a pinta: ficou sozinho, o pobre. depois da aventura de Valência, ridicularizado nos jornais e humilhado no notário. Escreve agora novo comentário, imbecil! – riu-se o grupo dos trolhas que, prostrado diante do Estádio, discutia o preço das couves e o número de ventres perfurados com facas de ponta, durante a semana.Poderia enumerar outros méritos: as letras garrafais da Sacoor estampadas na roupa, pretenso efeito de óptica para parecer maior; as rábulas da braçadeira de capitão; a inesquecível transferência para Liverpool; os calotes de que foi alvo. Mas não o farei. A culpa é, de certa forma, nossa. Como muito bem disse Manolo Vidal, falhámos qualquer coisa na formação do Merdinhas.