Câmara Corporativa: Como pressionar magistrados do Ministério Público que têm um estatuto à prova de bala?

28-01-2012
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Guilhermina Marreiros, procuradora-geral adjunta (jubilada), escreve sobre ‘O meu Ministério Público e as pressões’. Eis uma parte do artigo do Público: ‘Encontrei nesta magistratura gente de grande brilho intelectual, profissionais muito empenhados, probos, isentos e competentes e tive o privilégio de privar de perto com muitos deles. Destaco, no entanto, o tempo em que exerci funções no gabinete do procurador-geral da República, onde encontrei o dr. Lopes da Mota, então delegado do procurador da República, o primeiro magistrado a exercer funções de assessor naquele gabinete, sendo titular o dr. Cunha Rodrigues.Recordo-o, ainda hoje e muitos anos são já volvidos, como um magistrado exemplar, um profissional empenhado, estudioso e dedicado, um colega com todo o tempo do mundo para trocar impressões, reflectir e debater questões jurídicas, desenvolver estudos partilhados, trazendo à colação os contributos resultantes da sua pesquisa individual, debatendo e defendendo os seus pontos de vista à exaustão, com tenacidade e persistência e, muitas vezes, com obstinação.Cooperante, sempre se mostrou distanciado do poder político. Sou testemunha presencial das suas dúvidas quando foi convidado para "equilibrar" a pasta da Justiça, que tinha no seu vértice o dr. Vera Jardim e num dos pratos o conselheiro Matos Fernandes. Era preciso alguém do Ministério Público, dizia-se, para formar a equipa que tinha reformas importantes a que se dedicar, entre as quais a reforma do sistema tutelar de menores, área de grande importância para o Ministério Público, pelo papel que tradicionalmente lhe era (ainda é) atribuído.Se não aceitasse este desafio, obrigá-lo-íamos. Argumentando que há lugares que não se podem recusar, por imperativos de consciência e em nome de um serviço público maior que nos é pedido. Entendia-se, então, que seria importante colaborar com o poder político quando nos era dada essa oportunidade.Lopes da Mota aceitou e, a partir daí, os desafios sucederam-se. De resto, aceitando ou não a pasta de secretário de Estado, desafios não faltariam. O Ministério Público não se pode dar ao luxo de não aproveitar talentos. E Lopes da Mota é um magistrado sabedor, competente e íntegro. Não conheço, em detalhe, a tramitação do processo que o levou à Eurojust, mas não causou surpresa a ninguém, de boa-fé, que tivesse sido escolhido e designado membro do Estado Português para esta instância internacional.O que sei da acção desenvolvida no âmbito do processo Freeport pela Eurojust e das alegadas pressões sobre dois colegas é, rigorosamente, nada. Não conheço os processos nem falei com nenhum dos envolvidos. Vou lendo e ouvindo notícias, comentários e opiniões, cujo enfoque varia de sentido em razão do interesse político subjacente. Todos são opiniosos e ninguém é isento. Tão-pouco eu o vou ser agora: primeiro, porque conheço Lopes da Mota como uma pessoa de carácter, há muitos anos; depois, porque julgo saber do que é capaz, no calor de uma discussão jurídica, guiado pela certeza das suas convicções; por último, porque o enquadro naquele leque de pessoas a quem se aplica o aforismo "quem mal não usa mal não cuida" e, talvez por isso, não se tenha rodeado das cautelas necessárias num meio profissional que começa a evidenciar alguma esquizofrenia, reflexo da sociedade patológica e em crise onde se insere.Na minha opinião, Lopes da Mota é mais vítima do que algoz, nesta estória das pressões.Ao que parece, porque, em vez de se remeter ao silêncio distante, no seu pedestal de presidente da Eurojust, participou, discutiu e emitiu opiniões sem complexos ou preconceitos, entre colegas, que se pautam pelas mesmas regras.Sempre tive, para mim, que os magistrados não são susceptíveis de sofrer pressões, de qualquer tipo ou origem, porque têm um invejável estatuto onde se ancorar e uma estrutura hierárquica respeitável e legitimamente alicerçada.É, por isso, pertinente que nos interroguemos: quem pediu ou mandou pedir o quê e a quem? Que Magistrado foi coagido ou obrigado a fazer o que não devia e/ou sentiu a sua carreira realmente ameaçada? Que razão fundamental levou o Presidente da República a ser envolvido numa guerra entre magistrados do Ministério Público, à revelia do procurador-geral?’


Guilhermina Marreiros, procuradora-geral adjunta (jubilada), escreve sobre ‘O meu Ministério Público e as pressões’. Eis uma parte do artigo do Público: ‘Encontrei nesta magistratura gente de grande brilho intelectual, profissionais muito empenhados, probos, isentos e competentes e tive o privilégio de privar de perto com muitos deles. Destaco, no entanto, o tempo em que exerci funções no gabinete do procurador-geral da República, onde encontrei o dr. Lopes da Mota, então delegado do procurador da República, o primeiro magistrado a exercer funções de assessor naquele gabinete, sendo titular o dr. Cunha Rodrigues.Recordo-o, ainda hoje e muitos anos são já volvidos, como um magistrado exemplar, um profissional empenhado, estudioso e dedicado, um colega com todo o tempo do mundo para trocar impressões, reflectir e debater questões jurídicas, desenvolver estudos partilhados, trazendo à colação os contributos resultantes da sua pesquisa individual, debatendo e defendendo os seus pontos de vista à exaustão, com tenacidade e persistência e, muitas vezes, com obstinação.Cooperante, sempre se mostrou distanciado do poder político. Sou testemunha presencial das suas dúvidas quando foi convidado para "equilibrar" a pasta da Justiça, que tinha no seu vértice o dr. Vera Jardim e num dos pratos o conselheiro Matos Fernandes. Era preciso alguém do Ministério Público, dizia-se, para formar a equipa que tinha reformas importantes a que se dedicar, entre as quais a reforma do sistema tutelar de menores, área de grande importância para o Ministério Público, pelo papel que tradicionalmente lhe era (ainda é) atribuído.Se não aceitasse este desafio, obrigá-lo-íamos. Argumentando que há lugares que não se podem recusar, por imperativos de consciência e em nome de um serviço público maior que nos é pedido. Entendia-se, então, que seria importante colaborar com o poder político quando nos era dada essa oportunidade.Lopes da Mota aceitou e, a partir daí, os desafios sucederam-se. De resto, aceitando ou não a pasta de secretário de Estado, desafios não faltariam. O Ministério Público não se pode dar ao luxo de não aproveitar talentos. E Lopes da Mota é um magistrado sabedor, competente e íntegro. Não conheço, em detalhe, a tramitação do processo que o levou à Eurojust, mas não causou surpresa a ninguém, de boa-fé, que tivesse sido escolhido e designado membro do Estado Português para esta instância internacional.O que sei da acção desenvolvida no âmbito do processo Freeport pela Eurojust e das alegadas pressões sobre dois colegas é, rigorosamente, nada. Não conheço os processos nem falei com nenhum dos envolvidos. Vou lendo e ouvindo notícias, comentários e opiniões, cujo enfoque varia de sentido em razão do interesse político subjacente. Todos são opiniosos e ninguém é isento. Tão-pouco eu o vou ser agora: primeiro, porque conheço Lopes da Mota como uma pessoa de carácter, há muitos anos; depois, porque julgo saber do que é capaz, no calor de uma discussão jurídica, guiado pela certeza das suas convicções; por último, porque o enquadro naquele leque de pessoas a quem se aplica o aforismo "quem mal não usa mal não cuida" e, talvez por isso, não se tenha rodeado das cautelas necessárias num meio profissional que começa a evidenciar alguma esquizofrenia, reflexo da sociedade patológica e em crise onde se insere.Na minha opinião, Lopes da Mota é mais vítima do que algoz, nesta estória das pressões.Ao que parece, porque, em vez de se remeter ao silêncio distante, no seu pedestal de presidente da Eurojust, participou, discutiu e emitiu opiniões sem complexos ou preconceitos, entre colegas, que se pautam pelas mesmas regras.Sempre tive, para mim, que os magistrados não são susceptíveis de sofrer pressões, de qualquer tipo ou origem, porque têm um invejável estatuto onde se ancorar e uma estrutura hierárquica respeitável e legitimamente alicerçada.É, por isso, pertinente que nos interroguemos: quem pediu ou mandou pedir o quê e a quem? Que Magistrado foi coagido ou obrigado a fazer o que não devia e/ou sentiu a sua carreira realmente ameaçada? Que razão fundamental levou o Presidente da República a ser envolvido numa guerra entre magistrados do Ministério Público, à revelia do procurador-geral?’

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